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fôlha de arte e crítica

coimbra, dezembro, 1933 •

·O
E'N...,Y.OV.AL
• DO
DtC E 'N, l 'N., O

(Recolhida em
Freixeda, Al-
meida - Gua,·-
da e extrnída
da obra de
Afonso D uarte,
a entra r no
prelo: " O ciclo
do Natal na

L iteratura Oral
P ortuguesa»)
• • COLECÇÃO A. O.

Jesus
ENINO u por os pêsinhos quem tem calção
M Que estais no altar
Lindo enxovalinho
Tenho pra vos dar.
E Hei de começar:
Lindos sapatinhos
Tenho pra vos dar.

M AS
Ha mister sertum:
Eu vos lo darei
De rico teçum •.

quem tem sapatos quem tem serlum •


M
AS
Ha mister meiínhas:
E u vos las darei
M AS
Ha mister casaca:
Eu vos la farei
De salvé-rainhas. De ouro e de prata.

quem tem meiínhas quem tem casaca


M AS
Ha mister calção:
Eu vos lo farei
M Ha mister chapéu:
AS

Menino Jesus
Com uma oração. Levai-me pró céu!

1 teçum.e = tecido.



ano sétimo volume segundo



' A MORTE DO SNR. PAULO MENDES
I E, agora, que faria?! Tão velho já! Com setenta anos não
se recomeça vida. Os filhos estavam criados, era certo.

O
sr. P aulo Mendes descia a rua Vasco da Gama O mais velho, sarlieoto da armada, navegava a essa hora
num passo vagaroso. Todo o pêso do seu corpo pelos mares do Oriente, e a filha, casada no Algarve, não
rotundo e mole descaía na sua velha bengala de
castão de prata há quarenta anos recebida de
presente. A cabeça do , bull-dog• cinzelada no
tinha sido infeliz. Contudo, êle precisava de morrer descan-
sado. A sua Leopoldina tratava-o bem: melhor, talvez,
que a defunta mulher, a quem ela substituira de portas a
r
castão era intima das mãos do sr. Paulo Mendes. Havia dentro. Na Caixa Económica, tinha Paulo Mendes nove-
mesmo, nela, um local apropriado, ao longo da orelha do centos mil réis. Chegava para o entêrro: para mais nada.
cachorro, para o sr. Paulo Mendes· apoiar o dedo polegar. Sem o Estrêla-Cine era a ruína, a miséria. Antigamente,
Os outros dedos contornavam a maxila do , bull-dog • e ainda o quinteto acorria a bailes e casamentos onde era
vinham, de costume, repousar ali onde devia ser a garganta chamado. Agora nini?uc!m o queria. O Jazz apagara de
do cão. Contudo, como o «bull-dog, da bengala do sr. Paulo todo a ·sua fama. ,O Jazz! Música de pretos!> costumava
Mendes não tinha garganta, os dedos dêste senhor, em vez Paulo Mendes dizer. Com o Jazz nunca êle transigiria; antes
de a envolverem, agarravam o junco da bengala. Havia vinte a miséria. E, depois, que diabo I os filhos lembrar-se-iam
anos que o sr. Paulo Mendes descia a rua Vasco da Gama, dele. Para alguma coisa os criara. Mas, ao que o sr. Paulo
entre as oito e as nove horas da noite, pelo menos duas vezes Mendes se não podia resignar era a ideia de que o quinteto
por semana. Havia aproximadamente vinte anos que o deixaria de existir; o que êle não podia tolerar era a visão
Arronches montara o E~trêla-Cine, onde o sr. Paulo Men- do seu quinteto disperso, para sempre mudo. O soalho do
des fazia vibrar o seu rabecão, à frente do quinteto do seu Estrêla-Cinc conhecia-o, a êle, Paulo Mendes; a própria lâm-
nome. O quinteto Paulo Mendes tivera fama. Em bailes, pada da estante lhe era familiar; e o público; sim, também
em casal]lentos, em solenidades religiosas. em festas públicas o público ... Quando o sr. Paulo Mendes entrava no cinema,
- o quinteto nunca deixara de figurar. Para a consagração até o porteiro se descobria:
do seu nome, muito concorrera, certamente, o prestigio do ,Muito boas noites sr. Paulo Mendes!,
rabecão do sr. Paulo l\lendes. Todavia, o conjunto era Junto à teia da orquestra três cadeiras estavam sempre
apreciável. Marcolino tocava piano: e lllarcolino fôra alguém reservadas para os apreciadores de música. Nos ensaios, o
na sua arte. Na cidade ainda se falava nas palavras do sr. Paulo Mendes recomendava:
director do conservatório a respeito de Marcolino, ouvindo-o , Lembrem-se que o Dr. Rocha não perde uma nota.
num concêrto público: e Podia ser um belo ,,i,·t11ose êste Olhem que ainda há apreciadores, ainda há disso, ouviram !11
pianista.• Eram passados vinte anos, e na barbearia Lôbo, Era para os apreciadores que êle tocava. Nem uma só
ou na farmácia do Ornelas, ainda uma vez por outra o dito vez levantava os olhos para a tela luminosa. O que lá cor-
se via celebrado. Então, naquele tempo em que o mestre ria, era outro mundo: niio lhe dizia respeito a êle. E nos inter-
pronunciara as lisongeiras palavras - não só para Marcolino, valos trocava impressões com os amadores sôbre o programa
mas para a cidade que lhe fôra berço -o dito correra de da orquesta. Depois, uma vez o espectáculo acabado, o
bôca em bôca. De cbelo vi1·/11ose» breve Marcolino se viu sr. Paulo Mendes envergava a capa alentejana e me1ia pela
acoimado, na melhor intenção dos que repetiam o têrmo rua do Mercado. Em casa, Leopoldina deixara o chàzinho
sem lhe compreenderem o significado : , belo vir·tose,; e no bule de esmalte abafado com um cobertor de papa. O
não tardou, mesmo, que lhe chamassem , Marcolino vir- sr. Puulo Mendes, acesa a vela que ficara ao fundo da
lUoso,, o que ninguém fazia sem um pestanejar de malícia. escada, desembrulhava o bule, bebia o chá a pequenos
Marcolino era por demais conhecido como inimigo das goles, e dirigia-se ao quarto. Antes, porém, batia à porta
mulheres, para que a sua virtuosidade não fizesse sorrir. do de Leopoldina, murmurando.
Na sua cabeleira ondeada e nos seus ademanes preciosos , Dormes, menina ?,
traia-se bem a sua ,virtude,! Leopoldina respondia, invarià velrnente :
Mas Marcolino não era tudo. No quinteto também figu- ,Durmo sim, menino. Veja se precisa de alguma coisa.
rava o Serafim Baptista, ou mais propriamente: o Serafim O chá es1ava quentinho ? ,
da rabeca. Para êste tôda a música era chorosa; no seu O sr. Paulo Mendes redargma, também invariàvelmente,
arco a marcha mais estridente não passava dum soluço. que sim, que «estava quentinho, e que não precisava de
Nada tão natural. Serafim acumulava com a profissão de nada. Em seguida, abria a porta do seu quarto, contíguo
rabequista. a de cangalheiro, o que nenhum ouvinte do ao de Leopoldina, descalçava as botas, dava corda ao reló -
quinteto devia ignorar. A segunda rabeca era o Miguel gio de prata, e enfiava se na cama. A-pesar dos setenta
Faria, velho corcunda. Encarquilhado, azedo, rancoroso, o anos, Paulo Mendes não requeria ajuda para se desembara-
seu instrumento ressoava do ódio que a sua alma transpi- çar do fa10. Apenas lhe custava arrancar as botas dos pés.
rava. Por fim, o violoncelo cabia ao Germano, tão zeloso Por isso, se não cansava de recomendar ao Zacarias que
cultor de O rfeu como de Baco. Mal acabavam os CSJ>ectá- lhas fizesse folgadas e só de elástico. Os calos também o
culos do Estrêla-Cine, loeo êle corria a refugiar-se na Cova- incomodavam. De tempos a tempos, porém, o calista vinha
.funda. A sua arte carecia de espaço, de energia, de imagi• à sua porta preguntar:
nação, o que êle não achava senão nos copinhos de geropiga. ,Então, sr. Paulo Mendes, e êsses pés? Como vamos
Mas Paulo Mendes subia a rua da Indústria. Os seus de calos?»
dedos afagavam mais pesadamente o que devia ser a gar- O sr. Paulo Mendes rabujava contra as botas apenadas,
ganta do e bull -dog ,. Eram oito e um quarto, dizia-o o e o calista ia entrando. A abertura do estôjo negro do calista
relógio da lllatríz, na sua voz pausada, de quem não corre a era um deslumbramento para o velho. Nêle se exibiam calos
foguetes. , De vagar se vai ao longe ... de vagar se vai ao preciosos. Enquanto o calista lhe aparava os calos, Paulo
longe, ao longe, ao longe ... , parecia proclamar a voz grave. Mendes, maravilhado, inquiria dos proprietários de tais jóias:
e De vagar se vai ao longe ... ,, repetia para consigo o sr. Paulo «Aquele acolá, côr de rosa, de quem é?
Mendes, não sem uma certa ironia. e Se vai ao longe ... , - Aquele ? , repetia o calista sem desprender os olhos
Ele tinha visto mui1a coisa . .. ; o mundo caminhava .. . do seu trabalho: ,Aquele é do Dr. Carlos Lima, um lente
Quem lhe havia de dizer!... E afinal era um facto. Mais de Coimbra ... ,
dia menos dia tinham-o ali, o cinema sonoro. Era o que O s r. Paulo Mendes extasiava-se: como era possível um
preocupava o sr. Paulo Mendes. A ameaça pairava há lente ter calos 1!
muito sôbre o quinteto. Se um dia o Arronches se resolvia Pela tarde o sr. P aulo Mendes ensaiava uns acordes no
a comprar um maquinismo dêsses como os da capital, rabecão. Leopoldina vinha à porta da cozinha, sorridente,
Paulo Mendes tinha de se resignar a dissolver a orquestra. para ouvi-lo. Na mão, trazia sempre uma cassarola ou um

