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Telemática

AUTORES
Ada Ávila Assunção
Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG
Doutora em Ergonomia pelo Laboratório de Ergonomia Fisiológica e Cognitiva
EPHE/Paris, Assessora da FENADADOS 1987-1992.

Renato José de Souza


Pesquisador associado do Laboratório de Ergonomia ANTROPOS/UFMG
Mestre em Ergonomia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Telemática

Índice

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6
OBJETIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7
RE-ESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E REVOLUÇÃO INFORMÁTICA . . . . . . . . . . . . . . . . .7
PARTE I
COMO SE DESENVOLVEU A INDÚSTRIADAS
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
A INDÚSTRIADE COMPUTADORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10
A INDÚSTRIADE COMPONENTES ELETRÔNICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
A INDÚSTRIADE SOFTWARE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
A INDÚSTRIADE TELECOMUNICAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12
BANCOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13
A INTERNET . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13
REFLEXOS NABASE TECNOLÓGICA E
ORGANIZACIONALDAS EMPRESAS DE INFORMÁTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14
PARTE II
QUAIS OS EFEITOS DESSAS TRANSFORMAÇÕES
SOBRE OS SERES HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16
A INFORMAÇÃO: REDUÇÃO DAINCERTEZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16
REFLEXOS NO EMPREGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17
NOVAS FORMAS DE GESTÃO SINTONIZADAS
COM AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19
PARTE III
TRÊS CATEGORIAS DE TRABALHADORES
EM TORNO DO SETOR DAINFORMÁTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20
O TRABALHO DOS CONCEPTORES E MANTENEDORES DOS PROGRAMAS . . . . . . .20
CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE DO GESTOR DE SISTEMAS . . . . . . . . . . . . . . . . . .20
CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE DO TRABALHADOR DO SUPORTE . . . . . . . . . . . .22
CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE DE TELEATENDIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22
PARTE IV
AATIVIDADE REALDOS TRABALHADORES DO TELEATENDIMENTO,
DOS TELEFÔNICOS E DOS OPERADORES DE ORDEM DE SERVIÇO . . . . . . . . . . . . . .23
CASO DOS TRABALHADORES DO TELEATENDIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23
CASO DO OPERADOR DO SISTEMAINFORMATIZADO
DE EMISSÃO DE ORDENS DE SERVIÇO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25
CASO DO SERVIÇO DE TELEFONIADE UMAEMPRESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27
PARTE V
TRABALHAR SOB EXIGÊNCIAS CONTRADITÓRIAS:
QUALIDADE VERSUS REDUÇÃO DE DESPESAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29
AS DIFERENTES FORMAS DE DANOS À SAÚDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29
PARTE VI
FALTA DE TEMPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31
O AMBIENTE ESTRESSANTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32
ACÚMULO DE TAREFAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32
O TRABALHO REPETITIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33

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Apresentação

Esta é mais uma publicação da série “Cadernos de Saúde do Traba-


lhador” do INST/CUT, abordando dessa vez como as tecnologias de co-
municação mudaram as nossas vidas e as vidas dos trabalhadores do ra-
mo em especial.
Apesar de produzida pela Federação do ramo da Telemática, é uma
obra de interesse de todos os trabalhadores, visto a abrangência da apli-
cação das tecnologias de comunicação e processamento de dados nos
mais diferentes segmentos da economia.
A FENADADOS, fundada em 04 de dezembro de 1998, tem dado
uma relevante contribuição para a melhoria das condições relacionadas
à saúde do trabalhador, sendo a principal responsável pela aprovação da
NR-17 no início da década de 90. Aluta tem sido constante no sentido de
garantir a condição de saúde do povo brasileiro que tem sido secundari-
zada nos últimos tempos.
Na despedida do século XX a CUT, FENADADOS, FITTEL e Funda-
centro, desenvolveram um trabalho no ramo da telemática, sobre a saú-
de psíquica, um problema que tem atingido os trabalhadores nos últimos
tempos.
Esse é um dos temas, portanto, tratado como prioridade pelo Coleti-
vo Nacional de Saúde no Trabalho e Meio Ambiente da CUT, onde os
companheiros e companheiras do ramo tem participado para somar for-
ça com as demais categorias da estrutura da CUT, na luta pela saúde
dos trabalhadores e em defesa do Sistema Único de Saúde.
Esperamos ter contribuído para que não só os trabalhadores mas to-
do o ser humano, tenha um instrumento a mais para a defesa de seus di-
reitos e uma vida saudável.

Antônio Omena da Silva Remigio Todeschini


Diretor de Saúde e Assuntos Profissionais Executiva Nacional da CUT
FENADADOS/CUT Coordenador do INST/CUT

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Telemática

ESTE CADERNO O trabalho do profissional da informática

SE DIVIDE EM 6 PARTES 3 será descrito com ênfase para os trabalha-


dores que concebem os programas e para os
trabalhadores que dão suporte aos sistemas
Resume a história do desenvolvimento da
1 indústria das tecnologias da informação e
informatizados.

Esta parte, através de estudos de casos,


das comunicações. Após o histórico apresen-
tado, serão descritas as mudanças tecnológi-
4 descreve o cotidiano dos trabalhadores do
teleatendimento, dos telefônicos e dos opera-
cas e organizacionais nas empresas do ramo,
dores de um sistema informatizado que
analisando as relações entre elas e as muta-
comanda os serviços de uma companhia.
ções sofridas no setor no que se refere a evo-
lução do emprego e da carreira. Será realizada uma análise dos atuais

Serão apontados os efeitos das transfor-


5 modos de gestão do trabalho, enfatizando-

2 mações descritas anteriormente sobre os


seres humanos em geral e sobre os trabalha-
se os efeitos sobre a saúde dos trabalhadores
das políticas de qualidade total e do incentivo
à iniciativa dos trabalhadores sem as condi-
dores do ramo, particularmente. Os reflexos
ções necessárias para tal.
das mudanças apontadas sobre o emprego e
a qualificação e as novas formas de gestão Finalmente, serão apresentadas pistas
sintonizadas com as mudanças nos sistemas
técnico-organizacionais serão analisados.
6 para as transformações das situações ana-
lisadas ao longo desse trabalho.

INTRODUÇÃO memorização, tratamento e transmissão de


dados, é a etapa preliminar à utilização dos
As novas tecnologias transformam os seto- outros fatores de produção. As tecnologias da
res industriais tradicionalmente fragmentados. informação e telecomunicações são, desta
Com a introdução dos microprocessadores no forma, importantes protagonistas. Mas, projetos
processo produtivo a tecnologia industrial e a políticos mais democráticos poderiam estar na
tecnologia informática não pode ser nitida- base de apropriação da informação. (Barros,
mente distinguível. Como afirma November 1997)2
(1990)1 tudo converge em direção à “indústria Os progressos recentes, históricamente
do saber” que implica na aplicação dos conhe- determinados, permitiram que os grandes com-
cimentos e na aquisição de uma formação do putadores se transformassem. As pequenas
nível da fábrica propriamente dita até a utiliza- máquinas, mais baratas e acessíveis estão em
ção de máquinas sofisticadas. todos os ambientes, poderosas e conectadas
A informação vem, com a aplicação das uma nas outras, com vários atores e aparatos
novas tecnologias, tornar-se um dos principais entre elas. Os satélites universais transmitem
recursos das atividades produtivas. O domínio imagens e sons. Imbricaram-se computadores e
da informação, quer dizer, capacidade de telecomunicações – é a telemática. As conexões

1 NOVEMBER, A. Nouvelles technologies et mutations socio-économiques. Manuel des techonologies nouvelles. Institut interna-
tional d’études sociales. Institut universitaire d’études du développement. Organisation Internationale du travail, Genève, 1990.
2 BARROS, L.A. Informática pública e reforma do estado: a Prodabel como experiência inovadora. Belo Horizonte: EGMG/FJP,
Dissertação de Mestrado, 1997.

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entre computadores e transmissões de dados ☛ evitar o sofrimento e o adoecimento daque-
oferecem capacidades de retorno de receptor les trabalhadores que ainda não foram afetados
para emissor em tempo real. Multiplicam-se os por tais condições;
serviços: base de dados, imagem de televisão, ☛ ampliar o debate sobre os efeitos das novas
som radiofônico, trechos de uma conversa tele- formas de gestão sobre o sentido humano do
fônica... tudo a serviço da cadeia global. trabalho;
O termo telemática 3 aparece nos anos 80. ☛ possibilitar que os trabalhadores não se sub-
Preferimos ao longo desse documento utilizar o metam passivamente aos riscos presentes no
termo tecnologias da informação e da comuni- ambiente de trabalho, mas que possam desen-
cação a fim de fazer uma distinção analítica volver estratégias de proteção à saúde;
que ajudará, esperamos, a organização dos tra- ☛ valorizar as competências desenvolvidas ao
balhadores a melhor compreender o que se longo dos anos;
passa no interior dos processos de trabalho em ☛ favorecer a criatividade, de modo que esta
cada tipo de empresa: informátizadas ou com o tenha lugar no curso da ação do trabalhador no
objetivo definido de promover a comunicação. alcance dos objetivos globais da produção;
Ainda para precisar os termos, utilizaremos ☛ permitir que os trabalhadores que já sofrem
a expressão Artesãos do Imaterial, veiculada as conseqüências do trabalho sobre a saúde
na França, para designar os profissionais cujo possam manter o seu emprego.
objeto de trabalho é a informação ou as comu-
nicações. RE-ESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA E REVOLUÇÃO
OBJETIVO INFORMÁTICA

O objetivo do estudo que deu origem a este Nesta parte apresenta-se o contexto da
documento é compreender o trabalho dos ato- evolução das tecnologias de informação e
res das tecnologias da informação e da comuni- comunicação. Basicamente, visa-se esclarecer
cação, adentrando nos bastidores destes servi- o circuito reestruturação produtiva e revolução
ços para vê-los operando. Pretende-se tornar informática, cujo coroamento é a transmissão
visível o esforço dos trabalhadores para resol- vocal via satélite.
ver os problemas que surgem e como eles Como descreve o documento do DIEESE,
fazem para fazer funcionar os sistemas. reestruturação produtiva e mudanças tecnológi-
Os primeiros resultados deste estudo, atra- cas são elementos de um mesmo fenômeno: é
vés de entrevistas e observações diretas do tra- o “processo de mudanças tecnológicas (infor-
balho, e a literatura disponível em ergonomia, mática, automação microeletrônica) e organiza-
fornecem indicadores dos enfrentamentos que cionais (na relação entre empresas, na organi-
os operadores vivem no cotidiano do seu traba- zação do trabalho e da produção) que visa
lho e das possíveis repercussões sobre a quali- alcançar maior flexibilidade e integração. Deriva
dade de vida e de trabalho. de um ambiente social, político e econômico
A idéia é dar um primeiro passo no sentido marcado pelas crises dos anos 60/70 : as
de compreender para agir visando a melhoria empresas começam a se reestruturar não
das condições de trabalho de forma a: somente pelo acirramento da concorrência mas

3 NORA, S., MINC, A. A informatização da Sociedade. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1980

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Telemática
também por conflitos sociais relacionados às cura. Eliminou-se a necessidade imposta tecni-
formas tradicionais de organização do trabalho camente de acessar as informações de forma
e da produção. Amaior integração e flexibilidade seqüencial. Ganha-se tempo. Ganha-se?
das empresas surge como uma forma de Quem ganha? Parece que ninguém. A humani-
aumentar a produtividade num mercado instável dade está contaminada pela pressa. Para onde
e pouco previsível e de reagir à crise social, no foi o tempo economizado com o encurtamento
âmbito da produção e distribuição de renda.” 4 das distâncias? Menos tempo parece estar
A revolução da informática acelera as ligado a menor qualidade de vida, e os seus
outras revoluções. As tecnologias da informa- efeitos sobre a saúde dos trabalhadores.
ção e comunicação encurtaram as distâncias. As transformações dos componentes eletrô-
Promoveram aproximação dos povos em nicos possibilitaram progressos espetaculares.
tempo real e a convivência dos seus produtos. As máquinas se tornaram menores e eficientes.
Adolescentes paquistaneses, suecos, romenos, Com um “lap-top” muito pode ser feito. É o poder
argentinos podem ter muitas coisas em comum: da miniatura. As fábricas são desmembradas, o
gostar da mesma bebida, calçar o mesmo tênis, sistema informático as unifica em tempo real.
ouvir a mesma música e comunicar-se com o Qualquer lugar é lugar. Pode-se consultar a
mundo todo pela internet. Mas, todos não são conta bancária pelo telefone celular. O escritório
beneficiados do mesmo jeito. Não se resolveu a está dependurado na cintura, pesa 150 gramas.
desigualdade de acesso. O tempo de trabalho foge da morada da
No Brasil, seis em cada dez escolas priva- empresa. Instala-se onde o operador estiver: no
das de ensino médio dão acesso á rede mun- restaurante, na rua, no consultório médico.
dial da Internet aos seus alunos, enquanto a Recentemente, um juiz que estava em observa-
rede pública avançou muito pouco. Em 1996, o ção no serviço médico de um Tribunal de Justiça,
governo dos Estados Unidos investiu para que enquanto aguardava o efeito da medicação,
todas as escolas públicas e privadas fossem enviava, através do seu “lap-top”, informações
conectadas. importantes para o colega que o substituía.
No plano econômico, a empresa não é mais No “cibermundo” tudo é acessado direta-
organizada no interior dos limites políticos do mente. As informações não estão nos catálogos,
Estado onde se encontra a sua sede, pois os nem nas bibliotecas, tampouco nos arquivos,
sistemas de informação “permitiram o controle mas no “ciberespaço”. Quem o controla? Cada
do processo a partir de um ponto central e pra- vez menos gente. Isto faz diferença. Barros
ticamente em tempo real” (Hobsbawm, 2000) 5. (1997) ao defender que o computador pessoal e
Aliás, a globalização num planeta marcado pela o seu complexo de interfaces pode se associar a
diversidade, em termos tanto geográficos e cli- projetos políticos mais democráticos, esclarece
máticos, como históricos, só se tornou possível que com a expansão e diversificação da informá-
vencendo alguns obstáculos técnicos, entre tica torna-se cada vez mais difícil distinguir os
eles a distância e o tempo. limites entre a informática e o ambiente; ou sepa-
A informática – indústria da informação – rar os seus efeitos dos projetos sociais dos quais
avançou. Atualmente, procedimentos particula- faz parte. É legítimo perguntar: quais seriam os
res permitem obter diretamente o que se pro- efeitos das tecnologias da informação e da comu -

