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ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

BRASILEIRAS DO SÉCULO XXI: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL

PERSON CENTERED APPROACH AND BRAZILIAN PUBLIC HEALTH


POLICIES OF THE CENTURY XXI: A POSSIBLE APPROXIMATION

Anita Bacellar

ARTIGO
Joana Simielli Xavier Rocha
Maira de Souza Flôr
Espaço Viver Psicologia – Brasil

Resumo
As mudanças que ocorreram no modelo e conceito de saúde brasileiro nas
últimas décadas, produziram mudanças no paradigma que demandam uma
reestruturação no contexto teórico/prático e na concepção de homem e de
saúde/doença dos profissionais da saúde. Esse estudo teórico tem como
objetivo apresentar os pressupostos teóricos da Abordagem Centrada na
Pessoa e demonstrar que se trata de uma proposta psicológica que se
aproxima teoricamente das diretrizes propostas pelas Políticas Públicas nos
serviços de saúde do Brasil. Percebe-se que a efetivação do modelo de
saúde atual implica em uma postura de atendimento que valorize o
potencial da pessoa e resgate sua autonomia. Para tal, as atitudes de
consideração positiva incondicional, empatia e autenticidade, sugeridas pela
Abordagem Centrada na Pessoa, precisam ser desenvolvidas entre os
profissionais da saúde. Tais atitudes também contribuem com o
desenvolvimento da interdisciplinaridade e da humanização, atualmente
ainda distantes da efetivação na prática.

Palavras-
Palavras-chave:
chave: saúde pública; abordagem centrada na pessoa;
humanização; interdisciplinaridade.

Abstract
The changes occurred on the model and concept of Brazilian health in last
decades, produced changes on the paradigm which demands a
restructuration on the theoretical /practical context and on the conception
of man and the health/disease of the health professionals. This theoretical
study has the objective of presenting the theoretical presupposes of the
Person Centered Approach and demonstrates that it is a psychological
proposal which theoretically grounds the guidelines proposed by the Public
Policies at the health services of Brazil. One realizes that the effectuation of
the current health model implies on a posture treatment which valorizes
the potential of the person and rescues their autonomy. For that, the
attitudes of the unconditional positive consideration, empathy and
authenticity, suggested by the Person Centered Approach, needs to be
developed between the health professionals. Such attitudes also

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contributes with the development of interdisciplinarity and humanization,


currently still far from effectuation in practice.

Keywords: public health; person centered approach; humanization;


interdisciplinarity.

Resumen
Los cambios que se han producido en el modelo de concepto y de la salud
de Brasil en las últimas décadas se han producido cambios en el paradigma
que exige una reestructuración en el contexto de la teoría / práctica y
concepción de profesionales de la salud del hombre y de la salud /
enfermedad. Este estudio teórico tiene como objetivo presentar los
principios teóricos del Enfoque Centrado en persona y demostrar que es un
enfoque psicológico que se aproxima a las directrices teóricamente
proponen las políticas relativas a los servicios de salud en Brasil. Se observa
que la eficacia del modelo de salud actual implica una actitud de cuidado
que valora el potencial de rescatar el individuo y su autonomía. Con este fin,
las actitudes de empatía incondicional consideración positiva y la
autenticidad, sugeridos por el Enfoque Centrado en la Persona, que se
desarrollará entre los profesionales sanitarios. Tales actitudes también
contribuir al desarrollo de interdisciplinario y humanización, actualmente
todavía lejos de materializarse en la práctica.

Palabras clave:
clave: salud pública; enfoque centrado en la persona;
humanización; interdisciplinariedad.

Introdução Integradas de Saúde (PAIS), em 1982, o


acesso à saúde passa a ser função da atenção
As políticas públicas que regem a saúde primária.
brasileira na atualidade iniciam sua história no Essa caminhada histórica consagrou o
período da industrialização, com a criação em princípio da saúde como direito de todos e
1923, da Caixa de Aposentadoria e Pensões, dever do Estado que culminou, em 1988, na
que tinha como objetivo suprir as criação do Sistema Único de Saúde (SUS),
necessidades financeiras do trabalhador que regulamentado dois anos depois pela Lei nº
precisava se afastar do trabalho por motivo 8080/1990, que rege sobre as diretrizes
de adoecimento. Foi somente a partir de norteadoras da prevenção, promoção e
1965, inicialmente através do Instituto recuperação da saúde no que diz respeito à
Nacional de Previdência Social (INPS) e pessoa, a organização e aos serviços.
posteriormente, em 1977, pelo Instituto Nesse contexto, o Sistema Único de
Nacional de Assistência Médica da Saúde (SUS) proposto pelo Ministério da
Previdência Social (INAMPS) que o governo Saúde é um projeto que propõe a
passou a disponibilizar assistência médica ao implementação de um paradigma tão novo,
trabalhador brasileiro, por meio da compra de que seria impossível esperar a inexistência de
serviços médicos do setor privado dificuldades na sua operacionalização. No
hospitalocêntrico e curativista. Com a entanto, como aponta o Ministério da Saúde
implantação do Programa de Ações (2004),

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O profissional da saúde que desenvolve


