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ALEXANDRE KOYRE Estudos de Histéria do Pensamento Cientifico 2 Edigio ‘Tradugo ¢ Revisfo Técnica de: MARCIO RAMALHO FORENSE UNIVERSSTAR A GALILEU E PLATAO* ‘0 nome de Galileu esta indissoluvelmente ligado a revolugdo cienti- fica do séeulo XVI, uma das mais profundas, sendo a mais profunda revo- lugo do pensamento humano desde a descoberta do Cosmo pelo pense mento grego, revolugZo que imptica uma radical “mutagao” intelectual, da ‘qual a ciéncia fisica moderna é, ao mesmo tempo, o fruto ¢ a expresséo'. Por vezes, e854 revolugdo é caracterizada e, a0 mesmo tempo, expli- ‘cada por uma espécie de revolta espiritual, por uma transformagdo comple- ta de toda a atitude fundamental do espirito humano. A vida ativa, vita activ, tomando 0 lugar da theoria, vita contemplativa, que até entéo tinha sido considerada como sua forma mais elevada, O homem modemo pro- ‘euca dominar 2 natureza, enquanto o homem medieval ou antigo se esfor- «2, prineipalmente, por contempli-a. Portanto, deve explicarse por esse desejo de dominar ¢ de atuar a tendéncia mecanicista da fisica cléssica ~ a fisica de Galileu, de Descartes, de Hobbes, seientia activa, operatina, que devia tomar © homem ‘senor e dono de natureza”. Deve-se consideré-la ‘como resultante tZo somente dessa atitude, como aplicegdo a natureza das + Tradugfo feia pola Sra. Georgette P, Vignuux do artigo "Galileo and Pisto, publicado no Journal of the History of Ideas (vol. TY, n® 4, outubre de 1943, pp. 400-428), 152 categorias de pensamento do homo faber®. A ciéneia de Descartes — @ for. tori a de Galileu ~ nada mais & (como se tem dito) do que a cigncia do ar- tesio ou do engenheiro*. Devo confessar que esse explicago nfo me parece intetramente satis- fatéria. E verdade, bem entendido, que a filosofia modema, tanto quanto a ética e a religlio modemas, dé énfase & ago, & praxis, muito mais do que 0 faziam o pensamento antigo ¢ medieval. Isso € t3o verdadeiro quanto 0 que se refere & ciéncia moderna: penso na fisica cartesiana, em suas compara- ‘g®es com polias, cordas ¢ alavancas, Entretanto, a atitude que acabamos de Gescrever é mais a de Bacon — cujo papel na hit6ria das ciéncias nfo & da mesma ordem* — do que a de Galileu ou de Descartes. A ciéncia destes nfo é © produto de engonheiros ou de artesdos, mas de homens cuja obra raramente ultrapsssou 0 dominio da teorid®. A nova balistica foi elabora- da, nfo por fabricantes de munigfo ou artilheitos, mas “contra eles”. E Galileu nfo aprendeu sew oficio com os homens que labutavam nos arse- nais e estaleiros de Veneza. Muito pelo contritio: ele thes ensinou 0 oficio deles®, Além disso, essa teoria explica demasiadamente pouco. Explica 0 prodigioso desenvolvimento da ciéncia do século XVII pelo desenvolvi- mento da tecnologia. Porém, este foi infinitamente menos impressio- nante do que aquele. Ademais, ela despreza os sucess0s técnicos da Idade Média. Esquece o apetite de poder e de riqueza que inspirou a alquimia em todo o decurso de sua historia, Outros eruditos-tém insistido na luta de Galileu contra a autoridade € contra a tradiefo, em particular a de Aristbteles, contra a tradigfo cienti- fica e filos6fice que a Igreja mantinha e ensinava nas universidades. Tem sulinhado 0 papel da observacdo e da experitncia na nova ciéncia da natu 1, E verdade que a observagio ¢ a experimentacdo constituem um dos tragos mais ceracteristicos da ciéncia madema, £ certo que, nos escritos de Galileu, encontramos inémeros apelos & observacdo e & experiénciae uma amarga Ironia em relagdo a homens que nfo acreditavarn no testermunho de seus olhos, porque o que viam éra contrario 20 ensinamento das autotide- es ou, pior sind, que nfo queriam (como Cremonin’) olhar através do te Iesc6pio de Galileu por medo de ver algume coisa que contradissesse suas teorias e crengas tradicionais. Ora, foi precisamente constnuindo um teles- c6pio ¢ utitizando-o, observando cuidadosamente a Lua e os planetas, des- cobrindo os satélites de Japiter, que Galileu desferiu um golpe mortal na astronomia ¢ na cosmologia de sua époce. Todavia, nfo se deve esquecer que a observa ou « experiencia, no sentido da experiéncia espontinea do senso comum, no desempenhou wt 153 papel maior ~ ou, se 0 fer, tratowse de um papel negativo, o papel de um obsticulo — na fundagéo da ciéncia modemnS¥? A fisica de Arisidteles e, ‘ais ainds, a dos norinalistas parisienses, de Buridano e de Oresme, se- jgundo Tannery e Duhem, era muito mais préxima da experiencia do senso comum do que a de Galileu ¢ de Descartel®” Néo foi a “experiéncia”, mas 1 “experimentagio™, que desempenhou ~ mais tarde, somente — um papal positive cousiderivel. A experimentagdo comsiste em interrogar metodica- ‘mente a natuteza. Essa interrogagdo pressujGe e implica uma linguagem na «qual se formulam a8 perguntas, como um dicionério nos permite ler e inter- pretar as respostas. Como sabomos, para Galieu, era através de curvas, cit. culos e triéngulos, em linguagem matematica ou, mais precisamente, em inguagem geomeétrica — no na linguagem do senso comum ou através de pros simbolos —, que nos devemos dirigi & matureza e dela recober res- postas. A escolha da linguagem ¢ 2 deciszo de empregila nfo podiam, evidentemente, ser determinadas pela experiéncia que © proprio uso desta linguagem devia tomar possivel. Era preciso que ease escolha e esse decisdo tivessem origem em outras fontes. Outros historiadores da ciéncia e da filosofia'® procuraram, mais. modestamente, ceracterizar a fisica modema, enquanto fisica, por alguns de seus tragos marcentes como, por exemplo, o papel que nela desempenha ‘© principio da inércia, Aqui, novamente, ¢ exato que o principio da inéreia ‘ocupe um lugar de relevo na mecanica clissica, em contraste com a meci- nice da Antigtidade. £2 lei fundamental do movimento. O principio reina implicitamente na fisica de Galileu, explicitamente na de Descartes e de Newton. Mas limitarse a essa caracteristica me parece um tanto superfi ial. A meu ver, nfo basta simplesmente estabelecer o fato, Devernos vom preendéto e explicé-lo, explicar porque a fisica moderna foi capuz de ado- tar esse principio; compteender porque e como o principio da inércia, que ‘nos parece tdo simples, to claro, to plausivel e até evidente, adquiriu esse status de evidéncia ¢ de verdade a priori, enquanto que, para os gregos, (anto quanto para os pensadores da Idade Média, a idéia de que um corpo, ‘uma vez em movimento, continuaste a se mover para sempre parecia evi- dentemente fala e até absurda"*. Nao tentarei, aqui, explicar as razdes e as causas que provocaram a revolugdo espiritual do século XVL Para nossas finalidades, basta descre- véla, caracterizar a atitude mental ou intelectual da clénciz moderna atra- vés de dois tragos que se completam um 20 outro. Sio eles: 19) a destrui- gH do Cosmo e, consequentemente, o desaparecimento, na ciéncia, de todas as considerag6es buseddas nessa nolo? 29) 4 geomotrizaglo do es- 154 aco, isto é, a substituigdo, pelo esparo homoganio e abstrato da geometria euclidiana, da concepgao de um espago cbsmico qualitativamente diferen- ~ ciado ¢ concreto, o espayo da fisica pré-galileana. Podemse resumir ¢ ex- primir essas duas caracteristicas da seguinte maneira: a matematizagio (geometrizagfo) da natureza e, por conseguinte, a matematizago (geo- rmetrizagio) da cléncia. ‘A dissolugZo do Cosmo significa a destruigfio de uma idéia, aidéia de um mundo de estrutura finita, hierarquicaraente ordenado, de um mundo qualitativamente diferenciado do ponto de vista ontologico. Essa idéla & substituida pela idéis de um Universo aberto, indefinido e até infinito, uni- ficado e governado pelas mesmas leis universais, um universo no qual todas, as coisas pertencem a0 mesmo nivel do Ser, contratiamente a concepgdo tradicional que distinguia ¢ opunha os dois mundos do Céu e da Terra. Do- snyanie. a es do CEu eat leis da Tera we fundegy A stronomis 8 fi. sica tommam-se inter denies, unificadas ¢ unide . Isso implica o desa- pealnntor Ur poepesta cnt ica ds Tol consideragbsbaseadss no valor, na perfei¢a0, na harmonia, na significagdo e no designio™. Tais Consideragder desaparceem no espago intinito do nove Universo. B nesse novo Universo, nesse novo mundo, onde uma geometria se faz realidade, ‘que as leis da fisica classica encontram valor e aplicagao. A dissolugdo do Cosmo, repito, me parece a revolugdo mais profunda realizada ou softida pelo espirite humano desde a invongio do Cosmo pe- Jos gregos. E uma revolusio to profunda, de consequéncias to remotas, ‘que, durante séculos, os homens — com raras exceges, entre as quais Pas- cal — nfo Ihe apreenderam o alcance ¢ 0 sentido. Ainda agora, ela é muitas ‘vezes subestimada ¢ mal compreendida. © que of fundadores da cléncia modems, entre os quais Galileu, ti nham de fazer nifo era criticar e combater certas teorias erradas, para corti- ghHlas ou substituélas por outras.melhores. Tinham de fazer algo inteira~ ‘mente diverso. Tinham de destruiz um mundo e substitu‘-lo por outro. Ti- nham de reformar a estrutura de nossa propria inteligéncia, reformular no- ate ever tus conte, enero Ser de uma nove mani abe far um novo conceita do conhecimento, um