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INTRODUÇÃO A PRÁTICA CIRÚRGICA

VIDEOLAPAROSCOPIA
Histórico rapidamente. A laparoscopia começou em 1987, e custou a chegar no Brasil.
A primeira cirurgia que eu fiz por videolaparoscopia foi em 2002, e foi uma cirurgia de vesícula
que durou 6 horas. Hoje eu faço essa cirurgia em 15/20 minutos, ou menos. As vantagens
desse tipo de cirurgia é poupar tempo e poupar dor no paciente, porque não há uma agressão
ao organismo do doente, já que não é preciso cortar pele, gordura, aponeurose, até chegar no
órgão-alvo, e depois fechar. Além disso, também se reduz o tempo de internação. Tem colegas
que ficam tão seguros da recuperação do paciente que dão alta no mesmo dia, eu fico com
receio, logo, dou alta no dia seguinte. Também o paciente já pode se alimentar no mesmo dia
da cirurgia, apesar de ter que manter uma dieta com pouca gordura pelos três dias seguintes.
A partir do quarto dia de pós-operatório pode ir retornando à dieta normal.
Há ainda uma precisão do diagnóstico. Por exemplo, tenho uma paciente com câncer
de estômago. Rastreio meu doente da ponta do cabelo até a ponta do pé e não tem nenhuma
doença fora do estômago. Decido tirar o estômago por vídeo (gastrectomia por vídeo).
Prepara a doente, a sala de cirurgia, paciente anestesiada e entro com a câmera de televisão, e
vejo, a partir disso, que toda a superfície interna do peritônio está salpicada de metástase, e
nenhuma outra tecnologia médica seria capaz de detectar isso. Acabou a cirurgia, entrei com a
câmera, colhi um material para biópsia e saí com a câmera, e essa paciente será submetida à
quimioterapia paliativa.
Estamos fazendo praticamente tudo por vídeo. É padrão-ouro para colectomia,
apendicite, assim como cirurgia de vesícula, pâncreas e baço.
O ato operatório se dá sem a clássica abertura das paredes anatômicas, a visualização
do interior do abdômen se dá por micro-câmeras. Ano passado eu perguntei numa prova “que
gás utilizamos para instalação de pneumoperitônio?”, e a resposta é CO2. As vias de acesso se
dão por trocáteres, e a manipulação por instrumental cirúrgico longo.
As desvantagens são alto custo (por enquanto), o equipamento depende de qualidade,
ou seja, se não estiver tudo perfeito não opera, e é sempre necessária anestesia geral. Por fim,
curva de aprendizado longa que já não é mais um problema. Há alguns anos aconteceu uma
tragédia aqui no Brasil: reutilização de materiais descartáveis. Esse processo gerou uma
infecção cicatricial por fungos que nenhum antibiótico era capaz de reconhecer. Por exemplo,
se eu operei um cálculo na vesícula e reutilizei material descartável que provocou uma
infecção, e 30 dias depois o paciente volta ao consultório com a queixa de que a cicatriz está
endurecida principalmente no umbigo, a conduta é retirada o umbigo. Portanto, esse tipo de
procedimento pode ser extremamente nocivo ao paciente. Então não se reutiliza material
descartável, e na videocirurgia isso é fundamental, sagrado.
O material que a gente usa é câmera de vídeo com óptica, monitor, fonte de luz,
insuflador de CO2, e alguns colegas gravam a cirurgia para dar ao paciente depois. Toda vez
que você vai introduzir uma câmera de transmissão, como está cheio de CO2 no abdômen, a
câmera tem que ser um pouco aquecida, para a imagem não ficar embaçada. Não pode estar
com a câmera de CO2 vazia, os trocáteres não podem estar vazando gás, porque, se no meio da
cirurgia, o abdômen murcha, não tem como continuar o procedimento.
A preferência de acesso é pelo fundo do umbigo, pois é a menor distância entre o
interior e o exterior do abdômen. Então eu vou dar dois pontos no fundo do umbigo, puxo-o
para fora e abro, aí eu insiro um trocáter com uma agulha de 5mm e inflo com CO2. Eu só
introduzo os outros trocáteres depois que eu estou com a câmera dentro do abdômen, e vejo
os trocáteres penetrarem olhando de dentro para fora, garantindo absoluta certeza que não
está pegando nenhuma víscera. Os trocáteres maiores são por onde entra a câmera. Existe já
instrumental adequado para a cirurgia infantil, eles são mais finos. O afastador entra fechado e
abre, para afastar uma víscera de modo a facilitar o trabalho em outra, por exemplo, afastar o
fígado para trabalhar na vesícula.
Dependendo da cirurgia que você vai fazer, é fundamental a posição em que o
paciente vai ficar. Uma paciente que, por exemplo, tem um tumor na suprarrenal direita,
então eu vou colocá-la em decúbito lateral esquerdo, com uma dobra do membro superior
mais ou menos na altura da cintura. Um paciente que tiver que ser submetido a uma
esplenectomia por vídeo, por outro lado, será colocado em uma posição exatamente contrária
– decúbito lateral direito – permitindo a visualização do baço como se fosse um cacho de uva,
o que facilita a retirada.
Em um paciente com obesidade mórbida, cirurgias por vídeo são muito vantajosas,
uma vez que esse é um tipo de paciente que sempre tem um risco cirúrgico alto, o que
significa que, quanto maior a agressão cirúrgica, maior a probabilidade de complicações. Além
disso, a parede do obeso é mais grossa, então se a complicação for profunda, demorará muito
tempo para se aflorar na superfície com algum sintoma. No obeso mórbido, deve ser feita uma
anastomose em “Y” de Roux, a reconstrução do trânsito alimentar quando se faz uma
gastrectomia total. Podem ser feitos até 6 acessos. Uma boa parte do estômago será retirada,
então secciona-se o jejuno depois do ângulo de Treitz e faz-se a anastomose entre o estômago
e o jejuno residuais. Com o tempo, a parte do jejuno que foi seccionada se anastomosa mais
embaixo com a parte residual, garantindo o encontro da bile e suco pancreático com o
alimento. Se você seccionar menos o jejuno, a bile vai para o esôfago e causa uma esofagite
biliar de refluxo, que é incompatível com a vida. As anastomoses devem ter no mínimo 40 cm.