O SUS hoje ainda enfrenta: Fragmentação atividade assistencial (...), além das ações
do processo de trabalho e das relações e procedimentos técnicos ligados à sua
entre os diferentes profissionais; área específica, estabelece sempre, com
Fragmentação da rede assistencial as pessoas que atende, relações
dificultando a complementaridade entre a interpessoais. Seu trabalho depende,
rede básica e o sistema de referência; portanto, da qualidade técnica e da
Precária interação nas equipes e qualidade interacional. (...) a abordagem
despreparo para lidar com a dimensão da qualidade interacional também torna
subjetiva nas práticas de atenção; Sistema necessário o estudo de vários temas
público de saúde burocratizado e teóricos e a reflexão sobre o
verticalizado; Baixo investimento na desenvolvimento de atitudes (p. 21).
qualificação dos trabalhadores,
especialmente no que se refere à gestão Mas a que se referem estas habilidades
participativa e ao trabalho em equipe; relacionais a serem desenvolvidas pelos
Poucos dispositivos de fomento à co-
gestão e à valorização e inclusão dos
profissionais da saúde e como desenvolvê-
gestores, trabalhadores e usuários no las? Ao explorar esta questão, é possível
processo de produção de saúde; aproximar-se da convergência entre as
Desrespeito aos direitos dos usuários; políticas públicas de saúde no Brasil e a
Formação dos profissionais de saúde proposta da Abordagem Centrada na Pessoa
distante do debate e da formulação da
política pública de saúde; Controle social
(ACP). É a partir dessas reflexões que, neste
frágil dos processos de atenção e gestão artigo, se pretende apresentar os
do SUS; Modelo de atenção centrado na pressupostos teóricos da Abordagem
relação queixa-conduta (pp.11-12). Centrada na Pessoa e demonstrar que se trata
de uma proposta psicológica que se aproxima
Essas dificuldades vão desde a teoricamente das diretrizes propostas pelas
complexidade de distribuição econômica e de políticas públicas nos serviços de saúde do
recursos para a aplicação e manutenção do Brasil.
projeto até a necessidade dos profissionais Para a realização de tais objetivos, será
repensarem suas práticas e desenvolverem a construído um breve histórico do conceito de
habilidade de colocar seu conhecimento saúde até a atualidade, apresentando os
teórico a serviço da flexibilização da prática, princípios norteadores, a legislação, as ações
das mudanças de paradigmas e dos valores propostas e as dificuldades enfrentadas pelo
vividos na atualidade. sistema público de saúde no Brasil. Em
Este processo de repensar a prática dos seguida, serão relacionadas as políticas
profissionais da saúde vai além da adaptação públicas de saúde do Brasil com os
teórico/prática. Relaciona-se diretamente pressupostos teórico/práticos da Abordagem
com as relações interpessoais que estes Centrada na Pessoa, refletindo sobre as
profissionais estabelecem. O projeto do SUS possíveis contribuições dessa abordagem para
alcança a individualidade, a particularidade o processo de implantação e consolidação do
das pessoas em seu contexto e, para que o novo conceito de saúde.
cuidado à saúde se aproxime da compreensão
das singularidades de cada pessoa, os Sobre o conceito de saúde: uma síntese
profissionais precisam desenvolver histórica
habilidades relacionais que os aproximem da
compreensão e do cuidado integral das O conceito de saúde desenvolvido por
pessoas. cada população, em diferentes momentos
Aproximando-se desta reflexão, Martins históricos, reflete os costumes, valores e
(2004), afirma que, conceitos adotados pela sociedade. A
compreensão que um grupo de pessoas tem
sobre saúde em uma determinada época

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representa uma escolha por um jeito de viver A ampliação dos aspectos envolvidos no
dessa população. Por isso, só é possível conceito de saúde gerou uma quebra de
compreender o conceito atual de saúde paradigma, que vai da desconsideração dos
reconstruindo o contexto histórico em que se aspectos psicossociais vinculados a saúde à
deu a sua origem e desenvolvimento. busca do completo bem-estar.
O conceito de saúde decorrente da Kahhale (2003), apesar de considerar
Revolução Industrial e do desenvolvimento do que o novo conceito traz uma série de
capitalismo se sustentou na visão de homem benefícios, aponta para o fato de que essa
fragmentada em corpo e mente. Com o nova concepção considera a saúde como um
desenvolvimento da medicina moderna, no estado estático de bem-estar,
século XVIII e XIX, nasce o conceito de saúde desconsiderando o dinamismo da vida
associado à medicalização da saúde e, com humana. Em outras palavras, concebe como
ele, a concepção de saúde vinculada a saudável a permanência de um estado físico,
ausência de doença. As políticas de saúde da psíquico e social, desconsiderando que o
época, em acordo com esse conceito, bem-estar é produto da capacidade do
priorizaram as ações medicamentosas e indivíduo de superar as dificuldades advindas
curativas (Scliar, 2007). da intersecção existente entre condições
O período das guerras mundiais ambientais, aspectos físicos, psíquicos e
desencadeou diferentes tipos de problemas sociais. Eis um conceito que, não incorpora a
no contexto da saúde. Com o fim da Segunda capacidade de superação e atualização
Guerra Mundial, os países vencedores, presente na pessoa em desenvolvimento.
preocupados com a realidade advinda do Como afirma Kahhale (2003) “A saúde é um
após guerra criaram a Organização das reflexo da capacidade de tolerância,
Nações Unidas (ONU), uma organização compensação e adaptação de cada indivíduo,
supranacional criada para exercer a função de dos grupos e da sociedade em geral frente às
enfrentar os problemas consequentes da condições ambientais, sociais, políticas e
guerra e manter a paz mundial. Das propostas culturais nas quais estão inseridos”. Nesses
produzidas pela ONU surge a Organização termos, “Saúde é um processo dinâmico,
Mundial da Saúde (OMS), com o papel de ativo, de busca de equilíbrio, não sendo
sugerir soluções para os problemas de saúde possível falar em saúde plena” (p. 166).
decorrentes da guerra e de promover o maior Um novo conceito de saúde, que
nível de saúde possível em todos os povos contempla o ser humano em seu constante
(Kahhale, 2003). processo de transformação realizadora
Considerando a realidade histórica da necessitava de um novo modelo de cuidado e
época, é possível compreender que o de uma nova legislação.
conceito de saúde, presente até então, era A implantação legal deste conceito de
sinônimo de ausência de doença. Foi em saúde integral no Brasil ocorreu sob influência
decorrência da percepção da limitação deste do Movimento da Reforma Sanitária, que
conceito, rompendo com a visão objetivava a saúde integral para todos através
medicamentosa e com esta dualidade entre de três ações: promoção, proteção e
saúde e doença, que em 1948 a OMS “propõe recuperação (Kjawau; Both & Brutscher,
como princípio, norteador das suas 2003). Além deste movimento nacional,
atividades, o entendimento de saúde como o contribuíram com o processo de legalização, a
completo bem-estar físico, mental e social” Conferência Internacional de Alma Ata (em
(Kahhale, 2003, p. 165). Com esta mudança 1978) e a Conferência de Otawa no Canadá
conceitual, a preocupação ultrapassou as (em 1986), organizadas pela OMS e a Unicef.
questões biológicas, levando à inclusão de Foi em meio a este cenário nacional e
ações que contemplem os aspectos psíquicos internacional que aconteceu a VIII
e sociais da população. Conferência Nacional de Saúde em 1986,

