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Adriana Maria Lopes VIEIRA

MANEJO DE POPULAÇÕES DE CÃES E


GATOS COMO ESTRATÉGIA SANITÁRIA
CONTRA ZOONOSES URBANAS
Adriana Maria Lopes VIEIRA

RESUMO

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Instituto Pasteur de São Paulo O manejo das populações de animais e o controle de zoonoses devem
e Departamento de Vigilância
em Saúde de Guarulhos
ser contemplados em programas ou políticas públicas em âmbito municipal. A
email: alvieira@saude.sp.gov. implantação de um programa de manejo animal, além da alocação de recursos
br e adrianavieira1002@
gmail.com
financeiros, técnicos e humanos, exige planejamento que englobe diagnóstico,
ações preventivas, controle, monitoramento, avaliação e dedicação permanente.

PA L AV R A S - C H AV E Cães, gatos, manejo populacional, zoonoses,


vigilância, prevenção e controle.

Dogs and cats management population as health strategy


against urban zoonoses

ABSTRACT

The animal population management and the zoonoses control should be


included in programs or public policies at the municipal level. The implemen-
tation of an animal management program, besides the allocation of financial,
technical and human resources, requires planning encompassing diagnosis, pre-
ventive actions, control, monitoring, evaluation and permanent dedication.

KEYWORDS Dogs, cats, population management, zoono-


ses, surveillance, prevention and control.

O antropocentrismo ainda está muito pre- animais devem deixar de ser tratados como objetos
sente na sociedade atual em decorrência de resídu- (VIEIRA, 2008).
os culturais que remontam o século IV, quando o A Organização Mundial da Saúde afirma
homem era tido como ser excelso e as ações eram que atividades isoladas de recolhimento e elimina-
voltadas apenas para seu bem-estar, também no sé- ção de cães e gatos não são efetivas para o controle
culo XVII, a concepção do Universo e dos seres da população. Deve-se atuar na causa do problema:
vivos como máquinas, contribuiu com a visão re- a procriação animal sem controle e a falta de res-
ducionista de que os animais não têm inteligência, ponsabilidade do ser humano quanto à sua posse,
que agem apenas por instinto, entre outras. Há que propriedade ou guarda (WHO, 1990). Até mesmo
se buscar o equilíbrio entre a saúde humana, ani- no controle da raiva, os pesquisadores afirmam
mal e equilíbrio do meio ambiente, portanto, aban- que, enquanto a vacinação em massa de cães tem,
donar o antropocentrismo em busca de paradigmas repetidamente, se mostrado eficaz para controle da
biocêntricos ou ecocêntricos. Nesse sentido, os raiva canina, não há nenhuma evidência de que a

