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Leonardo Boff

“Nunca aceitei o mundo assim como está”

Entrevista a João Paulo para o suplemento PENSAR do diário Estado de Minas-MG de


13/12/2008

1) Aos 70 anos, que balanço o senhor faz de sua trajetória intelectual e


política?
R/ Setenta anos são muitos anos e um balanço em poucas linhas é tarefa ariscada.
Direi que sempre procurei estar aberto ao meu tempo, filtrando as questões
histórico-sociais e religiosas pela ótica da fé cristã, entendida não como uma fonte de
águas mortas, que sempre repete respostas velhas para problemas novos mas como
uma fonte de aguas vivas que continuamente sugere reflexões novas e formulações
diferentes. Posso dizer que sempre fui fiel a duas paixões: paixão pelo mundo,
especialmente pelos pobres, pela Terra crucificada e paixão por Deus que não só se
revelou no passado mas que continuamente se revela pelos sinais dos tempos e pelas
questões que desafiam nossa consciência. Nunca aceitei o mundo assim como está.
Lutarei até o fim no esforço de mudá-lo junto com tantos outros.
2) Como, hoje, o senhor analisa a presença da teologia da libertação no contexto
do cristianismo brasileiro e latino-americano?
R/ Considero a teologia da libertação uma das grandes construções inteletuais e
práticas da cultura latino-americana. Ela partiu de uma experiência espiritual e de uma
nova missão do cristianismo na história: do lado dos pobres, contra a pobreza e por
processos de transformação estrutural da sociedade e da própria civilização. Ela se
associou aos movimentos de resistência e de libertação em todos os paises da
América Latina. Expandiu-se para a Africa e Asia. Hoje é um dos pensamentos mais
vigorosos do cristiansimo universal. Ela não detém poder mas a hegemonia moral sobre
questões fundamentais da humanidade como o destino dos pobres, a revindicação da
dignidade dos condenados da Terra, a libertação da mulheres oprimidas por séculos de
patriarcalismo e a preservação da Terra como o grande legado que o universo nos
entregou e que Deus nos chamou para cuidar.

3) A ligação entre política e espiritualidade é uma presença marcante em sua


reflexão. Como o senhor vê o cenário de regressão e desprestígio dessas duas
dimensões no mundo contemporâneo?
R/ A política foi substituida pela economia de corte neoliberal, competitiva, criadora
de enormes desigualdades que significam injustiças sociais e depredadora da
natureza. A política serve aos interesses econômicos, especialmente, das grandes
corporações e dos paises tecnicamente mais avançados. A espiritualidade tem outro
destino. A humanidade está cansada de consumo de bens materiais e de
superexploração do imaginário. Tem fome e sede de bens intangíveis que não se
encontram na bolsa, nem no mercado e à venda nos bancos, como a acolhida, a
compaixão, a lealdade, o enternecimento e o amor. A espiritualidade vive destes
valores. Ela foi exilada pela modernidade, centrada na razão técnico-cientíica. Mas ela
está voltando com vigor fundada na razão sensível e cordial, onde radicam os valores,
a gratuidade e o mundo das excelências. Esta espiritualidade não pode ser confundida
com as religiões. Estas, em sua maioria, inclusive setores importantes da Igreja
Católica, estão doentes, da doença do fundamentalismo. Muitas viraram religiões do
mercado. Falam mais aos bolsos das pessoas que a seus corações ou banalizam o
sagrado que se transformou num negócio ou num espetáculo. O ser humano se dá conta
de que não lhe basta saciar a fome de pão. Precisa saciar sua fome de beleza, de
transcendência, de comunhão também com uma realidade maior que sustenta nosso
universo e dá sentido à nossa vida.