novo conceito da ciéneia, e até substituir um ponto de vista bastante aatural — o do senso comum — ‘por um outro que, absolutamente, nfo 0 63. Isso explica porque a descoberta de coisas ¢ de ieis, que hoje pare- ‘cem to simples ¢ tao Faceis que sfo ensinadas as criangas — leis do movi- mento, lei da queda dos corpos —, exigiv um eeforgo to prolongado, tio arduo, muitas vezes véo, de alguns dos maiores génios da humanidade, 155 ‘como Galileu ¢ Descartes"*, Por sua vez, esse fato me parece refutar as ‘modernas tentativas de minimizar e até de nogar a originalidade do pensar mento de Galileu, ou, pelo menos, seu cariter revoluciondrio. Esse fato ‘também toma patente que a aparente continuidade no desenvolvimento da fisica, da Idade Média aos Tempos Modemos (continuidade que foi tio cenergicaments enfatizada por Caverni ¢ Duhem), é ilusérié"7" Seguramen- to, 6 verdade que uma tredigfo ininterrupta se faz presente desde as obras dos nominalistas parisienses até as de Benedetti, Bruno, Galileu e Descartes (cu mesmo acrescentei um elo a hist6ria dessa tradipfo"®). Porém, a con- luso que Duhem extrai dai & enganosa: uma revoluggo bem preparada nfo deixa de ser uma revolugdo e, a despeito do fato de que o préprio Ga- leu, em sua mocidade (como, por vezes, ocorren com Descartes), tenha partilhado das opinides ¢ ensinado as teorias dos criticos medievais de Aris- toteles, 2 cidneia modema, a cléncia nascida de seus esforgos e de suas des- cobertas ndo segue a inspiracdo dos “precursores parisionses de Galileu”, Ea se coloca imediatamente num nfvel totalmente diverso, num nivel que eu gostaria de chamar arquimediano. O verdadeiro precursor da fisica mo- deena nfo é nem Burdeno, nem Oresme, nem meamo Fg, mas Arqut medes", A histéria do pensamento cientifico da Idade Média e da Renascen- 42, que comezames a conhecer um pouco melhor”, pode ser dividida em dois perfodos. Ou melhor: como a ordem cronolégica nfo corresponde 8e- ‘nfo muito grosseiramente a etsa divisio, poderiam distinguir-se, grosso ‘modo, na historia do pensametto cientifico trés tapas ou épocas que cor- espondem, por sus vez, a trés tipos diferentes de pensamento: inicialmen- te, a fisica aristotélica; a seguir, a fisica do impetus, extraida, como tudo o ‘mais, do pensamento grego, ¢ elaborads no decuro do século XIV pelos ‘nominalistas parisionses; finalmente, 2 fisica modems, matemitica, do tipo 4a de Arquimedes ou de Galileu. . Essas ctapas sio encontradas na obra do jovem Galileu. Blas nffo nos informam somente sobre a histéria — on a pré-histéria — de seu pensamen- to, sobre as méveis e 8 motives que o domninaram ou ingpiraram, mes nos oferecem, ao mesmo tempo, reunido ¢, por assim dizer, esclarecido pela admirivel inteligincia de seu autor, um quadro impressionante e profun- damente instrutivo de toda a historia da fisica pré-galileana. Retracemas brevemente essa historia, comecando pela fisica de Aristatees. 156 AA isica de Aristoteles, bem entendido, é falsa ¢ completamente ca- duca. Nao obstante, & uma “fisica”, isto 6, uma ciéncia altamente elabore da, embora néo o seja matematicamenté. Néo se trata de imaginagic puerl, nem de grosseito enunciado logomaquico de senso comum, mas de ‘uma tcofia, ou seja, uma doutrina que, partindo naturalmente dos dados do senso comum, submete-os 2 um tratamento extremamente coeiente € sistemét 0s fatos ou didos que servem de fundamento a essa elaboragdo teé- rica s80 muito simples e, na prética, nés of admitimos exatamente como 0 fazia Aristoteles. Todos nds achamos sempre “natural” ver um eorpo pesa- do cair “para baixo”. Exatamente como Aristiteles ou Santo Tomas, fice: riamos profundamente surpresos se vissemos um cozpo grave ~ uma pedra ‘ou um boi ~ elevar-selivremente no ar. Isso nos parcceria bastante “contra anatureza” e procurariamos explicélo por algum mecanismo oculto. Do mesmo modo, achamos sempre “natural” ver a chama de um £65- foro ditigiv-se “para cima” ¢ colocar nossas panelas “sobre” o fogo. Fica- ‘damos surpresos ¢ buscarfamos uma explicagao se, por exemplo, vissemos ‘a chama voltarse “para baixo”. Qualificaremos essa concepef0 ou, antes, essa atitude, de pueril ou simplista? Talvez. Podemos até assinalar que, se- gundo 0 proprio Arstoteles, a ciéncia comega precisamente quando se pro- ‘cura explicar as coisas que parecem naturals. Entretanto, quando a termo- dinamica enuncia, como principio, que o “calor” passa de um corpo quen- te para um corpo frio, mas nfo de um corpo frlo para um corpo quente, no esté ela simplesmente traduzindo a intuiggo do senso comum de que ‘um corpo “quente” s¢ tomna “naturalmente” frio, mas de que um corpo frio nfo se toma “naturalmente"” quente? E até quando declaramos que o centro de gravidade de um sistema tende a adquirit a posigGo mais baixa e ‘ao se eleva sozinho, nfo estamos simplesmente traduindo uma intulpf0 do senso conmum, aquela mesma que a fisca aistotética exprime ao distin- {guir o movimento “natural” do movimento “violento”? ‘Ademais, a fisiea aristotélica, tanto quanto a termodinimica, nfo se satisfaz. em simplesmente exprimir na sua linguagem o “fato” de senso comum que acabamos de mencionar, Ela 0 transpée. A distingdo entre ‘movimentos “naturais” ¢ movimentos “violentos” se situa numa concep- fo de conjunto da realidade fisica, concepgtio cujos tragos principals pa ‘ecem Ser: a) @ crenga na existéncia de “‘naturezas” qualitativamenté defi- nidas; ¢ b) a crenga na existéncia de um Cosmo — em suma, a crenga na existincia de principios de ordem em virtude dos quais 0 conjunto dos se- res reais forma um todo hierarquicamente ordenado. 187 ‘Um todo, ordem césmica, harmonia: tais coneeitos implicam que, no Universo, as coisas sf0 (ou devem ser) distribuidas e dispostas numa certa cordem determinada; que sua localizapao ngo ¢ indiferente, nem para elas, nem pasa o Universo; que, pelo contrério, qualquer coisa tom, segundo sua natureza, um.clugar”” determinado no Universo, em certo sentido, o seu lugar prépfid2) Um lugar para cada colsa ¢ cada coisa no seu lugar: 0 con- cite de “lugar natura” exprime essa exigéncia tedrica da fisica arisioté ica. ‘A concepedo de “ugar natural” & baseada numa concepe%0 purte mente estética da ordem, Com efeito, se cada coisa estivesse “em ordem”, cada coisa estaria em seu lugar natural ¢, bem entendido, ali ficeria e per ‘maneceria para sempre. Por que deveria sair dali? Pelo contrario, ofereceria, uma resisténcia a todo esforgo no sentido de afastila. NSo se poderia ex- pulséla dali sengo mediante algum tipo de wolécla e, se em conseqiéncia de tal violéncia, 0 corpo se pusesse fora de “seu” lugar, procutaria voltar a ele. Assim, todo movimento implica alguma espécie de desordem odsmi- a, uma perturbagdo no equilibrio do universo, pois ele é ou o efeito direto da violencia ou, polo contritio, evefeito do esforgo do Ser no sentido de compensar essa violencia, para recuperat sua ordem e seu equilibrio perdi- dos ¢ perturbados, para zecolocer as coisas em seus lugares naturais, lugares ‘onde deviam ficar e permanecer. £ esse retorno & pede que constitui, pre- cisamente, 0 que chamamos movimento “natural, Perturbar 0 equilfbrio, voltar & ordem, Esté perfeitamente claro que a ordem constitui um estado sélido e durdvel. que tende a perpetuar-se in- definidamente. Portanto, ndo- hi necessidade de explicar o estado de te- pouto, pelo menos o estado de win corpo em repouso no seu Luger natural ¢ proprio. B sua propria natureza que o explica, que explica, por exemplo, que a Terra esteja em repouso ne eentro do mundo, Do mesmo modo, é evidente que o movimento & necessariamente um estado transitério: um ‘movimento natural cessa naturalmente quando atinge seu objetivo. Quanto 20 movimento violento, Aristoteles ¢ otimista demais para admitic que esse estado anormal possa durar. Além disso, o movimento violento é uma de- sordem que engendra desordem, ¢ admitir que ele pudesse durar indefini- damente significaria, de fato, 0 abandono da préptia idéfa de um Cosmo ber ordenado. Portanto, Aristételes mantém a crenga tranqillizadora em que nada do que ¢ contra naruram possit esse perpetuum™®, Assim, como acabamos de dizer, o movimento, na fisiea aristotélica, € um estado essencialmente transitorio. Entretanto, tomado ao pé da letra, 158 esse enunciado setia incorreto ¢ até duplamente incorreto. O fato & que o movimento, embora seja, para enda unt dos corpos movidos ou, pelo me nos para os do mundo sublunar, para o8 objetos méveis de nossa exporién- cia, um estado necessariamente transitério e efémero, para 0 conjunto do mundo, porém, é um fendmeno necessariamente etemo e, por conseguin: +e, eteramente necessério”” — um fendmeno que nfo podemos explicar ‘sem descobrir sua origem e sua causa na estrutura, tanto fisica como meta fisica, do Cosmo, Tal andlise mostraria que a estrutura ontot6gica do Set material o impede de atingir o estado de perfeigo que implica a nogio de repouss absoluto e nos permitiria ver 2 causa fisica derradeira dos movi- mentos temporitios, efmeros e varlivels dos corpos sublunaxgs no movie mento continuo, uniforme ¢ perpétuo das esleras celestes®? Por outro Jado, o movimento nfo é, a bem dizer, um estado; é um processo, um flue X0, um vir ser, no qual ¢ pelo qual as coisas se constituem, se atualizam & se realizam™. E perfeitamente verdadeiro que o Ser & p termo do “vir a ser” € 0 repouso, o fim do movimento. Porém, 0 repouso irmutavel de um ser plenamente atualizado € algo inteiramente diferente da imobilidade pesada c impotonte de um ser incapaz de mover-se por si mesmo. O primet- 10 6 algo de positivo, “perfeigso e actus"; a segunda é apenas uma “priva- (gf0”. Por conseguinte, 0 movimento — processus, vir a Ser, rmudanga — se acha colocado, do ponto de vista ontoldgico, entre os dois. £0 ser de tudo que muda, de tudo aquilo cujo ser ¢ alteragfo © modificagio e que no é senfo mudando e modificandose. A célebre definigfo atistotélica do movimento — actus entis in potentia in quantum est in potentia — que Descartes considerars perfeitamente ininteligivel -, exprime admiravel- mente 0 fato: 0 movimento é 0 ser — ou 0 actus — de tudo © qué nde é Deus. ‘Assim, moverse ¢ mudar, dliter ef aliter se habere, mmudar em si ‘mesmo ¢ em rélaggo aos outros. Por um lado, isso implica umn terme de re- feréncia em relagdo a0 qual a coisa movida muda seu ser ou sua relagSo; 0 que implica — se examinamos o movimento local®° ~ a existéncia de um io fixo em relago a0 qual a coisa movida se move, um ponto fixo imu- ' ‘evidentemente, $6 pode ser 0 centso do. Universo. Por outro la- do, 0 fato de que cada mudanga, cada provesso, precisa de uina causa para se explicas, implica 0 fato de que cada movimento precisa de um motor para produzilo, motor que o mantém em movimento por tanto tempo quanto dura o movimento. Com efeito, o movimento no se mantém, como ocorre com o repousd. 0 repouso — estado de privago — ndo pret sa da apo de uma causa qualquer para explicar sua persisténcia, O movi 159 mento, a mudanga, qualquer processo cont{nuo de atualizagdo ou de de- terioragG0, ¢ até de atualizagio ou de deteriorago, nfo pode prescindir de tal ago. Retirada 2 causa, cesta o movimento. Cessante causa cessat effectus™) No caso do movimento “natural”, essa causa ou esse motor € a pro rie natureza do corpo, sua “forma”, que busca feconduaito a set lugar ©, assim, mantém © movimento. Fice versa, © movimento que € contra naturare exige, durante toda a sua duraggo, 2 aeio continua de um motor externo ligado a0 corpo movido. Retirado 0 motor, 0 movimento cess. Desligado 0 motor do corpo movido, o movimento tambésy cessa. Aristé- teles, como bent o sabemies, no admite a acdo A distincia®, Segundo ele, cada transmissdo de movimento implica um contato, Portanto, s6 hia dois tipos de tal transmissdo: a pressdo e a tragfo. Para fazer com que um corpo se mexa, ¢ preciso empirré-Io 00 puxélo, Nio existem cuttos meios. Assim, a fisica aristotélica forma urns admirdvel teoria, perfeitamen- te coocente, a qual, para dizer a verdade, sb apresenta um defeito (além de set fala): 0 defeito de ser desmentida pela pritica quotidiana do lanca- mento. Mas um te6rico que merece esse nome nifo se deixa pertusbar pot uma objegZo levantada pelo senso comum. Se encontra um ‘fato” que nfo se enquadta em sua tecria, negacthe 2 existéncia. Se ndo pode negé-a, ele a explica, E na explicagdo desse fato quotidiano, 0 langamento, movimento que continua a despeito da auséncia de um “motor”, fato aparentemente incompatitel com sua teoria, que Aristoteles nos dé a medida de seu genio. Sua resposta consiste emi explicar movimento, aparentemente sem mo- tor, do projétl, pela reagfo do meio ambiente, ar ou égua”®. A teoria é um solpe de génio. Infelizmente, além de falsa, é absolutamente impossivel do ponto de vista do senso comum. Portanto, no € surpreendente que a critica da dinamica aristotelica vote sempre & mesma questio dispucata 4 quo moveantur profecta? 1 Ja voltaremos a essa questio, mas primeiro devesmos examinar outro detalhe da dinimica aristotélica: a negagio do vicuo e do movimento no vacuo. Com efeito, nessa dinémica um vicuo nao permite 0 movimento produzirse mais facilmente; pelo comtrésio, torna-o completamente im. possivel, por razées muito profundas. Jé disiemes que, na dinémica aristotélica, cada corpo & concebido. como dotado de uma tendéncia a achar-se no seu lugar natural e a ele vol 160 | | | tar se dele é afastado pela violéncia. Essa tendéncia explica o movimentone- tural de um corpo, movimento que o leva a seu luger natural pelo eaminho mais curto € mais ripido. Sogue-se que todo movimento natural se faz em. linha seta e que cada corpo se dirige a seu lugar natural to rapidamente ‘quanto possivel, isto é to rapidamente quanto o meio, que resiste & se0 movimento e a ele se opSe, lhe permite fazé-lo. Se nada houvesse para detélo, sc © meio ambiente nfo opusesse qualquer resisténcia ao movimen- to que o anima {este seria 0 caso do vécuo), 0 corpo se dirigtia a “seu” Iugar com uma velocidade infinita™*. Mas tal movimento seria instantineo, ‘0 que — a justo titulo — parece absolutamente impossivel a AristOteles. A conclusio é evidente: um movimento (natural) nfo se pode produit no vé- ‘cuo. Quanto 20 movimento violento, como por exemple o do Tangamento, tum movimento no eicuo equivalera a um movimento sem motor. & evi dente que@ vacuo nao € um nao pode receber, transmitir e eto a ne oe espaco da geometsia euclidiana) no ha lugares privilegiados ou diregbes. No vacuo, nfo hi, ¢ ‘ndo_pode haver, lugares “naturais". Por conseguinte, um corpo colocado no vacuo nfo saberia Onde ir, ndo feria nenhuma ra7Jo para se dirigit numa diregto mais que em outra e, portanto, absolutamente nenhuma razo pare moverse. Vice-versa, uma vez posto em movimento, nfo teria por que pa rar aqui ou ali e, portanto, absolutamente nenhuma razdo para parar™®. AS dduas hip6teses sfo completamente absurdas. ‘Ainda uma vez, Aristoteles tem perfeita razgo. Um espaco vazio {0 da geometria) destréi inteiramente a concepofo de umpa ordem e6smica: num espago vazio, ndo s6 nfo existem lugares naturais®; ndo existem fu- agares de ospécic alguma, A idéia de um vazio nfo é compattvel com a com freensfo do movimento como mudanga e como provesso — talvez até com a do movimento conereto de corpos concretos “reais”, perceptiveis (quero referireme aos corpos de nossa experiéncia quotidiana). O yécuo é um con- {rasenso"”; colocar as coisas em tal contra-senso € absurdo%. $4.08 corpos ‘geométricos podem ser “colocados” mum espago geométrico, O fisico examina coisas reais; o gedmetta examina razes em fungao de ubstrag6es. Por conseguinte, sustenta Arist6teles, nada poderia ser mais porigoso do que misturar geometria ¢ fisica, ¢ aplicar um método e um ra- iocinio puramente geométricos ao estudo da realidade fisica. Mm 46 sssinalei que a dinémica aristotélica, ¢ despeito — ou talvez por 161 causa — de sua perfelgio tebrica, apresentava um grave inconveniente: no ser, absclutamente, plausivel, o de ser completamente incrivel c ina ceitvel_pata 0 simples bom senso, o de estar, evidentemente, em contrar digo com a experiénela mals comum. Portanto, nada hi de espantoso no fato de que ela jamais tenhs gozado de um reconhecimento universal e de ‘que 0s crticos © 05 adversérios da dindmica de Aristoteles sempre the te- ‘nham oposto essa observagso do bom senso de que © movimento prosegue separado do motor que the di oxigem. Os exemplos clésscos de tal movi mento — rotagio persistente da roda, wo da flecha, langamento de uma ‘peira — sempre foram invocados contra cla, desde Hiparco e Filo, passan- do pot Jozo Buridano e Nicolau de Oresme, até Leonardo da Vinci, Bene- detti ¢ Galileu®. io protendo analisar aqul os arguinentos tradicionals que, desde Fits, foram repetidos pelos partidérios de sus dinimica. Grosso modo, les podem ser classficados em dois grupos: a) Os primelros argumentos so de ordem materiale sublinham 0 quanto é improvivel a suposigao se- gundo a qual um corpo granile e pesado — bala de canhdo, mé que gra, e- cha que vod contra o vento ~ pode ser movido pela reagdo do ar; b) Os ou- tos sd0 de ordem formal e assindlam o catdter contraditério da atubuiggo a0 ar de um duplo papel, 0 de resisténcia e o de motor, bem como 0 cart- ter ilusério de toda a teoria: ela no faz senfo deslocar 0 problema, do corpo para o ar, ¢ 9 acha, por isso, obrgada a atribuir ao ar o que ele recu- s4 4 outros corpos, a capacidade de manter um movimento separado de sua ‘eausa externa, Se assim é, pergunta-se, por que nfo supor que 0 motor transmite s0 corpo movido, ou Ihe imprime, algoma coisa que o tora ca- poz de mover-se — algo chamado dynamis, virtus moti, virtus impress, ‘impetus, impetus impressus, 38 vezes forza ou mesmo motio, que é sempre reptesentado como alguma espécie de poténeia ou de forga que passa do motor x0 mével o continua, entZo, © movimento, ou melhor, produ 0 ‘movimento como sua cause? IE evidente, como 0 proprio Duben. reconheceu, que voltamos 20 tom senso. Os partidos da fisiea do impetus pensumn em termos de ex petiéncia quotidiane. Nio & certo que precisamos fazer um esforgo, empre- gar e despender forea para mover um corpo, como, por exemplo, para em- purrar um carro, langas-uma pedra ou entesar um arco? Nao é claro que é ‘essa forga que move 0 corpo ou, ants, que o faz moverse? — que é a forge que © corpo recebe do motor que o toma capaz de vencer uma resisténcla (como a do ar) e de