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momento em que foi aprovado o projeto do profissionais da saúde por meio de


SUS elaborado pela Reforma Sanitária. Pode- estímulo e do acompanhamento
constante de sua formação e capacitação;
se dizer que todos estes acontecimentos realizar avaliação e acompanhamento
históricos contribuíram para que o SUS sistemático dos resultados alcançados,
conquistasse base legal suficiente a ponto de como parte do processo de planejamento
ser incluído na constituição de 1988 como um e de programação; e estimular a
órgão a serviço da saúde integral para todos participação popular e o controle social
(Brasil, 2007, p.14).
(Kujawa; Both & Brutscher, 2003).
Com o objetivo de que o atendimento à
O segundo nível de atenção é o de
saúde chegasse a toda a população, incluiu-se
média complexidade, cujo objetivo é prestar
nas diretrizes de saúde pública ações e
atendimento aos principais agravos da saúde
serviços de promoção, prevenção,
com procedimentos especializados, em uma
reabilitação e tratamento da saúde. Este
complexidade maior do que a atenção básica.
movimento se desenvolve através de três
Nele estão incluídas consultas hospitalares e
níveis de atenção: a básica, a média e a alta
ambulatoriais, exames e alguns
complexidade, também denominadas
procedimentos cirúrgicos.
atenções primária, secundária e terciária
O terceiro é o nível da alta
(Brasil, 2006). Com a abrangência destas três
complexidade, no qual se incluem
atenções, buscou-se trazer a integralidade
procedimentos com uso de alta tecnologia e
das ações para o atendimento, considerando
alto custo financeiro, como cirurgias de
a saúde em sua totalidade. Essas ações estão
grande porte.
voltadas para os cidadãos, tanto na sua
Em suma, através da atenção primária,
individualidade, quanto na coletividade.
secundária e terciária, o SUS pretende
A atenção básica pode ser considerada
oferecer a toda a população, saúde de uma
a porta de entrada do atendimento em saúde
forma ampliada, contemplando as
por possuir menor complexidade.
necessidades particulares de cada pessoa.
Inicialmente, o cidadão seria atendido através
Uma atenção que vai dos cuidados básicos
da atenção básica representada
aos complexos, articulando-se ao eixo da
principalmente por postos e centros de
Política Nacional de Humanização (PNH)
saúde. Nos casos em que há necessidade de
instituída em 2003 pelo Ministério da Saúde
recursos mais complexos, a pessoa seria
(Brasil, 2004).
encaminhada para os outros serviços da rede
No que diz respeito à Psicologia:
de maior complexidade (Brasil, 2007). Tem
como estratégia principal o Programa de Esses novos paradigmas têm uma
Saúde da Família e, assim como o SUS, em importância especial no que se refere à
geral, preconiza o acesso universal e contínuo presença e participação do psicólogo da
da população aos serviços de saúde e a saúde nas diferentes propostas de
integralidade das ações, como: atenção à saúde da população, posto que
os elementos participantes do processo
de instalação das doenças mencionadas
integração de ações programáticas e por Susser – “enfermidade” e
demanda espontânea; articulação das “anormalidade” – são notoriamente de
ações de promoção à saúde, prevenção cunho psicossocial. Cada dia mais a
de agravos, vigilância à saúde, tratamento valorização de intervenções primárias,
e reabilitação, trabalho de forma secundárias e terciárias em saúde
interdisciplinar e em equipe, e pressupõe a necessidade de se
coordenação do cuidado na rede de compreender e intervir sobre estes
serviços; desenvolver relações de vínculo contextos do indivíduo ou grupos,
e responsabilização entre as equipes e a expostos às diferentes moléstias ou
população descrita, garantindo a outras condições de agravo à saúde
continuidade das ações de saúde e a (Sebastiani, 2000, p. 202).
longitudinalidade do cuidado; valorizar os

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interdisciplinaridade, ou seja, a interação