4 DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos. Trabalho e reestruturação produtiva: 10 anos
de linha de produção. São Paulo, DIEESE, 1994, 368 p.
5 HOBSBAWM. E. O novo século. Entrevista a Antônio Polito. São Paulo, Companhia das letras, 2000.

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nicação, inseridas em determinado contexto segundo mundo, onde está incluído o Brasil, a
social, sobre a qualidade de vida e de trabalho? produção de bens materiais. É mais lucrativo
William H. Gates é dono da Microsoft, atualmente, a produção do “imaterial”. Segundo
empresa mais rica da história do capitalismo. De Masi, “com um computador, a Olivetti ganha
Tão rico e poderoso que chega a incomodar, ao menos de R$ 100; a Telecom, com um telefo-
ponto do governo americano mover contra ele nema interurbano, pode ganhar mais do que
um processo na Justiça acusando-o de ter isso”. Outra diferença a favor do primeiro
criado um monopólio. Interrogado pela VEJA6 mundo é que quase todos os produtos feitos no
sobre a sobrevivência dos computadores pes- segundo mundo resultam de patentes e proje-
soais (PC), ele responde: “haverá nas casas do tos feitos no primeiro.7
futuro diversos aparelhos eletrônicos para fazer As diferenças não se dão apenas no plano
conexão com a internet. Mas sempre haverá macroeconômico. Nas micro-situações, o pro-
nas casas e nos escritórios um aparelho princi- gresso técnico, por exemplo, abole as hierar-
pal que podem chamar do que bem entende- quias. No lugar do chefe, o trabalhador se
rem, mas para mim ele será um PC. O teclado depara com o software, com o qual tem mais ou
poderá ser abolido pelo uso das tecnologias de menos familiaridade. O trabalhador se tornou
reconhecimento de voz e de caligrafia. Prova- livre? Barros (1997) salienta a manutenção do
velmente o aparelho não terá mais aquele moni- modelo taylorista no interior das empresas de
tor grande e desengonçado de raios catódicos. processamento de dados, apesar da revolução
Ele terá sido substituído por uma tela plana de tecnológica vivida nos últimos anos.
cristal líquido. Mesmo o disquete deverá ter
desaparecido por causa da facilidade de estocar P ART E I
e recuperar dados de algum site da internet.
Mas aposto que essa máquina terá capacidade COMO SE DESENVOLVEU
de processamento e vai rodar programas pode- A INDÚSTRIA DAS
rosos como os que produzimos”. TECNOLOGIAS DE
Profecia e realidade, o computador já tem INFORMAÇÃO
história. Evoluiu rapidamente modificando a E COMUNICAÇÃO 8
natureza das tarefas dos trabalhadores direta-
mente envolvidos e introduzindo uma nova Aevolução das Tecnologias de Informação
maneira de estar no mundo. É o que veremos e Comunicação tem como base a contínua
ao longo deste documento. transformação que ocorreu, de forma asso-
O sociólogo italiano Domenico De Masi ciada, em três indústrias: a indústria de compu-
alerta para a divisão que se opera no mundo tadores, a indústria de componentes eletrôni-
contemporâneo: o primeiro mundo está con- cos e a indústria de software. Essas mudanças
quistando o monopólio da produção de bens tiveram um grande impacto sobre a capacidade
não materiais: serviços, informação, estética, e o custo do processamento de informações
valores, símbolos. E está transferindo para o que, cada vez mais, tem sido os grandes objeti-

6 Revista Veja: Vida digital. 22/12/1999 Não há vida fora da internet. Nosso negócio não pode ser comparado aos monópolios .
Entrevista com Bill Gates, p. 10-15.
7 Jornal do Brasil 24/12/2000. Espírito Santo na era digital. Entrevista com Domenico de Masi, p. 12
8 A descrição do desenvolvimento das tecnologias da informação teve, em parte, o apoio do texto de Motta e Albuquerque, E.: A
Problemática Mensuração das Contribuições da Infra-estrutura de Informações para a Ampliação da Produtividade. IPEAD-
FACE/UFMG, Belo Horizonte, 1999.

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Telemática
vos de pesquisa e desenvolvimento neste setor. produzidos para uso militar. Em seguida, a pro-
As principais mutações tecnológicas opera- dução destes equipamentos se destinou à
das são desencadeadas pela microeletrônica. De comercialização. Esse período é conhecido
acordo com Jacques Lesourne, citado por No- como a era dos computadores de grande porte,
vember (1990) “o microprocessador é a máquina denominados “mainframes”, os quais alcança-
à vapor do nosso tempo”, pois é ele que asse- ram, rapidamente, a liderança no mercado de
gura a coerência do sistema tecnológico. computadores, sendo a IBM a principal empre-
O primeiro computador, que funcionava sa fornecedora.
ainda mecanicamente, foi concebido em 1823 2- A partir da liderança conquistada nos
pelo inglês Charles Babbage, mas só em 1944, computadores de grande porte, a IBM introduz
é construído o primeiro computador eletrônico. uma inovação considerada revolucionária: um
Atualmente, os circuitos integrados reúnem computador com módulos compatíveis – o IBM
e ligam entre eles, sobre uma minúscula pla- 360. Com ele, a padronização de componentes
queta de silicium, um grande número de compo- e de software permitiram a exploração de eco-
nentes eletrônicos, sendo que cada um possui nomias de escala na produção de componen-
uma função determinada, seja para memorizar tes e a conseqüente integração vertical das fir-
as informações, seja para comandá-las. mas de computadores. Aintrodução da modula-
O microprocessador é um circuito integrado ridade abre possibilidade de modificações
complexo que efetua operações lógicas e trata incrementais no “design” dos computadores.
as informações de acordo com as instruções O uso de computadores criou duas novas
programadas em uma linguagem codificada indústrias: (a) “software”, para produzir informa-
que permite comunicar com o computador. ção utilizável, e (b) “escritório de serviços”, para
As performances dos computadores au- oferecer o uso de computadores a uma vasta
mentam progressivamente e a baixo preço. A gama de clientes que preferiam não comprar
possibilidade de integrar uma quantidade cada nem alugar computadores.
vez maior de transistores sobre a placa contri- 3- Em meados da década 60, surge o
buiu para o aumento significativo da capaci- minicomputador que pode ser preparado
dade de memória e de velocidade de trata- para tarefas específicas, atendendo a institu-
mento dos dados. tos de pesquisa, firmas industriais de porte
médio e pequenos negócios, que não com-
A INDÚSTRIA DE pravam “mainframes”.
COMPUTADORES 4- Em 1977, inaugura-se a trajetória dos com-
putadores pessoais (PCs). Uma nova tecnologia
O desenvolvimento da indústria de computa- da área de componentes foi crucial para essa ino-
dores pode ser dividido em cinco fases diferentes: vação: o microprocessador (que veremos a
1- origem da indústria de computadores nos seguir). Essa trajetória tecnológica é caracteri-
anos 40; zada por melhorias no desempenho e reduções
2- mudanças nos anos 60: o IBM 360; em tamanho e preço. Os computadores pessoais
3- 1965: surgimento do minicomputador; permitem o acesso de novos usuários: pequenos
4- 1970s: o computador pessoal; negócios e usos pessoais/domésticos.
5- 1980s: mudanças contínuas nos produtos 5- Os anos 80 são marcados por contínuas
levando a novas mudanças nas indústrias. mudanças nos produtos as quais, por sua vez,
1- Os computadores foram, inicialmente, provocaram mudanças importantes na estru-

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tura da indústria. O poder e a flexibilidade cres- Durante as décadas de setenta e oitenta, a
cente dos PCs abrem inúmeras possibilidades evolução estrutural da indústria de componen-
de uso. Os softwares e os sistemas aplicativos tes eletrônicos foi caracterizada por configura-
ganham novo estatuto. As plataformas abertas ções produto-específicas, cuja transformação
de hardware permitiram conectividade, intero- contínua levou a três grupos principais de pro-
peratividade etc, abrindo a possibilidade para dutos: (a) em primeiro lugar, o grupo de produ-
que novas firmas de software pudessem com- tos requerendo todo um conjunto de capacida-
petir no mercado. Possibilitaram ainda, a produ- des inovativas e tecnológicas: os microproces-
ção de aplicativos sem hardware. Passa a ser sadores; (b) em segundo lugar, o grupo dos
valorizada a capacidade de armazenamento e produtos que requerem capacitação avançada
a arquitetura do hardware, e também, a integra- em engenharia e em produção: as memórias;
ção dos sistemas. (c) em terceiro lugar, os produtos que requerem
Em termos de estrutura industrial, o movi- capacitação avançada em “design”, capazes de
mento era diferente dos anos anteriores: ocorre alcançar aplicações ou clientes específicos: os
a desintegração vertical. Quer dizer, a produção circuitos dedicados.
de hardware e software é separada. As empre-
sas de hardware e software passam a trabalhar A INDÚSTRIA DE
em cooperação. SOFTWARE

A INDÚSTRIA O desenvolvimento da indústria de software


DE COMPONENTES está diretamente relacionado às mudanças
ELETRÔNICOS ocorridas na indústria de computadores e na
indústria de componentes eletrônicos. A difusão
As fases que descrevem o desenvolvimento de computadores e a revolução viabilizada pelo
da indústria de componentes eletrônicos são: microprocessador - o surgimento dos micro-
☛ origem da indústria: o transistor; computadores - contribuem para a emergência
☛ circuito integrado (final dos anos 50); e o desenvolvimento de um grande mercado
☛ microprocessador (anos 70); para pacotes de software padronizados.
☛ entre 1970 e 1990, um período de contínua Na primeira fase (1945-1965), relacionada
transformação e especialização. à origem e comercialização dos computadores,
A indústria de componentes eletrônicos o software de hoje não existia, pois não era
começa em 1952, quando a Western Electric, dissociado do hardware. Com o desenvolvi-
empresa norte-americana, começou a produzir mento de linguagens de programação como
o transistor. Em 1959, duas outras empresas COBOL e FORTRAN, grandes usuários passa-
norte-americanas, a Texas Instrument e a Fair- ram a produzir seu próprio software. Os princi-
child, patentearam quase simultaneamente o pais fornecedores de software e serviços eram
circuito integrado. Finalmente, em 1971 a Intel os próprios fabricantes dos computadores de
lança o microprocessador, base da revolução grande porte. No caso da IBM, os custos do
tecnológica dos microcomputadores. O micro- software eram parte da “cesta” alugada aos
processador possibilitou a aplicação da tecno- usuários.
logia computacional em inúmeras indústrias Asegunda fase (1965-1978) se caracteriza
maduras (automóveis, relojoaria, eletrodomés- pela retirada do software da “cesta” dos gran-
ticos) e no setor de serviços. des produtores de computadores e o surgi-

