Na realidade foram necessários vários séculos para que a ideia de que,
em nosso organismo, o sistema nervoso se relacionasse com comportamento e processos mentais. No entanto, o interesse nesse estudo existe há milênios. A hipótese cerebral vem das observações clínicas de Hipócrates (460-400 a.C.) e Galeno (130-200 d.C.) e foram determinantes para a sua solidificação. Segundo referem Fuentes e cols. (2008), o cérebro consolidou-se como o órgão responsável pelos processos mentais e pelo comportamento. Porém, surgiu o problema de saber se essas funções poderiam ser decorrentes do funcionamento de diferentes áreas da sua anatomia. Desta forma nasceram os debates entre holistas e localizacionaistas.
Zatorre&McGill (2005) afirmam que não existe um centro para a música,
como existe para a linguagem. Ou seja, diferentemente da visão localizacionista, em que aponta regiões cerebrais específicas que são ativadas diante do estímulo musical, “[…] a música ativa diversas áreas ao mesmo tempo, mesmo aquelas que estão envolvidas com outros tipos de cognição, tornando-se um estudo mais complexo, mas que permite o conhecimento do funcionamento cerebral, desde o aprendizado de uma habilidade motora, da linguagem, até a origem das emoções” (apud Correia, 2006). Portanto, uma das teorias destroçadas pelos achados recentes é o “localizacionismo”.
Philip Lieberman (1984; 2006), biólogo americano, afirma que “hoje é
certo que a linguagem humana pode ser rastreada até as respostas motoras dos répteis”. Temos aí a teoria holística, em que se acredita que não há especificidade regional no cérebro, que controle o comportamento, atuando como um todo (FUENTES e cols., 2008). Assim, surgiu um novo conceito de função, cujo modelo principal remete-se a Aleksandr Luria (1902-1977), exercida por ‘sistemas funcionais’, que visam à execução de uma determinada tarefa. Concluindo, encontramos em Fuentes e cols. (2008): “Funções mais elementares poderiam ser localizadas, mas os processos mentais geralmente envolvem zonas ou sistemas que atuam em conjunto, embora se situem, frequentemente, em áreas distintas e distantes do cérebro” (p.19).
Nosso estado mental resume, no ato de ouvir, executar, memorizar,
criar ou reagir à música, o uso tanto do conhecimento, quanto do sentimento. Sendo assim, o aspecto cognitivo somado ao afetivo resulta em compreender a linguagem e o mundo, este último numa visão cultural, e também representar interna, simbólica ou abstratamente a música.
Sabe-se que há respostas primitivas à música, que
podem ser compartilhadas por toda a espécie (SLOBODA, 2008) bem como aquelas pessoais, com numerosas e significativas diferenças culturais, devido à comunicação do afeto. Tais indícios são de naturezas cognitivas. Sloboda (2008) refere que a mente musical dá significado aos sons que, sob os olhos da física, se trata de uma coleção de alturas, durações e outras características mensuráveis (p.04). Quanto às respostas emocionais a uma mesma música observa-se que elas variam de uma audição para outra. (SLOBODA, 2008). Desta maneira, nunca uma audição é igual à outra, o que significa que imprescindível se torna valorizar e procurar entender e sentir cada aspecto de nossas reações comportamentais diante do que escutamos. Sloboda (2008) narra que nós aprendemos as estruturas que usamos para representar música e que esse aprendizado são comportamentos baseados em habilidades. Segundo ele (ibidem),esse processo tem duas fases: uma, denominada enculturação desenvolvimentista, em que afirma que o aprendizado resulta da exposição durante a infância, de produtos musicais comuns à nossa cultura. São experiências sociais do dia a dia, como um conhecimento universal; a outra, aquisição de habilidades específicas, obtida através do treinamento, como um conhecimento não universal. Em outras palavras, falar da enculturação é descritivo e falar de habilidades específicas é prescritivo.
Andrade (2004) coloca que existe certa universalidade no
processamento neurocognitivo da música. Por exemplo, “… ouvintes de culturas tão diferentes quanto os balineses ou os indianos frequentemente usam mecanismos ou esquemas cognitivos similares aos ocidentais para processar sequências de tons”. Desta forma, o autor afirma que “mecanismos perceptuais similares estão associados com emoções e contextos sociais similares através das diferentes culturas”.
Cognição Musical – Parte I
Segundo Andrade (2004): A linguagem verbal e a música consistem na organização intencional de sons baseada na modulação de suas propriedades espectrais (tons) e temporais (ritmo) para a produção de um significado, além de serem universais. Por isso, a questão de uma origem comum ou separada de ambas tem estado no centro de aquecidas discussões entre filósofos e cientistas desde o século XVII (apud BESSON, 2001).
Concordamos com Wazlawick e cols. (2007), quando se referirem à
significação da música. Elas relatam que a música “[…] tem um significado e este é comunicado para quem a faz e para quem a ouve”. Sloboda (ibidem) completa o pensamento afirmando que a mente musical dá significado aos sons que, sob os olhos da física se trata de uma coleção de alturas, durações e outros parâmetros sonoros, que são mensuráveis (p.4).
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