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6) Como o senhor analisa os rumos que o papa Bento XVI vem imprimindo à
Igreja?
R/ Para mim este Papa é mero continuador do modelo de Igreja e da política que seu
antecessor João Paulo II tinha e que ele, como o Gran Consigliere, ajudou a formular.
Trata-se de construir a Igreja para dentro, que se basta a si mesma, ciosa de sua
identidade a ponto de apresentar algumas características de seita pois exclui a
tantos, especialmente, desfazendo 50 anos de ecumenismo. Para mim este Papa vive de
uma ilusão de que reevangelizando a Europa irá conferir traços cristãos ao processo
de globalização. Os europeus têm o cristianismo pelas costas, não singifica mais como
outrora, uma fonte de inspiração, pois é demasidamente descompasado dos valores
modernos da participação, da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, do livre
curso das idéias. Para nós latino-americanos, que somos quase a metade do catolicismo,
optar pela Europa é optar pelos ricos. Estes estão mais interessados em preservar
seus privilégios que olhar para os paises retardatários e ajudá-los a fazer o salto para
condições mais dignas de vida. Esse Papa passará para a história como um Papa
Professor que não conseguiu ser Pastor. Quis manter seguros os cristãos no porto a
salvo das tempestades quando o espírito de Jesus significa um convite para a ousadia
e a coragem para abrir novos caminhos e rasgar horizontes de esperança.
8) Nos livros mais recentes o senhor tem apontado uma ligação ou ampliação da
visão política conjuntural para um olhar holístico, da exclusão social para a
injustiça planetária. Qual o papel que o pensamento ecológico tem para religar o
homem com o mundo e com a luta contra as injustiças?
R/ Hoje a nova radicalidade reside na questão ecológica. Damo-nos conta de que nossa
civilização, nos últimos quarto séculos, pôs em marcha um projeto que implicou a
devastação de nossa Casa Comum, a Terra. Pois se tratava de explorar todos os
recursos naturais de forma ilimitada para propiciar uma produção ilimitada e um
consumo também ilimitado. Um planeta limitado como o nosso não suporta um projeto
ilimitado. A consequência estamos colhendo atualmente. Para atender as demandas
humanas, especialmente dos ricos que consomem 80% dos serviços e dos recursos da
natureza, precisamos de uma Terra e mais um terço dela. A seguir este curso no ano
2050 precisamos de duas Terras iguais a esta. Não chegaremos lá porque Gaia irá se
rebelar e nos dar duras lições como já está dando com enchentes, secas, ciclones e o
desarranjo da base físico-química da Terra. A questão é: ou salvamos a Terra ou
vamos ao encontro do pior. Sem a Terra todos os demais projetos não têm
sustentabilidade. Ela pode continuar sem nós. Nós podemos criar as condições de
nosso eventual desaparecimento como espécie, fruto de nossa insanidade, falta
absoluta de cuidado, ausência de respeito pela alteridade e de reverencia face à vida
e ao universo.
9) Que papel o senhor credita aos atuais movimentos sociais, como o MST, por
exemplo, num momento de crise da política convencional?
R/ Os movimentos sociais que encontrarm no Forum Social Mundial seu palco de
visibilidade são portadores de alternativas para o atual paradigma civilizatório. Em
outras palavras, assim como o mundo está não pode continuar com esse tipo de
economia virtual e especlativa, com uma política do uso da capacidade de matar para
se impôr como fazem os Estados Unidos, com um tipo de globalização que exclui
grande parte a humanidade. Ou mudamos ou podemos conhecer o caminho já
percorrido pelos dinossauros. O MST e a Via Campesiana são considerados por Noam
Chomsky, o grande intelectual crítico norte-americano, os movimentos mais
importantes do planeta. Eles não apenas postulam uma reforma agrária integral com
outro tipo de produção que respeita os preceitos ecológicos mas sonham também com
outro tipo de humanidade, de relações entre os povos e culturas. Por isso é importante
acompanhá-los, pois, não obstante os equívocos que também cometem, são portadores
do novo e daquilo que ainda não foi ensaiado para a humanidade e que poderá dar um
nova direção para a história humana.
10) O senhor tem viajado pelo mundo falando de suas idéias e dialogando com
várias culturas. Que desafio se coloca hoje, principalmente para os jovens em
busca de participação nas vida social?
R/ Os jovens são as grandes vítimas do tipo de cultura materialista, individualista e
rasteira porque sem qualquer tanscendência, que está se impondo no mundo, como
consequência do tipo de globalização occidental regida pela vontade de poder e não
pela vontade de viver. São manipulados para não terem sonhos, para encontrarem um
mundo já pronto pela midia mundial que coloniza seu imaginário, introjeta falsos
desejos para atender ao mercado. A droga é um instrumento politico não apenas
tolerado pelas forces que dominam o mundo mas desejado porque assim desfribam o
jovem, tiram-lhe a vontade de protestar e de rebelar-se contra tantas mazelas deste
mundo. Mas eu creio que nos jovens sempre há uma reserva imensa de criatividade, de
capacidade insurreição e que, dadas certas condições que poderão surgir de forma
imprevista, poderão abalar os fundamentos deste tipo de sociedade que se globalizou
e que não é boa para as grandes maiorias.
11) Como, num mundo marcado pelo materialismo, desenvolver o projeto que o
senhor defende de espiritualidade ligada à vida?
R/ Para mim a espiritualidade é uma exigência da vida humana. Não temos apenas o
corpo com o qual nos fazemos presentes uns aos outros e nos enraizamos no mundo.