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Telemática
mento, no mercado, de produtores independen- ou recepção de sinais, símbolos, escritos, ima-
tes de sistemas operacionais padronizados e gens, sons, ou informações de toda natureza
adaptados, e, ainda, de fornecedores de aplica- através de fios, radioeletricidade, óptica ou
ções de software para “mainframes”. outros sistemas eletromagnéticos”.
Na terceira fase (1978-1992), assiste-se a O campo das telecomunicações engloba:
uma expansão da indústria de software, devido ☛ telefonia
ao rápido crescimento dos microcomputadores, ☛ televisão
contribuindo para a quebra da integração verti- ☛ radiodifusão
cal entre produtores de software e hardware. ☛ telemática
Na quarta fase (a partir de 1992), assiste-se ☛ teledetecção
à passagem do computador isolado para o Aindústria de Telecomunicações nasce e se
computador em rede. Os últimos anos tem sido alimenta dessa necessidade contemporânea
marcados pela presença das redes de compu- de comunicar informação, de trocar conheci-
tadores, cuja maior expressão é a internet. mentos, de saber o que se passa, de estar
Grande parte das aplicações (softwares) ligado, de ter o mundo na mão.
desenvolvidos são destinadas às redes de Necessidade dos indivíduos, necessidade
computadores, e o programas têm como foco a do Capital, meio de faturamento de grandes
utilização na internet. somas pelas empresas do setor. A comunica-
O desenvolvimento das telecomunicações e ção humana se torna valor de uso e valor de
a convergência entre as indústrias de comuni- troca. O faturamento começa com a comerciali-
cação, informática e provedores de informação zação do direito do uso das linhas telefônicas, o
(banco de dados etc) permitem que uma nova restante é captado a partir da ocupação de
infra-estrutura de informações seja desenvol- linha propriamente dita.9
vida. Por um lado, a infra-estrutura de informa- Os avanços na fabricação dos circuitos ele-
ção nunca foi tão abrangente, constituindo-se trônicos se tornam úteis nessa nova empreitada
em uma das bases da nova fase da internacio- do capitalismo. Uma infinidade desses circuitos
nalização da produção e das relações financei- são mobilizados para que as empresas transmi-
ras e comerciais conhecida como globalização. tam comandos. Uma nova geração de executi-
Por outro lado, a infra-estrutura informacional vos elaboram as táticas para distribuição das
passa a ser um elemento crucial para a dinâ- novas mercadorias da informação enviadas e
mica econômica, constituindo-se em um tópico transmitidas através das redes de comunica-
importante para avaliação dos sistemas de ino- ção, telefônicas ou não, em qualquer ponto do
vação contemporâneos. mundo. Uma vasta rede intercontinental de
telecomunicações foi implementada nos últi-
A INDÚSTRIA DE mos anos, incluindo centenas de satélites de
TELECOMUNICAÇÕES telecomunicações a fim de garantir a transmis-
são de sinais destinados ao uso público, mete-
Segundo November (1990), a expressão reologia, por exemplo, ou privado.
telecomunicações engloba diferentes procedi- De acordo com November (1990), o setor
mentos de transmissão de informações à dis- da telecomunicações se estrutura através dos
tância. Trata-se de “toda transmissão, emissão seus equipamentos (por exemplo, os satélites),
9 BORSOI, I.C.F., RUIZ, E.M., SAMPAIO, J.J.C. Trabalho e identidade em telefonistas. In___W. Codo & J.J.C. Sampaio. Sofri-
mento psíquico nas organizações. Vozes, Petropólis, 1995, pp 152-173.

-12 -
os suportes (por exemplo, as fibras ópticas), e demandas dos clientes e às rendáveis transa-
as redes que veiculam as informações e os pro- ções em tempo curto e com um quadro de pes-
gramas que são difundidos (filmes, TV). Além soal restrito;
disso, bens e serviços, estão ligados ao setor. ☛ ligações “eletrônicas”, principalmente via
Através de uma simples tomada de telefone, internet, com a clientela, permitindo alargar os
terminais de computador, telefax, e telex podem serviços oferecidos diretamente ao cliente
ser conectados a toda uma rede de comunicação satisfeito com a possibilidade de efetuar opera-
informatizada. Estas redes permitem transmitir, ções a qualquer hora e de qualquer lugar. É o
através de um mesmo canal, dados informatiza- banco a domicílio;
dos, documentos, textos, a voz e as imagens. ☛ terminais de vídeo interativos: pagamentos,
Inúmeros serviços se originaram desta ino- transferências, investimentos;
vação tecnológica. ☛ cartões “inteligentes” contendo um micro-
Através de reuniões telefônicas, os executi- processador com memória, que estoca informa-
vos desenham as estratégias de marketing e ções e permite realizar uma série de operações
levantam as novas necessidades do mercado. financeiras, por exemplo, faturas à distância;
As linhas de fax se tornam meio forte para ☛ as transações interbancárias foram completa-
garantir as preciosas comunicações. Os siste- mente re-estruturadas graças aos novos meios
mas informatizados são interligados pelos de telecomunicações. As redes facilitam para as
modems. Assim prolifera-se uma verdadeira instituições financeiras a informação simultânea
indústria num sistema econômico bastante das cotações da bolsa, e também, o acesso
complexo. As concorrências também estão pre- direto a todos os locais financeiros do mundo.
sentes na disputa pela transmissão da informa- Resumidamente, ocorre uma nova mu-
ção. Qual rede vai transmitir o jogo de futebol? dança no setor: a convergência entre as
Quem vai ter exclusividade na transmissão, via indústrias de telecomunicações, computa-
satélite, das imagens da guerra do Oriente ção, serviços e entretenimento. Apesar de
Médio? ainda haver uma grande incerteza quanto a
As empresas de telefonia definem uma evolução das indústrias envolvidas, esta
meta: produzir determinado número de chama- convergência implica na criação de uma
das. Sob relações de trabalho desumanas (- rede de distribuição comum, que substituirá
como será descrito adiante), as telefonistas e as redes de telefonia, televisão e computa-
os operadores dos serviços de teleatendimento dores pessoais, além de transformar a distri-
são chamados a fornecer a base desse sis- buição de muitos outros produtos e serviços.
tema, a voz humana. O produto é a chamada Quais serão os efeitos dessa onda sobre o
telefônica completada... o cliente satisfeito e modo de vida dos cidadãos em geral e dos
acionando os serviços que vai pagar. trabalhadores do ramo em particular?

BANCOS A INTERNET

Mas no setor de serviços são os bancos Antes dela cada computador por mais pode-
que maiores transformações sofreram decor- roso que fosse, só atendia um usuário de cada
rentes de tais progressos técnicos: vez. Interligar estas máquinas foi um desafio.
☛ forte aumento da produtividade. Graças à Surge a internet.
telemática, os bancos conseguem responder às Importante conquista tecnológica que lhe

- 13-
Telemática

TABELA I
Comparação entre os tempos com e
sem a internet para os serviços burocráticos
Tempo normal Pela internet
Certidão Negativa da Dívida Ativa da União 10 dias 2 min. e 30 segundos
Contagem de tempo para Aposentadoria 1 hora e 30 minutos 20 segundos

deu origem foi o tempo compartilhado, quer e dependente de um único ou de poucos gran-
dizer, a capacidade de um único computador des fornecedores, contratos e equipamentos ;
dividir sua atenção com diversos usuários no ☛ custo elevado de hardware e software;
mesmo instante10, o que possibilita aos compu- ☛ dependência da atualização do principal for-
tadores que controlam e direcionam o tráfego necedor (IBM);
na internet, chamados de roteadores, lidar ☛ dificuldades de incorporação de novas plata-
simultaneamente com milhares de impulsos. formas;
Ainternet inaugura uma nova era nas escolas, ☛ altos custos de manutenção e desenvolvi-
nas universidades, na burocracia, no comércio. mento de sistemas aplicativos;
Anteriormente, pesquisadores brasileiros ☛ necessidade de grande equipe de suporte
esperavam de 2 a 3 meses para ter acesso a para os sistemas operacionais, de bancos de
revista científica especializada. dados e de comunicações.
Seis entre dez contribuintes brasileiros Esse sistema técnico desenha uma estrutura
entregaram sua declaração via internet. Pes- organizacional departamentalizada, fortemente
quisa publicada pela VEJAcompara os tempos hierarquizada e cujos processos de tomada de
necessários para os serviços burocráticos. decisão eram altamente centralizados.
Para os trabalhadores da Informática, se As empresas de processamento de dados
tornou possível buscar um programa na internet apesar das transformações sofridas para as for-
e utilizá-lo apenas por algum tempo, dispen- mulações atuais, segundo Barros (1997) conser-
sando as compras de produtos, e populari- vam, em sua maioria, o modelo inicial de organi-
zando os avanços. zação do trabalho que compreende desde as
dificuldades dos métodos de desenvolvimento
REFLEXOS NA BASE de sistemas, a divisão de trabalho caracteristica-
TECNOLÓGICA E mente taylorista, até a questão chave da requali-
ORGANIZACIONAL DAS ficação imposta pelas mudanças tecnológicas e
EMPRESAS DE INFORMÁTICA pela restruturação produtiva do capitalismo.
Os setores de informática das empresas
No Brasil, de um modo geral, o modelo tra- (Centros de Processamento de Dados) eram
dicional de provisão de serviços de informática sub-divididos em três grandes áreas: desenvol-
nas empresas se implantou com as seguintes vimento, produção e suporte.
características: Em relação ao trabalho, caracterizava-se
☛ o uso de um grande computador central pela dificuldade de modernização de métodos e
(mainframe), em arquitetura de rede centralizada um grande fracionamento das tarefas. Somente

10 No começo dos anos 60, a pesquisa de Michael Dertouzos, no Instituto de Massachusetts contribuiu, para esta conquista fun-
damental.

-14 -
os especialistas, normalmente, funcionários das pelo desenvolvimento de programas ou, prefe-
próprias empresas manuseavam os computado- rivelmente, a aquisição de “softwares padroni-
res. Uma gama de profissionais com habilidades zados” do mercado;
específicas garantiam o funcionamento do sis- 2 – à área de gerência de redes cabe, nor-
tema, repartidos nas seguintes funções: Analista malmente, a responsabilidade por garantir o
de Software Básico, Analista de Teleprocessa- funcionamento do ambiente de produção, a
mento, Analista de Banco de Dados, Analista de performance da rede e o gerenciamento dos
Desenvolvimento de Sistemas e Programador. bancos de dados; 11
Quer dizer, à uma estrutura tecnológica cor- 3 - finalmente, a área de suporte, que ganhou
responde uma estrutura organizacional. É den- grande importância devido à presença dos PCs no
tro dessa lógica que, assistimos, a partir dos locais de trabalho, é responsável pelo atendimento
anos 90, uma mudança importante nos méto- ao “usuário”, configuração dos microcomputadores
dos de gestão da força de trabalho sincroniza- e suporte técnico em caso de panes, por exemplo.
dos com as transformações do modelo tradicio- As mudanças econômicas no país têm
nal de provisão de serviços informáticos. reflexos nessa estrutura técnico-organizacional.
Achegada do downsizing dos sistemas apli- A terceirização parcial ou total se faz presente
cativos e bases de dados, a adoção de padrões em inúmeras atividades de provisão de servi-
abertos de hardware e software e a arquitetura ços informáticos, que podem incluir atividades
cliente-servidor torna obsoleta e pouco prática de manutenção, suporte e atendimento aos
a arquitetura rígida, proprietária e centralizada usuários, até, em alguns casos, todo o geren-
no hardware e software de grande porte. A ciamento da rede e de sistemas de uma deter-
microinformática possibilita a disseminação de minada empresa. Na maioria dos casos, ape-
programas (softwares) e a presença de equipa- nas os profissionais da área de projeto não são
mentos computacionais (PCs) no ambiente de contratados via “terceiras”, eles permanecem
trabalho da empresa. vinculados à empresa matriz executando as
Em termos de organização, as empresas funções de prospeção e implantação de novos
passaram a rever os processos de trabalho, atra- softwares no mercado.
vés da redefinição de funções e da requalifica- Cria-se a geração de jovens funcionários ter-
ção de técnicos e usuários para o novo ambiente ceirizados, formados e diplomados recente-
tecnológico. Vale ressaltar, conforme já afirmado, mente para dar suporte aos novos sistemas.
que, a mudança do paradigma tecnológico não Com qualificação forte, permanecem na periferia
provocou alteração radical do modelo tradicional da empresa. Em geral, além de não possuírem
de provisão de serviços informáticos no interior vínculo empregatício, não possuem benefícios e
das empresas. De maneira geral, os antigos estão sujeitos à condições de trabalho precárias:
CPDs deram lugar aos departamentos de Tecno- ausência de posto de trabalho, falta de conforto
logia da Informação, agora sub-divididos da e de ferramentas, submetidos a horários extre-
seguinte forma: área de Projetos, área de Gerên- mos12, não sindicalizados e sem os direitos já
cia de Redes, e área de Suporte. garantidos para os outros trabalhadores. Tratare-
1 – a área de projetos se responsabiliza mos mais detalhadamente este ponto a seguir.