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prato, que limpava a um esfregão enxovalhado. Mas o fes de crianças de tenra idade expostos na loja dum arma•
sr. Paulo Mendes, descobrindo-a, murmurava lisongeado: dor. A par de Marcolino, o Serafim da rabeca olhava, no
,Vá, Leopoldina, trate da sua vida, ande!• . vácuo, com aquele ar profissionalmente compungido dos íntÍ·
Leopoldina, de mau humor, torcia o corpo esqueléuco mos da morte. Como de costume, envergava trajo impecà-
em cima das pernas altas c:omo duas andas, e voltava à velmente prêto e colarinho impccàvelmente branco. Aos
uua vida., enquanto Paulo Mendes arrancava um gemido ao olhos de quem entrava, a compustura e a solenidade de
ventre burrigudo do rabecão. Serafim enquadradas no fundo de negros esquifes, ofereciam
O sr_ Paulo Mendes atraves~ou o jardim Municipal. o ambiente normal de um estabelecimento de pompas fúne-
Maio já passara pelos canteiros. No eotardc~er, as flores bres. Em contrapron, porém, Germano atroava o cúbiculo
recendiam. O sr. Paulo Mendes parara um mstante para com a sua voz avinhada. Havia oito dias pelo menos que
gozar aquele delicioso aroma. O perfume dos goivos não rapava os queixos, o seu casaco axadrcsado era crivo
dava-lhe uma sensação de bem estar. Lembrava-se das de nódoas, e os satos esbeiçados pareciam brancos, de pó.
festas de igreja a· que tinha assistido com o s.eu quinteto. Na sua máscara sucedia-se o abatimento e a cólera, sem
E era agora, que o~ anos lhe pesavam, que o ,·,g?r o aba1_1- que, no entanto, a torrente das suas palavras paralizasse o
donava e que a solidão cavada ~elo~ mortos o deixava mais seu curso impetuoso. Tanto Marcolino como Serafim pare·
só consigo - era agora que a 1gre1a se lhe afigurava um ciam não o escutar, cada um deles submergido na sua
lugar reconfortante. Nunca tivera tempo para pensar se própria existência. Marcolino apenas dava sinal de vida aca-
acreditava em Deus. Mas quando a voz tempestuosa do mando a teimosa cabeleira, de tempos a tempos, com um
orgão alagava a abóbada das igrejas por onde ê_le_ passara donairoso movimento de mão e Serafim repetindo para com
com a sua orquestra, ou quando no altar os ministros d_e os seus botões o último cumprimento de pêsames. A inter-
Deus elevavam as mãos suplicantes à majestade do Cruci- valos, via-se-lhe repuxar a lábio, provàvelmcnte em virtude
ficado, o sr. Paulo Mendes experimentava uma angúst1a dum rasso mais intraduzível do mastigado cumprimento.
indivizível. No primeiro ímpeto era revolta que êle senua Migue Faria, o corcunda, era quem aparentava seguir o
contra a pusilanimidade do homem, são e escorreito, a discurso de Germano.
quem aquela postura não humilhava, logo, porém, lhe Dos presentes, nenhum retribuiu a saudação do sr. Paulo
sobrevinha qualquer coisa como uma sensação de pequenez Mendes. Não por descortesia; dir-se•ia que por desatenção.
e de insigni6dlncia. . . Durava pouco êste segundo estado, O recém-chegado estendeu a mão a cada um, indiferente ao
porque a partitura exigia o ingresso do rabecão no con- frio acolhimento; em seguida, ageitando as abas do casaco,
JUntO das vozes do quinteto, e o sr. Paulo Mendes esquecia sentou-se na única cadeira devoluta.
a presença de tudo o que não lôsse a sua orquestra. Não Germano continuava, destemperadamente:
valia a pena pensar em intrujices! •E' o que lhes digo: vocês são uns asnos!
Ah t Mas agora, com o perfume dos goivos, a igreja era - Uns asnos 1• fêz o sr. Paulo Mendes, arregalando os
a paz t. . . Como devia ser bom estar naquele recanto do olhos vitrios para Germano.
côro, de onde, através os balaústres, se descobriam os fiéis ,Sim, senhor!• repetiu êste, num gesto de ~ssentimcnto
mergulhados em oração t E a voz, ora sonolenta, ora tem- de todo o seu corpo que vergou quási até ao chão. , Uns
pestuosa do orgão, afigurava-sc,Jhe, ao bom do maestro, tão asnos, nem mais nem menos. Mas cá ao rapaz não engana
doce, tão reconfortante, tão apaziguadora, como o lenço de êle.. . Cá o rapaz não é nenhum tanso ...
vinagre aromático que a Leopoldioa lhe aplicava nas fontes - Mas o quê, homem ? tornou o recém-chegado. Que
cm dias de enxaqueca. estás tu a dizer 1
A morte devia ser assim-um pano de vinagre aromático! - E' cá o meco que a traz fisgada ... •
Mas os goivos ficaram para trás. O sr. Paulo Mendes •O meco ?• repetiu na sua bôca desdentada o velho
caminhava pesadamente ao longo da rua do Mercado. Efe. Paulo Mendes : e sorriu. Aquele Germano sempre lhe
ctivamentc nada já o prendia a êstc muodo: os amigos iam merecera uma particular ternura I A-pesar-de bêbedo, nunca
atrás uns dos outros para o Repouso. Ali é qu~ era o lugar lhe faltara ao respeito. E por vezes era mesmo .9uando
dos que, como êle, tinham cumprido a sua missão na terra. bêbedo que Germano tinha no violoncelo mais expressao. De
Ainda se filhos ou netos o acariohassem I Mas os filhos entre os seus executantes, Paulo Mendes preferia Germano.
estavam longe, ent:egues a outros destinos. Restava-lhe Que o Marcolino tocava realmente com execução. Mas o
Leopoldina, a sua dedicada Leopoldina. Como era bom sr. Paulo Mendes detestava as suas maneiras, os seus hábi·
recordar o tempo em que a conhecera... Sem ela, que tos... Para quê aqude nunca acabar de compusturas da
triste viuvez teria sido a sua 1 madeixa 1 Para quê tais modos de solteirona requestada 1
A pouca distância tremeluziam já as lâmpadas do Estr~la- Germano era outra loiça. E a perspectiva de que o vinho
-Cine. A rua do Mercado era íngreme, e o coração do sr. Paulo lhe dava génio, enchia o bom do maestro de complacência
Mendes batia descompassado. para com o estado em que as palavras inintelígiveis de Ger-
«Anda p'r'ai cavalo ... • murmurou o sr. Paulo Mendes mano diziam êle encontrar-se. Seria bom que o quinteto
parando a tomar alento. sobressaísse, tanto mais o programa anunciar uma fita dêsse
A campainha do cinema retinia. O sr. Paulo Mendes sensaborão do Charlot. O sr. Paulo Mendes detestava
retomara a caminhada. A cada lado do portal do teatro Charlot. Nunca lhe pudera perdoar os aplausos que êle
viam se mulheres vendendo freiras e pevides. O sr. Paulo arrancava às plateias, apenas por exibir-se de rabona curta,
Mendes atravessou pelo meio dos taboleiros. Uma que bengalinha e botas de sete léguas... Nada lhe demons-
outra vez também êle comprava pevides para mastigar nos trava tão cabalmente o desnaturamento da humanidade,
intervalos do programa. Por isso, uma das mulheres pre. como aquela admiração imbecil por um fantoche I Era o
guntou no momento em que êlc passava : cúmulo!
• Vai um tostão delas, sr. Paulo Mendes? Entretanto, Marc:olino arregaçara ainda uma vez a sua
-Qual!, resmungou o interpelado. ,Não quero mais madeixa teimosa, e dissera:
dessa peste. Na quinta-feira passada vi geitos de ficar sem ,Deixe-o falar, sr. Paulo Mendes. Este Germano é um
um dente ... histérico ...
- Sem um dente?, chalaceou a vendedeira. , Sem um - Histérico!?. vociferou Germano. •Olha o grsndcssís•
dente? Onde é que vossemecê os tem, alma de Deus?, simo maricas, o fraldiohas de sêda ! ... •
Paulo Mendes deitou água na fervura, calmamente.
E o Germano, sem papas na l.íngua, expôs a sua apreen.
II são:
,E' o que lhes estou a dizer... O meco, cá o Arron-
•Santas noites! , disse o sr. Paulo Mendes penetrando no ches, comprou máquina falante. Vai meter obras no teatro,
camarim reservado ao quinteto. Todos os componcates da e nós vamos para o ôlho da rua. . . Isto é tão certo como
orqu~srra ~sta~am. presentes. Marcolino sentava-se numa cu ser Germano; o mais: histórias ... tretas.•
~ade,ra de 1ard1m JU!)tO da prateleira onde se arrumavam os O sr. Paulo Mendes 6tava Germano com os seus olhos
mstrumentos. As caixas negras dos violinos pareciam esqui. vidrados, sem pestanas. Estaria o Germano realmente

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bêbedo? Talvez não. De há muito que o sr. Paulo Mendes fluo. Dai a surpresa dos músicos, para quem o empresário
esperava o rebentar da bomba. Mas não podia ser! Aque- era habitualmente desdenhoso.
las paredes conhcciam,no tão bem! Era-lhe tão familiar Arronches aproximara-se do armário onde o quinteto
aquela 18.mpada mascarrada pelas moscas I Após uma breve guardava as partituras. Como de costume, êle trazia o
pausa, o sr. Paulo Mendes observou, incrédulo: paletó desapertado e, para cúmulo, os dedos no botão do
• O' Germano, se calhar não estás bom da cabeça, colete. Um silêncio de espectativa caira súbito e denso no
homem? 1 Acredito eu lá numa dessas. Isso devem ser camarim. Depois da arenga de Germano, a visita de Arron-
máquinas de costa acima ... O Arronches não tem dinheiro! ches constituía uma ameaça à tranquilidade dos pobres
- Não tem dinheiro?. repetiu Germano, num significa- músicos. A lâmpada eléctrica irradiava uma luz crua, e
tivo meneio de cabeça. ,Quem o não tem sei cu ... •
O sr. Paulo Mendes objectou ainda que, mesmo no
caso do Arronches haver encomendado a máquina falante,
não via razão para o quinteto ser despedido. Porém, Ger·
Bertini, provocadora, esperava o beijo apetecido. Para
dominar a sua impaciência, Serafim empunhou a rabeca e
arrancou-lhe um acorde plangente. Mas Arronches dizia já:
•Temos hoje uma rica fiunha; heim !,
r
mano mostrava-se de outra opinião Quem o informara Serafim não interrompeu o seu acorde. A lllmpada coo·
conhecia as intenções do empresário do Estrêla-Cine. O tinuava a iluminar friamente o camarim. E como ninguém
Arronches estava farto do quinteto: o que êle queria era lhe respondesse, Arronches continuou:
um Jazz. A orquestra do sr. Paulo Mendes não passava ,Mas fitas boas são de compadres. Bons filmes, agora!
dum ,fum.fum, fum-fum, fum-íum !, que ninguém já queria viste-os por um óculo. . . Foi um ar que lhes deu. Qua
ouvir. O velho escutava, calado, pensativo. •De vagar se filmes bons, qual carapuça! Não há nada, não se arranja
vai ao longe... Afoita volta dá o mundo ... , parecia êle nada. Vejo-me grego p'rô Castelo Lopes me mandar um
repetir com os seus botões. E de novo a voz dum or~ão programa tem· te não caias! Não há forma de satisfazer os
inund<>u os seus ouvidos. Havia cabeças decaídas no peno, meus pedidos : é o sonoro !•
mãos alevantadas para um altar, cheiro a goh•os e um Ao expelir a última palavra, a voz do Arronches adqui-
sussurro denso, prolongado, de milhares de lábios silen- rira uma entoação surda, velada, como se balbuciasse o
ciosos. e Despedido? Que importa 1 , murmurou Paulo ültimo verso dum fado, dêsscs can,tados em soluços. Sera-
Mendes de si para cor.sigo. ,Que importa!, Mas um fim suspendera um novo acorde. Em volta da lâmpada
pêso morto caira-lhe na arca do peito. Circunvagou um zumbiam moscas. Os olhos vidrados do sr. Paulo Mendes
olhar aniquilado pelo camarim. O cordão da tampada elé- olhavam o espaço, inexpressivos. Cada um dos executantes
ctrica lá estava no meio da casa com os seus cachos de mos· do quinteto parecia suspenso do quer que fôsse de flutuante
cas dependurados: hoje, como há vinte anos! Na parede em volta da figura obesa do empresário. Nenhum o fitava
do fundo via-se um grande cartaz colorido anunciando um directamente: e t0dos o viam nos seus mininos pormenores.
velho filme da Bertini. Paulo Mendes contemplou uma vez Germano era talvez o único dos circunstantes a quem as
mais as linhas nervosas do pescoço da grande trágica, cuja palavras de Arronches aparentavam regosijar. A sua face
cabeça, repuxada atrás, oferecia os beiços cálidos aos dum traia desdém e vanglória.
amante invisível. Paulo Mendes recordou a secura do colo Entretanto, o empresário torcia e dcstorcia o botão do
de Leopoldina. Como ia longe o tempo em que as mulhe- colete. O silêncio que sublinhara as suas palavras, indis-
res se lhe não recusavam, a êle ... punha-o. Decorridos segundos, Arronches retornou, na voz
Mas a porta do camarim abriu-se, de repente. No velada, chorosa, com que balbuciara a palavra ,sonoro,:
rectângulo escuro do corredor perfilou-se a figura obesa do .Já ninguém faz filmes mudos. O sonoro triunfa... E
empresário Arronches. o público gosta. E' ver em Lisboa. Cai tudo ali no Tívoli
, Me permitem?. disse, afectadamente. como a mosca no mel. Aquilo é que é ganhar caroço!,
A afectação de Arronches pareceu surpreender os cir- Com que olhar de gula, pronunciou Arronches as suas
cunstantes. Arronches nunca se lhes dirigia tão cortêsmcnte. últimas palavras I Era como se em cima da cabeça do
Em geral, atendia-os quási por favor e na desatenção de sr. Paulo Mendes, êle tivesse descoberto, sllbitamente, mon-
ouem não pode esbanjar o seu tempo em frioleiras. O tanhas de ouro. A reserva dos seus interlocutores parecia,
êmpresário era gôrdo e baixo. A's suas mãos pequenas, contudo, adverti-lo de que o ouro lhes não interessava.
leitosas, cabia importante papel no seu todo vulgar. Com Dai, subtilmente, Arronches derivar por outra via.
elas exprimia Arronches os seus pensamentos intraduziveis. ,Sim, meus senbores, o sonoro e qualquer coisa. Atra-
Se requeria um favor de amigo, logo elas se apoderavam da vés do sonoro, ouvem-se grandes artistas - maestros de
omoplata do visado, a ameigavam, a percutiam, a premiam primeira. Prrr. . . Ainda a semana passada ouvi um tal
mais ou menos pesadamente consoante a resistência por êle Backaus. Aquilo é que é arte : Arte, da autêntica!•
oferecida ao requerimento melifluo. Se o amigo recusava, Mas a lisonja caiu no vácuo. Em tôrno da lâmpada
Arronches, discretamente, ia retirando as mãos para cima ainda zumbiam moscas. Os lábios de Bertini pareciam
do abdomen, onde elas principiavam a torcer e a destorcer entreabrir-se mais numa sufocação de desejo. Arronches
sempre o mesmo botão do colete, que êle invariàvelmente então não pareceu disposto a acompanhar a solenidade
mostrava através das abas do casaco atiradas para trás. daquela visita de pêsames.
D. Irene, a espôsa de Arronches, passava tormentos por , Pois é isto, meus senhores • dizia já rnclifluo e o
causa daquele hábito infernal. Rara era a semana em que seu quê sarcástico. ,Achei um aparelhozinho mesmo ao
ela se não via forçada a percorrer todos os recantos da casa, pintar: custa um par de contos, lá isso é verdade... Um
na pesquisa de mais um botão para o colete do marido. par de contos. . . E' um grande sacrifício, mas o público
Arronches era calvo, e a sua voz ganhava por vezes modula- merece-o. Oh ! se merece ! Claro: o público precisa de ser
ções langorosas, geito que lhe ficara do tempo cm que êle bem tratado... O püblico sempre é o püblico ... •
cantava o fado. Em geral, os seus negócios não mergulha- As suas mãos esgravatavam, ora uma ora outra, no seu
vam na claridade: antes se velavam de uma ponta de mis- vasto abdomen. O botão do colete caía já, esbciçado. Pobre
tério, o que lhe acarretava, a êle, flutuação nas relações D. Irene! E as extremidades do Arronches, esgravatando,
sociais. Se atravessava um período de patente prosperidade, assemelham-se a dois porquinhos da lndia, muito nédios,
a praça estendia-lhe mãos generosas, mas se os negócios se muito brancos.
complicavam, a praça retraia-se. Arronches não se sur- •Despesas! Despesas! • prosseguia o empresário, quási
preendia. Ele próprio tinha o cuidado de interpretar dis- trágico. ,Não imaginam: O sonoro é uma sanguessuga.
cretamente as oscilações do barómetro social. Se o tempo Primeiro as despesas da instalação! Eu sei lá quantos con·
era variável ou tempestuoso, Arronches sabia ser modesto tos vou gastar. cu sei lá! Mas não é tudo. E depois a
e sumisso; se a pressão atmosférica melhorava - Arronches energia, o pessoal habilitado! Cada sessão é uma fortuna!
adquiria modos dignos e atitudes desdenhosas. Um homem sempre se mete cm cada urna! E tudo isto
Ao penetrar no camarim, Arronches nem aparentava para corresponder à benevolência do público I Sim, senho-
dignidade nem submissão: vinha flutuante, insidioso, mel!· res: à benevolência do público. Que diabo é que eu posso
(CONTINUA NA PÁGINA 10)

4
r

INTERMMEZZO stavam todos sentados,


E muito quietos e calados,
com os olhos abertos e parados,
e a Voz dizia, rica e fácil: Amanhã!

E estavam todos já mortos,


corpos inchados e tortos '
como os ratos afogados nos portos.
-Ontem 1... dizia, agora, a Voz, piedosa e vã.