opor-se a obstéculos? ‘Os partidérios medievais da dindmica do imperus discutem longs- 162 mente, © sem sucesso, sobre o status ontolégico do impemus. Tentam incluGlo na classificagio aristotéica, interpreti-io como uma espécie de forma ou uma espécie de habitus, ou como uma espécie de qualidade tal ‘como o calor (Hiparco e Galileu). Essas discusses apena: méstram a natureza confusa ¢ imaginativa da teoria que é um produto direto ou, se se pode dizer, uma condensagqo do senso comum. Como fal, ela ajusta, melhor ainda do que o ponto de vista aristotéli- co, 205 “fatos” — reais ou iniaginérios — que constituem o fundamnento experimental da dinémice medieval, em particular como o “futo” bem co- hecido de que todo projétil comega por aumentar sua velocidade ¢ ad re 0 maximo de rapidez algum tempo depois de se terScparado do motot Todos sabem que, para saltar um obsticulo, € preciso “tomar impulso”; ‘que um carro que s¢ empurca ov se puxs parte Ientaménte e ganhs veloc ade pouco a pouco; também ele toma inpulso e edquire sua forga viva: da ‘mesma forma que cada qual — até uma crianga que langa uma bola ~ sabe ‘que, para golpear 0 objetivo com forga, ¢ preciso colocarse @ uma carta distincia, ndo perto demais, a fim de fazer com que a bola tome velocida- de. A fisica do impetus no tem dificuldade om explicar esse fendmeno. Do seu ponto de vistart tural que 0 impetus precise de al. ‘gum tempo para fapoderarse” do mével)exatamente come 9 calor, por ‘exemplo, precisa Mandir num corpo. "A concepgfo do movimento que sustenta ¢ upiia a fisiea do impetus € completamente diferente da concepef0 di teoria aristotélics. O movie ‘mento no é mais interpretado como um proceso de atualizagdo. Entre- tanto, continua a ser uma mudanga e, como tal, é preciso que se explique pela ago de uma fora ou de uma causa determinada. O impetus é procisa- Tnente essa causa imanente que produz. o movimento, 0 qual é, converso ‘modo, o efeito produzide por ela. Assim, 0 impetus imprestus produz © movimento; move © corpo. Mas, a0 mesmo tempo, desempenia outro pa- pel muito importante: sobrepuja a resisténcia que 0 meio opte 20 movl- mento. ~~ Tendo em vista o cardter confuso e ambiguo da concepgfo do impe- ‘us, € bastante natural que seus dols aspectos ¢ fungi tenham de fundire 1 ¢ que certos pattidarios da dinémics do tmpecus devam chegar & conchu- slo de que, pelo menos em cortos casos pasticulares, como o movimento ciroular das esfeyas celestes ou, mais geralmente, 0 rolamento de um corpo circular sobre ura superficie plana, ou, mais geralmente ainda, em todos (08 casos em que no hd resisténcia externa ao movimento, como num va ‘cum, © traperus no se enfraquece, mas permanece “mortal”. Esse modo 163 de ver parece bastante proximo da lei da inéréis e, portanto, é particular ‘mente interessante ¢ importante notar que o proprio Galileu, que em seu De’ Motu nos faz. uma das methores exposigges da dingmica do fmpetus, nega decididamente 2 validade de tal suposigSo e afirma vigorosemente & natureza essencialmente perecivel do impetus. Bvidentemente, Galileu tem toda a raz8o. Se se compreende 0 mo- ‘vimento como 0 efeito do impetus, considerado como sua causa ~ uma causa imanente, mas no interna, como uma “natureza” ~, € impensével e absurdo no admitir que a causa ou forga que 0 produz deva necessariae mente ser despendida e fnalmente esgotada nessa producto. Ela nfo pode jois momentos cansecutivos. Por conseguinte, 0 ‘movimento por ela produzido deve necessariamente desacelerarse e extin- guirse*. Assim, o jovem Galileu nos dé uma liggo muito importants, Ble nos ensina que 2 fisica do impetus, embora compativel com o movimento ‘num vacuum, é, como a de Aristételes, incompativel cor o princfpio da inércia, Nao 6 a tnica iigdo que Galileu nos dé a respeito da fisica do fm- petus. A segunda é pelo menos téo precisa quanto 2 primeira. Mostra que, como a de Aristteles, a dinfmica do impetus é incompativel com umm mé- todo matemético. Hla nfo conduz a parte alguma, Tatase de uma via sem ‘aida. ‘A Cisica do impetus fez muito pouco progresso durante os mil anos que separam Filo de Benedetti. Mas nos trabalhos deste dltimo, e de mo- do mais claro, mais coerente ¢ mais consciente nos do jover Galiteu, en- contramos um resoluto esforgo para aplicar a essa fisica os principios da “filosofia matemética’™, sob a evidente e inegavel influéncia de “Arqui- medes, o sobre-humano”™ Nada & mais instrutivo do que o estudo dessa tentativa — ow, mais exatamente, dessas tentativas — e de seu fracasso. Flas nos mostram que é impossivel matematizar, isto é, transformar em conceito exato, mateméti- 0, & grosseire, Vaga © confusa teoria do imperus. Foi preciso abandonar essa concep¢o para edificar ums fisica matematica na perspoctiva da esté- tica de Arquimedes*®. Foi preciso formar e desenvolver um conceit novo «original do movimento. E esse novo conceito que devemos a Galileu. Vv Conhecemos 10 bem os principios e os conceitos da mecinica mo- dema — ou, antes, estamos 10 acostumados com eles —, que nos € quase imposstvel vislumbrar as dificuldades que foi preciso vencer para estabele- 164 ‘os. Tais prinefpios nos parecer 120 simples, 120 naturais, que no no- ‘tamos 0s paradoxos que implica. Entretanto, o simples fato de que os maiores ¢ mais poderosos espititos da humanidade — Galileu, Descartes — tiveram de luter para fazer dosces principios os seus proprios principios basta para nos mostrar que essas nogSes clarase simples —a nocdo de mo- vimento ow 2 nogdo de espago ~ ndo sdo tao claras e simples quanto pare- ‘cem. Ou entdo, elas séo clas c simples apenas de um certo ponto de vista, unicamente como parte de certo conjunto de conceitos e axiomss, fora do ‘qual ido mais séo simples. Ou entdo, talver, elas sejam claras e simples de- Inais, tio claras e simples que, como todas as primeiras nog6es, s0 muito \iffceis de assiraila © movimento, 0 espaco... Tentemos esquecer, por um momento, ‘tudo 0 que aprendemos na escola. Tentemios figurar o que eles sinificam fem mecinica, Procuremos colocar-nos ne situago de um contemporineo de Gulileu, de um homem acostiimado com as coneettos da fisica aristoté- lica que ele aprenden em sua escola e que, pela primeira vex, se defronta ‘com 0 conceite moderna de movimento, Que 6 isto? De fato, algo de mui- rwestranho. Algo que no afeta de modo algum o corpo que dela é dotado: estar em movimento ou ester em repouso nfo faz diferenca para 0 corpo em movimento ou em repouso, nfo the tz nena ateragfo. © compo, como tal, é totalmente indiferente a ume a outrd!S: Por conseguinte, nZ0 podermos atribuir © movimento 3 um deserminado corpo considerado em ‘mesmo. Um corpo ndo est em movimento sendo em relagdo a algum outro corpo que supomos em repouso. Todo movimento é relativo. Portanto, podemos atributlo a um ou outio dos dois corpos, ad lbérunt™. Assim, 0 movimento parece ser uma relagfo, Mas, ao mesino tempo, € um e#tado, exatamente como 0 repouso € outro estado, inteira ¢ absolu- tamente oposto a0 primeizo. Além disso, eles sf0, um e outro, estados persistentes®®, A famosa primeira lei do movimento, a lei da inércia, nos ‘ensina que um corpo abandonado 4 si mesmo persiste etemamente em seu estado de movimento ou de repouso e que temos de aplicar uma forga para formar um estado de movimento em estado de repouso, e vice-ver- . Entretanto, a eteridade ndo é inerente a toda espécie de movimento, ‘mas somente ao moviinento uniforme em linha rets. Como todos sabem, a fisica moderna afirma que um corpo, uma vez posto em movimento, conserva eternamente sia diregGo ¢ sua velocidade, com gondigfo, bem entendido, de que nfo sofra a agdo de alguma forga externa”. Além disso, diante da objesfo do aristotéico de que, se bem que ele conhega o movie mento etemo, 0 movimento circular das esferas celestes, jamais encontrou 165 uum movimento retiineo persistente, a fisica modema respomde: certamen- te! Um movimento retilineo uniforme & sbsolutamente impossivel e 56 pode ser produzido no vécuo. Reflitamos sobre isso ¢ talvez, nfo sejamos duros demais com 0 aris- totélico qué se sentia incapaz de asimilarc aceitar essa nogo extravagant, 8 de uma relagdo-estado porsistente, substancial, conceito de algo que, para , parecia to abstruso e to impossfvel quanto nos parecem as desastra- as formas substanciais dos escolisticos, Nfo é surpreendente que o aristo- télico se tenhe sentido pasmado e perdido dlante desse alucinante esforgo pare explicar 0 real pelo inaposstvel ou, o que dé no mesmo, para explicar ‘0 ser real pelo set matemiético, porque, como ja afirmel, os conpos que se movem em linha reta num espago vazio infinito ndo so corpos reais que 3 deslocam num espago real, mas corpos matemuticos que se deslocara num espaco matemécico, ‘Mais iia vez, estamos Ugo habftuados @ cltncla matemética, flsica matemética, que no mais sentimos a estranheza de um ponto de vista ma- temitico a respeito do Ser, a audécia paradoxal de Galileu, a0 declarar que o livro da Natuteza € escrito em caracteres geoméiricos"™. Para nds, iso Sbvio. Mas ndio para 08 contemporineos de Galileu. Portanto, 0 que consti- tui o verdadero assunto do Didlogo sobre os Dols Malores Sistemas do Mundo € 0 direto da ciéncia matemétiea, da explicago