11 A complexificação neste ponto ocorre devido ao grande número de sistemas operacionais e linguagens de programação exis-
tentes.
12 Pois, muitas vezes, o trabalho só pode ser realizado fora do expediente normal de trabalho, quando nenhum usuário acessa aos
sistemas. É também bastante comum que as tarefas ligadas aos bancos de dados (back-up, etc), sejam realizadas durante a noite.

-15-
Telemática
Um dos aspectos relevantes dos efeitos das
P A RT E II transformações tecnológicas sobre o trabalho,
é a exigência contínua de qualificação dos tra-
QUAIS OS EFEITOS DESSAS balhadores, única maneira de não serem com-
TRANSFORMAÇÕES SOBRE OS pletamente alijados do processo ou de serem
SERES HUMANOS? deslocados para funções ditas “periféricas”. A
velocidade do desenvolvimento e da difusão
O trabalho é um dos fatores determinantes das novas tecnologias diminui o ciclo de vida
do processo civilizatório humano. Os objetos e dos produtos. No momento do seu lançamento
os instrumentos fabricados pelo homem modifi- e comercialização, os laboratórios já estão pre-
caram a sua relação com a natureza e com os parando produtos similares à base de tecnolo-
seus semelhantes. Os arranjos técnicos e os gias mais avançadas. (November, 1990)
sistemas técnicos transformam nossa situação Estima-se que o patamar tecnológico muda
no mundo. O desenvolvimento da civilização foi a cada seis meses, o que implica que só se re-
possível graças às características do psiquismo qualifica quem já possui uma base tecnológica
humano, que permitiu e desenvolveu-se na ou, em outras palavras, competências específi-
relação com a natureza através do trabalho. cas para compreender e assimilar uma nova
Todos os fenômenos psicológicos estão tecnologia e adquirir novas habilidades13. Desta
em movimento, pois o homem é um ser ina- forma as distâncias e as diferenças de qualifica-
cabado, que pode transformar-se em função ção se hipertrofiam.
do tempo e das exigências associadas a Se, num primeiro momento de virada tecno-
cada situação específica. O processo de lógica, o processo de re-qualificação foi ampa-
definição de tarefas que a sociedade promo- rado pelas próprias empresas que tinham como
veu entre os participantes da produção está, objetivo acender rapidamente a um novo pata-
certamente, relacionado com os movimentos mar, atualmente o custo da re-qualificação cabe
do psiquismo humano. ao próprio indivíduo, principalmente porque
As transformações na produção podem ser grande parte do efetivo é terceirizado.
no sentido do desenvolvimento das habilidades
humanas, mas pode, igualmente, estar na ori- A INFORMAÇÃO:
gem do aniquilamento. O desafio para o movi- REDUÇÃO DA INCERTEZA
mento dos trabalhadores é favorecer o primeiro
processo e anemiar o outro. Para responder o A informação se transforma e se desman-
desafio colocado é preciso entender a natureza cha continuamente. A informação é redução da
das inovações tecnológicas e os seus efeitos incerteza (Shanon) 14. Os ambientes tecnológi-
sobre o cotidiano dos trabalhadores – objeto cos são cambiantes. Para continuar reduzindo
desse documento. e, à medida que reduz, aumentando a incer-
Quais seriam os efeitos de se operar um teza, uma verdadeira angústia da performance
produto abstrato da mente humana consciente se instaura.
– a informação? Não podemos deixar de assinalar, no

13 Em linhas gerais, os antigos Analistas de Bancos de Dados que operavam com o “mainframe” são atualmente os Gerentes de
Rede, cujo conhecimento para operar com a nova tecnologia só foi possível graças ao saber técnico anterior.
14 1948, citado por Cruz, 1994

- 16-
núcleo mesmo da tarefa de gerar e sustentar REFLEXOS
sistemas informatizados, uma exigência implí- NO EMPREGO
cita, quer dizer, não regulamentável, própria à
geração de confrontos com o cambiante, e Considera-se que as economias mundiais
enquanto tal angustiante. Esta é a definição de nunca foram tão dependentes da produção, dis-
angústia que encontramos em psicanálise, tribuição e uso do conhecimento como nesta
segundo J. Lacan (Vieira, 1998)15. Trata-se de virada do século. Estima-se que, atualmente,
um afeto que não engana, pois ele assinala nas principais economias européias mais de
sempre o encontro do sujeito com algo sobre o 50% de seus Produtos Nacionais Brutos é
qual não há resposta prévia. Existe espaço baseado no conhecimento.
para esses sujeitos nas estruturas organizacio- Há também uma grande discussão sobre os
nais da empresa ou fora dela? impactos das Tecnologias de Informação sobre
Os aparatos para gerar e distribuir informa- emprego e sobre os perfis de qualificação profis-
ções criam uma artificialidade humana. A sional demandados. Os processos de revolução
máquina de costurar não imita em nada a cos- tecnológica estão relacionados à criação de
tureira. No entanto, essa trabalhadora opera tal novos postos de trabalho e de valorização de
engenhoca. O computador imita o cérebro determinadas profissões, ao mesmo tempo que
humano? Alguns especialistas extraem dos deslocam, eliminam e alteram a importância de
computadores metáforas para o tratamento da outras. Ocorre uma verdadeira mutação no setor.
cognição e para o entendimento da relação O documento, já citado neste texto, editado
mente/cérebro. Outros, sublinham o ato pela Organização Internacional do Trabalho
humano como vestido de intencionalidade, por (OIT) resume através do esquema representado
isso não facilmente comparável ao computador. na Figura 1 adaptada e a seguir reproduzida, os
Sem querer entrar nesse debate, apenas colo- múltiplos efeitos das inovações tecnológicas
camos a seguinte questão: existe espaço para sobre a evolução do emprego e do trabalho.
a singularidade humana na montagem técnica O esquema da página seguinte poderá
do mundo? Nos ambientes que operam siste- guiar, como sugere a OIT, as pesquisas com
mas técnicos complexos, quando tudo vai bem vistas a uma avaliação quantitativa da criação e
não há espaço para os indivíduos: eles não se supressão de empregos decorrentes da intro-
encontram, quando acontece têm pouco tempo dução de novas tecnologias em diferentes
para falar de outras coisas, como mostra os ramos da produção. Os resultados das pesqui-
resultados das pesquisas referidas no final sas já realizadas mostram que, de um lado, a
desse documento. Somente na pane do sis- racionalização da produção leva a supressão
tema, no acidente, no mal-estar ou na doença, de certos empregos, e, por outro lado, a inova-
os indivíduos se encontram e quebram a artifi- ção tecnológica é criadora de novos postos.
cialidade fabricada.16 Esta situação é um indi- Para os Estados Unidos, por exemplo, as
cador de uma construção desumana das orga- previsões estimam que os analistas de sistema
nizações produtivas. e programadores irão ocupar em breve a

15 VIEIRA, M. A. L’éthique de la passion: l’affect dans la théorie psychanalytique avec Freud et Lacan. Rennes: Presses Univer-
sitaires de Rennes, 1998.
16 CARVALHO, M. B. Le sujet de la psychanalyse et les techniques. Tese de doutorado em psicanálise . Université Paris VIII,
Saint-Denis, 2000.

-17-
Telemática

FIGURA 1
Inovações tecnológicas assentadas sobre a microeletrônica

Microeletrônica

Racionalização Racionalização

Novas Novas
competências qualificações

Supressão de Reciclagem
empregos

Divisão do trabalho

Trabalho temporário

Desemprego Criação de emprego

segunda posição no ranking de profissões (ape- nais, como, metalúrgicos, operários da indústria
nas ultrapassada por trabalhadores da área de têxtil, bancários... têm seu peso reduzido.
saúde, voltados à atenção domiciliar). Além Estudos sobre os efeitos das Tecnologias
disso, o crescimento do total de professores de Informação indicam que, a longo prazo, elas
naquele país sinaliza a importância da formação impliquem num novo potencial de ganhos de
em uma sociedade onde o conhecimento passa produtividade no processo de geração, distri-
a ser decisivo. Por outro lado, as ocupações buição e exploração do conhecimento.
mais diretamente ligadas a indústrias tradicio- A médio prazo, identifica-se um processo

- 18-
QUADRO I
Efeitos das inovações tecnológicas sobre a atividade de trabalho

F atores positivos F atores negativos


✔ Trabalho permite maior nível de ✔ As cadências são mais rápidas
reflexão ✔ O controle do trabalho e da
✔ Ele permite a tomada de iniciativas produtividade é mais rigoroso
✔ Exige mais responsabilidade ✔ Aumenta a tensão nervosa
✔ É possível compreender as ✔ Exige-se mais horas
diferentes etapas do trabalho suplementares

mais complexo. Problemas derivados do Os artesãos da informação e da comunica-


desencontro entre o desenvolvimento tecnoló- ção são chamados a inventar, a criar, a encon-
gico e o processo de qualificação da sociedade trar atalhos, astúcias – um trabalho intelectual –
em geral, e dos trabalhadores especificamente. sem um ponto definitivo de chegada, já que a
Indivíduos que se confrontam pela primeira vez informação é apenas redução de incerteza.
com computadores e empresas que utilizam Quais são as condições de trabalho em que
tecnologias de automação, assim como tecno- estes atores são convidados a agir? Elas são
logias de redes e com informação sistêmica, adequadas às necessidades de criação e con -
devem esquecer como operavam anterior- centração?
mente, aprender novos hábitos e colocar em Paradoxalmente, no interior das empresa
prática formas completamente novas de organi- continua a cisão entre os que concebem e os
zação. Isso requer uma aceleração e uma que fazem funcionar. Estes últimos têm menos
ampliação dos processos de aprendizado em chance de qualificação, e são mais susceptí-
muitos níveis da sociedade, envolvendo institui- veis da exclusão. A adaptação aos progressos
ções, sistemas de treinamento e educação. tecnológicos é imperativa, mas a mobilidade
vertical é menos comum do que a horizontal.
NOVAS FORMAS DE GESTÃO Quer dizer, é mais fácil para quem está no topo
SINTONIZADAS COM AS do sistema construir as competências necessá-
MUDANÇAS TECNOLÓGICAS rias para lidar com o outro patamar da tecnolo-
gia, do que para aquele trabalhador que sus-
Convocar a iniciativa dos trabalhadores, eli- tenta a rede mover-se da execução para a con-
minar o cartão de ponto, dar-lhes um estatuto cepção do sistema.
de colaboradores não significa que o mundo
Figura produtiva ambígua, o profissional
produtivo vai se humanizar. O efeito é o
do setor de Tecnologia da Informação sub-
extremo daquele operário do filme de Charles
verte as análises clássicas: nem executivo,
Chaplin sem margens para comandar o ritmo
nem trabalhador, planejador e executante,
dos seus gestos e movimentos.
difícil de definir, de formar, de dirigir, de sindi-
O quadro acima, adaptado do documento
calizar, ele é o elo estratégico e incontorná-
da OIT, sintetiza as vantagens e inconvenientes
vel da sociedade de informação. Sem ele,
das inovações tecnológicas sobre a atividade
não existe sociedade da informação.
de trabalho.

- 19-
Telemática
trabalho e costuma invadir o sono. Para os dois
P A RT E III grupos a corrida pela qualificação é obrigatória.
Novas máquinas, mais potentes e mais bara-
TRÊS CATEGORIAS DE tas. Programas mais amigáveis. Clientes mais
TRABALHADORES EM exigentes e sabidos.
TORNO DO SETOR
DA INFORMÁTICA CARACTERÍSTICAS
DA ATIVIDADE DO
Como dito anteriormente, os impactos das GESTOR DE SISTEMAS
transformações tecnológicas sobre a qualifica-
ção são consideráveis, e devem ser compreen- ☛ trata-se de uma atividade exercida sobre um
didos analisando a natureza específica da ativi- objeto “imaterial”: o programa se caracteriza
dade de trabalho. Antes de apontar elementos por uma imaterialidade que torna o seu desen-
que permitam compreender o que fazem os tra- volvimento complexo e difícil;
balhadores da informática, apresentamos, para ☛ é uma atividade complexa: exige flexibilidade
efeito de clareza das idéias, uma tipologia de e qualidade dos projetos, rapidez de desenvol-
categorias de trabalhadores que geram, ali- vimento, do reconhecimento do problema,
mentam ou utilizam as tecnologias de informa- obsolescência acelerada dos conhecimentos e
ção e comunicações: dos instrumentos. Tudo isso cria um ambiente
A – Os conceptores dos equipamentos e de pressão, de corrida à inovação e de instabi-
dos programas; lidade, podendo ser fonte de estresse;
B – Os responsáveis por garantir aos usuá- ☛ é uma atividade coletiva: trabalhar coletiva-
rios o funcionamento dos seus sistemas; mente permite produzir ao ritmo determinado,
C – Os trabalhadores que fazem atendimento é uma tentativa de resposta à complexidade,
ao público tendo o computador como meio. à flexibilidade e à urgência que caracteriza o
O que há de comum entre eles? A contami - trabalho. Isto revela uma contradição ima-
nação do tempo pelo trabalho. nente ao processo: o individualismo e a auto-
nomia intelectual (característicos dos informá-
O TRABALHO DOS ticos) e as necessidades de cooperação do
CONCEPTORES sistema;
E MANTENEDORES ☛ vivem imperativos contraditórios - padroniza-
DOS PROGRAMAS ção e rigidez versus criatividade e autonomia:
(a) padrões técnicos17 determinam de forma
Para maioria dos conceptores, como já bastante precisa a construção e operação de
adiantamos, desaparecem as fronteiras tempo- hardware e de software; (b) o processo de cria-
rais e espaciais. Trabalha-se em casa. Ou tra- ção é inibido com o surgimento, nos anos 90,
balha-se na empresa, mas sem cartão de da “programação orientada a objetos”. Isto, por
ponto, sem hora para terminar. Para os que dão outro lado, livrou os programadores da tarefa
suporte, os horários costumam ser definidos. de escrever e reescrever programas; (c) as ati-
Mas a concentração mental para resolver um vidades de concepção e modelização, combi-
problema permanece mesmo fora do campo de nação e integração de sistemas solicitam a cria-
17 Os padrões técnicos eram antes determinados por um fabricante único (IBM) e atualmente encontram-se diversificados e regu-
lados por instituições específicas como a American National Stantard.