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remoção destes tenha um impacto significativo so- templados em programas ou políticas públicas em
bre a densidade dessa população e a propagação âmbito municipal. A implantação de um programa
da raiva. Asseveram que a eliminação em massa de manejo animal, além da alocação de recursos
de cães não deve ser um elemento de uma estraté- financeiros, técnicos e humanos, exige planeja-
gia de controle da raiva por ser ineficaz, podendo mento que englobe diagnóstico, ações preventivas,
até mesmo, ser contraproducente para os progra- controle, monitoramento, avaliação e dedicação
mas de vacinação. Referem ainda que nos últimos permanente. É de extrema importância que se co-
anos, programas de controle e eliminação da raiva nheça a dinâmica populacional da área em que se
por meio de vacinação em massa de cães resulta- pretende interferir, com a realização de censos ou
ram em reduções significativas ou eliminação de estimativas populacionais. Outra estratégia impor-
casos de raiva humana. Em alguns casos, a vaci- tante para subsidiar o planejamento das políticas
nação contra raiva, juntamente com a esterilização de saúde pública é a implantação de um programa
dos cães resultou em eliminação local dos casos de registro e identificação de animais que formam
ou previsão de levar à eliminação da raiva humana um sistema de informação com dados que relacio-
(WHO, 2013). nam os proprietários aos seus animais. O registro
Além dessas questões, a discussão ética no e a identificação são instrumentos de responsabili-
manejo das populações de cães e gatos não pode zação do proprietário, fomentam a cultura de pro-
ser apartada da saúde pública veterinária, deven- priedade, posse ou guarda responsável e possibili-
do-se levar em conta que esses animais não apenas tam conhecer e dimensionar as populações de cães
potenciais transmissores de zoonoses, sendo consi- e gatos. É recomendável que se associe um método
derados, em muitas situações, como integrantes das de identificação visual (coleira e plaqueta) a um
famílias e comunidades, com valor intrínseco agre- permanente (microchip ou tatuagem). As cadelas e
gado. Os cães e gatos são agentes que interferem gatas são animais pluríparos de gestação curta, com
na promoção da saúde, positiva ou negativamente, grande potencial de produção de proles numerosas
dependendo da guarda responsável e das políticas que podem atingir a maturidade sexual a partir de
públicas implantadas, quer seja para a estabiliza- 6 meses de idade. Esses fatores associados à falta
ção dessas populações e prevenção das zoonoses e de responsabilidade dos guardiões de animais con-
demais agravos que possam produzir ao individuo tribuem para o crescimento populacional de cães
e coletividade, ou para o bem-estar dos próprios e gatos, sem controle. Ações efetivas de controle
animais (GARCIA, 2006). da reprodução devem ser implantadas associadas
Indispensável ainda considerar que, segundo a aos outros pilares do programa de manejo de po-
“Declaração de Cambridge sobre a consciência pulações, sendo recomendável o emprego de este-
animal”, “a ausência de um neocórtex não parece rilização cirúrgica de machos e fêmeas, com téc-
impedir que um organismo experimente estados nicas minimamente invasivas, preferencialmente a
afetivos. Evidências convergentes indicam que os partir de 8 semanas de idade. As cirurgias devem
animais não humanos têm os substratos neuroa- ser acessíveis geográfica e economicamente aos
natômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de proprietários de animais. Os interessados em con-
estados de consciência juntamente com a capaci- viver com cães e gatos assumem o compromisso
dade de exibir comportamentos intencionais. Con- ético de desenvolver e manter hábitos e posturas de
sequentemente, o peso das evidências indica que promoção e preservação da saúde e do bem-estar
os humanos não são os únicos a possuir os substra- animal e preservação do meio ambiente. Este com-
tos neurológicos que geram a consciência. Animais promisso pode parecer simples, se consideradas as
não humanos, incluindo todos os mamíferos e as questões de alimentação, controle de mobilidade e
aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, estabelecimento de comandos básicos para garantir
também possuem esses substratos neurológicos” o cumprimento das regras sociais de convivência
(COSTA, 2013). em grupos comunitários. Entretanto, a manutenção
Desta forma, o manejo das populações de consistente de uma postura que abranja a responsa-
animais e o controle de zoonoses devem ser con- bilidade jurídica e cuidados com abrigos, sustento,