matemética da Na- ‘tureza, em oposiggo & explicagdo nfo matematica do senso comum ¢ da fi sica aristotélica, muito mais do que a oposicao entre dois sistemas astrond- icos. fato que o Didlogo, como creio haver mostrado em mew Etudes ‘galiléennes, nfo é tanto um livro sobre a ciéncia, no sentido que damos a ‘ssi pelavea, quanto um livro Sobre @ filosofia — ou, para ser inteiramente exato e empregar ume expressdo cafda em desuso, poréin venerdvel, um Tt ro sobre 4 flosofia da Natureza —, pela simples razKo de que a solugo do problema 2stronémico depende da constituigdo de ume nova Fisica, @ ‘qual, por Sua vee, implica a solugio da questio flosdfica do papel que de- sempenham as matemiéticas na constituiedo da eigncia da Natureza. De fato, o papel ¢ o lugar das matemsticas na ciéncia nfo é um pro- blema muito novo. Muito pelo contrério: durante mais de dois mil anos, fol objeto da meditacdo, da pesquisa ¢ da discussao filos6ficas, Galileu tem pesfeita consciéncia disso. Nada hi de assombroso nisso! Mesmo muito jo- ‘vem, como estudante tha Universidade de Pisa, a8 conferéncias de seu mes- ‘te, Francesco Buonamici, Ihe podiam haver ensinado que a “questao” do papel e da natureza das matematicas constitui o principal motivo de opo- sigdo entre Aristoteles e Platzo™, F, alguns anos mais tarde, quando voltou 16 1 Pisa, desta feita como professor, ele podia ter aprendido com seu amigo © colega, Jacopo Mazzoni, autor de um livro sobre Plato e Aristoteles, que “nenhuma outta questo deu lugar a mais nobres e mais belss especuls- g0es... do que a de saber se 0 uso das mateméticas na fisica, como instru- mento de prova e meio de demonstra¢g0, € oportuno ow nfo: em outras palavras: se nos & vantajoso ou, contrariamente, perigoso ¢ prejudicial”. “'E bem sabido, diz Mazzoni, que Platdo acreditava que as matematicas sf0 particularmente apropriadas as pesquisas da fisica, pois que ele proprio re- corren a clas em diversas ocasi6es para explicar os mistérios fisicas. Mas Arist6tcles sustentava um ponto de vista totalmente diferente ¢ explicava os ertos de PlatZo pelo seu demasiado apego as matemiticas”® . Vése que, para 2 conscitncia cientffica e filosbfica da época ~ Buo- namicl e Mazon! ndo fazem mais do que exprimir a communis opinio — 1 oposigdo ou, antes, a linha divisoria entre o aristotélico e 0 platdnico é porfeitamente clara, Se alguém reivindica para as matemdticas uma posigo superior, se Ihes atribui um real valor e uma posigo decisiva na fisia, tra tae de um platOnico. Pelo contrério, se alguém vé nas mateméticas uma ciéncia abstrata e, portanto, de menor valor do que aquelas — fisica ¢ me tafisica — que tratam do ser real; se, em particular, alguém sustenta que a fisica nfo precisa de neahuma outra base senfo da experiéncia e deve edi- ficarse ditetamente sobre a percepclo, que as matemiticas devern conten- tarse com 0 papel secundirio e subsidisrio de simples auxilar, tratase de tum aristotélico. O que estd em jogo, aqui, nfo ¢ a certeza — nenhum aristotelico ja- mais pés em divide a cortez das proposig6es ou demonstragées gooméi- cas —, mgs o Ser; nem mesmo o emprego das mateméticas na fisica — no- nnhum arlstotélico jamais negou nosso direito de medir 0 que é mensurével © de contar o que é contivel —, mas a estrutura da ciéncia e, portanto, a estrutura do Ser. Tals sfo as discussGes as quais Galileu continuamente fez alusto no curso desse Didfogo. Assim, bem no inicio, Simplicio, o arstotélico, subti- nha que, “no que se refere s coisas naturais, nem sempre precisamos pro- curar a necessidade de demonstragSes matemiticas”™*. Ao que Sagredo, ‘que so dé o prazer de nfo compreender Simplicio, replica: “Naturalmente, ‘quando nao se pode consegui-lo. Mas, se se pode, por que no?” Natural- mente! Se € possivel, nas questOes relativas &s coisas da natureza, conseguir ‘uma demonstrago dotada de rigor matemético, por que ngo deverfamos procurar fazéla? Mas, isso & possivel? Esse é exatamente o problema, ¢ Ga- ‘eu, na margem do livro, resume a discussfo ¢ exprime o verdadeiro pen- 167 samento do atistotélico: “Nas demonstragGes relativas & natureza, diz ele, ‘nfo se tem de procurat a exatidao matemstica” [Nio se tem... Por qué? Porque ¢ impossivel. Porque a natureza do ser fisico € qualitativa e vaga, Hla nfo se enquadra na rigidez e na precisao dos conceitos matemsticos. E sempre “mals ou menos”. Portanto, como 0 arit- totélico nos explicard mals tarde, a filosofia, que ¢ « ciéncia do real, no precisa examinar os detalhes, nem recorrer 4s determinagbes numéricas a0 formular suas teorias do movimento. Tudo o que ela deve fazer 6 enumerar ‘suas principais categorias (natural, violento, retilineo, circular) ¢ descrever seus tragos gerais, qualitativos e abstratos®® 0 leitor modemo esté, provavelmente, Jonge de se convener disso. Ele acha dificil admitir que a “flosofia” tenha tido de contentar-se com ‘uma generalizagéo abstrata e vaga e nfo procurar estabelecer leis universais precisas e concretas. O leitor moderno mio conhece a verdadeira raz8o dessa nocossidade, mas 05 contemporineos de Galileu a conheciam muito ‘bem: Sabiam que a qualidade, tanto quanto a forma, sendo por natureza ‘nfo matemética, nfo podia ser analisada em termos matemtioos. A fisica ‘do égeometria aplicada. A matéria terrestre nunca pode exibir figuras mateméticas exatas. As formas” nunca 0 “informam” completamente € perftitamente. Permanece sempre uma distincia.... Nos céus, bem entend- do, as coisas se passant de outra maneira. Portanto,a ustronomia matemé- tica € possivel. Mas a astronomia ndo é a fisica. Que isso tenha escapado 2 Platfo, eis af, precisamente, seu orro ¢ 0 de seus partidarios.E indi tentar edificar uma filosofia matemética da natureza. O empreendimento esté condenado antes mesmo de iniciarse. Ble ndo conduz 4 verdade, mas 20 erro. “Todas essas sutilidades mateméticas, explica Simplicio, sfo verda- deiras in absiracto. Mas, aplicadas 4 matéria sensfvel e fisica, nfo funcio- nam’. Na verdadeifa natureza, ndo hd nem efreulos, nem (ringulos, nem linhas rotas. Portanto, ¢ indtil aprender a Linguagem das figuras mateméti- cas. Nio é nelas que est4 escrito. a despeito de Galileu e de Platéo, 0 lvro da Natureza. De fato, ndo ¢ apenas imitil; & perigoso: quanto mais um es- pitito estiver acostumado a precisio e & rigidez do pensamento geométrico, rienos ele serd capaz de assimilar a diversidade movel, cambiante, qualitat- vamente determinada do Ser. fBssa atitude do aristotélico nada tem de sidfculo™. Pelo menos a mim ela me parece perfeltamente sensata, Nao se pode estabelecer uma teoria matematica da qualidade, diz Aristoteles a Platdo; nem mesmo do movimento. Nao hé movimento nos niimeros. Mas, ignorato motu ignora 168 fur natura. O aristotélico do tempo de Galileu podia acrescentar que 0 maior dos platonicos, 0 divino Arquimedes® , jamais pide elaborar outra coisa além de uma estética. Nada de dindimica. Uma teoria do repouso, NZo do movimento. ‘O aristotélico tinha toda a razdo. E impossivel fomecer uma dedugio ‘matemitica da qualidade. Bem sabemos que Galileu, como Descartes pou- ‘co mais tarde, e pela mesma ra2do. foi obrigado a suprimir a nogao de qua- lidade, a declaré-la subjetiva, a banita do dominio da natureza, o que implica, a0 mesmo tempo, que ele tenha sido obrigado a suprimir a per- cepgifo dos sentides como a fonte de conhecimento e a declarar que 0 ¢o- nhecimento intelectual, € t€@ priori. ¢ nossa nico ¢ exclusive meio de apreender a esséncia do real. f Quanto a dindmica e as leis do movimento, © posse 86 deve ser pro- vado pelo esse, Para mostrar que ¢ possivel estabelecer as leis maternaticas da natureza, é preciso fazé-lo. Nao hi outro meio e Galileu est perfeita- mente consciente disso. Portanto, é dando solugées mateméticas @ proble- mas fisicos concretos — 0 da queda dos corpos, o do movimento de um ‘projétil — que ele condaz Simplicio a confessar que “querer estudar os problemas da natureza sem as matemdticas 6 tontar fazer algo que fo po de ser feito”. Parece-me que agora podemos compreender 0 sentido deste significa tivo texto de Cavalieri que, em 1630, escreve em seu Specchio Ustorio: “Tudo o que traz(acrescenta) 0 conhecimento das ciéncias mateméticas, que as célebres escolas dos pitagdricos ¢ dos platénicos viam como superior- mente necessério & compreensdo das coisas fisicas, logo apareceré clara- mente, aggim espero, com a publicagto da nova ciéncia do movimento prometida por este maravilhoso verificador da natureza, Galileu Galileu"® Também compreendemos o orgulho de Galileu, o platonico, que, em seus Discursos ¢ Demonstragées, anuncia que “vai promover uma ciéncia completamente nova sobre un problema muito antigo”, ¢ que provaré algo ‘que ninguém provou até entdo, 2 saber, que o movimento de queda dos corpos é sijeito A lei dos nimeros" . O movimento governiado pelos nime-; 108: 0 argumento aristotélico se achava, finalmente, refutado. / # evidente que, para os discipulos de Galileu, da mesma forma que” para seus contemporineos e antecessores imediatos, matemtica significa platonismo. Por conseguinte, quando Torricelli nos diz “que entre as artes liberais, somente a geometria exercita e aguya o espirito e 0 toma capaz de construit um omamento