ILHA DESERTJA.
ra uma vez um homem como os mais, Dormiram, amaram
E a bordo dum navio,
singrando como os outros, sem desvio
e todos chegaram aos seus destinos
e depois foram ricos, felizes, tiveram meninos
das rotas naturais, que os continuaram.
com máquinas pulsando como um coração E o navio, pesada lançadeira,
a bem do comércio e da navegação. continuou - para lá, para cá- na terra inteira.
Mas vai a Lua que, nua, fluia E o homem foi um náufrago perfeito.
na piscina do Céu, A princípio chorou dias inteiros;
uma noite em que o homem se esqueceu depois, para comer, foi trepando aos coqueiros,
de fechar a vigia, e resignou-se a dormir só com a Lua no seu leito.
trepou pelas vagas Tanto viveu assim que ficou lua:
e arrebatou-o para ignotas plagas ! andava com o corpo e a alma nua!

Pela manhã, no deck, os passageiros, Vieram-lhe ambições. -Era rei dos macacos
quando o souberam, tiveram pêna se não morre, senhores! de indigestão de lua-cheia t
- as mulheres sobretudo: o raptado era de côr morena ... - E assim acabou esta odisseia.
Pezares de passageiros, passageiros ... - Os outros mortos dormem em buracos;
A' hora do almôço comeram bem êste, numa ilha deserta e singular,
e ao jantar também. jaz, de conserva em môlho de luar!

PRESOS
or mais e por menos,
P por queros e adoros,
por beijos pequenos,
na sombra coalhada
de dor renegada?
e o sangue vertido
parece de laca,
nas pedras dum beco,
por gritos e choros A voz das guitarras depois, quando sêco.
têm êles tolhidos e o lôbo do cio,
seus cinco sentidos. com dentes e garras,
lá dão desafio. Ás grades, os presos
- E um homem não sabe são lábios abertos;
Os presos, âs grades, são dedos retesos
são olhos atentos; que sorte lhe cabe ...
e vôos cobertos,
são fulvas saudades cantigas saudosas
e sonhos sedentos. Marujos, fadistas,
com almas morenas, e pragas raivosas.
São paixões roidas
e rezas perdidas. das velhas conquistas
ficou-lhes apenas, Por mais e por menos,
num século exangue, por queros e adoros,
As magras vielas o gôsto do sangue. por beijos pequenos,
ecoam de crimes. por gritos e choros
- Quem sabe de estrêlas Um beijo mordido têm êles tolhidos
e coisas sublimes da ponta da faca, seus cinco sentidos.
ANTÓNIO DE SOUSA

J
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Rosamond Lehmann .. . !T HAS ,\IORE ATMOSPHERE THAN FORM, THAN OUTLI NE ...
ROSAMOND LEHMANN-/NVITATION TO THE WALTZ

Quem, depois de ter percorrido a vasta galeria do romance terras de França. Ora, sendo assim, procurando a realiza-
francês, transferir a sua curiosidade, através da Mancha, para ção dum tal romance, o romancista encontra-se cm face dum
a Inglaterra, encontrar-se-á, assombrado, perante um mundo único caminho: - o da afirmação, embora indirccta, da sua
novo (ou melhor: perante uma nova Yisiío do mundo).i' Com personalidade. Antes do romance -- está o romancista. E
o romance inglês, na rcalizacão dum Lawrence ou duma Rosa- êste, num desejo de rcclificação ou de ratificação de tudo,
mond Lchmann, uma nova personagem é chamada a intervir: perdendo-se nas abstracções duma excessiva intelectualiza-
- a Natureza. Mas a Natureza, não como quadro onde se ção, procura as linhas dominantes duma arquitectura equili-
desenrola a vida do homem, numa atitude passiva de árvo- brada, num desrespeito notável pelo pormenor tantas vezes
res e flores imóveis. Pelo contrário: a Natureza é uma per- precioso. Eis o que levou o romance francês ao esqueci-
sonagem viva. Não decora: colabora. , mento da Natureza. O que interessa é o produto do enge-
Decerto que esta re-intrornissão da Natureza num campo nho do Homem. O que chama a atenção é o drama da
do qual ela tinha sido expulsa por Dostoievski, Proust e inteligência: o profundo marulhar da cabeça humana. O
Joyce (êstc, um de lingua inglesa), não deixa de causar certo engenho, a inteligência do Homem é a medida da sua huma-
espanto. Depressa se verá que não há, em verdade, razão nidade. O Homem valerá tanto mais quanto mais se afastar
para isso. Porque, o que outrora dormia em enfadonha pas- dos outros. Todo o resto, ganga da vida sem repercussão
sividade, passou agora a ser fôrça activa,- a agir. E, se durável, não merece a eternidade do romance. Entre o que
nem sempre por si, pelo menos subsidiàriamentc. faz um torturado de altos problemas e o que faz Mo11sieu,·
De facto, a•Natureza ( tomando a palavra como signifi- u,,. Tel não há indecisões possíveis. Mo11sie11r u,,. Tel é um
cando o ambiente em que o homem se move ou a pa"isagem instante fugidio. Consigo, com a sua J)Crmanência no Mundo,
que aos olhos do homem se dá),, pode intervir no romance êste nada progrediu ou retrocedeu. Um número no catálogo.
de duas diferentes maneiras: ou como espaço contraposto ao Nada mais. E o romance não é catálogo. Todavia, não raras
vácuo em que o individuo não pode viver ( e, neste caso, vezes, é o próprio romancista quem, pintando vulgaridades,
ainda que a sua transposição para o romance seja vivificada é o ser à parte. Examinar um cérebro vazio e desvendar a
pela evocação poderosa dum grande artista, ela será sempre sua pobreza por um golpe de vista perspicaz, constitui, de
um adôrno secundário ou inútil); ou como coisa viva cm si quando cm quando, uma diversão interessante. Nestes casos
( e, então, a sua resposta à solicitação do romancista está tão vulgares, um super-homem grita, um Deus se agita e vive
plenamente justificada). no meio da multidão ululantc. Esse super-homem, êssc
Eis a grande diferença. Eis os dois polos distantes. Deus, - é o romancista .
Entre êlcs, dc.s prezando a primeira maneira e não conhe- Mas, como diz Jean-Louis Vaudoyer, enquanto o romance
cendo ainda a segunda ( que, de resto, lhes não é necessá- francês é um homem viajado que mostra o que viu, o inglês
ria; antes prejudicial), estão Dostoievski, Proust e Joyce: é antes alguém, muito curioso, que leva o leitor a ver con-
- está um outro mundo . .,_ sigo. Ambos em frente do imprevisto, autor e leitor são o
Assim compreendemos como a Natureza nos aparece no imprevisto mesmo. Dai, porque a descoberta não esperada
moderno romance inglês. Não se trata dum espaço imóvel: do Mundo provoca a reacção rápida, - dai a síntese estabe-
terra fria ou verde descolorido; trata-se de vida. Desta lecida por aquele ao dizer que les romans fi·a11çais so11t des
maneira, quando Lawrence nos dá os hinos pagãos à paisa- co11de11satio11s, /es roma11s a11glais, des évaporatio11s.
gem inglesa, esta é uma personagem que se ergue e que se Sendo assim, o romance inglês não é mais, afinal, do
agita. Do mesmo modo, quando Olivia, a hcroina de /11vi- que a perseguição despreocupada do romanesco puro. Dai
tatio11 lo lhe ,vali{, logo nas primeiras páginas do romance, o seu realismo . Daí a Natureza, coisa viva, coisa real, ser
ao vestir-se, chega à janela e olha a pa'isagcm, fatalmente se chamada a cooperar também. Mas, como veremos ao falar
estabelece uma íntima comunhão entre ambas. Olivia não do caso especial de Rosamond Lehmann, o realismo benefi-
foi à janela por acaso. Aquele passeio do interior do 9uarto cia ali do alto favor da sublimação. Nos escaninhos da vida,
até ~ janela, passeio tão repetido cm sua quotidiana simpli- quanta poesia não revelada à profanação dos olhos de tôda
cidade, não é um acontecimento fortuito. Quem, depois de a gente I Na paisagem, tão composta na sua harm@nia
tantas vezes olhar o mesmo quadro, se não fatiga e o não verde, quanto cncdntamento indefinido! E, todavia, a vida
repudia, é r,orque com êle estabeleceu uma misteriosa e ai está a dar-se a quem saiba recebê-la. E a paisagem a
agradável rc ação de vida. O que se dá a Olivia, não é uma dar-se aos olhos iluminados de quem saiba captá-la. Não
árvore que ali foi colocada para, com seus ramos, rasgar o basta o olhar frio do turista guiado pelo dcsintcrês,c. E'
espaço aério: - é antes a árvore que vive e que ali está precisa a inefável cumplicidade do homem eleito que vê e
para viver. A Natureza não é um espantalho: é uma irmã sente com amor. A poesia impregna o mundo todo e seus
do homem que como o homem vive. Isso foi o bastante elementos. Que a procure quem saiba descobri-la. A Ingla-
para a admitir no romance. terra nos apresenta agora as suas extraordinárias Virgmia
Mas esta admissão tão oportuna ( novo ciclo que se abre Woolf, as longínquas e ião próximas Bronte, Clemcnce Dane,
na vida daquele), não poderia verificar-se no romance inglês Kathcrine Mansficld, Rosamond Lchmann ...
se nele não concorresse uma outra característica fatalmente Esta diferença entre o romance francês e o romance
destinada a permiti-la. • Na verdade, o romancista, para rece- inglês, corresponde, na sua imensurável profundidade, a
ber a Natureza como personagem viva, precisa de encon- uma diferença de atitude perante a vida. Isso mesmo o
trar-se penetrado da chama reveladora duns olhos novos. fizemos já notar. No fundo, premente, angustioso, debate-se
Agora podemos compreender, para mais fàcilmcnte concluir, um conflito de duas concepções antagómcas da vida. No
a grande diferença cxisten te entre o romance francês e o romance inglês, vê-lo-emos, a humanidade das personagens
in~lês. Essa diferença é, substancialmente, uma diferença de salta a fronteira estreita do cérebro e brinca descuidada-
a mude perante a vida. 'I. mente com as árvores e com os pássaros. A vida do
• . . . Este fazer voltar tudo ao estalão que constitui a romance necessita de ser vivida; o fraocê.s dirá que ela
essência de todos os ensaios e romances franceses desde há precisa de ser julgada, ou definida, ou, quando menos, com-
doze anos•, - diz, cm qualquer parte, Benjamin Crémieux. preendida. Um Proust, rememorando os perdidos momen·
Nestas palavras está a denúncia flagrante do romance das tos duma vida escorrida pelo passado e amontoando os