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controle da reprodução, prevenção de doenças e cada um dos fatores desencadeantes desse agravo.
de agravos diversos requer uma cultura, cujas ba- A vigilância epidemiológica do abandono de cães e
ses precisam ser estabelecidas com a participação gatos é imprescindível, de forma a auxiliar na com-
de equipes multidisciplinares de educadores, pro- preensão dos fatores que influenciam a sua distri-
fissionais de diferentes órgãos do poder público, buição, avaliar a magnitude e monitorar as tendên-
representantes de segmentos sociais e, sobretudo, cias, identificar os grupos de risco e o processo de
dos próprios interessados nesta convivência (SÃO disseminação, indicar as medidas a serem adotadas
PAULO, 2009) para a sua prevenção, avaliar o impacto e adequa-
A oferta de abrigos e alimentos também ção dessas medidas de intervenção. A vigilância ao
merece especial atenção, as condições existentes abandono deve fazer parte do programa de manejo
no meio ambiente predispõem a migração de ani- populacional canino, auxiliando na definição das
mais de áreas com condições menos favoráveis à estratégias necessárias, segundo as características
sua sobrevivência. O manejo ambiental, sempre do território, e na retroalimentação para adequa-
associado a programas educativos permanentes, ção ou implementação das estratégias (GARCIA,
deve fazer parte de foros de discussão em que a 2012).
comunidade participe desde o diagnóstico, estabe- Além do controle de zoonoses, conside-
lecimento de prioridades, planejamento e execu- rando as ações de saúde coletiva, vários trabalhos
ção das ações, até da avaliação e monitoramento demonstram uma conexão existente entre os maus
dos resultados. A população frequentemente não tratos ou crueldade com animais e a violência con-
aprova o recolhimento de animais e as instalações tra seres humanos, inclusive violência doméstica,
públicas para alojamento e, uma vez que o incen- portanto a investigação de maus tratos de animais
tivo à propriedade, posse ou guarda responsável pode prevenir abusos (HSUS, 2011) então, pode
é de fundamental importância para o sucesso do ser uma das estratégias do manejo populacional de
controle de populações de cães e gatos, os órgãos cães e gatos.
públicos devem ser exemplos de manejo etológico É de fundamental importância que, o manejo po-
e preservação do bem-estar dos animais, mesmo pulacional de cães e gatos seja implantado como
daqueles que precisam ser submetidos à eutanásia programa e que sejam considerados os aspectos
(SÃO PAULO, 2009). políticos, sanitários, etológicos, ecológicos e hu-
Os órgãos públicos também devem desen- manitários, e que as estratégias sejam socialmente
volver ações com vistas ao controle do comércio aceitas e ambientalmente sustentáveis de forma a
de animais, associados aos programas educativos, promover a participação social e integrar o contro-
de forma a coibir a aquisição de animais por im- le das zoonoses, ou seja, estratégias em consonân-
pulso. Pesquisas apontam que, uma grande contri- cia com o conceito de “saúde única” (GARCIA,
buição para populações de animais sem controle, 2012).
são as crias indesejadas abandonadas (GARCIA,
2012). Com vistas ao controle do comércio de cães
e gatos, o município de São Paulo, por meio da Lei REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
municipal nº 14.483, de 16 de julho de 2007, que
dispõe sobre a criação e a venda no varejo de cães GARCIA, R. C. M. Controle populacional de cães
e gatos por estabelecimentos comerciais no Muni- e gatos e a Promoção da Saúde. VIII Curso de For-
cípio de São Paulo, bem como as doações em even- mação de Oficiais de Controle Animal. Comunica-
tos de adoção desses animais, é um importante ins- ção oral. Araçatuba/SP, 2006.
trumento legal que pode contribuir com as ações de
manejo populacional desses animais no município Garcia RCM, Calderón N, Ferreira F. Consolida-
(VIEIRA, 2008). ção de diretrizes internacionais de manejo de po-
O abandono de cães afeta de forma nega- pulações caninas em áreas urbanas e proposta de
tiva a saúde, tanto animal como humana, então há indicadores para seu gerenciamento. Rev Panam
que se implantar políticas públicas para prevenir Salud Publica. 2012;32(2):140–4.

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SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria de Estado da VIEIRA, A.M.L. Controle Populacional de Cães e
Saúde de São Paulo. Programa de Controle de Po- Gatos - Aspectos técnicos e operacionais. Ciênc.
pulações de Cães e Gatos do Estado de São Paulo. vet. tróp., Recife-PE, v.11, suplemento 1, p.102-
São Paulo, Boletim Epidemiológico Paulista, su- 105, abril 2008.
plemento 7, 2009. 163p.
WHO. WSPA. World Health Organization; World
COSTA, A. N.; MOLENTO, C.F.M.; PINTO, L. Society for the Protection of Animals. Guidelines
F.B.; TEIXEIRA, M. W.; PALHA, M. D. C.; PAI- for dog population management. Geneva, 1990.
XÃO, R. L. Revista do Conselho Federal de Me- 116p.
dicina Veterinária, Ano XIX , no 59 , 2013, pg 9.
WHO Expert Consultation on Rabies: second re-
HSUS. The Humane Society of the United States. port. WHO Technical Report Series No. 982,
Animal Cruelty and Human Violence, 2011. 2013.139p.
<http://www.humanesociety.org/issues/abuse_ne-
glect/qa/cruelty_violence_connection_faq.html>
Acesso em 02 de setembro de 2015

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