-20 -
tividade, apesar da atividade dos informáticos vontade de se superar, de se mostrarem
estar centrada nas exigências intrínsecas ao úteis.18 Os autores apontam que muitas das
programa. campanhas de motivação realizadas interna-
Neste quadro, pode-se identificar a figura mente provocavam disputas entre eles. Eles
de dois profissionais distintos: vinculado e autô- expressaram durante a pesquisa um senti-
nomo. O primeiro pode pertencer ao quadro da mento de terem sido enganados, de sentirem
empresa ou ser contratado via uma “terceira”. que os seus esforços serviram mesmo para
Com relação ao trabalho do profissional vin- aumentar a produtividade, deixando transpare-
culado, os seguintes fenômenos estão presentes: cer uma certa desilusão. São pessoas jovens,
☛ separação entre concepção e execução: às dentro de um processo de socialização, esta-
exigências do sistema correspondem qualifi- vam sonhando, buscando parceiros para dividir
cações específicas e dificilmente dominadas os projetos.
por um único indivíduo. Essa divisão se repro- Quanto aos profissionais autônomos identi-
duz no interior da própria organização, com a fica-se fenômenos característicos:
divisão do trabalho em áreas no interior do ☛ inexistência da oposição entre execução e
departamento de Tecnologia da Informação. concepção, uma vez que, normalmente o pro-
Assim, uns são responsáveis pelo planeja- fissional concebe e executa o programa;
mento e outros pela execução dos projetos. ☛ forte envolvimento intelectual e emocional
Pode-se, igualmente, identificar uma separa- com a atividade, caracterizado pela sua dedica-
ção entre concepção e execução no terreno ção total em detrimento da vida pessoal;
da produção de softwares. É cada vez mais ☛ isolamento da sociedade.
comum encontrar profissionais no interior das As fronteiras físicas e temporais da em-
empresas com a única função de implantar ou presa desapareceram. O teletrabalho permite a
adaptar “pacotes” adquiridos de fabricantes alguns trabalhadores ficar em casa, junto à sua
externos de software. família. Concebem páginas para a internet, ela-
☛ descompasso entre a qualificação do profis- boram planos comerciais, desenhos industriais.
sional e a sua possibilidade de aplicação dos Ligados aos dados da empresa contratante, tra-
conhecimentos adquiridos: identifica-se, princi- balham nos horários que escolhem. Aboliu-se o
palmente entre jovens, recém egressos de tempo destinado aos deslocamentos de casa
escolas especializadas, um sentimento de para a empresa. Não há fronteira temporal,
impossibilidade de aplicação plena dos conhe- além daquela que eles se impõem. São traba-
cimentos adquiridos. Pois, normalmente, esses lhadores independentes. Não há linha demar-
profissionais exercem funções de suporte, cando tempos diferenciados, nem passagem
manutenção e atendimento ao usuário, aquém de um ao outro. Como sinaliza uma publici-
do seu nível de qualificação. A conseqüência dade: “ele está no escritório com três clientes”,
deste descompasso é a desmotivação diante mostrando um executivo na praia com um celu-
do trabalho e das possibilidades de carreira. lar no ouvido. Mas só na publicidade o execu-
Um estudo mostra que os jovens trabalhadores tivo está sorridente. No real, a face é de angús-
afirmam ter entrado na empresa entusiasma- tia. A qualidade de vida fica ameaçada. O lazer
dos, encarando o primeiro emprego, com muita e o tempo para si “desaparecem”. Os profissio-

18 SZNELWAR, L. I., MASSETTI, M. Sofrimento no trabalho: uma leitura a partir de grupos de expressão. In___ L.I. Sznelwar &
L.N.Zidan. O trabalho humano com Sistemas Informatizados no Setor de Serviços. Editora Plêiade, São Paulo, 2000, pp105-117.

-21-
Telemática
nais não conseguem se desligar do trabalho. CARACTERÍSTICAS
Na concepção de sua obra, o tempo externo ao DA ATIVIDADE
trabalho é embebido pelo tempo de criação19 DE TELEATENDIMENTO

CARACTERÍSTICAS O avanço tecnológico cria novas necessida-


DA ATIVIDADE DO des e novos serviços para satisfazê-los. Todos
TRABALHADOR estão apressados. Cria-se o teleatendimento (-
DO SUPORTE outra atividade) para reduzir distâncias, econo-
mizar tempo, e cobrar do cliente que precisa do
Adiminuição dos custos e o acesso fácil dos serviço e precisa ganhar tempo.
conhecimentos que permitem montar e operar a É uma nova atividade: o atendimento ao
sua própria máquina vulgarizaram o uso de cliente intermediado pelo aparato técnico da
computador. Cresce o número de profissionais informação e da comunicação. Há um ritmo
autônomos ou ligados às empresas que dão imposto por este cliente. Na alocação dos tem-
suporte ao uso da informática em todos os seto- pos não se leva em conta os imprevistos e os
res da vida humana. Com a máxima “o cliente é acontecimentos aleatórios. Os trabalhadores
rei”, ocorre o atendimento ao cliente informati- seguem o ritmo hiperacelerado, mesmo nos
zado, cada vez mais exigente e sabido. Os tra- momentos tranqüilos, para compensar os atra-
balhadores das empresas de informática, anti- sos devido aos problemas surgidos. Quer dizer,
gamente públicas, se queixam de nem sempre o imperativo é a pressa e o lucro. Mais chama-
estarem o suficientemente qualificados para das atendidas, mais clientes satisfeitos, mais
atender a estes clientes, mas a empresa prefere serviços prestados... menores salários e maior
contratar novos profissionais, e excluir os anti- controle dos operadores diretos.
gos através do clássico Programa de Demissão Não basta possuir habilidades para lidar
Voluntária (PDV). De voluntário parece que o com o sistema. Os operadores têm que ser
PDV não tem nada. Um trabalhador conta que a rápidos, polivalentes, flexíveis, transparentes e
sua empresa publicou ao mesmo tempo dois perfeitos na relação com o usuário. Nem todos
editais: o da chamada para o PDV e o do con- são chamados no momento da concepção,
curso externo para novos profissionais. gerando incongruências entre o sistema e o
A supremacia da tecnologia esbarra-se nas modo de funcionamento do usuário, que pode-
arestas do mundo real. Os trabalhadores do riam ser minimizadas se ouvidos os profissio-
suporte “quebram a cabeça” para tentar com- nais que lidam com o cliente no dia-a-dia. Os
pensar e reparar, por exemplo, os problemas estudos ergonômicos mostram que as máqui-
derivados da montagem inadequada da nas são alimentadas por programas cuja con-
máquina pelo usuário. Os responsáveis pelos cepção é apartada da atividade humana que irá
programas permanentemente os atualizam, operá-lo20. Dito de outra forma, os organizado-
como no caso dos programas para os serviços res da produção nem sempre permitiram aos
públicos de saúde, cuja sazonalidade das atores diretos expressarem a maneira de res-
doenças e a emergência de outras, obrigam a ponder aos objetivos da tarefa, a maneira do
constantes ajustes nos softwares. cliente funcionar... Nasce uma contradição

19 GROSSIN, W. Pour une science des temps. Octarés, Toulose, 1996


20 SILVINO A. M. D. A análise ergonômica do Trabalho como suporte à formação profissional: a articulação entre estratégia ope-
ratória e expertise. Dissertação de mestrado. Brasília, Instituto de Psicologia, UnB, 1999, 102 p.

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entre a máquina, o sistema informático e a ativi- polivalente, flexível, transparente, equilibrando-se
dade humana.21 nos estreitos trilhos das margens de erros.
Como veremos mais adiante, nos sistemas Para o terceiro grupo (conforme a nossa
de teleatendimento, o operador está atendendo tipologia), os horários são melhor definidos: jor-
o cliente com um computador de interface mal nada de 6 horas e pausas garantidas.
desenhada, as telas não correspondem aos
dados fornecidos e solicitados pelo cliente. O CASO DOS TRABALHADORES
sistema é rígido, o trabalhador é convocado na DO TELEATENDIMENTO
sua plasticidade e polivalência. “Resolver tudo
o que pintar”, diz um operador de teleatendi- No teleatendimento a base do trabalho é o
mento. Como afirma Ruth (2000): “que as diálogo entre as pessoas envolvidas. Os opera-
máquinas façam tudo que podem fazer e o ser dores encontram dificuldade para entender o
humano tem que lidar com o resto”.22 Qual é o cliente, as demandas nem sempre são claras, a
custo para os trabalhadores? dicção é imperfeita, a irritação dificulta a expo-
Resumidamente, a revolução da informá - sição clara do problema.
tica mudou o mundo. Os seus produtores Os organizadores dos serviços de teleaten-
diretos não são poupados dos seus efeitos. dimento pensam poder ter contornado tudo
Por exemplo as mutações nas carreiras, a prescrevendo as normas e as falas. Atender o
criação de novas gerações, a exclusão cliente exige capacidade de entendimento, de
rápida daqueles que não se adaptaram à poder ladear uma situação conflituosa (geral-
onda da qualificação permanente, as mente o cliente liga para reclamar). As informa-
mudanças na natureza das tarefas com for - ções solicitadas nem sempre estão disponíveis.
tes exigências afetivas e cognitivas. O usuário está irritado (falta energia elétrica,
por exemplo). Lidar com tudo isso exige um
P ARTE IV esforço afetivo e cognitivo importante.
Algumas empresas padronizaram os diálo-
A ATIVIDADE REAL gos pensando facilitar a vida dos trabalhadores.
DOS TRABALHADORES E garantir as metas de produtividade. Criaram
DO TELEATENDIMENTO, um script, quer dizer, uma família de frases que
DOS TELEFÔNICOS devem ser ditas para saudar o cliente, identi-
E DOS OPERADORES DE ficá-lo, atendê-lo de acordo com a sua
ORDEM DE SERVIÇO demanda e para finalizar o atendimento.
Aempresa, prescreve, assim uma norma de
Silencioso e aparentemente inofensivo, o com- comportamento para orientar a tonalidade da
putador, prolongamento virtual da inteligência, cho- voz, pois a informação solicitada pelo usuário é
cou a organização do trabalho e o seu conteúdo. carreada pela voz dos operadores do teleatendi-
Ter competências não é o suficiente. Tem de ser mento. Mas, como lembra Borsoi et. alli23; “a lin-

21 FERREIRA, M.C. Utilité et utilisabilité de l`informatique dans la gestion du travail bancaire. Tese de doutorado em Ergonomia.
EPHE/Paris, 1998.
22 RUTH, W. Desenvolvimento tecnológico e processos de mudança na vida do trabalho: uma abordagem através dos atores.
In___ L.I. Sznelwar & L.N.Zidan. O trabalho humano com Sistemas Informatizados no Setor de Serviços. Editora Plêiade, São
Paulo, 2000, pp 63-76
23 BORSOI, I.C.F., RUIZ, E.M., SAMPAIO, J.J.C. Trabalho e identidade em telefonistas. In___W. Codo & J.J.C. Sampaio. Sofri-
mento psíquico nas organizações. Vozes, Petropólis, 1995, pp 152-173.