Assim, a ampliação conceitual trouxe a entre os diferentes níveis do saber
profissional, não apenas articulados entre
necessidade de incluir no cuidado à saúde si, mas também harmonizados diante de
outros profissionais, que atendessem a todos uma proposta mais ampla de
os aspectos humanos (Ismael, 2005). Passam compreensão do doente e da doença
a fazer parte das políticas públicas de saúde e (Camon, 2000, p. 12).
da equipe de profissionais da saúde médicos,
assistentes sociais, enfermeiros, Uma perspectiva que integra os
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, profissionais da saúde para abordar a pessoa
nutricionistas, odontólogos, psicólogos e na sua integralidade deve contemplar o
terapeutas ocupacionais (Martins, 2004). desenvolvimento de uma postura que
A expansão dos serviços põe em prática considere a realidade da pessoa como algo
uma assistência à saúde multiprofissional e, dinâmico, singular, relacional e que considere
com ela, o atendimento prestado por vários o humano existente em cada indivíduo. Esse é
profissionais, com atuações diferenciadas, a o único jeito de promover um verdadeiro
uma mesma pessoa. Segundo Japiassú (1976), processo de humanização e isso porque, “a
trata-se de um trabalho que se realiza através humanização dos cuidados em saúde
da justaposição de atuações, sem pressupõe considerar a essência do ser, o
necessariamente ocorrer troca ou interação respeito à individualidade e a necessidade de
entre elas. construção de um espaço concreto nas
Não demorou muito a percepção de instituições de saúde que legitime o humano
que disponibilizar o acesso a diferentes das pessoas envolvidas” (Pessini & Bertachini,
profissionais da área da saúde não era 2006, p. 3), sejam estes os pacientes, os
condição suficiente para garantir o cuidado familiares ou os profissionais.
integral. A relação entre os profissionais da Nessa perspectiva, passa a ser
saúde e os usuários do serviço passa a ser responsabilidade dos profissionais de saúde o
reconhecida como a grande célula promotora desenvolvimento de um olhar atento e
de uma política humanizada em saúde e, com considerador, uma prática voltada para a
a ela, a necessidade de desenvolver, nos criação de condições facilitadoras do
profissionais de saúde, atitudes que desenvolvimento do protagonismo e da co-
promovam a construção de relações responsabilidade das pessoas na atenção à
interpessoais de crescimento entre todas as saúde, como forma de garantir a prática de
pessoas que fazem parte desse processo. alguns dos princípios norteadores da Política
Martins (2004), confirma esse pensamento de Humanização:
quando diz que “o profissional da saúde que
Construção de autonomia e protagonismo
desenvolve atividade assistencial, além das dos sujeitos e coletivos implicados na
ações e procedimentos técnicos ligados à sua rede do SUS; Co-responsabilidade desses
área específica, estabelece sempre, com as sujeitos nos processos de gestão e
pessoas que atende, relações interpessoais. atenção; Compromisso com a
Seu trabalho depende, portanto, da qualidade democratização das relações de trabalho
e valorização dos profissionais de saúde,
técnica e da qualidade interacional” (p. 21). estimulando processos de educação
Essa nova realidade, desperta a permanente (Brasil, 2004, p.15).
necessidade de pôr em prática a articulação
dos diferentes conhecimentos que fazem Mas a inclusão da Psicologia nas
parte da área da saúde e, com ele, o conceito políticas públicas de saúde nem sempre foi
de interdisciplinaridade. regida por esta compreensão ampliada. De
acordo com Kahhale (2003), foi na década de
Mais do que a necessidade da 1970 que ocorreu a inclusão da Psicologia e
multidisciplinaridade, é fundamental a

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da assistência social na atenção primária a Na medida em que se afirma que a


saúde. Uma inserção que só foi possível em humanização é um meio para promoção
decorrência de um movimento realizado por desta saúde ampliada, ela também é um
psicólogos, que visou romper com o modelo resultado deste processo. A questão não está
clínico curativo e desenvolver a Psicologia em divulgar entre os profissionais o quanto a
Social Comunitária, trabalhando, assim, de humanização leva à promoção da saúde
maneira interdisciplinar. ampliada e vice-versa, mas sim ajudá-los a
A amplitude das situações que passam a desenvolvê-las. E neste ponto, a Abordagem
fazer parte da nova concepção de saúde põe Centrada na Pessoa (ACP) pode dar sua
o psicólogo em uma posição de verificar a contribuição.
adequação dos recursos teórico/práticos já
existentes e de implementar processos de Abordagem Centrada na Pessoa e seus
adaptação e de criação de novos recursos pressupostos básicos
científicos. Nasce a Psicologia da Saúde, uma
área de conhecimento que: A Abordagem Centrada na Pessoa foi
desenvolvida por Carl R. Rogers, renomado
agrega o conhecimento educacional, psicólogo norte-americano do século XX. No
científico e profissional da disciplina contexto da psicologia clínica foi o primeiro
Psicologia para utilizá-lo na promoção e
na manutenção da saúde, na prevenção e
psicólogo a exercer a função de
no tratamento da doença, na psicoterapeuta e o pioneiro no interesse pela
identificação da etiologia e no diagnóstico pesquisa científica em psicoterapia. Como
relacionado à saúde, à doença e às integrante do movimento humanista,
disfunções, bem como no contribuiu com a consolidação dos princípios
aperfeiçoamento do sistema de política
da saúde (Matarazzo, 1994, citado por
da Psicologia Humanista. Seu trabalho com
Gimenes, 2003, p. 41). grupo centrado em mediação de conflitos e a
crença de que esse trabalho estaria ajudando
E que pode ser reconhecida como uma a sociedade na busca pela paz fez com que
Psicologia que: ele tivesse seu nome indicado para o prêmio
Nobel da Paz no ano de 1987.
considere a compreensão orgânica da Através dessa abordagem psicológica,
psicossomática, da psico-oncologia, os Rogers construiu seu diferencial de
avanços da psiconeuroimunologia, as psicoterapia sustentado na existência de uma
especificidades da psicologia hospitalar
nos detalhamentos de sua intervenção
tendência individual para o crescimento e
nas diferentes doenças apresentadas pelo saúde, na ênfase dos elementos emocionais
paciente e, acima de tudo, uma psicologia em detrimento dos intelectuais, na
que leve em conta a historicidade do priorização do presente em detrimento do
paciente. É aquela psicologia cuja prática passado e no reconhecimento do papel da
se insere na realidade institucional de
forma a modificar até mesmo os níveis de
relação terapêutica na experiência de
estruturação institucional, se assim se crescimento. Em defesa da ideia de que a
fizer necessário. (...) É aquela psicologia personalidade humana tende a saúde e ao
que mais do que tentar explicar o bem-estar, Rogers desenvolveu atitudes
sofrimento do paciente, tenta, facilitadoras e recursos interventivos que
principalmente, compreender este
sofrimento articulando-o com a sua
permitem o resgate do potencial realizador
realidade existencial. (...) Uma psicologia existente em todo ser humano. Esse potencial
ao mesmo tempo clínica, social, hospitalar é reconhecido como pilar da teoria,
e institucional e que, por isso, tenha uma denominado Tendência Atualizante e
visão mais ampla dos conceitos de saúde associado a base motivacional da vida.
(Camon, 2000, p. 11).