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imponderáveis elementos para a defi nição de si, numa obser-
vação cuidadosa de re-construtor para destruir, seria, em *
Inglaterra, um caso à margem. Por isso mesmo, Joyce, o Todo o romancista tem em si uma parte de Anjo da
J oyce do Ulysses, é uma excepção. . Guarda. H omem ( anjo feito carne e vontade realizada),
Mas, como já vimos, a particularidade do romance inglês, que transporta existências dum mundo onde elas se apaga-
o seu encan1amen10 perante a ,•ida, leva à sua impregnação nam com a morte inevitável e involuntária, para um mu do
duma atmosfera poética que constitui, porventura, o. traço do semp,·e onde elas permanecerão imortais, - o t rabalho
mais digno de ser notado. O assombro do romancist11:, o do romancist a é, no fundo, um cannhoso trabalho de salva-
acordar dum sonho para cair noutro sonho, leva à poetiza- ção. O que quási estava a perder-se na cinza do esqueci-
ção de tudo. EI~ é, assim, o primeiro a gozar a yi?a na mento, renasce e vive agora no milagre do romance. O 9ue
sua gloriosa plenuude, - a sofrer a vida na sua dehc1osa e quási desaparecia no meio do tumultuar das gen1ts, existe
amarga dôr ... agora, como poderosa afirmação, num mundo novo de mara-
Como Virginia Woolf, como Clemence Dane, como Frank vilha. E o romance, condensando e guardando em si a vida
Swinnerton (no seu Nocturno), - Rosamond Lehmann con- ( .viver é muito mais do que existir•, cantou um dia Pas-
seguiu, in~e~rando-se na já meoc~onada cor.rente, realizar o coaes), fica sendo qualquer coisa como cofre da imortalidade
romance poetico. Não basta, porem, esta smtese demasiado conquistada.
fácil. Atrás de duas palavras simples, quan tos possíveis, A lawrenciana Alvina, tire los/ girl de personalidade ião
traiçoeiros enganos! E iss~ apenas P?rciue a poesia pode rica, seria uma sombra errante ou uma vida sepultada e
intervir no romance de dois modos d1s1mtos e igualmente esquecida na fria vala comum dum cemi tério vulgar, se o
importantes: ou como tendência exclusiva, devaneadora e romancista a não chamasse para den tro das páginas do
transfiguradora, expulsando a nota realista; ou como cola- romance. Agnes Grey, servindo uma vida de banr,I aparên-
borador precioso que aperfeiçoa sen: negar o que _lhe .é cia, ficaria apenas agarrada a Ano Bronti!, como musgo
extranho. Assim chegamos à separaçao fatal entre V1rg1ma feito mancha uniformemente verde, se esta a não recolhesse
Woolf e Rosamond Lehmaoo. e projectasse num romance. Madala Gray seria sombra
Ao falar dos romances de Virginia Woolf, ftma coisa adormecida na ficção do sonho, se Clemence Dane não
importan tíssima não pode ser esquecida: a própria V1rginia tivesse criado quem pudesse, embora através das nua11ces
Woolf. Na verdade, lendo um Orlando ou um To tire da incompreensão, revelar-no-la na formidá vel verdade de
lighthouse o que mais se nos most ra, o que mais se evidencia, si mesma.
não é o capricho riquíssimo das florações estilísticas em que E isto que se diz para Alvina Houghton, Agnes Grey e
veem cuidadosamente envolvidos os motivos romanescos (per- Madala Gray, tem cm si a amplitude capaz de abranger
sonagens, ambiente e todo o resto que constitui o romance), 16das as personagens vivendo e perdurando nos mundos
mas sim a intenção iconoclasta, - mais do que isso: a deci- reais que são os autênticos romances.
dida vontade de, por meio de um acto firme de rebeldia, Eis porque êstes, sendo, pois, mundos vivos, permane-
vencer e superar fórmulas feitas e já tradicionais. Virginia cem de certo modo insolidários com ês1e ou tro, limitado,
Woolf, a arte de V1rginia Woolf, é, sobretudo, uma vitória em que nascemos. Os primeiros são fogo perene : perdura-
técnica. E é por isso que, considerando as suas obras não bilidade conseguida no eterno; o segundo é chama que se
como uma réuss1te ( própria só de cabotinos ou mistificado- faz clarão para depois se extinguir, resolvendo-se invariàvel·
res ), mas como a franca abertura dum caminho, nós não mente em morte.
podemos esquecer o que está mais perto na linha bizarra- Mas só consegue viver no romance o que bem viveu na
mente sinuosa da evolução do moderno romance. imagmação ( naturalmente apta para humanizar), do roman-
Tomemos para exemplo necessário um dos mais conhe- cista. E êste, anjo-homem com olhos de anjo, encontra
cidos romances de Virgmia Woolf : -o Orlando. E não sempre ( mesmo na vida mais ressurnante de monotonia),
duvidemos que, ao escrevê-lo, a •ua autora se sentiu tocada maravilhosos filões, - escondidos atrás daquilo que nada
pela asa da poesia. Na verdade, a-pesar-do absorvente parece ter atrás de si . Por isso um romance autêntico
desejo de inovar por inovar, a-pesar-de certa, implícita mas nunca é banalidade. Por isso êle é um mundo onde se não
evidente, preocupação intelectualista ( características que sabe o que a morte seja: - um mundo do eterno. Passar
separam com abismos profundos as duas romancistas), o fugidiamente na vida e perdurar depois no romance é o
Orlando permanece como um forte romance de senha poé- mesmo que ascender a Deus e com Deus ficar vivendo.
t ica. Nêle a acção é socorrida pela fábula, pelo vivo ( pelo
vivificado pela artista), mas irreal. Dai o primado do poé- Em face da vida e com ela convivendo, a autora de
tico, como transfiguração convencional, sôbre a realidade. Dusty a11sJPer preocupa-se ( se q_uisermos, colocando-nos
A imaginação saiu vencedora. numa altura onde só o geral seJa alcançado, definir os
Contudo, nada de isso na autora de Dusty a11srJJer, - •contornos mais evidentes da sua personalidade), com o
em Rosamond Lehmann. De facto, o que em Virgínia encontrar em tôdas as pessoas aquela soma de instantes
Woolf, é calculado, é naquela deliciosamente expontâneo; valorizados necessária e suficiente para se alcançar a pro-
o que nesta rasga clarões de eloquência, é naquela admirà- jecção no eterno. Porém, a sua preocupação não é conse-
velmente simples; o que nesta é transfigw·ado, é naquela quência simples da determinação voluntária e raciocinada
apenas ( e é tanto! ), realçado pela sublimacão. E assim de dum teórico simpatizante: a raiz profunda dessa preocupa.
seguida, até encontrarmos, quási no lnfinho, um Jogar de ção está no grito da voz interior, digamos melhor: na Poca-
privilégio onde ambas se abraçam na realização do romance ção da artista.
a que, generalizando cau1elosamente, convencionámos cha- Esses momentos procurados, êsses momentos desejados,
mar poético. são os únicos justificativos duma vida. Porque encerram
Em Rosamond Lehmann (e relembremos agora os nomes em si o que define uma personalidade, - são os momentos
ingleses já at rás citados), há um aperfeiçoamento notável: vivos. Porque concentram a fôrça das grandes revelações,
- a valorização do romance. Ela sem o pensar com a - são os momentos eternos. Só @stes ( que encerram vida
inconsciência_ tão rica dos poetas, 'trouxe para o :omance e são vida), permitem o milagroso salvamento pelo Anjo da
qualquer coisa de novo e inesgo1ável que não podemos Guarda.
esquecer. Sem desrespeitar o contributo valioso dos realis- Mas iodo homem, em momentos de íntimo abandôno,
tas, sem fugi~ ~onsequememente ao real ( por vezes, aparen- t em em si mil possibilidades de revelar o seu mundo. Quais
temente a-poeuco), Rosamond Lchmann conseguiu introduzir sejam êsses momentos é que nem sempre é fácil de desco-
no romance o maravilhoso filão poético. Mas de tal modo brir. Por isso o superficial exame é, às vezes, enganador.
que o romance continuou a ser só romance Não houve Q uem sabe até se uma ext ranha excepção não virá toldar a
pois uma desquali6cação do romance como não houve uma certeza daquela verdade?
desqualificação da poesia. Houve uma osmose dos dois cm Torturada pela sêde de eterno em face das vidas que
vista. de conseguir-se qualquer coisa de mais belo e de mais cria, Rosamond Lehmann 1cm nessa sêde o reagente bas-
perfe110. tante para bem visionar o que ambiciona. Mas a vida não
Vê-lo-emos. é uma brincadeira. No seu aspecto de q uotidiana vulgari-

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dade (de que o jornal, aquele jornal onde a heroína de Dusty resumir os dois termos numa única conclusão. O amor
a11swer leu a notícia da desastrosa morte de Martin Fyfe, é basta . E o amor virá e com seu sôpro a vida se fará
o cronista impassível), a vida é até uma coisa mui1issimo séria. eternidade. Rosamond Lehmann encontrará assim as s,,as
Não poderá qualquer personagem amorosamente criada cair personagens, maravilhosamente vivas, quando com elas mer·
na charra vida de derperdicio dos preciosos momentos neces- gulhar a sua simpatia no amor.
sários para a habilitação à eternidade? Dês1e facto, da pos- Alingida esta altitude, o travo amargo da vida, o doentio
sibilidade duma resposta desagradável a esta grave pregunta, tom gris duma existência e a nenhuma esperança no que
resulta o ser Rosamond Lchmann um típico caso de inquie- está para vir, surgem como fôrça poderosa a insuflar de
tação. E' a inquietação de quem, sentindo-se invadida pelo desejo de viver as personagens dos romances.
encantamento do mundo, pela deliciosa alegria de viver, não
sabe se conseguirá contagiar os seres que cria com o seu
Dusty a11s1Pe1·, por exemplo, é uma tentativa de regresso
no tempo porque no passado se atingiu o mais alto cume
i
optimismo, embora calmo e cauteloso. Com os olhos nas da vida,- ao passo que o futuro aparece apenas como um
alturas, Rosamond Lehmann mal pode baixá-los ao lodo da sombrio declínio do qual nada de bom há a esperar. Só o
terra. Dai os seus livros serem, sobretudo, asce11ção e {ibcr· passado, condensação de maravilhosos e tí11icos momentos,
fação. • conseguiu mm·car e impor,se na corrente intérmina do
Mas, certa ( pelo que lhe revela a sua clarividente voz tempo. Só o passado foi razão de vida. Só êsse pôde
interior), da eternidade e do bem estar que nela se conse- explicar bem a utilidade insofismável desta. Só o passado
gue, e ainda sabedora que só poderá atingi -la pela comunhão basta. I'm so tha11f1f11{ l'n bem bo1·11, diz Judith, a heroína
com o tempo (os necessários instantes valorizados),- começa do romance, em qualquer pane. E o ter nascido e o ter
então o crepitar do seu drama: o despertar das cruciantes vivido são compromisso forte para continuar a viver. Daí a
dores de quem deu ao mundo novas vidas. E êsse drama gratidão de Judith pela vida. Por isso ela olha para trás de
resulta do facto de a romancista não saber se poderá conse- si, para a linha do tempo já caminhada, com a resignação
guir ( ela, um exempio de altruísmo no amor), que as suas contida de quem paclficamente se submeteu a uma ordem
personagens beneficiem dos favores por si já alcançados: a extranha. Mas Judith não olha apenas por si; presa pela
possibilidade de fuga do tempo para a cristalização na eter- simpatia às pessoas que a rodeiam, 1ôdas cegas pela inde-
nidade. Por isso a sua obra se caracteriza sobretudo ( e já terminação trágica que as assalta e domina, ela não as
desfaremos a aparente contradição ), por ser uma profícua esquece e procura carinhosamente salvá-las. E, olhando
tentativa de libertação do tempo. Mas uma tentativa de por si e pelos outros, Judith, que como êles se sente um
libertação que não aspira ao afundamento de tudo num cáos anacronismo, agradecido embora ao tempo que já lhe não
tenebroso porque antes pretende a condensação do tempo pertence, justifica a permanência no mundo em serena e
no infinito da e1ernid3de. Está desfeita a aparente contra- pé1rea imobilidade de estátua. Judith, note-se bem, nunca
dição: Rosamond Lehmann deseja a libertação do tempo pensou no suicídio.
( fatalmente limitado), com auxilio do próprio tempo. Mas, Mos a solida,.ied,1de de destiuo que nas personagens dêste
sendo êsse o seu fim ( se de tal peremptória maneira pode- primeiro romance estamos notando, não se apaga ainda,
mos usar), ela tem de procurar oas personagens o que ante~ se manifesta (a-pesar-de com mais discreta evidência},
nestas houver de co11strutivo e de d111'dvel, - de modo a no seguinte,- em A 11ole i11 11111sic. Um mesmo e forte laço
permitir uma projecção que seja um valor na eternidade a simpático as aproxima e, unindo,as, as faz comungar as
atingir. E é então que, descendo até elas, a romancista se mesmas dores e as mesmas alegrias. Dir-se-á até ( e quem
encontra entre escombros desoladores ( ou, quando mui10, poderá afirmar a sem,razão de tal?), que Rosamond Leh-
entre vidas ainda não começadas ). O prese11le nada lhe dá mann, envolvendo-as no mesmo sofrimento e elevando-as na
que permita a sua aplicação ao eterno. Por isso e porque, mesma alegria, o faz para não estabelecer privilégios e lan-
querendo encontrar o sentido do vida para cada uma das çar. discórdias num mundo ião forte e amorosamente ligado
personagens, se não conforma com a solução negativa ( o a SI,
contrário levá-la-ia 30 ódio à vida J, Rosamond Lchmann Porém, ao já vivido opõe-se o airtda a vive,·. Por isso
vê-se na necessicjade de as projectar ( a fim de aí as fazer em A IIOle i11 11111sic há a miragem ( esfumada porque é
valer), para o passado ou para o f11t111·0. O presem e, que miragem ), dum passado inútil e dum presente que só tem
nada vale por si, é simples liame entre aqueles. ~tas só valor pelo que antemostra do futuro. E êste deve sei·
para o passado quando, aniemostraado-se-lhe um incerto ( pode, logo, deixai' de se,-), a correcção admirável daquele.
futuro, aquele se mamem, cm maravilhosa cristalização, lsso nos permite resumir o romance num conceito de Norah,
11igno de ser trazido ao presente pela memória (ao presente, apresentado em qualquer parte. Com eteito ( e depois de
momento em que escreve, que o mesmo é dizer: momento meditar nesta frase de Clare : The beller times 1Pere ai{
em que vê as personagens ) ; para o futuro apenas quando, alzead ), Norah said vag11e{y tlzat of course il ivas ridiculo11s
sendo o passado uma montanha de escombros, nêle se vis- no/ lo cl1a11ge 011e's ltfe ,f 011e 1vas dissatisjied 1vi111 it: 011e
lumbra já, embora sob a incerteza da profecia falível, uma musl pe1·seve1·e 1111/i/ 011e's lrue illdi1,id11al focus a11d ce11tre
débil luz de esperança. Só o passado e o futuro vivem, ,,,as eslablished. 011e n111st 11eve1· lei 011e's past actio11s bi11d
considerados como únicos elementos capazes de habilitarem 011e 1vi1h remo,-se o,· regrei: but pass 011 at 011ce a11d shape
as personagens à conquista difícil da eternidade. E o pre- lhe fulul'e ( pág. 78 ).
sente serve apenas ( como, de resto, no-lo mostra a frase de Ora, se pela sua evidente direcção temporal, os dois
1.'IV. S. Landor aposta no livro A 110/e i11 music: Bul lhe primeiros romances de Rosamond Lehmann se afastam,
prese11I, l!ke a 11ole i11 music,_ is 11othi11g but as it apperlai11s num ponto, porém ( e pela acção de misteriosas fôrças que
lo 111/zat 1s pasl aud 1pha1 1s lo come), para fazer reviver escapam ao frágil imperalivo dum querei· consciente), êlcs
aquele ou para indicar um melhor caminho em direcção a se aproximam e se identificam. (
ês1e.
E' certo que, enquanto um regressa, o outro progl'ide;
Daqui resulta uma curiosa antinomia: a tendência afir- que enquanto um se dirige para o passado, o outro se volta,
mativa da vida, cm Rosamond Lehmann; a tendência, senão incertamente, para o fo1uro.)l'S0b êste aspecto, porque ambos
negativa, pelo menos fortemente céptica, nas personagens aspiram à conquista de pontos contrários e longlnquos, há,
dos seus romances. Por isso, porque, acima de 1udo, reside entre êles, sem dúvida, uma diferença de abismo. Mas, desde
na romancista o desejo intenso de crer na vida, de afirmar que encarados sob o pon10 de vista da temporalidade como
a vida como o mais lindo dogma, - por isso os 1onurados meio de atingir o meia-temporal, a diferença anteriormente
esforços de salvamento das figuras que criou. A vida é bela, notada esbate-se, resvala, desaparece e um forte nexo os
-e ta ato, que dela se pode fazer a eternid11de ! Neste grito, liga e os identifica.
que é a tradução duma certeza, se condensa a razão das Sendo a negação do presente como momento vila!, posi-
sondagens no passado e das profecias do futuro, - uma vc.z tivo, ambos revelam um mesmo desesperado esfôrço de
que o presente, se por si ou em si só existisse, seria a nega- salvamento dos que nêles arrastam suas existências. Aqui,
ção da vida. Perante tal antinomia, que fazer? Cruzar os neste desejo de fuga do presente, determinado pela necessi-
braços? Renunciar? Não, porque Rosamond Lehmaon, dade de encontrai os precisos momentos realmente vivos,
tocada pela intuição devinatória, conhece a maneira de -aqui êles se encontram e se agarram num abraço vigoroso.

