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Relatório Nobert Elias

Parte I – A sociedade dos Indivíduos

No texto de Nobert Elias, o autor toma como elemento principal de sua análise a
relação entre indivíduo e sociedade, dicotomia fonte de intensa controvérsia no interior
do campo sociológico. É importante pontuar que Elias busca se contrapor seja a
determinadas tradições teóricas, que se fundamentam unicamente em um dos polos da
dicotomia indivíduo-sociedade, seja em elementos do pensamento social geral, que inclui
o próprio senso comum, baseados na ideologia do sujeito autônomo. Neste sentido, frente
à necessidade de se contrapor a esse quadro, Elias aponta a necessidade de superação da
explicação sociológica tanto unicamente focada nas motivações do indivíduo, ou ator
racional, quanto por uma exclusividade dada à estrutura, como pela noção de consciência
coletiva. A proposta de Elias é um caminho intelectual que permita compreender a in-
dissociação entre o indivíduo e a sociedade, entendendo ambos enquanto elementos que
produzem, concomitantemente, um ao outro e que não podem ser entendidos sem
referência recíproca.

Neste trabalho, Elias busca conciliar os polos da relação indivíduo e sociedade de


maneira relacional e não substancialista, recorrendo à perspectiva sócio histórica para
superar as dicotomias sociológicas, como indivíduo-sociedade e subjetividade-
objetividade. Para tal, baseia-se numa análise empírica, mais exatamente de caráter
histórico, para a construção de seu argumento. Este, baseia-se, primeiramente, na crítica
da ideia de que o indivíduo é um agente que pode ser compreendido em separado das
determinações sociais que incidem sobre ele, ou mais exatamente, que a sociedade seria
um produto da decisão racionais das pessoas. Segundo autor, a insistência, em vários
âmbitos da sociedade, na explicação do mundo baseada na ação individual seria um
produto do próprio processo sócio histórico que produziu a noção de indivíduo por meio
da refração, historicamente determinada, dos instintos afetivos.

Nesse sentido, para Elias, a intensa padronização da autoimagem, patente à


experiência histórica moderna, permitiu o aprofundamento dos processos de
individualização, que induziram o indivíduo a movimentos cada vez maiores de
autoconsciência de suas relações, acompanhado por elevadas investidas de refreamento,
controle afetivo, renúncia e transformação dos instintos. Isto significa que a própria noção
de individualidade, privacidade ou consciência é um produto historicamente determinado
da relação entre o indivíduo e sociedade. Tal processo só foi permitido pelo fato de que,
diferente de outros animais, o humano desenvolveu-se enquanto um ser dependente da
cultura para a formulação de suas ações ou, mais exatamente, porque as funções
psicológicas do indivíduo são, por natureza, flexíveis e só operam com categorias
informadas por uma coletividade.

Desde que permaneçamos dentro do âmbito da experiência, contudo,


somos obrigados a reconhecer que o ser humano singular é gerado e
partejado por outros seres humanos. Quaisquer que tenham sido os
ancestrais da humanidade, o que vemos, até onde nos é possível divisar
no passado, é uma cadeia ininterrupta de pais e filhos, os quais, por sua
vez, se tornam pais. E não se pode entender como e por que os indivíduos
se ligam numa unidade maior, uns através dos outros e com os outros,
quando se oculta de si mesmo essa percepção. Todo indivíduo nasce num
grupo de pessoas que já existiam antes dele. E não é só: todo indivíduo
constitui-se de tal maneira, por natureza, que precisa de outras pessoas
que existam antes dele para poder crescer. Uma das condições
fundamentais da existência humana é a presença simultânea de diversas
pessoas inter-relacionadas. E se, para simbolizar a própria autoimagem,
precisamos de um mito de origem, parece ser chegada a hora de revermos
o mito tradicional: no começo, diríamos, havia, não uma única pessoa,
mas diversas pessoas que viviam juntas, causavam-se prazer e dor, assim
como fazemos hoje, vinham à luz umas através das outras e legavam
umas às outras, como nós, uma unidade social, grande ou pequena. (Elias,
p.23, 1994)
Destarte, como posto na passagem anterior, a vida humana não só pode ser
compreendida enquanto o produto da determinação contínua entre indivíduo e sociedade
processo que está conecta à características que definem a própria cognição humana. Esta,
produzida por nosso processo de desenvolvimento sócio histórico, impõe
necessariamente a influência recíproca obrigatória entre indivíduo e estrutura já que não
possuímos um “instinto” natural, como outros animais, que nos permita o
desenvolvimento isolado. Neste sentido, para Elias, a vida do indivíduo depende
necessariamente do embrinca mento com o ambiente social no qual se insere, o qual pode
produzir a própria noção de “individualidade”, como é o caso do pensamento ocidental
moderno. A partir disso, pode-se pontuar, com os argumentos de Elias, para a necessidade
de se pensar meios de explicação do social que levem em consideração da relação
recíproca entre indivíduo e sociedade e sejam conscientes de que a própria noção de
“indivíduo” e discursos que se associam à ele - como os ideias de “mérito” ou a ideologia
do “sujeito autônomo”, que definem o núcleo cultural da ordem capitalista
contemporânea - são produtos sócio históricos e não elementos naturais que se impõem
por necessidade orgânica do ser.
Existe hoje uma padronização muito difundida da auto-imagem que
induz o indivíduo a se sentir e pensar assim: “Estou aqui, inteiramente
só; todos os outros estão lá, fora de mim; e cada um deles segue seu
caminho, tal como eu, com um eu interior que é seu eu verdadeiro, seu
puro ‘eu’, e uma roupagem externa, suas relações com as outras pessoas.”
Essa atitude perante si mesmo e os outros afigura-se inteiramente natural
e óbvia àqueles que a adotam. Não se trata de uma coisa nem outra. Ela
constitui a expressão de uma singular conformação histórica do indivíduo
pela rede de relações, por uma forma de convívio dotada de uma estrutura
muito específica. O que se veicula através dela é a autoconsciência de
pessoas que foram obrigadas a adotar um grau elevadíssimo de
refreamento, controle afetivo, renúncia e transformação dos instintos, e
que estão acostumadas a relegar grande número de funções, expressões
instintivas e desejos a enclaves privativos de sigilo, afastados do olhar do
“mundo externo”, ou até aos porões de seu psiquismo, ao semiconsciente
ou inconsciente. Numa palavra, esse tipo de autoconsciência corresponde
à estrutura psicológica estabelecida em certos estágios de um processo
civilizador. (Elias, p.27, 1994)

BIBLIOGRAFIA
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Zahar, 1994.

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