4) Em sua obra convivem momentos de reflexão mais acadêmica com a busca de


comunicação com o leitor não especialiasta. Qual é, na visão do senhor, o papel
do intelectual no mundo de hoje?
R/ Todos são de alguma forma intelectuais pois exercem seu intelecto para pensar o
mundo e dar significação à vida, entrecortada por tantos absurdos. Mas há pessoas
que fazem da matutação da vida e do destino do homem e do mundo sua ocupação
principal. Eles estão sempre ligados ao curso das coisas, às tendências do pensamento,
às interrogações que a sociedade e o ser humano sempre se colocam. A realidade é
extremamente complexa. Ela precisa ser entendida e faz-se necessário identificar o
logos que a habita, geralmente, escondido atrás dos eventos. Função prinmordial do
intelectual é provocar as pessoas a pensarem a vida, assumirem sua gravidade, a se
responsabilizarem pelo futuro comum da humanidade e da Terra. O intelectual é
incômodo, pois muitas vezes é como os peixes de piracema: nada contra a corrente
para chegar à fonte e permitir o recomeço da vida.
5) Sua questão com a Igreja de Roma se tornou conhecida em todo o mundo.
Como, passados alguns anos, o senhor lembra daqueles momentos, do contato com
a Congregação da Fé e com o então cardeal Ratzinger?
R/ Para mim o fato de ter que me submeter ao juizo da mais alta instância doutrinária
da Igreja não chegou sequer a ser um pesadelo. Estava convencido da verdade da
causa que representava que outra não era que a libertação e o resgate da dignidade
dos oprimidos. Nem guardei amargura daquele acontecimento importante
biograficamente. No fundo senti imensa pena por tudo o que aconteceu, pois, entendi
que Roma é refém do sistema doutrinário, dogmatico e jurídico que ela mesma criou.
Ela tinha que me condenar, pois minha reflexão bebia de outra fonte, penso, mais
originária. Para mim a Igreja não é grande galáxia que ela se imagina ser. É apenas um
satellite, nem sequer um sol, apenas uma lua que vive da luz de uma realidade maior
que foi o conteúdo da pregação de Jesus: o sonho de um Reino de bondade, de
humanidade e de amor. Essa utopia de Jesus é sempre atual e pode reencantar a vida
e fazer as pessoas melhores. Sempre sustentei que a Igreja não pode se autofinalizar.
Ela não existe para si mas para os outros. O importante, e esse era o sonho de Jesus,
que as pessoas fossem mais humanas, sensíveis, capazes de perdão e de amor. Sofro
que a instituicionalidade da Igreja está mais interessada em preservar a si mesma, em
manter seu aparato do que se lançar de verdade em favor das pessoas, das mais
marginalizadas e discriminadas como os portadores de Aids ou homosexuais ou em
geral os humilhados e ofendidos de nossa história. Ela não tem condições de dizer
como Jesus:”se alguém vem a mim eu não o mandarei embora”. Ela coloca tantas
condições que muitos vão embora ou são simplesmente mandados embora por ela. Isso
nada tem a ver com a herança de Jesus que ela deveria atualizar.

6) Como o senhor analisa os rumos que o papa Bento XVI vem imprimindo à
Igreja?
R/ Para mim este Papa é mero continuador do modelo de Igreja e da política que seu
antecessor João Paulo II tinha e que ele, como o Gran Consigliere, ajudou a formular.
Trata-se de construir a Igreja para dentro, que se basta a si mesma, ciosa de sua
identidade a ponto de apresentar algumas características de seita pois exclui a
tantos, especialmente, desfazendo 50 anos de ecumenismo. Para mim este Papa vive de
uma ilusão de que reevangelizando a Europa irá conferir traços cristãos ao processo
de globalização. Os europeus têm o cristianismo pelas costas, não singifica mais como
outrora, uma fonte de inspiração, pois é demasidamente descompasado dos valores
modernos da participação, da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, do livre
curso das idéias. Para nós latino-americanos, que somos quase a metade do catolicismo,
optar pela Europa é optar pelos ricos. Estes estão mais interessados em preservar
seus privilégios que olhar para os paises retardatários e ajudá-los a fazer o salto para
condições mais dignas de vida. Esse Papa passará para a história como um Papa
Professor que não conseguiu ser Pastor. Quis manter seguros os cristãos no porto a
salvo das tempestades quando o espírito de Jesus significa um convite para a ousadia
e a coragem para abrir novos caminhos e rasgar horizontes de esperança.

7) O senhor atualizaria alguma afirmação de seu livro Igreja, carisma e poder,


em razão dos atuais caminhos da Igreja?
R/ O que foi escrito está escrito. Mesmo que mudasse alguma coisa, nada adiantaria
pois o livro fez o seu curso e possui seu valor em si mesmo. Eu o considero hoje mais
atual do que quando foi escrito em 1981, porque a situação geral da Igreja se tornou
mais sombria e em alguns aspectos crepuscular. Hoje há mais vigilância doutrinária,
surgiu um cristianismo carismático, no meu ponto de vista, superficial e sem estatura
para enfrentar os problemas grave do mundo. Não ajudamos as pessoas a assumirem
suas responsabilidades simplesmente fazendo-as dançar e cantar. O Cristianismo tem
coisas mais sérias a propor do que uma aerobica de Deus. Vivemos tempos de
decadencia espiritual que primeiro atinge a cultura mundial e de rebote todas as
Igrejas e as religiões.