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Rosamond Lehmann negou-o já. Mas o que nunca esteve os olhos poderosíssimos de Deus. O romance é vontade de
unido pela intenção clara, o que dentro de nós se encontra Deus feita vida.
aparentemente localizado em polos opostos, pode estar ligado Es~a vida misteriosamente fechada e que a pouco e
intimamente pelo que de misterioso e activo em nós existe e pouco a romancista vai criando, dá-no-la ela não na sua
se revela em dado imediato e gTatuito. Impossibilitado~ de mtegral verdade mas sim através da deformação sofrida pela
exercer qualquer controle eficaz ou qualquer censura, isso acção do seu assombro. Todos os pedaços de vida rece-
que nos foge, coado por crivo desconhecido, vem dcpoi~ bem, quando transpostos para o romance, uma sublimação.
trair-nos na sua nua representação exterior. Rosamond foi E essa faz-se pelo choque de duas tendências: a tendência
assim traída pela obra realizada. Misteriosas linhas subter• realista e a tendência poética, superior esta àquela em
rãneas, descobertas até pelo que de revelador e simbólico potência criadora. As personagens de Rosamond Lehmann
encerram os respectivos títulos, traem as ulteriores palavras são vivas e verosímeis ( no sentido de que têm em si o
da romancista. necessário para viver), a-pesar de nelas existir mais do
Mas um momento chegou em que Rosamond Lehmann que o que é facultado ao nosso conhecimento. A realidade
quis surpreender o acto preparador da vida, -digamos : apreendida emociona de tal modo Rosamond Lehmann que
aquilo que, fazendo embora já parte duma existência, pre- esta ( mulher feita do barro de Eva ), querendo depois pro-
cede a vida duma pessoa. A sua curiosidade leva-a, irresis- jectá-la, já o não consegue. Dai os seus romances serem,
tivelmente, a recuar, - a ver o que se esconde atrás de acima de tudo, uma projecção de emoções e não já uma
cortinas fechadas. Dus(y a11siper e A 11ote i11 musíc tinham-na projecção da realidade.
edificado. O seu génio pedia agora o calor do fogo da ten- Além do que nos é oferecido, fica, na penumbra, qualquer
tação. Porque não ir mais longe e surpreender a vida oo coisa de indesvendado e de misterioso. E o que está pa,·a
seu mal definido estado embrionário? A vida dum indivíduo além, não o consegue o leitor perceber, - não o consegue o
( diz-no lo implicitamente a romancista), não começa com o leitor (sequer!), adivinhar. Tudo é re al, tudo é vivo, -
nascimento. Só consegue viver quem atingir aquele momento mas há ainda qualquer coisa de re3l e de vivo que não foi
inefável de intima comunhão com o mundo. Quem possuir fixado pela palavra escrita. Rosamond Lehmann 1em dema-
em si, ciosamente, o mundo. E Rosamond Lehmann quere siado amor à vida que re-cria ( colocando-nos agora num
conhecer o que se passa na bruma indecisa, quere surpreen- pessoal ângulo de visão), para que seja capaz de torturá-la,
der o despertar magnifico para a vida. Por isso procura - dissecando-a.
Olivia no dia do seu décimo sétimo aniversário. Dai l11vi- Mas, por mais longe que se leve a verdade dêste facto,
tatío11 to the ,vallt, que só não é romance porque é, mais pro- não podemos esquecer o inestimável valor da tendência rea-
priamente. o prólogo dum romance. Pressente-se qlle tudo lista manifestada por Rosamond Lehmann. Ela ( e só ela),
é o acordar do mundo. E, por ser o acordar do mundo, é que fez com que a roma ncista não caísse na pura poesia.
- cheio de indecisões e de claros-escuros. Não obstante, Por isso Rosamond Lchmann, conservando-se na sublima-
Olivia é uma personage m que quere viver a vida, que sonha ção, se salvou de cair na trnnsfiguração,-na poesia. Com
até possíveis momentos futuros duma vida ve,-dadeú·a. Afte,· efeito, apreendida qualquer forma da realidade, esta sofre
l'm manied I sha/1 stay í11 bed as /011g as I 1va11/ to. Gil-Is na romancista, não uma desfiguração ( ou, pelo menos, não
ofte11 man·y ai 11!)' ªGe, -diz Olivia numa confissão que uma desfiguração até à autonomia da visão recebida na
seria ridicula se não tosse transposta para o romance por forma poema), mas um esquecimento de qualquer coisa que
uma mulher. Porém, a-pesar-de ser a heroioa ( tal vez por- se perdeu na metamorfose da emoção. Sob êste ponto de
tadora dum imprevisível mas possivelmente trágico destino, vista, os romances de Rosamond Lehmann, revelam, pode
semelhante ao de Judith ), Olivia não consegue, porventura, dizer-se, uma iu.fidelidade, - uma preciosa infidelidade.
sobrepor-se, como personagem viva, a Kate, sua irmã. Em face dum mundo que é quási só sensação, o leitor
renuncia a compreender para aderir pelas vias exquisitas do
* amor. Eis o que levou Jean- Louis Vaudoyer a abrir o pre•
fácio à tradução francesa de l)usty a11s1ve1· com estas pala-
Um romance, desde que encarado através da intima pro· vras: La qualité premí~re de Poussiere est d'obte11í,-,
fundidade da sua significação, é sempre produto do encontro d'e•..:iger, du /ecte,w, l'adliésio11 d11 coem·.
de duas entidades distintas que os fados colocara'm frente a Ura é, ao que julgamos, êsse veu sobreposto à realidade,
frente: o romancista, por um lado; por outro o mundo é êsse retrato f/011 da vida, que leva à forçada adesão. O
( quer o seu próprio, quer o exterior ). E' dês te encontro leitor que freqüenta os hnos de Rosamond Lehmann é, de
fatal, é da fusão necessár/a destas duas entidades que surge facto, forçado não só a aderir à pintura da realidade feita
a luta precisa para alumiar o romance e dêle fazer clarão. pela romancista com a sua pessoal maneira, mas também a
E' licito, pois, o tentar descobrir, pelo resultado coo se- sentir as angústias formidá,·eis resultantes da impossibilidade
guido ( o romance realizado), as naturais determinantes do de desvendar o que de nublado há nesses livros.
encontro. Por isso, transportando-aos ao caso especial de
Rosamond Lehmann, preguntaremos: Qual a situação da Ali! JPhat a dus(y a,mver gets the sou/
romancista perante a vida 7 De que maravilhosos elementos Whe11 hot for ce,·tamties i11 this 0111· life !,
se constitui o seu mundo?
Mas, para a autora de !11vítatío11 to lhe 1valt, o mundo dizem os versos reveladores de George Meredith que Rosa-
é sobretudo-se11sação. Eis porque os seus romances são mond Lehmann pospôs ao título do seu primeiro romance.
transposições de vidas sentidas e não ar.coas julgamentos
,, de vidas compreendidas. Daí só ser rea , só ser verdadei- Senhora dum conhecimento sensacionista do mundo,
ramente vivo o que obtiver a cumplicidade da romancista, Rosamond Lehmann não podia deixar de encontrar-se domi-
Tudo o mais é indeterminação, cáos, poeira anterior a um nada por êle: Mas aqui nos aparece uma dualidade ( que
possível fiai lux genesíaco.
não é o mesmo, como fácil é de ver-se, que uma duplica-
9 ~undo, com~ mundo em si, não é sequer uma ficção ção): a Rosamond Lehmann dois mundos se dão: a Natu-
ou ill!sao porque e só~ente -.irrealidade. Para que seja reza e as pessoas vivas. lllas a êstes dois mundos ( que,
real ~ precisa esta coisa formidável: - que seja se11tído. naturalmente, deviam ser con1emplados com olhos sempre
Por isso uma erva sêca pode estar cheia de vida e iguais), correspondem afinal duas atitudes distintas de Rosa-
uma pessoa qualquer pode ser sombra imperceptível. Para mond Lehmann. Na Natureza, surpreendida pela tonalidade
tanto basta que os olhos da romancista iluminem a erva forte, vê apenas mancha, 1110,·e a/mosphere tha11 form, tlta11
sêca e passem descuidados sôbre a pessoa errante. Antes 011tlí11e ( é assim que nos é apresentada a aldeia de Little
do romance começado, só há bruma e maté ria informe. Compton, onde vive a familia Curtis de b1vítatío11 to lhe
O romance é assim o levantar do Mundo - os sete dias da 1valtt ), ainda mesmo quando desce a notações minuciosas ;
é
cr!ação bíblica. _Cad_a páç10a escrita,- um mistério des- em face de qualquer personagem, torna-se perscrutadora e
feito, - e um m1stér10 criado; cada página a escrever - descobre invisíveis swb1ilezas ao mesmo tempo que desvenda
um scgrê~o de ~cleza ainda não conhecido, - uma parte' do pormenores altamente reveladores.
mundo amda nao descoberta. A pena da romancista são Trata-se, contudo, duma curiosa armadilha. Por is~o,

1 9
1
1
,

fazendo notar uma dualidade, a não confundimos com uma E é por isso que Norah e Grace, conseguida a provisória ;i
duplicacão. Pois, que significa a Natureza feita mancha? enganadora (?) identificação com Gerald e Tom, julgam só
Nada mais, realmente, do que o transporte para um pri- então recomeçar verdadeiramente a viver. E é por isso
meiro plano de observação e consequente valorização do por- ainda que Kate acede ao convite dos Herriot e que Olivia,
menor ou elemento mais chocante do ciuadro contemplado. errabunda, passeia, em cinzenta in:eneza, a pesada ilusão
E isso em detrimento de todo o resto. Esse resto esconde-se, do baile dias antes tão desejado.
apaga-se, perde-se. Um só componente permanece isolado e
dêsse se extrai o máximo do poder expressivo.
Ora isto que se revela nas páginas onde Rosamond Leh-
mann nos fala da contemplação da Natureza, aparece-nos
*
Só pelo amor se consegue a vida ( a vida verdadeira), -
também (embora revelado sob um outro aspecto), na maneira e é pelo caminho do amor que Rosamond Lehmann atinge os
como ela nos dá a conhecer as figuras que cria. De facto, seus romances vivos. Dêste facto ( e visto que Rosamood
na composição das personagens, Rosamond Lehmann não Lehmann, crendo no amor,crê implicitamente na vida), resulta
usa um processo directo, não pinta cabelos nem revela a êste milagre admirável: a vida «211 goút de cend,-e » das suas
côr dos olhos. num desejo apressado de contemplar retratos personagens (como disse Suzanne Normand), iluminada inte-
mui/o pa,-ecidos. Pelo contrário, manifestam-se por si, atra- riormente por um facho de poderosa afirmação. Na renún-
vés da imprudência duma atitude, duma frase fugaz e invo- cia manifestada, quanto opt1mismo escondido! Por isso a
luntária de auto-explicação (tantas vezes falsa), ou até pelas já citada frase de Judith: I'm so tha11kf11l I've bem bon1, se
manifestaç6es externas da reacção sofrida por elas quer em eleva a uma altura de formidável síntese. Mas ainda mesmo
face de certos casos do dia-a-dia, quer cm face de vários que a vida dos romances tivesse êsse falado gôsto a cinza,
espectáculos da Natureza ( e por isso Rosamond Lehmann ainda assim a vida de Rosamond Lehmann não ficava
consegue êste milagre admirável: ausentar-se estando sem- maculada por êle. Na verdade Rosamond Lehmann ama
pre presente, estar presente estando sempre ausente). E as personagens que cria e neste amor vai a afirmação, plena
aqui se nota ainda a valorização pela eleição dum único de optimismo, da vida gloriosa. Perdida no encanto ( neces-
elemento ( além a mancha, aqui o pormenor, - mas tudo se sàriamente optimista ), do exterior fortemente interiorizado,
reduz afinal, ao mesmo. Daí a dualidade; não a duplica- a romancista é a primeira a aderir pelo coração. Não é
ção ). Senão, vejamos um exemplo do segundo caso. E só pois a sua inteligência que recebe tôda a realidade como não
dêste por ser o mais curioso: Logo nas primeiras páginas é a sua razão que constrói tôda a harmonia. O romance,
de Dus/y a11s,ve1· a avó dos amigos de Judith procura saber no seu total, deve-se à sua sensibilidade cristalizada em
quem partiu a vara dum barco. Ninguém chama a si as emoç6es. E do seu amor resulta ou deriva um igual amor
culpas ( 11obody had b,-ofw, lhe pole ), mas Julia11 1phist/ed para tôdas as personagens. A vida, na sua multiplicidade
ca,.elessly foi' a bit afler Jhal, so Judith knew. tão rica, é digna de todo o amor. Dai Rosamond Lehmaon
Mas, afastada a coincidência da vida com o nascimento não conhecer as frases mais amor e menos amol'. Por isso,
( o que nos levou a afirmar que I1wilatio11 to lhe wall{ se interessando-se por todos, ela não faz. viver um herói: faz
apresentava apenas como prólogo dum romance), preciso é viver heróis. Cada personagem é um resumo dum mundo.
saber ago ra qual o limite entre a vida e o ainda-não-vida. E os mundos estão todos inundados de beleza. . . Eis por-
Depressa veremos que êsse procurado limite está na con- que Rosamond Lehmann realiza a afirmação de Gide quando
quista do amor. Com efeito, falar dos três livros de Rosa- êste escreve que le sec,-et d11 {fl'and roma11ci,,. u'est pas
mond Lehmann é falar também do poder criacionista do da11s la do111inatio11 des sit11alio11s, mais bie11 da11s la multi-
amor. O amor é princípio e centro de tôda a vida, de tal plicilé de ses possibilités, de ses complicités i11times.
modo que só realmente vive, só realmente pode aspirar à Mas a todos os mupdos um se eleva e êsse é o de Rosa-
consagração da eternidade, quem conseguir encontrar um mond Lehmann. E as suas obras, pedaços do seu mundo,
dia a harmonia do amor. Uma vida sem amor não é vida são um agradecimento à vida. Na soa calma serenidade,
- e é por isso que Judith se esfuma num longínquo pas- no seu desprendimento, no ca~inhoso amor com que compõe
sado, no passado da sua infância, -prólogo da vida onde o os seus romances, Rosamond Lehmann, exaltada pela emo-
amor ainda não reside porque é só uma esperança, já mesmo ção forte, parece dizer como Judith, estas palavras que
depois de ter percorrido a fria estrada da sua adolescência. valem um hino pagão: I'm so tha11kful I've bee11 bom.