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Telemática
guagem é expressão do agir humano e, dessa de manter ritmos acelerados durante jornadas
forma, é sempre portadora de significados e de, ao menos, 6 horas;
também de afetividade que pode se expressar ☛ insuficiência de pausas e de intervalos entre
em palavras, em gestos ou na própria entona- atendimentos para recuperação;
ção da voz. No trabalho da telefonista, a lingua- ☛ fortes restrições ao diálogo com os seus
gem toma, literalmente, o caráter de instrumento interlocutores (clientes), devido à imposição de
de trabalho. A empresa preconiza a expressão respeito a roteiros (“scripts”) pré-determinados;
da afetividade como tática de aproximar o ☛ restrições à livre movimentação pela necessi-
cliente aos serviços prestados. O afeto é contro- dade de se manter ligado ao posto de trabalho
lado e até moldado em acordo com as exigên- com pequenas interrupções ao longo da jornada;
cias de gentileza com o cliente sem entretanto ☛ manutenção constante da atenção e forte soli-
encorajá-lo a permanecer na linha além do estri- citação da memória, principalmente as de curto e
tamente necessário.” Pode-se dizer que aí está curtíssimo prazo, durante longos períodos;
um sitio da desumanização do trabalho? Estímulo à competitividade entre colegas,
Mas o que acontece se o cliente não tem devido a programas de produtividade calcados
aquele comportamento linear previsto pela fra- na individualização excessiva da produção;
seologia composta (aliás, nem o cliente nem o ☛ conflitos constantes com superiores hierár-
operador, podem ser completamente previsí- quicos e ausência de espaço organizacional
veis). Alguns clientes informam prontamente o para expressão, discussão e resolução de pro-
número de sua matrícula. Outros começam pela blemas.25
demanda, mas esqueceram do seu número e Através das observações diretas, Mascia e
não têm em mãos o documento necessário. Sznelwar (2000) mostraram que 67 % das cha-
Os parâmetros de tempo médio e número de madas duraram além do previsto. Por exemplo,
atendimento pré-fixados agridem a saúde dos nas situações em que os clientes tiveram o seu
trabalhadores. Estudos identificaram uma série crédito bloqueado mesmo após o pagamento
de constrangimentos relativos à atividade de pes- da conta, e que não conheciam o prazo antes
soas que trabalham em instituições bancário- do desbloqueio... o script não funciona, e o diá-
financeiras fazendo atendimento a clientes atra- logo de entendimento demanda mais tempo.
vés da escuta telefônica com o intermédio dos Ocorre do sistema estar lento, do cliente ser
computadores.24 Segundo Sznelwar e Massetti desabituado com o sistema, da escuta estar
(2000), estes constrangimentos podem ser consi- prejudicada pelos ruídos de fundo.
derados como causas principais de sofrimento e Sznelwar & Massetti (2000) ressaltam que
que provavelmente estão ligados a diversos pro- “apesar de estar o tempo todo se comunicando
cessos de agravos à saúde destas populações. com os clientes, paira a sensação que, em mui-
Os fatores listados abaixo foram considera- tas situações, eles estão usando o aparelho
dos pelos autores como fundamentais para a fonador e seu cérebro para falar com o cliente,
gênese do sofrimento dos trabalhadores do setor: mas não conseguem dialogar”. As padroniza-
☛ forte pressão temporal caracterizada por ções estipuladas pelos organizadores do traba-
uma necessidade constante de se superar ou lho não levam em conta o funcionamento do ser
24 SZNELWAR, L. I., MASSETTI, M. Sofrimento no trabalho: uma leitura a partir de grupos de expressão. In___ L.I. Sznelwar &
L.N.Zidan. O trabalho humano com Sistemas Informatizados no Setor de Serviços. Editora Plêiade, São Paulo, 2000, pp105-117.
25 MASCIA, F. L., SZNELWAR, L. I.Diálogo e constrangimentos do script na atividade de atendimento a clientes. In___ L.I.
Sznelwar & L.N.Zidan. O trabalho humano com Sistemas Informatizados no Setor de Serviços. Editora Plêiade, São Paulo,
2000, pp97-104.

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Caso do operador do sistema informatizado
de emissão de ordens de serviço
Através do estudo ergonômico foi possível pesquisa, o operador tenta entrar em contato
descrever as características do sistema e a ativi- com o usuário, com as equipes operacionais e
dade real dos operadores.26 Trata-se de um tra- com sua chefia. Nada disso estava previsto pelos
balho repetitivo porque o tipo de informações a organizadores da produção.
serem lançadas no terminal são sempre as mes- A pesquisa no terminal para confirmação dos
mas. Por exemplo, número de matrícula, ende- dados, exige do operador acesso imediato à grande
reço, nome, código de serviço, observações. É quantidade de códigos na sua maioria memoriza-
um trabalho dependente de outros setores, com dos pelo operador, visando uma agilidade necessá-
problemas de comunicação entre eles. Cansativo ria para efetivação desta simultaneidade.
fisicamente por exigir movimentos repetitivos dos Uma ordem de serviço pode ser o resultado
dedos sob pressão temporal, e o mobiliário inade- do cruzamento de várias histórias, cuja origem e
quado forçar o operador a adotar posturas vicio- evolução, o trabalhador tenta identificar, para não
sas. Cansativo mentalmente (ver Figura 2 a se- gerar demandas “falsas”. Ele procura conhecer
guir) pelo esforço em pesquisar as informações os reais motivos da reclamação, a qual pode ter
necessárias, tratar várias demandas ao mesmo sido criada pelas disputas entre vizinhos, e outros
tempo, lidar com o usuário descontente. A ativi- problemas que não são de responsabilidade da
dade do operador deste sistema ultrapassa a Empresa, como por exemplo, vazamentos no
entrada e envio de dados, presentes. interior do imóvel, serviços de responsabilidade
Os operadores, em caso de falta d’água, da Prefeitura, problemas técnicos-organizacio-
sempre são obrigados a lidarem com o usuário, nais das empreiteiras:
que na maioria das vezes está nervoso. A tomada Esse esforço para esclarecer as situações,
de decisões não pode esperar em função do localizar os problemas e satisfazer o cliente é invisí-
número de clientes sem água, deixando os traba- vel. Os organizadores da produção não conheciam
lhadores tensos e ansiosos. Em alguns casos, o como os operadores fazem para fazer o sistema
motivo da falta d’água não é identificado. Fre- funcionar e gerar as ordens de serviço. O estudo
quentemente ocorre dos serviços não serem ergonômico também colocou em evidência as difi-
atendidos por insuficiência de pessoal na área culdades enfrentadas pelos operadores:
operacional, por exemplo. Para se elaborar a “... temos dificuldade de concentração ...”
ordem de serviço várias informações devem ser “... informações repassadas verbalmente, não
colhidas. Uma demanda de serviço implica em tem jeito de lembrar ... aqui deveria ter um quadro
uma pesquisa aprofundada, através de consulta para registro destas informações, este tanto de
ao sistema, navegando por inúmeras telas, ao informações a gente não consegue lembrar ...”
mesmo tempo que procura nos documentos dis- “... quando a pessoa está nervosa eles pas -
poníveis (o posto de trabalho do operador é sam para cá, (...) eu acho assim, no meu modo
ladeado de pastas, arquivos, caixotes de entrada de ver, muitas vezes a gente nem sabe o porque
e saída de documentos) sinais do andamento do isto está acontecendo ...” (desconhecimento do
serviço. Caso não tenha sucesso nesta primeira motivo da falta d’água).

26 SANTOS, J. C. E., COUTO, G.R., ASSUNÇÃO, A.A. Entre as reclamações dos usuários e os problemas técnico-organizacio-
nais: o trabalho do operador de micro computador. Anais do X Congresso Brasileiro de Ergonomia. Rio de Janeiro, 2000, 9-16

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Telemática

FIGURA 2
Entr e as reclamações dos usuários e os pr oblemas
técnico-organizacionais: o trabalho do operador
de microcomputador que recebe as demandas de ser viço

Problemas Técnicos
■ Sistema lento
■ Impressora frágil
■ Tempo de atendimento
padronizado

Cargas de trabalho

Sobrecarga ou sofrimento
■ Irritabilidade
■ Auto-aceleração
■ Cansaço físico psíquico

humano em situação de trabalho. Ao definirem Aseguir será apresentado o caso de um tra-


a maneira de falar, o que dizer, o que não dizer, balho do sistema que elabora as ordens de ser-
a forma como conduzir um diálogo criam uma viço que orientam o setor operacional de uma
situação artificial, que certamente terá efeitos companhia de abastecimento de água e sanea-
sobre a vida psíquica dos sujeitos envolvidos. mento público.
Segundo os autores acima citados, os trabalha- Nem sempre os operadores conhecem as
dores referem que “ao se ater aos padrões de causas da não execução do serviço, os detalhes
comunicação não conseguem se entender com de um vazamento ou do rompimento de uma
os clientes, não conseguem construir um verda- rede de água. Na ausência destes conhecimen-
deiro diálogo. Eles se sentem tolhidos, impossi- tos fica tensa a relação entre o serviço e os
bilitados de, para executar o seu trabalho usar usuários reclamantes. Configura-se assim a
a criatividade. Para manter um grau de relacio- complexidade das tarefas, as quais ultrapassam
namento adequado com os clientes, eles não a prescrição “dar entradas e baixas”, para admi-
podem dar vazão às suas emoções, tanto para nistrarem problemas para os quais nem sempre
externar alegria como raiva, tristeza, decepção. são formalmente preparados. Através da prática
Sentem falta de um espaço, a não ser em eles podem adquirir conhecimentos úteis para
alguns momentos com alguns supervisores e responder tais exigências. Porém isto nem sem-
colegas, para expressar suas emoções.” pre amortece os conflitos vividos por eles.

-26-
CASO DO SERVIÇO DE ção, que o ramal está ocupado. Desta forma, a
TELEFONIA DE UMA EMPRESA ligação retorna a telefonista;
☛ são comuns casos de “rechamadas” - liga-
As características do trabalho da telefonista ções que retornam à central, e quando a telefo-
podem ser, como sugere Borsoi et alli 27, assim nista atende não há ninguém na linha, ou por
resumidas: que já desligou, ou por que foi atendido;
☛ controle da produtividade marcado pela sofis- ☛ quando um usuário interno tenta uma ligação
ticação tecnológica (estatística obtida por pro- externa, mas se esquece de discar “zero”, as
gramas de computador, supervisão realizada operadoras atendem, o usuário desliga sem falar
por monitora através de escuta do terminal); nada, se dando conta que cometeu um erro;
☛ perda do controle sobre o processo de traba- ☛ usuário fez uma demanda incompleta, isto é,
lho, porque o ritmo é definido pela organização, suas informações fazem com que a operadora não
pelo instrumento de trabalho (maquinário) e consiga chegar ao objetivo que ele quer, ou que de
pela demanda; alguma forma seja mais difícil atingir este objetivo;
☛ dificuldade de reconhecimento do produto do ☛ os usuários solicitam informações variadas de
trabalho; números de outros órgãos ou de outros setores;
☛ comunicação instrumentalizada visando efi- ☛ o usuário solicita uma ligação externa e
ciência e rapidez na prestação do serviço (fra- quando a telefonista localiza o interlocutor o
seologias, códigos etc.); usuário não está mais esperando. Nessas situ-
☛ jornada de trabalho realizada em regime de ações a telefonista se desculpar frente ao inter-
revezamento de turnos interferindo no cotidiano locutor chamado
fora do trabalho. ☛ informações de mudanças de sala, ou de
Em sistemas de recebimento e transferên- acontecimentos importantes na empresa, não
cia de ligações, estudos ergonômicos colocam são transmitidas adequadamente às operado-
em evidência os problemas enfrentados pelas ras, e várias chamadas têm como objetivo obter
telefonistas: informações. O serviço de telefonia acaba fun-
☛ ligação inaudível - difícil ou praticamente cionando como central de informações.
impossível de ouvir. As operadoras se queixam Esta profissão exige esforços consideráveis
do nível de ruído dos aparelhos: a tonalidade de atenção, precisão e velocidade. Os ruídos
não é estável, há ruídos de fundo, muitas vezes de fundo, a dificuldade em se ouvir as ligações,
elas não podem escutar o usuário; acrescentado à fadiga, redimensiona os aborre-
☛ digitar mais de uma vez o ramal porque o cimentos de receber observações injustificadas
sistema não o processa da primeira vez; mais ou menos grosseiras, até “bateu o tele -
☛ o sistema congestiona nos horários de pico, fone na minha cara”.
e nestes casos as chamadas “caem”. Nestes Durante o trabalho, as telefonistas são manti-
períodos não é fácil o usuário conseguir linha das, pelo próprio ritmo de trabalho, “com os ner -
para as suas ligações externas. Tanto num vos à flor da pele”. Mas quando saem, são invadi-
caso como no outro, o número de ligações, das por um sentimento de abatimento profundo.
recebidas ou transferidas, aumenta; Um estudo mostrou que algumas telefonis-
☛ segundo as mesmas, o sistema não sinaliza tas têm a necessidade de voltar correndo para
para o usuário que realizou diretamente a liga- casa e se trancarem e outras preferem andar
27 BORSOI, I.C.F., RUIZ, E.M., SAMPAIO, J.J.C. Trabalho e identidade em telefonistas. In___W. Codo & J.J.C. Sampaio. Sofri-
mento psíquico nas organizações. Vozes, Petropólis, 1995, pp 152-173.