8) Nos livros mais recentes o senhor tem apontado uma ligação ou ampliação da
visão política conjuntural para um olhar holístico, da exclusão social para a
injustiça planetária. Qual o papel que o pensamento ecológico tem para religar o
homem com o mundo e com a luta contra as injustiças?
R/ Hoje a nova radicalidade reside na questão ecológica. Damo-nos conta de que nossa
civilização, nos últimos quarto séculos, pôs em marcha um projeto que implicou a
devastação de nossa Casa Comum, a Terra. Pois se tratava de explorar todos os
recursos naturais de forma ilimitada para propiciar uma produção ilimitada e um
consumo também ilimitado. Um planeta limitado como o nosso não suporta um projeto
ilimitado. A consequência estamos colhendo atualmente. Para atender as demandas
humanas, especialmente dos ricos que consomem 80% dos serviços e dos recursos da
natureza, precisamos de uma Terra e mais um terço dela. A seguir este curso no ano
2050 precisamos de duas Terras iguais a esta. Não chegaremos lá porque Gaia irá se
rebelar e nos dar duras lições como já está dando com enchentes, secas, ciclones e o
desarranjo da base físico-química da Terra. A questão é: ou salvamos a Terra ou
vamos ao encontro do pior. Sem a Terra todos os demais projetos não têm
sustentabilidade. Ela pode continuar sem nós. Nós podemos criar as condições de
nosso eventual desaparecimento como espécie, fruto de nossa insanidade, falta
absoluta de cuidado, ausência de respeito pela alteridade e de reverencia face à vida
e ao universo.

9) Que papel o senhor credita aos atuais movimentos sociais, como o MST, por
exemplo, num momento de crise da política convencional?
R/ Os movimentos sociais que encontrarm no Forum Social Mundial seu palco de
visibilidade são portadores de alternativas para o atual paradigma civilizatório. Em
outras palavras, assim como o mundo está não pode continuar com esse tipo de
economia virtual e especlativa, com uma política do uso da capacidade de matar para
se impôr como fazem os Estados Unidos, com um tipo de globalização que exclui
grande parte a humanidade. Ou mudamos ou podemos conhecer o caminho já
percorrido pelos dinossauros. O MST e a Via Campesiana são considerados por Noam
Chomsky, o grande intelectual crítico norte-americano, os movimentos mais
importantes do planeta. Eles não apenas postulam uma reforma agrária integral com
outro tipo de produção que respeita os preceitos ecológicos mas sonham também com
outro tipo de humanidade, de relações entre os povos e culturas. Por isso é importante
acompanhá-los, pois, não obstante os equívocos que também cometem, são portadores
do novo e daquilo que ainda não foi ensaiado para a humanidade e que poderá dar um
nova direção para a história humana.

10) O senhor tem viajado pelo mundo falando de suas idéias e dialogando com
várias culturas. Que desafio se coloca hoje, principalmente para os jovens em
busca de participação nas vida social?
R/ Os jovens são as grandes vítimas do tipo de cultura materialista, individualista e
rasteira porque sem qualquer tanscendência, que está se impondo no mundo, como
consequência do tipo de globalização occidental regida pela vontade de poder e não
pela vontade de viver. São manipulados para não terem sonhos, para encontrarem um
mundo já pronto pela midia mundial que coloniza seu imaginário, introjeta falsos
desejos para atender ao mercado. A droga é um instrumento politico não apenas
tolerado pelas forces que dominam o mundo mas desejado porque assim desfribam o
jovem, tiram-lhe a vontade de protestar e de rebelar-se contra tantas mazelas deste
mundo. Mas eu creio que nos jovens sempre há uma reserva imensa de criatividade, de
capacidade insurreição e que, dadas certas condições que poderão surgir de forma
imprevista, poderão abalar os fundamentos deste tipo de sociedade que se globalizou
e que não é boa para as grandes maiorias.

11) Como, num mundo marcado pelo materialismo, desenvolver o projeto que o
senhor defende de espiritualidade ligada à vida?
R/ Para mim a espiritualidade é uma exigência da vida humana. Não temos apenas o
corpo com o qual nos fazemos presentes uns aos outros e nos enraizamos no mundo.
Não temos apenas interioridade, cheia de emoções, paixões, desejos, sonhos e utopias.
Temos também profundidade, lá onde reside nosso eu profundo, nosso modo singular
de ser e de agir, nossa marca registrada e donde nos vêm apelos que alcançam nossa
consciência.
Essa dimensão espiritual emerge consciente quando o ser humano se interroga sobre o
sentido da vida, sobre a origem e fim do universo, sobre o que podemos esperar para
além desta vida, finalmente, que estamos fazendo neste mundo e qual é o nosso lugar
no conjunto dos seres. Por fim, não se pode obviar a pergunta: qual é a Energia que
sustenta todos os seres, as estrelas e a nós mesmos? As tradições espirituais
chamaram de Tao, de Shiva, de Olorum, de Alá, de Javé, de Deus, de Cristo cósmico.
Cultivar este espaço da profundidade confere ao ser humano serenidade e paz
duradoura. As ondas podem estar encapeladas mas o mar no seu profundo está em
absoluta paz.