ALBANO NOGUE IRA

(CONTINUADO DA PÁGINA 4 )
ganhar com tanta despesa às costas 1 Que lucros posso eu era o olhar de Paulo Mendes que o empresário sentia tolher-
tirar disto? Nenhuns, não senhores, nenhuns., e mudando -lhe os movimentos. Os olhos vidrados de Paulo Mendes
sóbitamente para um registo doce, fadista. cE' bom esta- haviam ganho uma expressão incisiva. As moscas zumbiam
rem ao facto. . . Eu não posso com tantos encargos. O em tôrno da lâmpada. A luz banhava friamente o rôsto
aparelho chega p'rá semana. Vou fechar o Estrêla por uns sensual de Bertini. E a cadeira em que o sr. Paulo Mendes
tempos. Como quem diz: cada qual sabe as linhas com se sentava, rangeu. Todos os olhares convergiram sôbre
que se cose... E' bom os senhores prepararem-se r·ra um êle. Paulo Mendes levantara-se e caminhava para o empre-
tempinho de descanso. Sim, mesmo é muito prováve que cu sário que atravancava a porta, incapaz de um movimento.
dispense a orquestra. Que diabo! Não pode ser rudo: ou há O sr. Paulo Mendes, com os olhos raiados de sangue, as
sonoro ou há orquestra ... , mãos trémulas, e o passo instável, chegou junto a êle. Os
Os porquinhos da lndia, talvez fatigados de esgravatar, músicos, imóveis, fitavam o seu chefe de orquestra, como
caíram ao longo das pernas do Arronches. O botão pendia quando abriam o Guara11i. Mas Paulo Mendes, em lugar
por um só 60. E recuando, Arronches aproximara-se da de vibrar o arco do rabecão, articulou, a bôca espumante, a
porta. Serafim, como suspenso dum batuta invisível da qual face contra a face do Arronches:
aguardasse ordem de romper, mantinha o violino numa das eTraficante!... Miserável!.. • Cana ... a ... ,
mãos, o arco na outra; Germano, de lábios premidos, pare- Arronches recuara para o corredor, e o sr. Paulo Mendes,
cia sufocar um grito; Marcolino esquecera a madeixa de que procurava agarrar o empresário pelas abas do casaco,
cabelo que lhe velava agora parte da cara; e Miguel Faria, ou porque as não pudesse encontrar, ou porque as pernas
atirado para um canto, semelhava um fardo inútil. Apenas lhe desobedecessem, caiu sóbitamente, desamparado, de
Paulo Mendes fitava Arronches, frente a frente. Recuando, encontro à porta escancarada do camarim.

J OÃO GASPAR SIMÕES

1O
, ,
vestidos - tantos
FRIVOLA
SeTeComo os planetas,
De manhã, sob a luz doce
E o céu gracioso
E a ocasional e polida
Melancolia
Os dias da semana -Vestido claro e alegre Do «forget me not» ...
E os véus de Salomé ... Ajustado ao seu corpo malicioso
De fausse
Mais que os dedos da mão Maigre. Se lhe fazem a côrte, em galanteio amável.
Menos Seja de noite, à tarde ou de manhã,
- Muito menos! - Certo é usar (é muito aconselhável)
Que as quimeras inquietas Á tarde, quando o dia é bom O cha11gea11t . ..
..... Dos poetas. E o sol rútilo e belo Azul, não sei se tem, mas deve tê-lo,
-É de bom tom Azul pálido, ingénuo, enganador .. .
Vestidos longos como os dias de verão! O amarelo. Cõr
Dos olhos
Frágeis, insidiosas armas de tecido ... Das nórdicas princesas de balada
Cada vestido Festa nocturoa. A projecção - Olhos que olham sem zêlo
É urna imposição. Da iluminação E sem amor
É de efeito Os olhos
Sete vestidos, sete senhores ... Seguro ... Do seu amor ...
-Vestido
Quando ela passa Escuro, Vermelho, o tom violento desagrada
As flores Corte felino, Certamente aos seus nervos de franzina.
Moldam-se em formas regulares, geo- Cingido No entanto-ia jurar! -
métricas, de corte E estreito. Não há-de
Distingué. Vestido de ivamp Faltar
E até o sol (Ha11ds up /) Essa tonalidade
Pleno de graça Esguio como um punhal florentino. Na paleta copiosa e bizantina
Deixa de ser vulgar, brutal e forte Vestido Do seu guarda-vestidos
Torna-se um sol Nascido - Para dizer com os seus lábios
De che, De uma taça de cup I Vermelhos, insolen.tes, retraídos
Poiret ... E sábios!
Sete vestidos - tantos Ainda mais escuro,
Como os planetas Negro, negro, Sete vestidos :
Os dias da semana (Lembrando a túnica dos mágicos) Sete leis
E os véus de Salomé ... Em tulipa, Cruéis
O vestido de baile. Implacáveis, despóticas, feudais
Vestidos longos como os dias de verão! Negro - Código da Rue de la Paix
E nobres como os salmos dos Profetas! Como uma noite de preságios trágicos Que domina e submete.
Que a manhã não dissipa.
Mais que os dedos da mão Negro, o vestido de baile ...
Menos Vestidos longos como os dias estivais!
Assim se concilia
- Muito menos! - - Como na vida
Que as pulsações inquietas De cada dia- Sete
Do coração O allecro Como os véus de Salomé
Dos poetas. Do fox- trot E os pecados mortais!
. DO LIVRO A PUBLICAR ESC A LA CROMÁ'TICA

BASTOS GUERRA

11
,
e R 1 T 1 e A
UFICIENTEMENTE se tem dito que um está no abandôno da razão. Mas veja-
r
S dos deíeicos mais patentes a quem
contemple o panorama das nossas
letras, passadas e presentes, é a quási
e s ,t u dos mos:\-, a quem se refere essa acusação 1
l Aos que a abandonam por incapaci-
dade, àqueles que, quer se reclamem da
geral ausência de capacidade cricica - • razão, ciuer da in1uição, ficam sempre de
quer dos autores para com as próprias
obras, quer dos criticas que estudam
essas obras - do 9ue resulta, em grande
e r 1t 1e o s olhos fechados ance a obra li1erária, ou
àqueles que, reconhecendo os limites
duma críuca rncionalis1a, se reclamam do
pane, certo excessivo culto da fo,-ma com p or CAS TELO BR.A NCO CHA• conhecimento intuicivo como único meio
prejuízo do fu11do, maior interesse pela VES. Co imbra, Impre n s a da de penetração no domínio da criação
maneira como se diz do que por aquilo Universidade, 1932. lirerária ?-.-Esqueceu se o cri1ico de no-lo
que se diz; ou seja, duma maneira geral, dizer. Pois eu tomarei a liberdade de o
o deixar-se o artista cooduzir, ou pelas dizer por êle. Castelo Branco Chaves
suas tendências mais superficiais e ano- de escassez de razão. Se o panorama não se refere a uns nem a oucros ; con-
dinas, ou pela inAuência em moda no das nossas letras nos mostra o aAicivo tagiado pela fobia da imuição, desatou
momeoto, já que pllblico e críticos estão coeficieote de obras que só valem por aos berros como se já tivesse a casa a
prontos a elogtá-lo na medida em que se uma boa prosa, ou por uma pe,.feita ver- arder. Repico o que disse há pouco:
1mpersonaliza cultivando o lugar-comum sificação, i~oncluiremos dai que a disci- iama faha de razão há entre nós, como
tradicional. Sabemos codos que actual- plina racional teria dado aos seus autores de intuição. E>já seria tempo que Antó-
mente se vem desenhando uma poderosa capacidade para ir mais além da boa nio Sérgio e os seus discipulos, usando
reacção concra essa ausência de critica; prosa ou da pe1feita ve1·sificação? Se dos seus princípios racionaliscas, apren-
contudo, daqueles que se dedicam a essa lhes faltou disciplina racional, não lhes dessem a distinguir intuição e cao11srno,
em_prêsa, alguns tomam por vezes, como faltou menos a riqueza emotiv~. intuição e puerilidade, lirismo e lógica, etc.,
o (..!uicbo1e, moinhos de vento por exér- No livro de Castelo Branco Chaves etc... E em vez de dar lançadas nos moí·
ci1os, e em vez de combacer os verda- êsse confusionismo aparece -nos ainda nhos de vento, abrissem todos os olhos da
deiros vícios da nossa cultura, perdem o mais nu, pois António Sérgio sempre se sua razão, se analisassem, e viessem enfim
tempo a esgrimir raivosameme comra defendeu de ser crítico literário, e, com dizer-nos claramente quais são os perigos
certos fantasmas que os obsecam.,- raras eir.cepções, as suas crh icas a obras da inmição, e onde estão manifestados.
Nes1e caso es1á, de cerco modo, Cas- de lilera1ura 1omam estas sob um pomo E então talvez nos pudessemos entender,
telo Branco Chaves com os seus Estudos de vista predominantemente social, como já que se averiguaria que a intuição de
Cl'íticos. E creio não errar a1ribuindo a por exemplo a obra de Junqueiro no tão que falam é bem diferente do que qual-
Amónio Sérgio grande responsabilidade discutido ensaio, ao passo que os Estudos quer pensador claro e lógico ( como um
na sua a1i1ude. Empenhou-se sempre C,-íticos pretendem apreciar obras e Bergson, que tanta espécie lhes faz, tal-
Amónio Sérgio em precaver-nos comra autores po1· si e em si. Assim, no pre- vez porque não percebem como um pobre
êsse vicio cão comum em escritores por- íáciordiz Castelo Branco Chaves: c ... 11esta intuitivo pode pensar com tama peneira-
mgueses: o abuso da retórica, o ver- época a11ti · intelectualista, fra11ca111eute ção, e exprimir-se com iama lógica e
balismo, o cuho da facilidade revelado desalenta da Raião, cuja actividade clareza) emende por intuição. )Não menos
na fabricação de laudas e laudas de prosa, o,·deuado,-a passou a ser tida em des- curioso é a maneira como no prefácio dos
ou verso, recamadas de adjec1ivos muito primor, a tudo basta11do a percepção Estudos Cl'íticos o autor aprecia o seu
sonoros, mas absolutamente falhas de se11síve/ - é quási uma 11ovidade usa,- da estudo sôbre An16nio Nobre: e ... ma11i-
sentido; e íê-lo muitas vezes mngiscral- Raião e 11ão da Intuição em fu11ç6es de festa uma atitude q11e 11ão é s11ficic11te-
mente. i\las pane daqui António Sérgio ordem i11telec/11a/. • Ponhamos de parte mente objectiva e critica. Hoje se o
para uma oposição, que se me afigura a larnemável confusão que levou o autor houvesse d~ escrever se,-ia, por ce,·to, de
demasiado simplificadora, e consiste em a identificar imuição e percepção sensí- uma maneira mais calma e mais Mcida.»
filiar cais vicias na excessiva impor1ância vel ;~quero crer que seja um lapso, pois Então, i porque o públicou 1 i E' isto ati-
dada à sensibilidade, e contrapor-lhe, como a não o ser, invalidaria por completo as tude de crhico, mais, atitude racionalista 1
antidoto, o culto da razão. Duma maneira suas afirmações, já que, segundo me Logo adiante tem o autor três linhas que
geral, pensa António Sérgio que há dema- parece, um dos mandamentos do racio- acabam de nos elucidar sôbre a criuca
siada sensibilidade, e demasiado poucas nalisia é saber o que significam as pala- racionalista. Afirma êle que a missão
idéas, na nossa li1era1ura. Assim se pode vras, e não as empregar à coa. Deixando do crhico cé e.,p/ica.-, escl.:.rece,·, orde-
ler, no prefácio ao I volume dos E11saios o lapso de lado, vemos que Cascelo Branco 11a1· mas 111111ca julgar., i Que grande
• •• • 11111 11ovo sargaço da 011da romântica Chaves apela para a razão (que êle me lentes de deformar usa Castelo Branco
-o bergsonismo - que com suas calú11ias desculpe não lhe dar maiúscula) como Chaves! j Como se fôsse possível expli-
à l11teligé11cia e seus dirirambos ao Sen- actividade ordenadora, e ao mesmo tempo car, esclarecer e ordenar, sem julgar 1
lime11to /o,-11ou mais caóticos os já caó- corno instrumento critico por excelência. i Mas o juízo es1á na base de tôda a
ticos, mais palavreil'os os iá ltisrtricos, Ora não compreendo o que é a razão actividade imelec1ual! l jJulgar-se há por-
mais ci11t11itivos, os já pue,-is, mais indis- para o autor dos Estudos Crílicos. Ou ventura l!sle crilico um maquinismo ana-
postas as almas /i.-istas a guiar co,,, será a crilica, para êle, o ac10 de pôr em lilico, capaz de desmontar as peças tôdas
lógica uma pa,.e/lta de idéas pelas co11- ordem 1 Se é apenas isso, talvez não da obra literária, de as pôr ali, uma por
gostas /6b,-egas do seu bes/tmto., Ora fôsse necessário lançar imprecações sôbre uma, tais quais, diante de nós, sem a
quer-me parecer que esta 1ranscrição a pobre intuição, pois a crítica que dela intervenção do juizo? ! 1Pois se a mais
revela suficiencemente a confusão estabe- se reclama não pretende apenas ordenar. breve e fugidia sensação envolve já um
lecida por António Sérgio entre senti- P ara que se possa ordenar, é preciso que ac10 de juízo 1
mento e pa/a1weiris1110, entre intuição e as sondagens tragam à flor da terra o A leitura dos estudos que encerra
falta de lógica, c1c. Vê portamo na falta que ordenar. E, porcanto, o problema êste livro vem confirmar a opinião for-
de lógica, de idêas, de disciplina racio- que se me afigura legítimo é o de averi- mada pela leitura do prefácio: Cascelo
nal, a causa das debilidades da nossa guar qual das duas é capaz de o fazer- Branco Chaves, afinal, só é objec1ivo (na
literatura, ao mesmo 1empo que nela La intuição ou a razão 1 Mas Castelo medida em que se pode ser objectivo ),
verbera a qualidade negativa de excesso
de sensibilidade. \-Mas tanto sofre a nossa
literatura de escassez de sentimento como
Branco Chaves desinteressa-se dêsse pro-
blema; deixemo-lo pois de lado.
quando está indiferente. Assim, o melhor
estudo do seu livro é o que diz respeito ..
Todo o mal, segundo êsre critico, a José Agostinho de .Macedo, o qual, sem