Não temos apenas interioridade, cheia de emoções, paixões, desejos, sonhos e utopias.
Temos também profundidade, lá onde reside nosso eu profundo, nosso modo singular
de ser e de agir, nossa marca registrada e donde nos vêm apelos que alcançam nossa
consciência.
Essa dimensão espiritual emerge consciente quando o ser humano se interroga sobre o
sentido da vida, sobre a origem e fim do universo, sobre o que podemos esperar para
além desta vida, finalmente, que estamos fazendo neste mundo e qual é o nosso lugar
no conjunto dos seres. Por fim, não se pode obviar a pergunta: qual é a Energia que
sustenta todos os seres, as estrelas e a nós mesmos? As tradições espirituais
chamaram de Tao, de Shiva, de Olorum, de Alá, de Javé, de Deus, de Cristo cósmico.
Cultivar este espaço da profundidade confere ao ser humano serenidade e paz
duradoura. As ondas podem estar encapeladas mas o mar no seu profundo está em
absoluta paz.
13) Um dos temas presentes em seus livros é a questão da mulher e sua relação
com mundo masculino. É preciso tornar o mundo mais feminino?
R/ Durante anos me ocupei de forma científica com o estudo da questão da mulher. É
um campo da teologia da libertação pois as mulheres vivem uma opressão histórica de
mais de 12 mil anos. Minha preocupacão fundamental foi de ordem antropologica.
Todos somos construidos por duas forças originárias: o masculine e o feminino. Elas
estão presentes, em modalidades diferentes, em cada pessoa humana. Há em cada um
a dimensão da razão, da vontade de poder, de ordem, de abertura de caminhos. No
homem e na mulher. E há também a dimensão do enternecimento, da sensibilidade, da
intuição, da espiritualidade. No homem e na mulher. A mulher por ser mulher,
desenvolveu mais esta última dimensão, mas ela não é monopólio dela. Ocorre algo
trágico na história: o homem reprimiu o feminine em si mesmo e oprimiu a mulher,
tornando-a invisível na sociedade. Com isso a sociedade humana marginalizou o
cuidado, o esprit de finesse. Ele se brutalizou sob o domínio do homem, atingindo a
natureza que foi devastada. Hoje na busca do novo paradigma de convivência temos
que resgatar o feminino para termos uma sociedade mais integrada e equilibradaa e
para termos uma experência mais completa de nós mesmos.
14) O que, em sua visão, faz mais falta ao mundo de hoje, a teologia ou a
libertação? A política ou a religião? A espiritualidade ou a militância? Ou, na
verdade, não se trata de uma oposição real?
R/ Creio que ambas estão em deficit. Falta libertação pois grande parte da
humanidade vive oprimida, também os ricos, por um conjunto de valores, formas de
produção, de consumo e de trato com a natureza que nos desumaniza a taodos e nos
alheia ao ritmo natural das coisas. Pensar em termos cristãos sobre esta situação é
fazer teologia da libertação. Mas não apenas pensar, mas partiicipar, atuar a partir do
capital espiritual da fé e da prática de Jesus. O mais importante é a libertação
concreta dos oprimidos, pois esta é um bem do Reino de Deus. Em seguida vem a
teologia, se houver cristãos dispostos a pensar tal realidade para melhor inserir-se no
processo de libertação que é assumido também por outros. Geralmente é assim: os
cristãos são os que mais falam de libertação. Mas são outros que efetivamente
libertam.
15) A aproximação que o senhor faz de alguns nomes da história cristã com a
realidade (Jesus como libertador, São José como trabalhador etc) humaniza os
santos e compromete os homens a levar uma vida mais santificada. Qual é o
caminho que se abre hoje aos homens preocupados com a situação social do país e
do mundo?
R/ Devemos entender a história da salvação não como uma alternativa à história mas
como um momento dentro desta mesma história. Então Jesus, os santos e santas, as
figuras referenciais da fé cristã são membros da comunidade humana. Participam de
seus avatares e de seus sucessos. Então é sempre de bom aviso nunca desenraizar
estas figures de seus contextos históricos. Somente desta forma se farão próximos a
nós e nos podem inspirar. Jesus é o Verbo que se fez carne, realidade concreta nossa.
Muitos cristãos têm dificuldades de aceitar um Jesus assim humanado. Preferem que
ele fique espírito, pois assim deixa de ser incômodo porque fica longe de nós.
16) O senhor tem trazido para sua obra uma sensibilidade muito grande para
outras tradições, sobretudo as orientais. O que temos a aprender com o budismo,
a disciplina zen, a ioga e o confuncionismo?
R/ Parto sempre do entendimento de que por detrás de cada formulação religiosa e
cultural vige uma experiência do Mistério que é comum a todos. As expressões são
diferentes, consoante as culturas. Os ocidentais fizeram o caminho para fora, criando
teologias e sistemas de pensamento religioso. Seu eixo orientador é a busca da
plenitude. Os orientais fizeram o caminho para dentro, da contemplação e da
sabedoria. Sua idéia-mestra é o Vazio e o total despojamento que são outras formas
de expressar a busca de plenitude. Eles nos têm muito a nos ensinar por que não
conhecem dogmatismos, vontade de dominar pela verdade. Estão muito mais inseridos
nos ciclos da natureza (feng shuy) e procuram viver em comunhão com o Tao que se
encontra, se vela e revela em cada ser. Especialmente a categoria compaixão, tão
central para a mística oriental, é de grande atualidade pois há muito sofrimento e
desolação no mundo de hoje, seja entre os humanos e na natureza.