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Telemática
quilômetros, até se cansarem fisicamente, e só tranqüilizantes, os quais levam a uma espécie
então voltarem para casa. de “abrutecimento durante o dia”, e dependên-
As telefonistas num outro estudo, se quei- cia ao longo do tempo.
xaram de dificuldade de concentração, de alte- Estas pesquisas28 revelaram também a pre-
rações de memória e de atenção, e de dificul- sença de sintomas gerais como: angústia, palpi-
dade em conversar, não encontram argumen- tações, dores pré-cordiais, sensações de opres-
tos nas discussões, precisam procurar nomes e são torácica, “bolas” no estômago, dores de
datas, mesmo as mais correntes e presentes cabeça, às vezes relacionadas ao uso do fone.
em suas vidas cotidianas, os amigos se quei- No estudo realizado em telefonistas dos
xam dizendo que elas se tornaram “indiferen - setores de informação e de interurbano, foram
tes… não se interessando por mais nada”. apontadas diferenças na relação estabelecidas
Algumas delas se queixaram de terem a pelas telefonistas com o trabalho. “O pessoal
impressão de não saber mais nada, de nunca do interurbano gosta mais do seu trabalho,
ter aprendido nada. Terminam por deixar com- sente-se mais livre para realizá-lo e considera-
pletamente o hábito da leitura. o mais interessante e útil, enquanto as telefo-
É freqüente as telefonistas empregarem por nistas do IF ressentem mais a monotonia, a
engano, em suas vidas cotidianas, expressões repetitividade de suas tarefas, o controle das
profissionais, como: “Alô, aguarde um momen - monitoras (a chefia direta), as exigências de
to”, principalmente quando alguém lhes dirige produção (traduzidas por uma média diária de
bruscamente a palavra. atendimentos esperada e atualmente contro-
As telefonistas se queixam também das lada pelo computador).”29
mudanças após o ingresso na profissão, como, Lima (2000) segue sugerindo que estas
por exemplo, elas disseram ter a impressão de características explicariam a maior prevalência
terem mudado profundamente, anteriormente de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) no
eram calmas, tímidas, agora se encontram ner- setor de informações. As trabalhadoras deste
vosas, irritadas, agressivas, não podem supor- setor “percebem seu trabalho como extrema-
tar a menor contrariedade. Podem se mostrar mente pobre, consideram o ritmo excessivo e
irritadas com o público e com os superiores e as formas de controle muito severas.” Interes-
depois se arrependerem por isso. sante notar que para algumas das telefonistas
São relatados problemas de sono. Estes estudadas, o trabalho tornou-se mais isolado e
são variáveis desde, por exemplo, uma hiperso- solitário a partir da introdução do computador.
nia diurna: elas têm vontade de dormir durante Como afirmamos no início, o arranjo técnico
o dia, até a insônia noturna. O sono é quase modifica a natureza do trabalho. Outro ponto
sempre perturbado em graus variáveis: importante citado por Lima (op. cit) é a forma da
☛ adormecimento tardio e difícil, sono leve, empresa organizar o leiaute, isolando cada
despertar fácil e precoce, telefonista com o seu terminal, impedindo pelo
☛ sono agitado, pouco reparador, com sonhos rela- arranjo espacial que elas conversem umas com
cionados aos acontecimentos vividos no trabalho, as outras. As mesmas afirmam que a única
☛ insônia quase total. maneira de comunicar com as colegas é atra-
A conseqüência desta situação é o uso de vés do computador durante as raras pausas
28 LE GUILLANT, A neurose das telefonistas. Rev. Brasileira de Saúde Ocupacional, 47, 12, 1984, 7-11.
29 LIMA, M. E. A. Informatização e saúde no setor de telecomunicações. O problema das lesões por esforços repetitivos. In___
L.I. Sznelwar & L.N.Zidan. O trabalho humano com Sistemas Informatizados no Setor de Serviços . Editora Plêiade, São Paulo,
2000, pp 159-168

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que encontram entre uma chamada e outra. nica; e sobre a beleza, quer dizer, sua conformi-
Lembrando Carvalho (2000), os ambientes de dade com as regras de trabalho e com a origi-
trabalho se humanizam quando há perturba- nalidade do seu estilo.31
ção, quando existe pane, quando tem doença, Aqualidade é um objetivo da produção e dos
do contrário, em condições ótimas de funciona- próprios trabalhadores, porém as condições da
mento o sujeito não encontra lugar para expres- produção nem sempre favorecem a obtenção
sar a sua identidade. Estaríamos criando orga- dos resultados desejados. Os trabalhadores
nizações per si patogênicas? afirmam que gostariam de poder desenvolver o
seu trabalho, mas que falta a ferramenta; a
P A RT E V quantidade exigida é incompatível com o tempo
necessário para tratar cada prontuário, cada for-
TRABALHAR SOB mulário, cada cliente, cada fornecedor. As
EXIGÊNCIAS mudanças organizacionais nem sempre favore-
CONTRADITÓRIAS: cem a criatividade, apesar de as empresas, ofi-
QUALIDADE VERSUS cialmente, estimularem a iniciativa.
REDUÇÃO DE DESPESAS Nos consultórios, os trabalhadores se quei-
xam fortemente da perda da qualidade no tra-
Segundo o DIEESE (1) a qualidade total “é balho e dos problemas que enfrentam para
uma filosofia (no sentido de cultura, de conjunto de garanti-la sem os meios adequados.
valores) que envolve todos os setores da empresa Existiriam consequências sobre o modo de
e todos os trabalhadores desses setores, de qual- vida destes trabalhadores expostos a tais trans-
quer função, posição hierárquica, etc. Mas isto é o formações?
total. E a qualidade, onde fica?” Quando se fala de As empresas convocam a iniciativa dos tra-
qualidade total, inclui-se principalmente o grau em balhadores mas não se desfazem dos meios
que o produto satisfaz o consumidor. para controlá-los. Ao contrário, assistimos a
A contradição maior destes programas está uma sofisticação dos mecanismos de controle.
em desconsiderar que os trabalhadores tam- Os trabalhadores são chamados de colaborado-
bém colocam para si os objetivos de qualidade. res, mas continuam não decidindo sobre os pra-
Pelo seu trabalho os indivíduos deixam suas zos e nem sobre os meios. Os estímulos à pro-
marcas coletivas, dando forma e sentido ao dutividade geram competitividade e rivalidade
mundo real. Os trabalhadores desenvolvem um entre os colegas. Transforma-se a aparência
processo de construção pessoal que dá sentido das empresas. As unidades ficam mais enxutas.
à sua existência. É aí que ele engaja a sua
identidade e a sua saúde. 30 AS DIFERENTES FORMAS
O trabalhador respeita e reconhece o resul- DE DANOS À SAÚDE
tado do trabalho dos seus pares, atribui-lhe
valor, e procura também o reconhecimento do Diante destas novas formas de trabalhar
outro. O reconhecimento se assenta sobre o poder-se-ia esperar uma nova forma de adoecer?
trabalho cumprido e passa pelos julgamentos Melhor seria dizer formas de adoecimento,
sobre sua utilidade econômica, social, e téc- pois os problemas de saúde relacionados ao
30 “As contribuições singulares são espontâneas, na medida onde o sujeito espera em retorno se sua contribuição à organiza-
ção do trabalho real do trabalho, uma retribuição simbólica em termos de reconhecimento de sua identidade.” (Davezies, 1998).
31 DEJOURS, C., MOLINIER, P. Le travail comme énigme. Sociologie du travail, 1994, 35-44.

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Telemática
trabalho não constituem uma lista homogênea. esgotamento referida pelos trabalhadores,
As modalidades de problemas de saúde provo- diante do excesso de trabalho, da densificação
cados ou originados no trabalho são de natu- do mesmo, e da estreiteza das margens de
reza distinta. regulação da carga de trabalho.
Em um esforço de elucidação pode-se agru- Por mecanismos ainda não bem definidos,
par, como sugere Davezies32, os danos à sob situações com demandas cognitivas fortes,
saúde associados às condições de trabalho em como, por exemplo, a multiplicidade de informa-
três categorias: ções a tratar em uma unidade de tempo, diversifi-
cação das demandas dos clientes, como nas uni-
Os danos diretos dade de teleatendimento, picos no final do mês
à integridade física nas agências bancárias e nos hipermercados,
etc., pode aparecer um tipo de auto-aceleração
Os trabalhadores sofrem os efeitos da expo- que impede o trabalhador de relaxar nos períodos
sição aos riscos físico-químicos, tais como, de repouso ou de realizar uma atividade de lazer,
substâncias tóxicas, vibração, ruído, radiação, como assistir a um filme, por exemplo. Os médi-
que se manifestam em forma de doenças osteo- cos do trabalho escutam queixas tais como sen-
musculares, perdas auditivas, alterações hema- sação de esvaziamento, dificuldade de relacionar-
topoiéticas. Trata-se de um campo relativa- se, isolamento e desânimo. Estas queixas podem
mente bem estudado, pois constitui campo tradi- explicar o absenteísmo. Pesquisa sobre causas
cional de ação dos médicos do trabalho. de afastamento do trabalho por motivos de saúde
As evoluções tecnológicas fizeram atenuar realizada no setor bancário, em Salvador33, mos-
em alguns processos produtivos certos tipos de tra que transtornos mentais (30,6%), doenças
riscos. Mas, as diferenças sociais continuam musculo-esqueléticas (21,3%) e lesões (9,2%)
colocando uma distância considerável entre os abrangeram a maioria de todos os dias de ausên-
mais expostos e os mais protegidos. Infeliz- cia. Amédia de dias perdidos/ano por transtornos
mente, os conhecimentos científicos acerca da mentais e doenças musculo-esqueléticas foram
nocividade de alguns riscos não serviram ainda 33,6 e 14,4 dias, respectivamente, enquanto que
para atenuar ou eliminar a exposição à sílica, ao a média para todas as causas foi de 10,2 dias.
amianto ou aos solventes, por exemplo. Nota-se
Os danos à dignidade
que o fenômeno da precarização do trabalho
e à auto-estima
intensifica a exposição do grupo menos prote-
gido contratualmente em seu local de trabalho. Os chamados fatores emocionais gerados
nos atuais ambientes de trabalho, desempe-
Os danos devido à hipersolicitação nham papel de relevo em muitas das afecções
dos seres humanos no trabalho relacionadas ao trabalho. Aos organizadores da
produção, os resultados da elevação da quali-
Entre os danos ocasionados pela hipersoli- dade, da produtividade e competitividade, e da
citação, a LER ilustra os efeitos sobre o corpo redução dos custos; aos trabalhadores apenas
do trabalhador, das exigências de tempo com os elogios e agradecimentos pela contribuição
redução dos custos. Além dos efeitos ósteo- fundamental à elevação do padrão de quali-
musculares, pode-se lembrar da sensação de dade. As práticas infantis de elogios falsos
32 DAVEZIES, P. L’organisation et les transformations du travail à la lumière des atteintes à la santé. Paris, 1998, 12 p.
33 VASCONCELOS, F. D. Afastamentos do trabalho por motivo de saúde em banco público. Região Metropolitana de Salvador,
1999. Anais do X Congresso Brasileiro de ergonomia. Rio de Janeiro, 2000, 1-13.