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Quer o estímulo provenha de dentro ou Posteriormente, Rogers identificou que


de fora, quer o ambiente seja favorável esta compreensão não se aplicava apenas ao
ou desfavorável, os comportamentos de
um organismo serão dirigidos no sentido
atendimento psicológico, mas a todas as
de ele manter-se, crescer e reproduzir-se. relações humanas (Wood e outros, 2008).
Esta é a verdadeira natureza do processo Independente da situação é possível
ao qual chamamos de vida. (...) Quando estabelecer uma relação aceitadora e
se fala de modo básico do que "motiva" o permissiva, na qual haja o interesse genuíno
comportamento do organismo, é a
tendência direcional que é considerada
pelo outro. Deste modo, as condições básicas
fundamental. Essa tendência é sempre para o desenvolvimento interpessoal,
operante, a qualquer momento, em todos passaram a representar um jeito de ser e de
os organismos. Na verdade, é somente a estar nas relações.
presença ou ausência desse processo A Abordagem Centrada na Pessoa, com
direcional total que nos torna capazes de
distinguir se um dado organismo está vivo
sua proposta de promover relações
ou morto (Rogers, 2001, p. 269). interpessoais autônomas e
consequentemente humanizadas, sugere o
Nesse sentido, sua proposta prioriza a desenvolvimento de atitudes de consideração
capacidade do cliente para a auto-atualização positiva incondicional, empatia e
das suas potencialidades, valoriza a autenticidade como características principais
potencialidade terapêutica da relação e desse jeito de ser. São atitudes que concebem
transfere a importância da técnica para as o crescimento, a preservação e a
atitudes do terapeuta. sobrevivência como a principal motivação
A partir de 1940, verifica-se a humana, o que equivale a dizer que a
consolidação e a evolução das suas ideias principal missão humana seria a de realização
através das inúmeras publicações, das suas potencialidades.
representadas em livros e artigos científicos. Nesses termos, a consideração positiva
Dentre os livros, em suas publicações incondicional é "uma aceitação calorosa de
originais, se destacam: “Terapia Centrada no cada aspecto da experiência do cliente"
Cliente” (1951), “Tornar-se Pessoa” (1961) e (Wood e outros, 2008, p. 149). Não há
“Um Jeito de Ser” (1980). sentimentos que não possam ser expressos e
Em “Terapia Centrada no Cliente”, ele "isto significa um cuidado com o cliente, mas
desenvolve de uma forma mais completa suas não de forma possessiva (...) implica numa
ideias apresentadas inicialmente em forma de apreciar o cliente como uma pessoa
“Psicoterapia e Consulta Psicológica”, individualizada" (Wood e outros, 2008, p.
reconhecendo que seus princípios podem ser 150). É aceitar que ele tem um jeito próprio
aplicados a outros campos (Rogers, 2005). de ser, com escolhas e caminhos próprios.
Nesse contexto, Rogers desenvolveu A consideração positiva incondicional,
inicialmente uma abordagem voltada para a quando associada á atitude empática,
psicoterapia, na qual se oferecia um ambiente qualifica ainda mais as relações, promovendo
e uma relação aceitadora e permissiva como nas pessoas a sensação de estarem sendo
condição básica e suficiente para o compreendidas. E o que a Abordagem
desenvolvimento de uma pessoa (Wood e Centrada na Pessoa entende por empatia?
outros, 2008). A interação entre a potência Qual o papel que esse conceito tem para esta
para a autorrealização, que é a Tendência teoria? Por empatia entende-se a capacidade
Atualizante (Rogers, 1983), e as condições de de compreender o outro na sua perspectiva. É
um meio facilitador, possibilitam o reconhecer que o conhecimento deve servir
desenvolvimento pessoal, concretizando um apenas para garantir a compreensão da
processo de crescimento. realidade do outro a partir de seus próprios
referenciais. Em outras palavras,
compreender empaticamente não é apenas