da Cité em tempos de paz e de defendéo em tempo de guerra”, e que “caeveris paribus, um espitito conduzido a ginés- , 169 ‘ica geoméirics é dotado de uma forga muito particular ¢ viril”, no se mostra apenas um auténtico disefpulo de Platdo; ele se reconhece ¢ se pro- lama como tal. Assim fazendo, permanece um fiel discipulo de seu mestre Galileu que, em sua Resposta aos Exercicios Filosdficas, de Antonio Rocco, dirige-s a este iltimo, pedindo-the que julgue por si mesmo 0 valor dos dois métodos rivais — 0 método puramente fisico € empitico, ¢ 0 mé- todo matemitico — e acrescenta: “Decida, a0 mesmo tempo, quem raci cinow melhor: Platio, que diz que ser as matemiticas nfo se poderia aprender filosofia, ou Aristételes, que reprovou Platfo por haver estudado demais a Geometria"®. ‘Acabo de chamar Galileu de platénico. Creio que ninguém pori em daivida que ele o seja™. Ademais, ele proprio o diz. Logo nas primeiras pé- sginas do Didlogo, Simplicio observa que Galileu, sendo matemitico, prova- ‘elmente nutre simpatia pelas especulagées muméricas dos pitagéicos. Isso petmite 4 Galileu doclarar que ele as considera totalmente desprovidas de sentido e, ao mesmo tempo, dizer: “Sei perfeitamente bem que os pitago- ricos tinham 4 mals alta estima pela ciéncia dos niimeros e que 0 proprio Platzo admicava a inteligéncia do homem ¢ screditava que ele participa da divindade pela simples razdo de que é capaz de compreender a natureza dos ndmeros. Eu mesmo me inclino a fazer idéntico julgamento"®* Como poderia ele ter uma opinito diferente, ele que acreditava que, ‘no conhecimento matemstico, 0 espirito humano atinge a propria perf ‘edo do entendimento divino? Nfo diz ele que “sob a relagéo da extensfo, {sto 6, no que se refere & multiplicidade das coisas a eonhecer, que ¢ infini- 1a, 0 espitito humano é como um nada (mesmo se compreendesse um mi thar de proposigdes, porque um milhar, comparado com a infinidede, & ‘como se fosse zero); mas sob a relagfo da inrensidade, tanto quanto esse (ermo significa assimilar intensamente, a saber, uma dada proposigo, digo ‘que 0 espirito humano compreende algumas proposigies to perfeitamente delas tem uma certeza t70 absoluta quanto pode ter « propria Natureza. A ossa espécie pertencem as ciéncias mateméticas pures, isto é, 2 geometria € a atitmética, das quais 0 intelecto divino, bem entendido, conhece infinitamente mais proposigdes, pela simples raz40 de que conhece todas. Mas, quanto 20 pequeno mimero que 0 espitito humano compreende, ‘reio que nosso conhecimento se iguala 20 conhecimento divino em certezs objetiva, porque consegue compreender a nevessidade delas, além dda qual nfo parece poder existic uma certeza maior", Galilew teria podido acrescentar que o entendimento humano é uma obra de Deus to perfeita que, abvinitio, estd de posse dessas idéias claras e 170 simples, cuja propria simplicidade 6 uma garantia de verdade, ¢ que the ‘basta voltar-se para sl mesmo para encontrar em sua “meméria” 08 vide deiros fundamentos da ciéncia ¢ do conheclmento, o alfabeto, isto é, o8 elementos da linguayem — a linguagem matemética — que fala a Natureza criada por Deus. E preciso encontrar o verdadeiro fundamento de uma cif cia real, uma ciéncia do mundo real — ngo de uma ciéneia que $6 atinge a verdade puramente formal ~, a verdade intrinseca do racioeinio e da de- dugdo mateméticos, uma verdade que nfo seria afetada pela nfo existéncia na Natureza dos objetos que estuda. E evidente que Galileu, nfo menos que Descartes, no se satisfaz com tal sucedneo de ciéncia e de conheci- mento reais, 6 dessa ciéncia, o verdaderio conhecimento “filoséfico”, que € 0 co- nhecimento da propria esséncia do Ser, que Galileu proclama: “E ev lhes igo que se alguém ndo conhece a verdade por si mesmo, é impossivel a ‘quem quer que seja the dar e3se conhecimento, Com efeito, ¢ possivel en- sinar essas coisas que no si0 nem verdadeiras nem falsas; mas as verdadei- ras, pelas quis entendo as coisas necessérias, sto é, as que no podem ser {de-outra forma, todo espirito mediano ou as conhece por si mesmo, ou jamais pode aprendé-las”*". Seguramente! Um platOnico nfo pode ter umta ‘opinido diferente, pois, para ele, conheeer nada mais ¢ do que compreender. [Nas obras de Galilew, as alus6es to numerosas a Plato, a repetida mengéo da maigutica soctética ¢ da doutrina da reminiscéncia, nfo 840 or- namentos superficiais provenientes do desejo de enquadrar-se na moda lite- dria resultante do interesse que 0 pensamento da Renascenga dedica a Pla- ‘Go. Tampouco visam atrair para 2 nova ciéncia a simpatia do “leitor me- iano”, eansado ¢ desgostoso da aridez da escoldstica aristotélica. Nem a revestir-se, para opor-se a Aristoteles, da autoridade de set mestre e rival, Plato. Muito pelo contritio. Hssas aluides sio perfeitamente sérias ¢ de- ‘vem ser tomadas tal.como sf feitas. Assim, para que ninguém possa ter a ‘menor dtivida quanto a seu ponto de vista filoséfico, Galilew insiste®*: SALVIATI. — “A solugfo do problema em questo implica o conhe- cimento de certas verdades que conheceis to bem quanto eu, Mas como nfo as recordais, nfo vedes essa soluefo, Dessa maneira, sem ensinar-vos, porque jé as conheceis, pelo simples fato de vo-las recordar, farei com que. resolvals vs mesmos o problema”. SIMPLICIO. — “Muitas vezes tenho ficado impressionado por vossa maneira de raciocinar, a qual me leva a pensar que vos inclinais pela opi- nifio de Plato, nostrum scire sit quoddam reminisci. Pego-vos que me li- bertais dessa divida e que me digais qual ¢ 0 vosso proprio pensamento”. im SALVIATI. — “O que penso dessa opinifo de Plato posso explici-lo ‘com palavras, mas também com fatos. Nos arguments até aqui spresen- tados, de fato por mais de uma vez jf me menifestei. Agora, quero aplicar ‘o.mestno métogo a pesquisa em curso, pesquise que pode servis de exem- plo para ajudaz-vos a compreender mais facilmente minha idéias sobre a aquisigdo da ciéncia...” ‘A pesquisa “em curso” nada mais é do que a dedugfo das proposi- ges fundamentais da mecinica, Estamos prevenidos de que Galileu juiga ter feito mais do que sinaplesmente dizerse um adepto e partidario da epis- temologia platénica, Além disso, aplicando essa epistemologia, descobrin- do as verdadeiras leis da fisica, fanendo com que sejam deduzidos por Sa- gredo € Simplicio, isto ¢, pelo proprio leitor, por nés mesmos, ee acredita ler demonstrado 2 verdade do platonismo “na reslidage”. O Diogo © os Discursos nos fornecer a historia de uma experiéneia intelectual, de uma cexperigncia concludente, pois ela termina pela confissio cheia de pesar do aristotélico Simplicio, que reconhece a necessidade de estudar as matems- ticas e lamenta ngo as ter estudado desde a sua juventude. © Ditiogo ¢ 08 Discursos nos contam a hist6ria da descoberte, ou ainda melhor, da redescoberta da linguagem que fala a Natureza. Eles nos explicam a maneira de interrogta, isto é, a teoria dessa experimentagéo cientifica na qual a formulapo dos postulados e a dedugdo de suas conse- qléncias precedem ¢ guiam o recurso a observagdo, 1880, pelo menos para Galileu, & uma prova “reel”. A nova cigncia &, para ele, uma prova experi- ‘mental do platonismo. * Cf. 4. H. Randal, Jt, The Ming of the Modern Mind, Boston, 1926, pp. 220 sq, 231 sq. cf. também A. N. Whitehead, Science and the Modern World, New York, 1926. + E preciso ndo confundir essa concep langemente difundida com ade Ber son, pata quem toda a fies, canto a arstotélica quanto a newtoniana, 6,em wtima andlise, a obra do homo faber. > Cf. L, Laberthonnitre, Bruder sur Descerter, Pats, 1935, I, pp. 288 54., 297, 304: “Physique de Pexploitation des choses” * Bacon 0 arauto, 6 buccinetor do cifacia moderna, was ndo um de sous alidores. 12 * A cincia de Descartes ¢ de Galleu fot, bem entendido, extremamente n= portante para o engenheito & 0 tGonico, Afina ela provocou uma revolugdo téenica. Fatretanto, nfo fol criada © desenvoivida nem por engeaelros, nem por tenis, sas por tebriens © flétofos. + “Descartes artosio" é 2 concepgio do carteslanismo que fol desenvolsida por Leroy em seu Descartes sock, Paris, 1932, que foi levada até o absurdo por F. Borkeneu em seu lio Der Ubengang vom foudalen sum bargerlichen Welrbild, Pars, 1934, Rorkenau expliea 0 nascimento da fllosofia e da cine cartesianas petoapare- cimente de uma nova forma de empresa econémica, ito ¢, a manufatura, Cf. critica do livo de Borkenau, ertica muito mais interesante e instrutiva do que o proprio lic ro, por H. Grossman, "Die gesellschefiichen Grundlagen der meckanististien Philo- sople und die Manufakear", Zeitscvif fr Sactalforschug, Paris, 1935. (Quanto 4 Galileu, é Ugado is wadigdes dos artesios, construcoret, engenbaizor, tc. da Renascensa por L, Olschki, Gale und seine Zet, 1927, e mais tecentemente [por E, Ziksel, “The sociological rocts of science", The American Journal of Sociology, XLVI, 1942, Zilsel sublinha o papel desempenhado pelos “artexfos qualificadee”” da Renascenga no desenvolvimento da mentalidade cienitiea moderna, Bem entendido, é yerdade que os artistes, engenteros,arquitetos, eo. da Renascenga deserpenharem ‘um papel importante na tuta contra a tradigéo arstoréica e que alguns deles — como Leonardo da Vinci © Benedetti - procuraram até desenvolver uma dinimica nova, antaristotéica. Porém, como Duhom demonstrou de maneira concludente, essa ‘imica exe. em suas linhas principals, a dos nominalistas narisenses, a dindmica do impetus de Joie Barideno ¢ de Nicolau do Oresme. E se Benedetti, de longe o sakis rotével daqueles “precursores” de Galle, transcende ds vezes 0 nivel da dindmica “patisiense”, nZo fol em razdo de seu uabalho como eagenteiro ¢artilhero, mas por- aque ele estudou Arqulmedes e decidiu aplicar "a Hlosofia matemétice” & investigagdo dda maturens, * Muito recentemente, um extn me reprovou amigaveimente por haverdes- ‘prezado ese sepecto do ensinarsento do Caley (Ci. L, Ochi, "The Scientific Per sonality of Gale”, Bulletin of the Mistry of Medecine, XII, 1342. Devo confesar ‘gue acredito nfo merecer ers reprovacio, embora cia profundamente que a ciéacia S cossicalmente teora «nip una colegio de “Tats”. * Meyerson, Mlemtté orale, 38 ed, Pais, 1926, p. 156, oH, de mo- Go onto convincente a fla de concornia entre“ experinda” eos princlpos 3 fii moderna. B. Dunom, Le Systeme du. monde, Patis, 913, 1, pp. 194 »q.:"'Com efeito, ‘ssa dindmica parece adaptai-e to feizmeate as observugSes correntes que no po” erin deixar de imporse, nicialmente, } aceitagfo dos primciros que especuleram s0- bre as forgas¢ 08 movimentos.. Para que os Fisicos venham # rajeltar 8 dingmica de ‘AbistSteles« # construe 2 dindrnica moderns, serhesd preciso compleendex que 08 fatos de que séo testemunhas diirias nfo sfo, absolutamente, fatos simples, elemen- tures, aos quis as Tes fundamentais da dingmica devam immediatamenteapliee-s; que ‘a marcha do navio puxado pelos rebocsdores, que o zolamento sobre uma estrada da viatureatrolads devem ser vistos como movinientos de extzema complexidade, numa 173, plata, que, parao princfpo da cléncia do movimento, devese, por abstasio, consi erar um mével que, sob a agto de uma nica forea, so move no vacuo, Ora, partir de sun dindmica, Arsttles chega a concluir que tel movimento é impossvel”, % Kurd Lasswita, Geschichte der Aromisik, Hambusgo € Leipzig, 1890, 11, pp. 23 sq; E. Mach, "Die Entdeckung des Boharrunggesetzes”, Zeitschrift fr Volker- papchologie und Sprochwissentchaft. vol. XIV © XV, 1883 o 1884, 0 E, Cassiter, Das Erkeantnisproblem in der Philosophie und Wissenschaft der neweren Zeit, ed. Berlim, 19111, pp. 394 sq, 1 CEE. Meyerson, op. cle. pp. 124 5 0 termo permanece, bem entendido, e Newton sempre fale do Cosmo e de sa ordem (come fala ds impetus), mas mum sentide intelramenite neve, Como procurei demonstrar em outta obra (Etudes galléennes, Ill, Galle 44 le lof d'inerne, Pris, 1340), a ciBncia modesna results desss unifieagfo da astro rnomia e da fisca, o que Ihe permite aplicar 0s métodos da pesquist matemtic, até endo utilzados 0 estudo dos fendmenos celestes, a0 estado dos fenémeros do ‘mundo sublunat, % Cf. E. Brédhier, Histove de la phlosophie,t. Ml fas, T, Patis, 1929, p= 95: “Descartes liberta a fisi da obsessfo pelo Cosmo Relénica, isto & da imagem de cer- to estado privilepindo das coitas que satisfan nosias necessidades etéticas. No hé os {ado privilegiado, pois todos 05 estados slo equivalentes. Portanto, x fisica no hi lugar para a pesquisa das causas finais © a oonsidersgéo do melhor”. % Cf. P. Tannery, Gallfe ot les princpes dela dynamique”, Mémotressclenth Fiques, VI, Pars, 1926, p. 399: "Ss, para julgar o sistems dindmico de Aristteles,taz- ‘8 abstragfo dos precenceitos que derivam de nossa edveagdo moderna, se se procura * eolocar-se no estado de espirito que podia ter um pensadorindependente no comes do séeulo XVII € iffell descanhocer que ease sistema extd muito mais proximo do que 0 now de cbservagio imediata dos fatos". % Ci. men Ltuder gahiéennes, I, La lot de ia chute des corps, Pais, 1940. 7 Cf, Cavern, Storia’ del metodo sperimentate i italia, $ vol., Floren, 1891-1896, em paticilar 0s volumes IV e V. ~ F. Duhem, Le Mourementabroli ef te mowsement reat, Pais, 1908; "De Faccéfration produte par tne force constia- te", Congres ternational de I'isttre des Sciences I sesso, Genebra, 1906; Se de ur Léonard de Vine: Cus quil ahs et cece qui ntl, 3 vl, act, 1909-1913, om pariculat 0 volume IL: Les prdcureumsparslens de Gallee. Muto zecentemente, a tebe da continuidade foi sustentada por J. H. Randal, J. om sou brilhante artigo: “Sclentife method in the sckowl of Peéus” Journal ofthe History of Idee, 1, 1940; Randal esta, de moéo convincente, eaboragdo progrestva do niétode de “reso” Iugfo ¢ composi” no easinamento dos grandes Kigcos da Renasceng. Entretanto, o préprio Randall declara que “Tltow um elemento no método Formuingo por Zaba- zolla: le nfo exigh ave o8princ(pios de iénca natural fossemmatematicos™(p- 204), € que o Tracanus de peed, de Cremonii, essa como adverténcia Solent 408 ma” 174 temiticos que telunfaram sobre a grande tradigio aristotlia de empirismo ractonal”™ (ibid). Ora, “essa inssténcia no papel das matomdticas que se 2erescentou A metolo- _t Iziea de Zabsrelta”(p. 208) constitu precismente, 2 meu ver, o oonteddo da re- ‘olugio cientifica do sceulo XVI e, na opinifo da época, a linha diviséra entre os partidos de Plato e os de Aristtele, © CE, Brudes gotléennes. 1A aube de la seience classique, Paris, 1940, 1G século XVI, pelo menos em sus segunda metade, é 0 perfods em que se ‘conheoeu, e estudou e pouos a pouco se compreendeu Arquimedes. 3; Dovemos essa conscifncia principalmente sos trabalhos de P. Duhem (és ‘obras acima citadat dovem-se acrescentar: Les Origines dela statique, 2 vol.. Pats, 1905 ¢ Le Systeme du monde, § vo. Pris, 1913-1917) aos de Lynn Thorndike. cf sua monumeatal History of Magic and Experimental Science, 6 vol, New York, 1923-1941. Cf. tembém, F. J. Dijksterui, Wal en Worp, Gronizgen, 1924. M.A fees aristotlica &essonciaimente nip miatemnitica. Apresentida, como 0 far Duhem (De Uaccéleration produite par une force constante, p. 8$9), como sim ‘Hlesmente buseada em outza Férmul matematica que no a nossa, constitu um ero. ‘Muitas vezes o historiador moderno do pensamente cientifico ndo aprecia evidamtonte 0 carétersstemitico da fisica anstotelicn. Cf. E. Mach, Dre Mechanik, pp. 12499 > E somente em “seu” hugar que um ser atinge sua realizgio e se torna ver- adetsmente ele proprio. Fis porque ele tendea dbigirse 2 esse gt, 3 As concepgbes de “hugares naruras" e de “movimento natursis” implica 1 concepgio de um Universo finito.. Acistbteles, Fisica, VIM, B, 215 b. * O movimento «4 pode resultar de um movimento anterior. Por consepuinte, todo movimento efetivo implica uma série infinite de movimentox precedentes. 2% Num Universo fino, 0 nico movimento uaiforme que pode persstir inde finidamente ¢ 0 movimento ciscuiar. % Kurt Rierlr, Physic and Realty, New Haven, 1940. % © movimento Kal — deslocamento ~ nfo é senfo uma espécio, embors particularmente importante, de “movimento” (kines), movimento no dominio do tespago, em contraste com a slteracfo, movimento no dominio du qualidade, ¢ a gora- ‘fo #2 corrupeie, movimento no domnio do ser. 4H asistbtles tem toda a raazo, Nenhum processo de mudanga ou de “vit a ser" pode preseindir de sua causs. Seo movimento, na fisica moderna, Pertste por &L mesmo, é porque ele nfo ¢ ris que umn procs, ° 0 corpo tende a seu lugar natural, mas nko é araido por esse lugas. 175 % Cf, Avstétels, Fisica, 1V, 8, 215 o; VI, 10, 267 @; De Coelo, I, 2,301 Meyerson, Identté ef réalité,p.84. % Cf, Aristbteles, Fisica, VI, 5,249 8, 250 a: De Coelo, I, 2,301 . % CL, Anotteles, Fisica, IV, 8,214 B; 215 6, % ‘Se se prefer, podert dizerse que, no wicwo, todos 0s lugares sZ0 os lugares naturtis de toda espécie de corpo. 2% Kant chamavs 0 espago vavio de Unding. 4% Sabemos que esta era a cpinido de Descartes e de Spinoza. © Para a histSsn da crtice medieval de Arlstétles f_as obras acima citadas (nota n@ 171 e B. Jansen, Olin, “Der siteste scholastsche Vertreter des heutigen Bowgungsbegrffes", Phllosophisches Jahrbuch (1920): K. Michalski, “La Physique nouvelle et les differents courants philosophiques au XIV site”, Bullets internat- ona! de UAcadémie poloneive des sciences et des lettres, Crecsvia, 1927; S. Moser Grundbegriffe der Naturphilorophie bei Wilhelm von Occam Onasbruck, 1932) E Borchert, Die Lehre von der Bewegung bei Nicolaus Oresme (Minster. 1934): R Marcolongo, "La Meccanics di Leonardo da Vinci", Arti della reale ceademla delle solenzefisiche ¢ matematiche, XIX (NSpoles, 1933), “© Sobre Fido, que parece ter sido 0 veréedeito invontor da tecria do imperus, sf. E. Wohiwill, “Ein Yorganger Caliles am VI. Jahrhundert, Physicalische Zeit: chmift, VII (1906), © P. Duhem, Le Syatdme du monde, 1: Fisice, de Filo, nio ten ddo sido txaduzide para o latim, permaneceu inacessive! 