-30 -
geram um sentimento de humilhação, de raiva, As entrevistas evidenciaram a seguinte reali-
de desgosto, de desengajamento.34 Ao invés dade: a empresa havia admitido um número de
de serem reconhecidos e de obterem as condi- trabalhadores recentemente diplomados, capa-
ções adequadas para fazer o melhor, os traba- zes de funcionar o novo sistema. Os mais antigos
lhadores são encorajados a fazer o melhor sem de empresa foram sendo excluídos e alguns esti-
as condições concretas. Os pacientes afasta- mulados a freqüentar cursos dentro de um leque
dos por doenças profissionais vêem desmoro- amplo de conteúdos, mas não especificamente
nar o universo chamado cooperação para o voltados para as competências exigidas pelo
mesmo fim, quando, aos primeiros sinais de novo sistema informático. Um trabalhador dizia:
incapacidade para o trabalho são marginaliza- A empresa, enquanto a gente não tem
dos, excluídos ou demitidos. tempo para se aposentar, para se livrar da
Costuma estar associados: exigência de pro- gente, manda fazer estes cursinhos por aí.
dução/ansiedade, mudança tecnológica/medo, Nesse quadro a empresa vivia a seguinte
pressão temporal/aceleração. São exemplos de realidade:
situações que o médico do trabalho enfrenta ☛ Por um lado, marginalizava uma parcela de
como um dilema, um impasse na sua prática trabalhadores antigos na casa.
médica que não lhe instrumentaliza para lidar ☛ Por outro, enfrentava problemas vindos tal-
com os conflitos gerados nas situações de traba- vez da inexperiência dos novatos, apesar das
lho, nem sempre claramente enquadrados numa competências formais que eles haviam adqui-
patologia precisa. rido no banco da escola.
Tomemos como exemplo o grande con-
sumo de medicamentos entre alguns profissio- P ARTE V I
nais no setor de processamento de dados. O
estudo colocou em evidência uma relação sub- Começar identificando as situações desu-
jetiva entre essa atitude e o trabalho, ou melhor, manas de trabalho no interior dos processos
o emprego. Aempresa em questão havia com- que incorporam tecnologias da informação e
prado um mobiliário ajustável às características comunicação
antropométricas dos indivíduos, havia modifi-
cado o seu parque tecnológico, atravessava um FALTA DE TEMPO
momento dito de democratização das relações
de trabalho. Isto é, o contexto parecia favorável Os médicos das empresas, os “quadros”
às melhorias das condições de trabalho. No da área de recursos humanos, as Comissões
entanto, o Serviço Especializado em Segu- Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA),
rança e Medicina do Trabalho (SESMT) rela- os trabalhadores quando entrevistados apon-
tava a prática do alto consumo de psicotrópicos tam problemas como cansaço, sentimento de
entre os funcionários. Esse relato parecia jun- culpa pela falta de tempo com os filhos, pelas
tar-se ao problema, sublinhado pela área de dores nas costas, pelo uso de psicotrópicos,
recursos humanos, dito descontentamento dos pelo hábito cotidiano de ingerir bebidas alcoó-
empregados mais antigos na empresa. licas. E lembrar que teóricos eram crédulos

34 O mercado está cheio de técnicas de mobilização de subjetividades singulares, algumas delas infantilizam os trabalhadores,
tipo elogios banais, incentivos pueris, com todas as conseqüências que isto pode gerar para a economia psíquica. “Reconhecer
os trabalhadores significa reconhecê-los como humanos, quer dizer como entidades singulares insubstituíveis, portadores cada
um de um projeto, de uma aspiração a se colocar, a intervir, a contribuir sobre a base do seu próprio ponto de vista, sobre a base
da sua própria experiência no trabalho.” (Davezies, 1998).

- 31-
Telemática
do fim do trabalho, entusiastas do alívio pro- de decisões, a exigência de amabilidade com o
metido pelas novas ferramentas que libera- público. Aqualidade do trabalho que demanda
riam o ser humano das extensas jornadas. É atenção pode diminuir em presença de ruído,
no ventre mesmo das tecnologias da informa- modificando o tempo para executar a tarefa e
ção e comunicações que os efeitos mais con- variando as respostas do sujeito. Nos casos em
tundentes aparecem. Um estudo feito na que há sinais múltiplos a considerar, a quali-
França mostra que 60 % do tempo livre dos dade é ainda particularmente perturbada.
“quadros” das empresas é destinado a recu- As investigações mostram que o ruído de ar
peração para o outro dia.. Um estudo ameri- condicionado, da máquina xerox, e de conver-
cano mostra que um “quadro” recebe 190 sações são perturbadores das atividades dos
mensagens por dia, através dos diversos apa- trabalhadores.
ratos: fax, e-mail, telefone.35 Os fatores ambientais estressantes sobre-
Na era do tudo-internet, do telefone por tudo aqueles imprevisíveis e incontroláveis, cons-
satélite, do “lap-top” poderoso, os seus idealiza- tituem fatores de sobrecarga de trabalho e reduz
dores e mantenedores correm para não subsu- a capacidade de tratamento da informação.
mirem na onda fantástica da evolução das tec-
nologias. Artesãos do imaterial. Ocupados pelo ACÚMULO
virtual. Transbordando no virtual. Donos do DE TAREFAS
ciberespaço, mas impotentes diante do tempo
para as suas vidas. Contaminados pela angús- Neste sistema de tratamento de informa-
tia da performance, os fins de semana são ções envolvendo a percepção e interpretação
dedicados à atualização ou então... fracasso de sinais, é preciso recorrer à informações
pela concorrência implacável. anteriormente armazenadas, ou ainda arma-
Mais alto, mais forte, mais depressa. Um zenar informações durante a realização da
responsável por uma rede de serviços presta- operação, para acioná-la mais tarde. Esta é a
dos ao setor público, entrevistado no quadro função da memória humana, ou seja, o con-
dessa pesquisa, tinha os olhos pesados e junto de fenômenos que têm em comum o
expressava cansaço. Raciocínio límpido, fato de restituir a informação com mais ou
mesmo após as interrupções constantes, aper- menos transformações depois de um dado
tava os globos oculares e recomeçava: “faláva- tempo, sendo que a fonte desta informação
mos sobre as redes”... Provando o esforço não é mais presente.
mental para não perder o encadeamento das Porém, os indivíduos possuem uma capaci-
idéias, provava também o cansaço pelo dade limitada de tratamento de informações.
excesso da aventura cibernética. Os sistemas de trabalho rígidos que não dei-
xam uma margem de tolerância para os indiví-
O AMBIENTE duos podem aumentar o custo do tratamento
ESTRESSANTE da informações.
Os sentimentos do custo, no indivíduo, são
As tarefas que solicitam atenção seletiva também determinados por outros fatores como
mobiliza as funções cognitivas, onde o sujeito as suas motivações e a satisfação que é reti-
reparte a sua atenção a várias fontes, tomada rada do seu trabalho.

35 L’Express 09/10/2000. Pourquoi vous travaillez toujours plus

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A obrigação de realizar o trabalho num encadeamentos musculares eficazes e opera-
tempo muito curto aumenta o custo do trabalho. tórios, eles são atos de expressão da postura
psíquica e social de um sujeito para o outro. O
O TRABALHO ser humano no trabalho movimenta-se através
REPETITIVO das ferramentas, mas, principalmente, através
do seu corpo.
A exigência de responsabilidade e atenção Os efeitos dos trabalhos manuais repetitivos
no desenrolar das atividades de trabalho não são os mesmos dos trabalhos manuais
aumentam a contração muscular estática (ver artísticos. As atividades artísticas, artesanais,
mais adiante), chamada nestes casos de ativi- certas atividades esportivas, são o resultado de
dade muscular adicional ou involuntária. Esta uma elaboração mental anterior, de um projeto
pode contribuir para a sobrecarga muscular glo- interno ao indivíduo. São atividades de expres-
bal. É o caso das tarefas monótonas e realiza- são, um agir expressivo. Quer dizer, mobilizar o
das sob pressão temporal, em um contexto corpo expressando para o outro aquilo que se
onde o erro não é permitido pelas consequên- vive internamente, a sua emoção... se servir de
cias possíveis seu corpo, dar-lhe posturas, jogar em cenários
O trabalho é repetitivo, mas exige atenção. comportamentais que permitem a expressão
Quer dizer, ele comporta ao mesmo tempo uma das emoções, que significam intenções. Mas,
sobrecarga e uma subcarga individual de traba- nos ambientes de trabalho contemporâneos, as
lho, pois varia pouco. Nos trabalhos repetitivos, atividades sensório-motoras levam a uma des-
o ritmo e carga de trabalho físico são elevados carga de excitação, com pouco espaço para a
e as chances de promoção são pequenas. expressão da criatividade, da imaginação, da
Nota-se, entretanto, no setor estudado, uma emoção. Na maioria dos trabalhos repetitivos a
mobilidade interna, quer dizer, os trabalhadores tarefa realizada não permite expressar as
são polivalentes, podendo ocupar outros postos potencialidades do trabalhador. Há uma sub-
em outros setores. utilização do potencial pessoal de criatividade.
Em geral, nos trabalhos repetitivos a mono- Essa sub-utilização, pode ser fonte de desesta-
tonia da tarefa (sempre idêntica), intensidade bilização emocional do indivíduo. O gesto não
do ritmo de trabalho e a simplicidade de opera- ajuda a pensar, o gesto é para dominar uma
ções não permitem a expressão da imaginação. excitação interna, para manter o silêncio men-
Essa situação gera um conflito: de um lado, o tal, e garantir o ritmo desejado pela linha de
pequeno leque de possibilidades de criação, e produção. Pensar menos e trabalhar mais.
de outro, a intensidade da atividade requerida. Para pensar- Que trabalho para que
Outra característica do trabalho repetitivo, é homem
que ele acontece em um ambiente com nível “Se antes o futuro só não seria possível
pequeno de estimulações externas ou de inte- dada a nossa impotência, hoje ele é demasia -
rações sociais. Quer dizer, o trabalhador fica damente possível e não podemos mais falar
exposto ao mesmo tempo à insuficiência de num futuro mas em inúmeras possibilidades de
estimulação e hipersolicitação de movimentos. futuros” 36
O corpo é o primeiro e o mais natural instru- Não existe população padrão, normal,
mento do homem. Os gestos são mais do que média, como o homem-boi de Taylor. Ao contrá-

36 BRUNO, F. Do sexual ao virtual. Unimarco Editora, São Paulo, 1997.

-33-
Telemática
rio, as populações no trabalho são caracteriza- dade de trabalho investida nesta tarefa, e apre-
das pelas diferenças entre cada um dos seus senta um caráter relativo: ela depende de fato-
membros. Cada um com sua divisão interna, res constitucionais, como sexo, idade, origem
sua ambivalência, que sofre, mas que obtém geográfica; de fatores ambientais, como forma-
prazer no trabalho, hesita face às dificuldades ção, aprendizagem, nutrição, tradições socio-
com as quais se depara, face às suas decisões culturais, e de fatores limitantes , como senes-
e à ação. Um ser humano que regula a carga cência, deficiências e hábitos alimentares.
de trabalho, as consequências dos picos de O homem se distingue nitidamente do fun-
produção, e que compensa os efeitos das exi- cionamento dos sistemas técnicos com os
gências das tarefas elaborando estratégias par- quais ele se defronta, pois é um organismo
ticulares para tal fim. vivo, perpetuamente em evolução. Isso quer
O funcionamento do homem em situação de dizer, que ele varia constantemente no tempo
trabalho não pode ser comparado a um modelo (o que a ergonomia chama de variabilidade
mecânico do tipo transformação de energia ou a intra-individual), ele aprende e é marcado per-
um modelo informatizado de tratamento de dados. manentemente pela situação com que se con-
Os conhecimentos essencialmente fisioló- fronta, ele ajusta sua atividade a situações dife-
gicos e psicológicos são integrados quando se rentes, dentro de certos limites, ligados às pró-
estuda o homem em situação real de trabalho prias regras de funcionamento biológico, fisioló-
para identificar os elementos críticos sobre a gico, perceptivo e mental.
saúde originados nestas situações e a partir Toda atividade predominantemente física ou
daí retirar as recomendações de melhoria das predominantemente mental exercida pelo
condições de trabalho, bem como desenvolver homem tem repercussões sobre o seu estado
as capacidades para realizar suas atividades funcional (custo psicofisiológico do trabalho)
profissionais. que pode manifestar-se de maneiras diversas a
A voz do homem não é um microfone, os curto e a médio termo: modalidades de execu-
seus ouvidos não são amplificadores, os seus ção do trabalho, fadiga, doenças, acidentes... 38
olhos não são holofotes, as suas articulações A variabilidade inter-individual é grande: a
não são polias… pois ele muda de postura para carga psicofisiológica de um mesmo trabalho e
solicitar a musculatura que estava em repouso, as modalidades de execução deste trabalho
seleciona as imagens que são importantes para são diferentes de um trabalhador para outro, e
decidir, privilegia os ruídos indicadores do fun- os indivíduos não as cumprem sempre da mes-
cionamento da máquina. O homem não pode ma maneira. O indivíduo-padrão não existe.
ser comparado a uma máquina, a máquina não Muitos já encontraram meios para evitar o sofri-
tem uma idéia do mundo que a rodeia. O mento e o adoecimento e protegem o seu tem-
homem tem uma idéia e modifica esta idéia à po extra-laboral. Talvez, a saída é começar es-
medida em que esse mundo se transforma, e tabelecendo formas de organização coletiva
se transforma pela sua ação. O homem sente, para que os artesãos do imaterial expressem o
age e reage às modificações do sistema.37 seu sofrimento no trabalho e também as vias
Para uma determinada exigência da tarefa, para modificar as situações contrárias à cons-
a carga de trabalho está em função da capaci- trução da saúde.

37 LAVILLE, A. L’ergonomie. Paris, Presses Universitaires de France, 1976, 126 p.


38 WISNER, A. Componentes cognitivos e psíquicos da carga de trabalho. In:____. Por dentro do trabalho: ergonomia, métodos
e técnicas. São Paulo, FTD/Oboré, 1987, 172-188.

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