1 2
favor, é a melhor contribüição que conheço o qual não há artista que apreenda a criam cuidando agir. i Que lhe impor·
para o estudo dessa curiosa figura. Neste vida nos seus redemoinhos mais pro- tava a êle a acção! O que êle era, ou
excelente trabalho, quero porém apontar fundos. vaidoso, ou tarado, ou neurasténico ( es,
um deslise, e deslise que se deve preci- Uma das conclusões a tirar dêstes colham o termo que mais lhes agrade),
samente a razões já indicadas. Escrel'e o estudos é a de que o seu autor possui não pode, a meu ver, servir de régua
autor a propósito da poesia de Macedo: mais dons de historiador literário do que para medir o valor da sua poesia. Este
• Os ve,·sos que compõe são ffitos 11um prôpriameme de critico. Bem sei que pode estar na intensidade com que sen-
estado co11scie11te, 11ão 1111111 est<1do imasi- um historiador tem de ser crítico, sob tisse deotro de si a vaidade, ou a tara,
11ativo e po1· isso éles 11ão são só /rios, pena de não ser historiador; mas a his- ou a neurastenia. Um poeca como Nobre
q11a11to à forma, sã<>-110 também qua11to à tória literária, por ser trabalho de gene- só pode ser compreendido por quem
s11bstâ11cia.• Ora isto é pathos, do mais ralização, de síntese, ao qual para que abandone os preconceiros racionalistas
acabado; 1eis onde levam as profissões se vejam bem os conjuntos é indispensá- ou outros. Aqueles a quem a sua poesia
de fé racionalistas! Por pouco não la- vel que se sacrifique um pouco a análise toca bem sabem que não vão buscar ao
menta o autor a falta de intuição do poeta. detalhada das personalidades, exige con- Só e às Despedidas lições de confiança na
, Não estamos aqui a ver aqueles com- sequentemente um espírito apto a ,•er as vida, banhos de entusiasmo, ou a inter-
partime11tos esta11ques de que tanto fala grandes linhas claras mais do que as pretação de problemas transcendentes.
António Sérgio? Estado co11scie11te em profundidades obscuras. Ora, afi~ura- Vão, sim, comunicar com uma das vozes
contraposição a estado imasi11ativo (len- -se-me que o autor dos Estudos Cnticos que melhor souberam dizer as tristezas
tão não poderá um estado imaginativo possui maior capacidade para ver as e as agonias da solidão, a inquietação da
ser consciente 1), forma em oposição a grandes linhas do que para ver as pro- vida na previsão da morte próxima, os
substância. l E que será uma substância fundidas obscuras. Mostra-o, até, o afinco soluços do abandôno. Vão ouvir a voz
fria? com que defende o classicismo, e a ma- dum só: não terão a tola obstinação de
O estudo sõbre Eça de Queiroz exi- oeira como o defende. Como exemplo que êle seja o alto falante de sentimen-
giria uma análise para a qual não dispo- de que a sua visão critica se obscurece tos comuns a todos.
nho de espaço suficiente. Sendo uma perante os casos mais delicados em que Agrava ainda a infelicidade dêste es-
excelente comribu'ição aos estudos quei- só a compreensão dos ill/i11itame11te pe- tudo a acusação que lá é feita a Nobre
rozianos, o certo é que amiudadas vezes que11os nos pode servir de guia, temos o de responsável do pior nacionalismo que
nos revela que alguma coisa falta ao seu seu infelicíssimo estudo ,A11tó11io Nob,·e a parrtr de 90 s'e apossou de parte das
autor para ser um crítico. Se não levasse e o 11acio11alis1JJO literário.• Podemos mentalidades e sensibilidades portugue-
a mal, diria que lhe falta a intuição. E dizer que êste estudo é simbólico da sas. Repito: Nobre era um só, e não
que falta, mostra-o bem a definição que incompreensão do seu autor perante a lhe cabe a responsabilidade do que outros
dá de clássico ( pág. 78 e 79 ), a qual é poesia lírica. Castelo Branco Chaves é quiseram ver na sua obra. Pertencia ao
um encadeamento de abstracções; e dá-se mcapaz de compreender o fenómeno poé- número daqueles que ficam sempre à
até a humorística coincidência de negar tico ~uando êle é a expressão duma margem do mundo em que vivem os
o autor a afirmação de André Joussain modahdade pessoal e única. Veja-se: seus contemporâneos. Que vivem dema-
acêrca da subordinação das demais facul- O poeta, como todo o homem, 11asceu e siado por si e para si para lhes ser pos-
dades (?) à razão, no espírito clássico, há-de form~,·-sc pa,·a viver entre os ho- sível armar em defensores de ideais
depois de ter começado desta forma a ,.,,eus e Pª'"ª con111artilhar, ,nas con, nzais colectivos. Diz Castelo Branco Chaves:
sua definição de classicismo: , o que é iuteusidade imagi11ativa e psicológica, dos «O que admira, e e11tristece, é que A11/ó-
h1J111a110, verdadeiro e co•1forme à Ra,ão., se11ti111e11tos que fites são peculiares. Ele 11io Nobre ai11da seja apai.\·011adame11te
Tudo isto porque Castelo Branco Chaves deverá ser .211ti-egoísta, isto é, obj~ctivar estudado e que o 11acio11alis1110 de 90
pensa a arce em termos que podem con- a sua dor e os seus smtime11tos ... • Quere cative parle da mocidade de hoje.• Con-
vir às idéas, mas não lhe convêm a ela; dizer, o autor dos Estudos Críticos não fesso que nunca me sucedeu sentir-me
porque as idéas de jerarq11ia de elemm- admite que um poeta o possa ser preci- nacionalista depois duma leitura de No-
tos, de equilfbrio de faculdades, de parte samente pelo que em si há de incompati- bre; e creio que é necessário ter lido
em relação ao todo, ( expressões usadas ve I com os outros homens ; não consente melhor as Pala1,ras Louca, do que o
pelo autor), nada tem que ver com o que a poesia seja a expressão do drama Só, para atribuir a Nobre aquilo que,
fenómeno arcístico. Mas assim não pensa do isolamento, da anormalidade psicoló- por exemplo, um Alberto de Oliveira
certamente o autor dos Estudos Críticos. gica; não começa por ver se a obra de quis ver na sua poesia. E isso que nos
Cheio de observações felizes, o es- António Nobre é ou não a dum poeta : a importa 1 l Não foram sempre os poetas
tudo sõbre Eça contém um capítulo, «A sua primeira atitude é fixar certos prin- pretexto de divagações de que não são
falta de engenho patético,, talvez aquele cípios, e o que não couber neles não responsáveis? 1Co01ra as quais foram os
em que se encomram as suas mais pene- será poesia. E' a velha, a estafada con- primeiros a reagir? Já basta que o autor dos
trantes e originais observações sôbre o fusão da poesia com a moral. O poeta Estudos Cl'ilicos seja invulnerável à poe-
que faltou a Eça. Curioso é, porém, deve I E se o poeta é uma coisa, li que sia de Nobre ( a ponto de dizer que
que observando a falta de instinto dra- fôrças o poderão fazer diferente?! Diz não há nela c11ada que emoc1011e ou e,,.
mático, o autor dos Estudos C,·íticos não por exemplo que os fracos e cuidam ~a11te, (! ! ) ; _para que sobrec~rregar essa
ponha em dúvida a afirmação de Eça: agir chorando, la111mta11do-se, desespe- mcompreensao com um equivoco que o
• Si11to que possuo o processo como 11ill- 1·a11do-se. • i Mas não! Um António No- quer fazer passar por responsável do
g1!_lim, mas faltam me as teses . .. • Não, bre não pertence ao número dos que nacionalismo piegas? Nobre era Nobre :
nao ~ram as teses o que Jbe faltava, mas para os que o amam, um altíssimo poeta.
precisamente êsse instinto dramático sem ADOLFO CA3AIS MONTEIRO Que os outros o deixem em paz.

,
e o M E N T A R 1 o
EM VOLTA DE "A CANÇÃO DE LISBOA,,
Torna-se arrõjo falar de •A Canção ,Tobis Portuguesa, sãoactualmente ques- qualificar melhor os actos de quem ouse-
de Lisboa , : a não ser para a louvar. tão de interêsse público. Tocar em cA danificar um monumento nacional? Atre-
•A Canção de Lisboa , foi considerada Canção de Lisboa. -é conseq!lentemeate ver-se alguém a de longe ou perto, em
monumento nacional, e os int.:rêsses da garotice, vandalismo, intenção mâ. Como muito ou pouco, directa ou iodirecta

1 3
mente, cercear os legítimos anseios de euraordinária criança! -soube rir, aplau- de concentrar emoção e fantasia. Mas
.
lucro da «Tobis Portuguesa, - é querer dir, lJOSlar, em passagens realrneote admi- esta lição, apro,•eitável como lição e não
estrangular à nascença o cinema porru- ráveis, ricas de ironia e verdade, iguais corno manual de r eceitas e ·processos, foi
guês: Fôra lá possível fazer-se cmema ou superiores às do finíssimo René Clair . .. mal ouvida. T iraote em algumas passa-
em Portugal fora da cT obis , ?! Entravar, Souberam rir, aplaudir, gostar, - os crí- gens mais felizes, o cómico de •A Can-
seja por que mtio, as já tão palpáveis ticos lúcidos e bem intencionados. Q uem ção de Lisboa• é o grotesco puro, o
promessas de compensação monetária que não gostou foram os críticos de café, que cómico e110,.me. T ôdas as cenas em que
a nossa «T obis, merece (e não há dúvida julgam que se faz cinema com o fumo entram aquelas inverosímeis tias do Vas-
que a merece) é pois mero anti-patriotis- dos seus tristes cigarros ; os despeitados quioho são edificantes a tal respeito: A
mo (pois é atentar contra a vida do chis- e invejosos, que se roem com o triunfo intenção de fazer rir é tão marcada, que
toso recém-nascido) e é mais ainda: é dos outros; os quixotes que fazem mun- a gente ri, constrangido, por vergonba
desbumanidade ! E' atacar o pão de mui- dos e fundos, e não fazem a barba ; e os de não achar graça . . . Mas como achar
tas bôcas - é ousar tolher a criação duma mal-intencionados de tôda a espécie, da graça, espontaneamente, àquelas fijluras
nova indústria nacional. Estas tão e1•i- mais vulgar à mais rara. A mentalidade tão convencionais, àquelas cenas tao ar-
dentes verdades hão sido sustentadas ou e a moralidade dos incrédulos de « A rancadas aos palcos das nossas revistas
sugeridas depois da exibiçãc, de , A Can- Canção de Lisboa • ficou portanto esti· e farsas, àqueles enredos tão alheios à
ção de Lisboa , ; e como « mais vale gmatizada. observação da realidade, tão nascidos da
prevenir que remediar • , foram já suge- O ra eu também fui ver cA Canção nossa ma is baixa tradição teatral ... ? E
ridas ou sustentadas antes da exibição de Lisboa , ; até a fui ,,er duas vezes: dizem que é isto o cómico português
de , A Canção de Lisboa , . Não têm Os grandes filmes só se vêem à segunda ( como se Gil Vicente ou Camilo não
faltado jornais e revistas promos a de- ou terceira vez, e garantiam-me que es- partissem da observação e se não inspi-
sinteressadamente apoiar a filantrópica tava diante dum grande filme. Aqui para rassem numa visão pessoal!) dizem que
emprêsa : prevenir e desviar os ape· nós que ninguém nos ouve, o filme é acei- é isto o cómico português, êsses patrio-
drejos dos garotos, dos vândalos, dos tável como primeiro, e como filme comer- tas que julgam dever nosso cantar loas à
anu-patriotas, dos desbumanos. Alegra cial. Chega a ter momentos de boa té- «Canção de L isboa, ... por ela ser por-
e reconforta considerar os carinhos, as cnica e boa intenção cinematográfica: A tuguesa. Isto é simplesmente a mais
prevenções, as previsões, os cuidados, introdução em Lisboa por cima do T er- baixa esfera do cómico - em qualquer
de que tem sido rodeada a primeira reiro do Paço e do casario velho, ao som nação. Temos visto vários filmes ale-
produção 11acio11al: ante e post sua duma linda voz; a tradução da valsa da mães, em que tal cómico abunda. E'
vinda à luz. Beatriz por imagens de Cintra, com aquêle possfvel, sei lá!, que ainda divirta as
Nota à margem: O Sr. Leitão de fauno gordo, de chapéu alto, perseguindo massas ingénuas, como o seu penda11t
Barros, considerado inda há pouco legí- iofantifme,ite aquela ninfa de véu de noi- dramalhão, igualmente postiço, talvez
timo pai do cinema português, vê se pre- va; alguns episódios e imagens do arraial, ainda as faça chorar. Mas se o drama
sentemente obrigado a ceder tão honroso em que há movimento e r itmo; vários não dispensa a observação da realidade
titulo ao Sr. Coninelti T elmo. pormenores tão bem observados como para em verdade comover - o cómico
Mas até'qui, não encaramos a questão caricaturados nas cenas da Academia Re- vivo também a não dispensa para em
(e ligei rissimameote) senão sob seu aspe- creativa. Mas o resto é medíocre, se não verdade ser critica, sátira, ironia, humo-
cto nacional-social. Foquemo la um ins- mau, qunodo não péssimo: cena$ de rismo, esi:,irito, riso fresco. P rove-o. a
tante sob seu aspecto por assim dizer in- farsa e revista, fragmentàriamente liga- própria «Canção de Lisboa , , em que,
telectual e psicológico: Não reparou o das, atravts das quais se desenvolve um felizmente, também de longe a longe
leitor, inda cA Canção de Lisboa, não convencionalíssimo entrecho: A história o cómico brota doutras fontes. Quanto
raiara, em certos apelos de certas pre- dum cábula que se faz passar por dou- ao recurso a trocadilhos e piadas, uns
-críticas ao juízo do público?, e em cer- tor formado aos olhos dumas distantes de menos bom gôsto outros realmente
tas alfinetadas nos críticos, nos intele- tias endinheiradas, cuja indesejável vi- com piada, será tudo menos da natureza
ctuais, nos àrtistas, nos etc., etc.? E' sita o lança em aflições e apuros. Quem do cinema. Num filme em que o enrêdo
que há jornais e jornalistas com muita ainda não leu êste conto no teatro para é de farsa e a maioria dos episódios de
experiência: Sabiam de antemão, êsses, amadores? ou o não viu nas récitas de revista ; em que muitas das marcações
que o público, o grosso público, o da boa estudantes do liceu i E o caso é que são de construção teatral; em que os
laracha à portuguesa, o cujos sadios juí- nestes enredos Lisboa, e coisa boa e intérpretes, não indo mal de todo ( espe-
zos são categóricos, são prontos, são bem coisa linda», quási se não mostra, coi- cializo António Silva) a custo conseguem
soantes -gostaria. Gostaria, sim; como tada!, ela que tem tão saborosas, pito- no entanto disfarçar o seu profissiona-
gosw, ao mesmo tempo, de qualquer re- rescas ou grandiosas coisas a mostrar! lismo - tal superabundância de trocadi-
vista do «Maria Vitória• , dum passeio Quanto a canção. . . Preguntei a um mú- lhos, calembours, réplicas a h!mpo, acen-
com iscas, dum fado da Maria Alice, das sico meu amigo, rapaz íie gôsto e cul- tua ioevitàvelmente uma impressão alheia l.
piadinhas do Bocage, ou das palhaçadas tura, o que pensava da música de «A à natureza do género. Não é filmando
que por vezes a Adelina e a Maria Matos Canção de Lisboa,. Respondeu-me com teatro ( seja qual fôr) que se criará o
condescendem em servir-lhe ; como gos- outra preguma: «Música? 1. . . Mas que cinema nacional.
tava dêsse grande Cbaby que tanto o fez música?» A arraia miúda que, vendo , A Eis muito em resumo o que fiquei
rir, e êle alguma vez fez chorar dando-lhe o Severa,, imitou o Timpanas, a Dina Te- pensando depois de ver duas vezes o
horrível desg_ôsto do grande artista incom- reza, ou o Paradela no arraial de Santo filme do Sr. Couinelli T elmo. Pelo nome
preendido. Ora prever 9ue seria êste pú- António ( lá isso é um facto 1) - parece de ariista dêste senhor, não tenho senão
blico o verdadeiro apreciador de •A Can- estar de acôrdo com o milsico erudito e simpatia. Suponho que o mesmo senhor
ção de Lisboa,, a qual mereceria, na sensível: Desconhece a canção de «A saberá reconhecer os principais defeitos
mesma previsão, os reparos dos intele- Canção de Lisboa,. Ora tudo isto pode- do seu filme. Sei que não é r azoável
ctuais, dos artistas, dos críticos, - pode- ria ser resgatado por uma realização ou exigir maravilhas duma primeira realiza-
ria não só vir em desfavor de •A Can- intenção superiores. E já que a propósito ção; e que sendo imaginada e realizada
ção de Lisboa,, como revelar algo de de •A Canção de Lisboa» se tem ousado com intuitos sobretudo comerciais, «A
curioso sôbre a impressão íntima que falar no grande René Clair; já que a Canção de Lisboa, forçosamente deixaria
dela tinham êsses mesmos argutos previ- influência do delicioso realizador francês insa1isfeitos os espectadores um pouco
sores. Poderia, sim, se o grande público (sempre êstes franceses!) se adivinha de mais exigentes. Felizmente, até em Por-
fôsse tão talho de gôsto como o supõem onde a onde no nosso apregoado produto tugal se vê muito muito bom fi lme! Se
os onanistas das Torres de Marfim - e nacional - digamos que dos filmes de em outras artes nos falta o conhecimento
os intelectuais, os artistas, os críticos, do- René Clair também não ficam argumen- dos necessários termos de relação, em
tados dum certo senso SUJ)erior que lhes tos nem músicas : Fica, sim, a sua iro- cinema não falta : ainda que pese aos
atribuem os ingénuos. Ora provou-se nia, a sua visão profunda do quotidiano
justamente o contr~rio, como de antemão e do vulgar, a sua captação do pormenor,
que falando ou escrevendo para o público
dos nossos cinemas - desejariam diri-
...
se supunha: O grande público- essa o seu senso do cómico vivo, o seu poder gir-se (ou julgam dirigir-se) a um público