12) Algumas pessoas ligadas à telogia da libertação, como o Frei Betto,


participaram do primeiro momento do governo Lula. Que avaliação o senhor faz do
governo e o que ainda precisa ser feito?
R/ Estimo que o governo Lula marca um ponto de não retorno na história brasileira,
pois o povo feito de operários, trabalhadores de todo tipo e pobres se deram conta de
que podem conquistar o poder. Cansados de votar nos seus patrões, resolveram votar
em si mesmos. Votaram em Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro.
Ele pode ter cometido equívocos, especialmente, no campo da macro-economia que
continuou obedecendo à lógica neoliberal. Mas hoje importa reconhecer que esta sua
política nos defendeu de uma catástrofe de grande magnitude. Mas seu forte foi abrir
janelas nunca dantes abertas no campo social. O que significa a bolsa família com os
demais projetos sociais que a aompanham, o projeto luz para todos, o crédito
consignado e o incentivo à agricultura familiar só pode ser adequadamente avaliados
quando se visitam as pequenas cidades do interior e se constatam as transformações
que lá se operaram.
O povo voltou a se reecantar com a vida. Ganhou em vida, saúde, auto-estima e
cidadania. Só este fato intronizará o Presidente Lula entre os grandes
revolucionários de nossa história. Ele fez a revolução da ternura para com a vida, a
revolução benevolente para com as crianças e os idosos, a revolução de uma nova
esperança possível. Há muitas chagas abertas ainda e que sangram, especialmente,
aquela da saúde e da educação. Nunca fizemos, na verdade, uma revolução na
educação. Nem a reforma agrária. Quem sabe num futuro mandato, Lula não enfrente
estas questões e ai sim se pereniza na memória dos brasileiros. Frei Betto aceitou
trabalhar no Fome Zero não por desejo de poder mas como cristão e cidadão poder
cumprir o preceito evangélico de multiplicar o pão e saciar multidões de famintos.
Montado o projeto, considerou que havia cumprido sua missão de grande generosidade,
competencia e amor desinteressado.

13) Um dos temas presentes em seus livros é a questão da mulher e sua relação
com mundo masculino. É preciso tornar o mundo mais feminino?
R/ Durante anos me ocupei de forma científica com o estudo da questão da mulher. É
um campo da teologia da libertação pois as mulheres vivem uma opressão histórica de
mais de 12 mil anos. Minha preocupacão fundamental foi de ordem antropologica.
Todos somos construidos por duas forças originárias: o masculine e o feminino. Elas
estão presentes, em modalidades diferentes, em cada pessoa humana. Há em cada um
a dimensão da razão, da vontade de poder, de ordem, de abertura de caminhos. No
homem e na mulher. E há também a dimensão do enternecimento, da sensibilidade, da
intuição, da espiritualidade. No homem e na mulher. A mulher por ser mulher,
desenvolveu mais esta última dimensão, mas ela não é monopólio dela. Ocorre algo
trágico na história: o homem reprimiu o feminine em si mesmo e oprimiu a mulher,
tornando-a invisível na sociedade. Com isso a sociedade humana marginalizou o
cuidado, o esprit de finesse. Ele se brutalizou sob o domínio do homem, atingindo a
natureza que foi devastada. Hoje na busca do novo paradigma de convivência temos
que resgatar o feminino para termos uma sociedade mais integrada e equilibradaa e
para termos uma experência mais completa de nós mesmos.

14) O que, em sua visão, faz mais falta ao mundo de hoje, a teologia ou a
libertação? A política ou a religião? A espiritualidade ou a militância? Ou, na
verdade, não se trata de uma oposição real?
R/ Creio que ambas estão em deficit. Falta libertação pois grande parte da
humanidade vive oprimida, também os ricos, por um conjunto de valores, formas de
produção, de consumo e de trato com a natureza que nos desumaniza a taodos e nos
alheia ao ritmo natural das coisas. Pensar em termos cristãos sobre esta situação é
fazer teologia da libertação. Mas não apenas pensar, mas partiicipar, atuar a partir do
capital espiritual da fé e da prática de Jesus. O mais importante é a libertação
concreta dos oprimidos, pois esta é um bem do Reino de Deus. Em seguida vem a
teologia, se houver cristãos dispostos a pensar tal realidade para melhor inserir-se no
processo de libertação que é assumido também por outros. Geralmente é assim: os
cristãos são os que mais falam de libertação. Mas são outros que efetivamente
libertam.