Geralmente quando a gente faz essa cirurgia, perde-se o estímulo da contração da


vesícula pela chegada do alimento. A vesícula relaxada facilita a formação de cálculos, sendo,
então, a vesícula também removida nesse procedimento.
Em gastrectomias totais, pega-se o jejuno e o anastomosa com o esôfago. Com o
passar do tempo, de forma incompreensível para a ciência médica, começa a ocorrer uma
dilatação do jejuno que está anastomosado no esôfago, como se o organismo quisesse
reconstruir o estômago que foi retirado. Ademais, conforme o tempo vai passando, essa
dilatação vai se estreitando na sua parte distal, como se o organismo quisesse formar um novo
piloro. E com isso a gente passa a ter algum reservatório para comida, evidentemente menor
que o estômago. Nesse tipo de cirurgia, também deve-se retirar a vesícula, pelos mesmos
motivos da retirada na gastrectomia parcial.
O segundo exemplo da videolaparoscopia é uma colecistectomia, umas das cirurgias
mais frequentemente feitas por essa via. Normalmente eu peço meu assistente para pegar a
vesícula com a pinça e levar na direção do diafragma, o que expõe todo o pedículo vesicular
que é o ponto crucial da cirurgia. Você tem que ficar bem situado aonde está o ducto cístico e
artéria cística, e você vai clampear com um clipe de titânio (que o paciente fica o resto da
vida), e vai remover puxando a vesícula pelo umbigo. Se você bobear vai pegar o colédoco, e aí
o paciente vai ficar ictérico. Então você tem que saber exatamente o que é o colédoco e o que
é artéria cística. Para cortar a vesícula, deve-se descolar seu peritônio do fígado, normalmente
o cirurgião pede para o assistente segurar e ele vai cortando de dentro para fora. O tempo
desse procedimento é em torno de 7 minutos, o tempo que o cirurgião leva para soltar a
vesícula.

Caso: Um paciente foi operado ontem com uma hemorragia intestinal, chamaram um
endoscopista, ele viu um tumor de duodeno. O paciente estava sangrando, o endoscopista
tentou cauterizar, não conseguiu. Chamou o cirurgião, este pegou um tumor de duodeno
avançando e ressecado. Como vou parar essa hemorragia? Vou tentar achar a artéria
gastroduodenal, que está nutrindo esse tumor e vou ligar. Não achei porque está dentro do
tumor. Bom, a gastroduodenal sai da hepática. Se eu ligar a hepática, o sangramento para, e o
fígado não é prejudicado porque 60% da nutrição dele vem pelo sistema porta de qualquer
forma. Então, liguei a artéria hepática, o sangramento parou e o problema foi resolvido. No dia
seguinte, esse paciente está sentindo muita dor. Pela descrição cirúrgica do dia anterior, vejo
que ele tem que ser reoperado, pois a artéria cística sai da artéria hepática. Quando o cirurgião
ligou a artéria hepática, ele automaticamente deveria ter retirado a vesícula. Como ele não
tirou, a vesícula necrosou causando dor. Pela leitura da descrição cirúrgica, eu vi que ele não
tirou a vesícula.

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