1 4
..
de caíres. E' pois o agressivo reclamo -patriota, de despeitado, de inú1il, de tado? •A Canção de Lisboa• não resist~
erguido em volta de , A Canção de Lis- quixotesco ou de critico de café, - se os a uma critica um pouquinho mais livre.
boa• que em parte a compromete: Vi-se não acompanhar no seu delirio batendo E dá vontade de a fazer - só para se
a gente qualificado de palerma, de anti- palmas a quatro mãos . . . Qual o resul- ser monstro completo.
JOSÉ RÉGIO

UMA INICIATIVA CULTURAL


O • Secretariado da Propaganda Na- a declarada amnésia do sr. Alfredo Pi- castiga, o que se diz azul quando lhe
cional>, de que é director o sr. António menta), presença vê·-se constrangida a apetece dizer vermelho, pode ser um
Ferro,autorconhecidoda LeJJia11a, da Teo- discordar. E a discordar para assim ga- santo, mas não é um escritor. O escri-
1·ia da Indifennça e de Salatar, criou re- rantir e afirmar os direiros do Espírito e tor é um profissional da verdade, da sua
centemente cinco prémios literários para a inalienável liberdade do Arrista. Fá,lo, verdade ( o precioso itálico é do sr. Antó-
que (diz-se na no1a publicada no Diárro de contudo, tanto mais à vontade quanto é nio Ferro), mesmo quando essa verdade
Notícias, de 29 de Novembro de 1933), •a certo que, nisso, se sente acompanhada pelo parece mentira•.
Poli1ica do Espírito seja, em Po rtugal, uma próprio director do organismo iostituinte Podemos, todav ia, admitir por momen-
realidade, e para que a nossa atmosfera dos prémios, - pelo sr. António Ferro. tos a legitimidade do critério enunciado
intelectual se anime de novos es1lmulos e Na verdade, são do auior da Viagem na eirada nota do Diário de Nolíci,1s.
de novos motivos de expansão ... • à 110/ta das Ditad11ras, estas palavras Mas, ainda assim, ocorre-nos preguntar:
Seria por todos os titulos louvável tal que merecem e têm o nosso desinteres- 1qual a medida a adoptar ao pretender
iniciativa se, logo de principio, os seus sado aplauso: • Uma literatura condicio, aferir-se a ,intenção amplamente cons-
possíveis bons resultados não es1ivessem nada, restrita, com e1ique1as, enfileirada trutiva • do romance, a ,mspiração bem
s~riamente comprometidos pelo critério em poletões, de continência, é uma lite- portuguesa, dos versos, o ,espirito nacio-
adoptado. ratura pobre, acanhada e anti-nacionalista, nal e renovador• do ensaio? l A existên-
A nota do Diário de Notícias diz, mesmo quando se diz nacionalista. Uma cia dum herói que morra pela Pá1ria, oo
entre outras coisas que agora nos não literatura é uma literatura, no sentido primeiro?; las plangências do fado, aos
interessam, o seguinte: amplo da palavra, com cabeça, tronco e segundos?; <a descoberta duma vocação
e Eis, num breve resumo, as bases e membros, quanao não quere ser isto nem nova para Portugal, ao terceiro? <j Q uem
condições a que está sujeita a concessão aquilo, quando tem o colorido dum mapa. poderá ou ousará dizê-lo?!
dos prémios mencionados: C ada região, cada côr, . Depois l como conciliar a tendência
, a) Prémio Eça de Q11efro{-1) O Mas continuemos. Nas condições do corporativa e anti-individualista do Estado
Prémio Eça de Queiroz será atribuído ao concurso fala-se em servi r «uma inten- com o feroz individualismo que é caracte-
melhor romance português, publicado de ção amplamente construtiva• ( para o r ística essencial do romance? Ah! mais
r de Julho de 1933 a , de Julho de 1934, romance); em , firme crit<irio pa1rió1ico• uma vez tem ra1.ão o sr. António Ferro.
não inferior a 200 páginas, e que sirva uma ( para o livro de ,evolução, análise ou Ao ser-lhe prcguntado se, para si, •a
intenção amplamente constru1iva .. . .. . •; rectificação histórica,); em • in spiração personagem essencial da obra literária,
cb) Prémio A/e.~·a11d1·e Hercula110- bem portuguesa e mesmo, de preferên- no nosso tempo, é o individuo, ou o
1) O Prémio Alexandre Herculano desti- cia, um alto semido de exaltação nacio- g rupo social que o enquadra• , o sr. An-
na-se ao melhor livro de evolução, análise nalista» ( para o livro de versos, poema tómo Ftrro respondeu: cO indivíduo,
ou rectificação histórica, publicado de 1 ou poesia sôlta) ; em ,espírito nacional e sempre o indivíduo. O individuo é mais
de Julho de 1933 até I de Julho de 1934, renovador• (para o ensaio); e, fioalmeote, vasto do que o grupo social, e eu estou
no 9ual sejam estudados, dentro dum firme em • assunto de largo alcance nacional • quâsi a d izer que não é o grupo social
criterio patriótico, um vulto ou um período (para o artigo, reportagem ou mquérito). que o enquadra, mas êle que enquadra o
importante da H istória de Portugal . .. ,; Num pais de insignificante mercado grupo social. Assim como o cenário é
, c) Prémio A11terodo Quental- 1) O do livro, num pais ainda em que todos uma criação do espirit0, assim o grupo
Prémio Antero do Quental será arribuido os artistas se vêem atormentados pela social é uma criação do individuo. Não
a obras de duas categorias: a) Ao me- acção de muitas e opostas fôrças, o apa- nos interessam as almas em série, inte-
lhor livro de versos, não inferior a 100 pá, recimento de prémios tendentes à melho- ressa-aos esta e aquela alma. . . Nós
ginas, que seja publicado de I de Julho ria do ambiente e à melhoria de produção estamos vivendo, justamente, uma hora
de 1933 a I de Julho de 1934, e em que é coisa digna de todo o louvor. Há, po- individualista, a hora dos Azes, dos dita-
se revele uma inspiração bem portuguesa rém, um minimo de princípios que é dores, das vedetas. A vitória do indiví-
e mesmo de preferência, um alto sentido preciso ter em conta, desde que se não duo sôbre a classe (que triunfa com êle),
de exaltação nacionalista: b) A um poema, queira reduzir o artista a servidor de sôbre a seita, sôbre a nação•.
ou poesia solta, onde as mesmas qualida- qualquer doutrina ou seira. A política Eis o que, ajudados pelo senhor dire-
des e intenções se manifestem .. ..... • ; do espírito (parece-nos), faz.se não redu- cror do « Secretariado da Propaganda
cd) Pré11110 Ramalho Orligáo - 1) O zindo os artistas a panlletários mas antes Nácional • se nos oferece dizer sôbre os
Prémio Ramalho Ortigão é destinado ao libertando-os das contingências escraviza- prémios literários agora criados. E' pos-
melhor ensaio publicado em volume ou doras da sua vida e da sua personalidade. sível, contudo, que se mantenha o crité-
revista, de I de Julho de 1933 a I de Ju- Isso mesmo o viu e o definiu um dia o rio apresentado. No imuito honest0 de
lho de 1934, escrito por um auior porru- sr. António Ferro. São dêle até estas ser úteis ao júri, propomos desde já os
guês, e no qual se analise um alto pro- palavras certíssimas: «Impossivel escre- seguintes nomes, para qu;: sejam Eles o
ble~a de cultura dentro dum espírito ver com estatuto e regulamento discipli- contemplados: P,·émio E-ça de Qutil'o;:
nacional e renovador .......•. . .. ... • ; nares. E' sempre uma literatura liceal, o sr. Antero de Figueiredo; Prémio
. •e) Prémfo A11tó11io E11es - 1) O de ponto escrito, aquela que se faz com Alexa11dre H e1·cula110: o sr. Alfredo Pi-
Premio António Enes destina-se a um a preocupação da palmatória ( no nosso menta ; P,·émio A11lero do Q11e11tal: o
artigo, a uma reportagem ou a um inqué- caso, - o prémio). Arte e liberdade são sr. António Corrêa de Oliveira; P,·émio
rito, publicado de I ele Julho de 1933 a
1 de Julho de 1934, em que um jornalista
~uási palavras sinónimas. Há cerramente
limitações à liberdade, mas essas limita-
Ramalho Ortigão: o sr. João Ameai; p,.,_
mio A11t611io E11es: o sr. António Ferro.
portuguê.s 1rate qualquer assunto de largo ções não são impostas pela vontade do
alcance nacional ....................•. individuo, mas inconscientemente, pelo Nota : As palavras do sr. António
ln?epende~t.emente de quaisquer pre- seu temperamento, pelo seu natural bom Ferro são transcritas da sua resposta a
conce!tos. pohuco!, porque a todos se gôsto, pela sua formação moral e até pela um inquérito aberro pelo sr. João Ameai
maotem igual e malteràvelmeme alheia obra de Arte•. E ainda, logo adiante : no Diário de Noticias e aí publicada
( diga-se mais uma vez tendo em atenção • •.. o (escritor) que se tortura, o que se em 5-5,1929.
A. N.

1 5
' 4' HE<).,.
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n.
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COIMBRA: N A ADMINISTRAÇÃO DA pres e nça E LIVRARIA
A T L A N TI D A, R U A F E R R E I R A B O R G E S.
4-

P O R TO: LIVRARIA TAVARES MARTINS, RUA DOS CLÉRJGOS.


LISBOA: P O R T U G A L 1 A, R U A D O C A R M O.

() s
eduardo lobo - infinitismo - livro 1: lógica adolfo casais-e o n t u s ã o.
e m e t a f í s i e a. monteiro
sôbre o ensino das mate-
máticas elementares. afonso duarte - os 7 p o e m as I í ri e os.

joão gaspar - t e m a s. adolfo rocha - r a m p a.


s i m õ e s tendências do romance
edmundo de - o momento e a legenda.
e o n te m p o r ã n e o .
betten court
luizcardim-semb l antes do francisco-m a r g e n s.
f a u s t o - g o e t h e. bugalho

fausto josé - p a n a t o.
josé régio-b o g r a f a.
joão gaspar-e 6 1. lui z guedes - s u b s o o.
simões
saúl dias- . .. maís e mais .. .

'I F ·1{ O: PlB • .,,. ...~ .. _,,._ . . . ,;::. A',.....

branquinho-a posição de guerra: ú o-masica: desenhos


da fonseca drama em um ac:to. gravados em linol.

no prelo:
f a u s to j os é-r e m o í n h o
antónio nobre-cartas inéditas
josé ré g i o-jôgo da cabra cega
mário de sá-carneiro - i n d í c i o s d e o i r o

DIRECTORES JOÃO GASPAR SIMÕES RUA J. A.

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