15) A aproximação que o senhor faz de alguns nomes da história cristã com a
realidade (Jesus como libertador, São José como trabalhador etc) humaniza os
santos e compromete os homens a levar uma vida mais santificada. Qual é o
caminho que se abre hoje aos homens preocupados com a situação social do país e
do mundo?
R/ Devemos entender a história da salvação não como uma alternativa à história mas
como um momento dentro desta mesma história. Então Jesus, os santos e santas, as
figuras referenciais da fé cristã são membros da comunidade humana. Participam de
seus avatares e de seus sucessos. Então é sempre de bom aviso nunca desenraizar
estas figures de seus contextos históricos. Somente desta forma se farão próximos a
nós e nos podem inspirar. Jesus é o Verbo que se fez carne, realidade concreta nossa.
Muitos cristãos têm dificuldades de aceitar um Jesus assim humanado. Preferem que
ele fique espírito, pois assim deixa de ser incômodo porque fica longe de nós.

16) O senhor tem trazido para sua obra uma sensibilidade muito grande para
outras tradições, sobretudo as orientais. O que temos a aprender com o budismo,
a disciplina zen, a ioga e o confuncionismo?
R/ Parto sempre do entendimento de que por detrás de cada formulação religiosa e
cultural vige uma experiência do Mistério que é comum a todos. As expressões são
diferentes, consoante as culturas. Os ocidentais fizeram o caminho para fora, criando
teologias e sistemas de pensamento religioso. Seu eixo orientador é a busca da
plenitude. Os orientais fizeram o caminho para dentro, da contemplação e da
sabedoria. Sua idéia-mestra é o Vazio e o total despojamento que são outras formas
de expressar a busca de plenitude. Eles nos têm muito a nos ensinar por que não
conhecem dogmatismos, vontade de dominar pela verdade. Estão muito mais inseridos
nos ciclos da natureza (feng shuy) e procuram viver em comunhão com o Tao que se
encontra, se vela e revela em cada ser. Especialmente a categoria compaixão, tão
central para a mística oriental, é de grande atualidade pois há muito sofrimento e
desolação no mundo de hoje, seja entre os humanos e na natureza.

17) Como o senhor vê o caminho do ecumenismo, que já foi hegemônico na Igreja


e hoje sofre questionamentos em nome de verdades que se querem absolutas.
Que avaliação faz do crescimento das igrejas neopenteconstais no Brasil e da
possibiliade de diálogo com os crentes em nome de uma postura social mais viva?

R/ O ecumenismo inter-eclesial está em crise dada à pretensão que faz a Igreja


romano-católica de ser a única Igreja de Cristo. As demais possuiriam apenas
elementos eclesiais e não são Igrejas. Esta pretensão é uma infâmia, pois Jesus
jamais faria isso, pois implica discriminação e humilhação dos demais. O macro-
ecumenismo, quer dizer, entre as religiões, está em franco progresso. Religiões se
acolhem e se reconhecem como valores e grandes criações que o espírito humano criou
em seu confronto com o Mistério do mundo. Mas como disse, grandes setores das
religiões e das Igrejas são afetadas por uma doença, a do fundamentismo. Este não é
uma doutrina. Mas uma forma de ver as doutrinas como as únicas verdadeiras
considerando as demais falsas ou insuficientes. Aqui vale o que disse o grande poeta
espanhol Antono Machado:”não a tua verdade. Mas a verdade. Vamos buscá-la juntos.
A tua guarde-a para ti”. Os carismáticos podem representar uma fase nova da
história da Igreja, dando centralidade mais à subjetividade das pessoas, a suas
experiências espirituais que aos dogmas e por isso pode significar um campo de grande
libertação e de renovação espiritual. Ocorre que, em grande parte, o movimento ficou
a meio caminho. Os membros ficaram tão entusiasmados consigo mesmos que
esquecerm que o mundo não é feito apenas de canto-chão, música e rosas, mas de
opressão, violência, graves pecados de injustiça a nivel mundial. Para estas questões
eles são pouco sensíveis. Dizem Pai Nosso. Pouco dizem Pão Nosso. Só quem une Pai e
Pão pode dizer Amém e estar dentro da plenitude do evangelho.

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