20s escotistioas, que 36 t ‘aham 4 sua dlsposigio brave resume feito por Simplicius. Mas fel bem conhectia dos étabes,» a tradigio Stabe parece ter influrnciado,dicetamente e pela tradugio de ‘Avicont, 4 escola "parsionsa” a ura ponto até agut insuspeitado, C¥, o tmportantti- fimo artigo de S. Pings, "Etudes sur Awhnd al-Zaman Abu'l Barakat abaghdshi", Revue des études jutves (1938), “t B intereusnte notar que ossa crenga absurda, que Aristteles compartihou ¢ transmitin (De Coelo, I, 6), ea to profurdarrente enmizada ¢ tfo universalmente socita que o proprio Descartes nde ousow negéls abertamente e, como fez mites ve 22s, praferiu oxplici-la, Em 1630, ee escreve a Mersenre (AT, p. 110): "Tambéen agostarin de saber se nunes experimentastes se uma cedra langada cont uma furkia.oua bala de um mosquete, ou um projétil de balestra, se deslocam mais rapidamente € tm mats forga no meio de seu movimento do que ro comieco e se fazem mais efeito. Pois est € a crenga do vulgo, com a qual, porém, minhas saz5es io esto de acorto; ‘© acho que a8 cotsas que #0 acionsdas e quo nie se mover: por si mesmas devern 2 mais forga no comego do que Imediatamente depos”, Lm 1632 (A-T., Lp. 259)e, ainda uma #02, em 1640 (A-T., Il pp- 37 sq. el explica seu amigo 0 que é verda~ ‘delzo nease crenge: “Ta motu profeciorum, a> creio, absolutamente, que 0 projé= tit desloque menos rapidamente ne comece do que no fim, 1 contar desde © prt rmeizo momento em que cesss de ser ucionado pela méo ou peld miquins; mas cio que um mosquee, estando afastado apenas de um pé © meio de uma muralaa, nfo fori tanto efeito quanto sp estiveiveafistado de quinze ou vinto pass, porque 2 176 ‘bala, saindo do mosquete, nfo pode to faciimente expulsr oar que se acha entre ele ‘© essa mutalha e, assim, deve deslocar-t menos rapidamente do que se essa muralha cstivar menos préxima. Todavia, cabe a experifucl determinar se ess diferenga & sonsfvel ¢ duvido muito de todas aquelas que nfo foram feltas por mim mesmo”. CContuaiamente, o amigo de Descartes, Seeckman, nega pereimploriamente a possibt dade de me acelereg50 do projétile escreve (Beeckman 4 Mersenne, 30 de abril de 1630, ef. Correspondance du P. Merienne, Pais, 1936, I, p. 457): "Funditores veri ‘ac pueti omnes qui existimant remotiors fortius fee quim sadem propinguior cxrtd certs falluntur", Entretanto, ole admite que deve haver algo de verdadeire siessa crenga e Tents explici-lo7 "Non dizeram plenitudinem nimiam aeris impedire effectum tormentorit glob, sed pulverem pyrium extra bombardam jam cistentem forstan adhe rarefer, iésoque fieri posse ut globus tormentarius extra bombardamn nova vi (ail tandem) propubsuswaloctate aliquamdi eresceret™ Cl. Galileo Galle, De Mom, Opere, Edizione Nazionale, pp. 314 a. © Giambutlista Benesettl, Diversenimt speculzrionsom mathematicarum ier, Taurint, 1585, p. 168. “+ Galileo Gables, De Mou, p. 300. “A porsistencia da termninologht ~ a polars impetus 6 empreguda por Gallew fe seus alunos e 218 por Newton — nfo nos deve impedir de constatar o desspareci- mento da ida, “* Na fisiea aristotdica, 0 movimento ¢ um provesso de mudange © sempre feta 0 corpo em movimento, © Um dado corpo pode, portanto, ser dotado de qualquer nimero de movi- ‘mentos diferentes que ao iatesferem ins oom os outros. Na Tsicaaistotéica, tanto ‘quanto na do impetus, cada movimento interfere com cada um dos outros ¢s Yenes até o impede de produzirsc, “assim, © movimento ¢ © spouse sfo colocatos no mesmo nivel ontolégi- 00; persistéacia de morimento se torna, portanto, to evidente por si mesma, vem ue sefa preciso explicia, quanto o hvia sido a pesisténcis do repouso. + Bev termos modsrnos. na dindimica wistotslica e a do impetus, a forgs produ 0 movimento;na dinmics niodema, a foren produ a acsieracio, Isso explica, necesitiamente, a infinidade do Univers. * G. Galil 7 Soggatore, Opere, VI, p- 232: "La flosofia 2 serita in questo ‘mandissimo libro, che contnuamente ci Sia aperto inaanai a git ocebi (o dico nie verso}, ma non si pud intendere se prima non simpara a intender la lingua, © conoscer L carsttei, ne" quall @ scitto. Epi & seit in lingua matematice,¢ | caatteri son ‘wiangoli, cexchi, ed alte figure geometriche, senza i quali meri 8 impossibile a inten- deme umanamente parole”. CT, Carta @ Licetl, de 11 de janeiro de 1641, Opere, XVI, p. 293. 7 A enorme compilagio de Buoaamici (1011 paginas in folio) consti uma Inestimdvel obra de reforéncia para o estudo das teorias medievals do movimento. ‘Embora of historiadores de Gaileu tenhaim, muitas vezes,felfo menpdo a el, jamais utiizaram. O lino de Buoramial é muito taro, Portanto, permito-me fuzerthe uma sitago bastante longa: Francsci Bonemici, Florentine primo loco philosophiam or- inariam in Almo Gymnasio Pisano profitentis, De Motu, libri X, quibus general - turalis philosophiae prinipia summo studio collecta continentur (Florentise, 1591), ib, X, cap. XL Jurene mathematicse ex ordine scientiaram expurgantir, p. 56: *..taque vlusi mlnistl sunt mathematicae, ac honore dignae et habitae propaideta, {dost apparatus quidam: ad alias disciplinas, Ob camque potisime caussam, quod de bono mentionem facere non videntut. Etenim omne bonum est fins, is vero euius- dam actus est. Omnis vero actus est cum motu, Mathermaticae autem motum non res piciuat. Hace nostri addunt. Oninem scientiam ex propriisefic: propria vero sunt Inecessaria quae alicus (2) quatenus 4peun) et per s# insumt. Atqui tala principia smathematicie non fabent... Nuun causie genus sccipit.. proptereaquod omnes ‘causae deflaiuntur per motum:efficens emun est principium motos, ins cus gratia rmotus et, forma et materia sunt maturdeet matus itu principla snc necesse est. AC vero mathematica sunt immobilia. 1 nullum igitar ibs caussae genus exist”. I, Hb. 1, p. S4:"Mathomaticae cum ox notis nobis et ratura simul elfiaaat id quod ‘cupiunt, sod onetecis demonstrations perspicuitate prneponentur, nam vis rerum quas ipse tractant non est admodum nobilis; quippe quod sunt avcidentia, i est habeant sationem substantiae quatenus subiictut et determinatur quanto; eaque vonsideren- ft longe secas atque i natura exisiant, Adiamen non-nullarus rerum ingoniam tale ‘ese comperimus ut ad certem materiam sese non applicent, neque motum conse- ‘quantur, quia tamen in natura quicquid est, cum motu exisit; opos est abstractione ‘euius beneficio quantum motu non comprelienso in eo munere contemplamur: et ‘cum tals st earurn natora nfl absurd exoritur. Quod iter confirmatur. quod mens in oma fabitu verumn dleit;atqui vorum est 9x eo, quod res ita est. Hucaceedit quod [Avstotees distinguit telentias non extatione notionum sed éntiam™ * Jacobi Mazzoni, Cactenatis, in Almo Gymugsio Pisano Aristotelem oxdi- farie Platonem vero extra ordinem profitentis, Jn Universam Platonis et Aristotelis Philorophiem Praetui, sxe de comparatione Platonts et Arstoteis, Venetiis, 1597, bp. $87 sq. Disputatur utrum usus mathematicaruen tn Physica utlizaters sel det ‘mentum afferat, et in hoe Platoni et Aritiorelis comparario, “Non est enim inter Pl tonem et Arstotelom quaestio, seu differentia, quae fot pulchris, et nobiissmals spe clationibus seatest, ut cum ista, ne in minima quidem parte comparati posit. Est autem differentia, uerum wrts mathemeticarum in scletia Physica tanguasn ratio pro Dandi et medius terminus dermonstrationar sit opportunus. el inopportunus, i est, fn utiitstor aliquam affesat, vel potius detrimentum et daranum. Creditt Plato Ma: ‘thenatieas ad speculationes physicas apprime esse accommodatas. Quapropter passim eas adhlbet in teserandis mysteris phystcis. At Arstoteles ormino secussentire vide tar, etroresque Pitonis adseribet amon Mathematicarum... Sed si quis voluerit han rem dilgentius considerate, forsan, et Flatonis defonsionem invent, ndebit Aristote- Jem In nonrullos errorum seopulesimpagisse, quod quibusdam in lacs Mathematicas demonstrationes proprio consilio valde consentaneat, aut non intelloxert, ut certe ron adlubuerit. Uzamgue conclusionem, quarem priva ad Platonts twtelam attinet, 178 ‘secunda errores Aristoelis ob Mathematicas male rejectas profitetur, brevissime ‘demensirabo" ¥ CE, Galileo Galilei, Dislogo sopra t due Messim! Sistem! del Mondo Opere, Edajone Nazionale, VIL, 38; ef. p. 256. Cf, Dialogo, p-242. % TBid.,p.229,p. 423. * Como se sabe, fo} a mesma de Pascale at6 de Letbniz. Talven valha 9 pena notar que, para toda a tradigfo doxogrifica, Arquime- ‘des um philosophus platonic. CF. A. Burtt, The Metaphystea! Foundattons of Modern Physical Science, Londres e Nova York, 1925, * Bonaventura Cavalier, Lo Sperchio Ustorio overo rattato Delle Sertion’ Conicke ¢ alzuni loro mirabilt effete! ntorto al Lume, et, Belonha, 1632, pp. 152 99.: "Ma quanto vi aggiunga fa cognitione delle scionze Matematiche, giudtate da, ‘quelle famosissime scuole de’ Pithagorici et de’ “Platonlei", sommamente necesserie ‘per intender Je cose Fische, spero in breve sari manifesto, per la nuova dottrina del ‘oto promossaci dalfesquisitssimo Saggiatore dolla Natuss,dico dal Si. Galileo Ga- ‘isi, suol Dialoght..” + Galileo Gatile, Discorsie dlmoserazion! mathemetiche intorno a due nuove sclenae, Opere, Edizione Nazionale, VIM, p. 190: "Nullus enim, quod soizm, demons- ‘ravit,spatin a mobile desoendente ex quiete peracta in temporibus aequaiibus, eam Inver 2 retinererationem, quam habent numeri impares ab unitate consequentes". © Evangelista Toricell, Opera Geomerrcn, Floreatae, 1644, 11, p. 7: Sola nim Geometsa inter liberates disciplinas acter exacuit ingenium, idoneumque red sit ad civitates adornandas in pace et in bello defendendas:cacters enim patibus, ir

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