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ouvir o que está sendo dito, mas procurar contexto no qual esteja inserida esta relação.
entender as razões e emoções presentes no A união dessas três atitudes em qualquer
momento em que a relação acontece. relação interpessoal é considerada por Rogers
Dessa forma, a atitude empática a condição necessária e suficiente para
promover o desenvolvimento humano (Wood
significa penetrar no mundo perceptual e outros, 2008).
do outro e sentir-se totalmente à vontade
dentro dele. Requer sensibilidade
constante para com as mudanças que se
Abordagem Centrada na Pessoa e
verificam nesta pessoa em relação aos Políticas Públicas de Saúde: um diálogo
significados que ela percebe (...) sem possível
tentar revelar sentimentos dos quais a
pessoa não tem consciência, pois isto A reflexão acerca das convergências
poderia ser muito ameaçador. Implica em
transmitir a maneira como você sente o
entre a ACP e as políticas públicas de saúde
mundo dele/dela à medida que examina pode ser feita a partir da nova definição do
sem viés e sem medo os aspectos que a conceito de saúde. O fundamento de todo
pessoa teme (Rogers & Rosenberg, 1977, desenvolvimento teórico desta abordagem, se
p. 73). dá a partir da premissa de que todas as
pessoas têm uma tendência natural ao
Por fim, considera-se que uma relação crescimento, que se desenvolve a partir da
facilitadora de crescimento pressupõe a experiência. Denominado Tendência
presença por inteiro de ambas as pessoas. Atualizante, este conceito é definido por
Desta forma, se insere também como Rogers como “um fluxo subjacente de
elemento de sustentação das relações movimento em direção à realização
facilitadoras de crescimento e saúde, a construtiva das possibilidades que lhe são
autenticidade, entendida como a capacidade inerentes” (Rogers, 1983, p. 40). Eis o
de expressar o que a experiência de estar na conceito que descreve as pessoas, como seres
relação promove. Ao apresentar os benefícios que apresentam uma natureza motivacional
da autenticidade na relação terapêutica para a realização de suas potencialidades de
Rogers (1976) afirma: forma dinâmica, interativa e relacional e que,
certamente contribui com a fundamentação
Descobriu-se que a transformação
pessoal era facilitada quando o
do novo conceito de saúde.
psicoterapeuta é aquilo que é, quando as Palavras como integração, prevenção,
suas relações com o paciente são interdisciplinaridade, relações de vínculo e
autênticas e sem máscara nem fachada, responsabilização, entre outras, presentes na
exprimindo abertamente os sentimentos descrição das políticas públicas de saúde
e as atitudes que nesse momento lhe
ocorrem. Escolhemos o termo
brasileiras, serão facilitadas, se forem
“congruência” para tentar descrever esta estabelecidas relações que apresentem como
condição. Com este termo procura-se objetivo
significar que os sentimentos
experimentados pelo terapeuta lhe são uma maior independência e integração do
disponíveis, disponíveis à sua consciência, indivíduo, ao invés de esperar que tais
e que ele é capaz de vivê-los, de ser esses resultados derivem do auxílio dado pelo
sentimentos e estas atitudes, que é capaz orientador à solução de problemas. O
de comunicá-los se surgir uma foco é o indivíduo e não o problema. O
oportunidade disso (p.63). objetivo não é resolver um problema
particular, mas auxiliar o indivíduo a
Nesses termos, autenticidade não crescer, de modo que possa enfrentar o
significa dizer o que se pensa, mas ter problema presente e os posteriores de
uma maneira mais bem integrada
atitudes coerentes com o que é experienciado (Rogers, 1977, p. 6).
na relação com o outro, independente do

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construção de novos modelos de


A construção de uma relação com esses atendimento psicológico.
princípios implica, por um lado, que as A partir desta compreensão, o trabalho
pessoas passem a ser responsáveis por seu multiprofissional passa a ser apenas mais um
desenvolvimento pessoal e pelo cuidado de passo para a aplicação do conceito de pessoa
sua própria saúde, promovendo e prevenindo integral. A consideração de pessoa como um
o seu prejuízo e, por outro, que os ser integral e de um conceito de saúde não
profissionais passem a considerar a potência compartimentado, requer necessariamente a
das pessoas a que se propõem ajudar. Eis a interação entre os vários profissionais da
postura que norteia a relação de ajuda saúde. Uma transição que levaria a atenção
proposta pela Abordagem Centrada na Pessoa interdisciplinar à saúde.
e que permite a interlocução com os A interdisciplinaridade, porém, vai além
fundamentos dos três níveis de atenção. de uma troca de informações entre
Desde a década de 1920, Rogers profissionais da saúde, ela exige uma
desenvolvia uma orientação metodológica intersecção entre as áreas. De acordo com
que promovia a capacidade das pessoas de Japiassú (1976), o trabalho interdisciplinar
utilizarem seus recursos individuais como requer o interesse pelo conhecimento e pela
veículo de desenvolvimento de sua máxima intervenção dos outros profissionais, requer
potência e autorrealização (Sales & Souza, uma abertura do seu próprio arcabouço
2009). Esta perspectiva permitia, desde profissional, para que, a partir da união com
então, a sua utilização de forma criativa na os outros profissionais, se construam novos
construção da Psicologia. Porém, apesar de conhecimentos. A partir da
ter sido teorizado por Rogers algumas interdisciplinaridade, é possível planejar
décadas antes, Kahhale (2003) aponta que, no intervenções conjuntas, específicas, únicas,
Brasil, até 1983, a Psicologia seguia o modelo adaptadas às necessidades da saúde de cada
clínico clássico, aplicando-o inclusive no pessoa em particular.
contexto hospitalar. Trabalhar interdisciplinarmente envolve
Esta forma clássica de atendimento uma postura de tolerância, de abertura e um
psicológico impossibilita a inserção de um interesse genuíno na atuação dos outros
modelo interdisciplinar, por se tratar de profissionais, postura esta, que não costuma
atuações individualizadas, que colocam o estar presente nas relações humanas. Nina
profissional em posição de destaque em (1995) aponta alguns obstáculos para o
relação ao cliente, e em relação aos demais desenvolvimento da equipe interdisciplinar e
membros da equipe de trabalho, tornando os principais são as questões provenientes do
inviável a troca e interação profissional, relacionamento entre as pessoas. Pode-se
necessária para a construção de uma equipe considerar que, para que a
interdisciplinar. interdisciplinaridade possa ser vivenciada na
Atualmente, apesar de muitos esforços prática dos profissionais de saúde, mais uma
para integrar os profissionais da saúde pública vez um paradigma precisa ser quebrado, o
e com isso garantir um olhar cada vez mais paradigma que envolve a postura dos
integral, universal e equânime à saúde das profissionais de saúde.
pessoas, ainda existem falhas. Os profissionais Nesses termos, a humanização não tem
das diversas áreas de atuação na saúde, ainda como ser aplicada, pois não é uma técnica.
são apenas parte de uma equipe Sua existência depende de uma relação de
multiprofissional. A Psicologia em particular, ajuda em que predomina uma atitude
tem feito esforços no sentido de abandonar a autêntica, onde aquele que oferece ajuda
clínica tradicional para desenvolver formas de considera a potência e a direção ao
trabalho que atendam a demanda das crescimento daquele que será ajudado,
pessoas, e está caminhando para a respeita sua individualidade e seu processo de

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construção particular. Quando essa pessoa receber a facilitação da mediação de


concentra seus esforços em proporcionar conflitos.
condições que facilitem o desenvolvimento Conforme Battaglia (2009), Rogers
do outro "a tendência ao crescimento e a percebia que,
direção deste crescimento serão então
evidentes e virão do interior do organismo" Quando a pessoa está emocionalmente
(Rogers, 2001, p. 271). desadaptada, enfrenta dificuldades, em
primeiro lugar, porque rompe a
A implantação deste novo conceito de comunicação consigo própria e
saúde, que propõe práticas humanizadas, consequentemente, como resultado
resgatou aspectos da pessoa que estavam dessa ruptura, a comunicação com o
sendo desconsiderados. Além de considerar outro também fica prejudicada. Nas
os aspectos emocionais e sociais das pessoas situações de conflito, que são
emocionalmente intensas, nos deparamos
presentes em seu processo de saúde ou frequentemente com pessoas que estão
doença e de promover autonomia no cuidado mais preocupadas em prejudicar o outro
à saúde, resgata a necessidade de relações do que em defender seus interesses e
interpessoais autênticas como veículo de necessidades (p. 130).
promoção a saúde.
Os profissionais de saúde também são Em muitas situações, os profissionais da
pessoas em interação, também são homens saúde encontram-se emocionalmente
integrais, assim como sua saúde. E a aplicação preocupados em perder o seu espaço ao
da interdisciplinaridade perpassa a postura permitir a interação de seu conhecimento
destes profissionais enquanto pessoas em com a área de conhecimento dos demais
relações humanas. As dificuldades de profissionais. No entanto, ainda de acordo
aplicação da interdisciplinaridade, antes de com Battaglia (2009), se as pessoas estiverem
ser um problema técnico, é um problema nas dispostas a agir com honestidade, o
relações humanas. redirecionamento do olhar permite a
É neste ponto que a ACP se insere como apreciação e compreensão do ponto de vista
uma proposta de viabilização da ampliação da do outro, promovendo uma comunicação que
interdisciplinaridade e concretização do SUS tende a tornar possível o entendimento entre
como uma política pública mais eficaz. as pessoas.
Enquanto uma forma de abordagem das Percebe-se que, com atitudes
relações humanas, a ACP não se restringe à consideradoras positivas incondicionais,
Psicologia. Ela pode ser considerada um jeito empáticas e autênticas – grandes pilares da
de ser e de abordar o outro a ser adotado por postura centrada na pessoa – é possível
todos os profissionais, cujo trabalho envolve compreender e interagir com as diferentes
relações humanas, inclusive os profissionais manifestações do outro e é possível construir
da saúde. relações permeadas por uma escuta
É preciso levar em conta que a incondicional.
insalubridade nas relações de trabalho Esta atitude nas relações profissionais
dificulta o exercício um jeito de abordar o promove uma abertura entre os outros
outro centrado na pessoa. Os profissionais da profissionais, tornando possível uma
saúde estão sem condições facilitadoras para comunicação clara e, consequentemente, a
o desenvolvimento de compreensão resolução de situações de conflito frequentes
interpessoal e sob pressão social para entre as pessoas na atualidade. Este cenário
concretizar um cuidado integral em saúde. de desentendimento se aplica também às
Esta realidade desencadeia situações de relações entre os profissionais da saúde,
conflito, nas quais a estimulação para o assim como entre profissionais e usuários e os
desenvolvimento de novas atitudes pode familiares destes.

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Fica claro que há falhas e distorções na da implementação de uma atenção integral à


comunicação entre os profissionais da saúde saúde de fato.
e desta forma, a implantação efetiva de um A ampliação do conceito de saúde
trabalho interdisciplinar fica impossibilitada. chama pela sua aplicação. Desta forma, não é
Se estas atitudes passam a ser adotadas pela possível mais restringir a Abordagem
equipe de saúde, a interdisciplinaridade pode Centrada na Pessoa à ambientes acolhedores,
ser vivenciada na prática diária, resguardando como consultórios psicoterapêuticos ou
o reconhecimento dos esforços necessários eventos de integração dos psicólogos
para a consolidação de relações com essa humanistas. É preciso ousar adentrar os
perspectiva. ambientes, muitas vezes hostis, para que,
Os profissionais da saúde, ao adotarem com o jeito de ser centrado na pessoa, estes
as atitudes da ACP, desenvolverão um também possam se tornar permissivos e
interesse real pela atuação do outro aceitadores. Sales e Sousa (2009) expressam-
profissional. A troca profissional decorrente se sobre isso da seguinte forma:
do interesse genuíno pelo outro se torna um
recurso de desenvolvimento pessoal e de Encontramo-nos, então numa posição
facilitação do processo de resgate da saúde político institucional muito vulnerável à
pressão realizada por paradigmas de
dos usuários dos serviços de saúde. saúde hegemônicos (...) e contrários aos
É fato que adotar este jeito de ser, pressupostos básicos da ACP. Contudo
implica em mudanças não apenas nas esta convergência restritiva, não nos tem
relações profissionais, mas também nas impedido de realizar críticas, pesquisas e
relações pessoais dos profissionais de saúde. práticas construtivas no campo da saúde
(p.195).
Entretanto, à medida que se compreende que
a adoção deste jeito de ser torna possível o
A ampla gama de profissionais da saúde
próprio desenvolvimento pessoal, as
em atuação, ainda sente as dificuldades
dificuldades da adaptação são vivenciadas e
herdadas pelos resquícios de um modelo
compreendidas como parte do
remediativo de saúde. Sendo assim,
desenvolvimento.
encontram obstáculos para ampliar
A disponibilidade sincera e o interesse
criativamente as possibilidades de
pelo outro, enquanto pessoa integral,
implantação do conceito de saúde ampliado.
permeada pela troca e ação conjunta dos
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)
profissionais da saúde pode trazer a
oferece a estes profissionais o amparo para
efetivação da humanização da atenção à
esta ampliação de suas atuações, através da
saúde, seja no nível primário, secundário ou
interação entre os profissionais e suas
terciário. O desenvolvimento dos
diversas áreas de conhecimento, permitindo
profissionais da saúde como pessoas, talvez
um crescimento coletivo, que configura um
seja a maior contribuição da ACP para que
crescimento ainda maior do que seria possível
alguns aspectos das políticas de saúde
de ser alcançado apenas individualmente.
possam ser concretizados em sua amplitude,
beneficiando todos os profissionais da saúde.
Referências
Toda a proposta de mudança de
paradigma sugerida pelas políticas públicas de
Battaglia, M. C. L. (2009). Carl Rogers e a
saúde brasileiras do séc. XXI apresenta a
Mediação de Conflitos. Em A. Bacellar,
necessidade do desenvolvimento da
(Coord.). A Psicologia Humanista na Prática:
consideração positiva já concebida pela
Reflexões sobre a prática da Abordagem
Abordagem Centrada na Pessoa. Acredita-se
Centrada na Pessoa. Palhoça, SC: Ed. Unisul.
que a união desta compreensão com as
diretrizes das políticas de saúde brasileiras,
seja o caminho que possibilitará a realização

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na Prática: Reflexões sobre a prática da Centrada na Pessoa pelo Instituto Delphos –


Abordagem Centrada na Pessoa. Palhoça, SC: Instituto de Psicologia Humanista. Atualmente
Ed.Unisul. em atuação como Psicóloga Clínica com base
na Abordagem Centrada na Pessoa e
Scliar, M. (2007). História do conceito de Coordenadora de Serviços no Espaço Viver
saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Psicologia. Espaço Viver Psicologia -
17(1), 29-41. Recuperado em 18 de setembro joanasimielli@yahoo.com.br.
de 2012 de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar Maira de Souza Flôr:
Flôr: Graduada em
ttext&pid=S010373312007000100003&lng=e Psicologia na Universidade do Sul de Santa
n&tlng=pt. Catarina – Unisul, com Formação em
Psicoterapia na Abordagem Centrada na
Sebastiani, R. W (2000). Histórico e Evolução Pessoa pelo Centro Catarinense de Psicologia
da Psicologia da Saúde numa Perspectiva Humanista – Espaço Viver Psicologia.
Latino-Americana. Em V. A. A. Camon (org.) Atualmente em atuação como Psicóloga
Psicologia da Saúde: um novo significado para Clínica com base na Abordagem Centrada na
a prática clínica. São Paulo: Pioneira Pessoa e Coordenadora de Serviços no Espaço
Viver Psicologia. E-mail:
Wood, J. K.; Doxsey, J. R.; Assumpção L. M.; flormaira@yahoo.com.br.
Tassinari, M. A.; Japur, M.; Serra, M. A.;
Wrona, R.; Loureiro, S.R.; Cury,V. E. (Orgs.).
(2008). Abordagem Centrada na Pessoa. (4a Recebido em: 10/03/2012
ed.). Vitória: Edufes. Aceito para publicação: 22/10/2012

Sobre as autoras

Anita Baceliar:
Baceliar: Graduada em Psicologia
pela Universidade Gama Filho, especialista em
Psicologia Clínica e mestre em Educação pela
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Atualmente é Psicóloga Clínica com base na
Abordagem Centrada na Pessoa, Psicóloga
Hospitalar e Professora
universitária/orientadora de estágio e de
trabalho de conclusão de curso. Fundadora e
Responsável Técnica do Espaço Viver
Psicologia. Coordenadora, professora e
supervisora do curso de Especialização em
Psicologia Clínica na Abordagem Centrado na
Pessoa oferecido pelo Espaço Viver.
Coordenadora do livro Psicologia Humanista
na Prática: uma reflexão sobre a Abordagem
Centrada na Pessoa publicado em 2009 pela
editora Unisul. Espaço Viver Psicologia -
anitabacellar@yahoo.com.br.

Joana Simielli Xavier Rocha:


Rocha: Graduada
em Psicologia na Universidade do Sul de Santa
Catarina – Unisul, Especialista na Abordagem

140 Rev. NUFEN [online]. v.4, n.1, janeiro-junho, 127-140, 2012.

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