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A proposta desta trabalho é mostrar que o computador pode e deve ser usado em
ambientes de aprendizagem musical de forma a aliar as tecnologias emergentes (as NTIC)
à nova linguagem musical que está pouco presente na educação atual. Estas novas
ferramentas não devem ser substitutos e sim auxiliares dos educadores e desenvolvidas a
partir das experiências pedagógicas acumuladas por estes profissionais. Somente através
da formação contínua tanto musical quanto tecnológica pode criar cumplicidade entre
educadores e estas novas ferramentas.
A estrada que liga a música e a tecnologia é uma via de mão dupla. O progresso
científico traz avanços no fazer musical, e das necessidades deste fazer, a tecnologia sai
em busca de soluções. É uma estrada antiga e sempre em crescimento que passou pela
construção e evolução de todos os instrumentos musicais.
Esta aliança se dá também no âmbito do entendimento teórico das propriedades do
som. Foi Pitágoras, filósofo e matemático grego do século VI-V a.C., quem estabeleceu as
relações matemáticas entre as freqüências das notas da escala maior. Na Renascença
Leonardo da Vinci, fusão personificada da arte e ciência, propõe uma série de
aperfeiçoamentos aos instrumentos de música da época. No Barroco, com o sistema
temperado, que é a determinação exata da freqüência das notas, do ponto de vista
matemático e não do acústico, propiciou-se aos compositores a possibilidade de usar todas
as tonalidades numa só composição e isto foi explorado na seqüência por J. S. Bach na sua
obra genial “Cravo Bem Temperado”. A construção de instrumentos de corda mais
sonoros (a família dos violinos) possibilitou orquestras e teatros maiores. O piano, com
sua gama de matizes de intensidade, deu aos compositores possibilidades imensas para a
manipulação deste parâmetro sonoro que foi explorado com profusão no Romantismo. É
da necessidade estética da música que surgem o temperamento e os novos instrumentos,
frutos da ciência, ou é o aparecimento deste que produz uma nova necessidade estética? O
que nasceu primeiro? Não importa a ordem, mas sim a parceria antiga e sempre renovada
que os funde e se confunde em sua origem. A palavra tecnologia vem do grego - techne -
que significa arte e logos que significa palavra ou discurso. Tecnologia então vem a ser o
caminho, a soma total dos meios, pelos quais os objetivos estéticos e objetivos do fazer são
atingidos.
Vivemos num século onde o progresso da ciência transformou as formas de
percepção de tempo e espaço e isto se traduz em arte e isto se traduz em música. Novas
percepções geram a necessidade de novos meios, novos instrumentos, novas ferramentas
para gerar os novos objetos sonoros que gerarão a nova música.
“ o momento que vivemos é, sob vários pontos de vista, único. Único porém não só pelas
limitações que imprimem mal-estar, em decorrência de estado de “ des-perspectiva” para a
educação em geral, artística e musical em particular. Único também não apenas pelo incômodo
profundo causado àqueles que têm convicção - originada por anos de trabalho, reflexão e
experiência - de que a música é mais, muito mais de que um simples luxo ou prazer “
desnecessário” . Mas é único ainda na medida em que acreditamos que “ música” representa
tanto uma dimensão sensível fundamental no ser humano, quanto constitui-se num importante
patamar, onde não meramente se assenta mas, sobre o qual se desenvolve uma legitima cultura.”
(Kater, 1990)
“No entanto as músicas criadas hoje, o que delas nos propõe, o que delas participamos
pouco tem a ver com a “música” tal qual é ensinada de hábito nas escolas.” (Kater, 1990)
PRIMEIROS PASSOS
Com a Aldeia Global os compositores passam a conhecer, explorar e incorporar à
sua música não apenas todos os matizes timbrístico dos instrumentos asiáticos, africanos,
indígenas, mas também os padrões rítmicos e melódicos destas culturas. As estéticas e
filosofia de outros povos passaram a ser a fonte de inspiração tanto de compositores como
John Cage, Messiaen como dos Beatles.
Com o aparecimento dos sintetizadores e dos computadores toda uma nova
extensão sonora passa a ser explorada pela criação musical, derrubando as antigas
barreiras físicas, possibilitando experimentos com timbres, velocidades radicais, audição
imediatas de criações. Esses recursos já eram ansiados por muitos compositores que não
encontravam mais nos recursos oferecidos pela tecnologia de seu tempo as ferramentas
necessárias para sua expressão.
“ ...comecei a conceber a música como sendo espacial, como corpos sonoros movendo-se
no espaço concepção que desenvolvi gradualmente e fiz minha. Compreendi logo que seria difícil
ou impossível, exprimir com os meios colocados a minha disposição as idéias que me ocorriam.
... Nosso alfabeto é pobre e ilógico. A música, que poderia ser viva e vibrante, necessita de novos
meios de expressão, e apenas a Ciência pode introduzir nela a seiva jovem. ... Sonho com
instrumentos que obedeçam ao pensamento - os quais, sustentados pela florescência de timbres
inimagináveis, permitirão a eles qualquer combinação que eu escolha para impor e submeter às
exigências do meu ritmo interno.” (Várese in Moraes, 1983)
“A música experimental adentra a nova época sem ter sido ouvida por ninguém. Um dia
será ouvida? Cabe ao futuro criar os beethovens incompreendidos? Pouco provável, já que até
Beethoven teve seu bom quinhão de público enquanto viveu...Ouviu-se no fim do século 20 a
separação entre os setores da produção e do consumo musicais. Aproximá-los é a meta atual de
todo empresário da área. Mas os músicos renovadores continuam a ignorar prioridades
mercadológicas. Vivem numa torre de marfim. Querem ser enterrados como enigmas... Os
músicos, cada vez mais cientistas, perderam o poder de fazer o papel de "antenas da raça", como
dizia Ezra Pound. A raça não quer antena. Quer diversão” (Giron, 1994)
Ser a “antena da raça” não é captar o obvio ululante forjado pela mídia paga, e
bem paga, pelas prioridades mercadológicas.
Stravinsky (1996), que foi um dos alvos principais da crítica do inicio do século,
cita na sua conferência “Tipologia Musical” alguns destes desafinos da crítica musical,
como os do escritor alemão Scheibe quando em 1737 escrevia sobre a obra de Bach:
“Esse grande homem seria o objeto da admiração universal se fosse mais agradável e
não estragasse suas composições com coisas bombásticas e confusas, e se, por um excesso de arte,
não obscurecesse a beleza dessas peças.”
Beethoven também não escapou. Trinta anos depois de sua morte um compositor
famoso de nome Ludwig Spohr ouvindo a Nona Sinfonia afirmou que faltava a seu autor
uma educação estética e um “senso de beleza”.
b) Novas formas
“Há uma idéia, a base de uma estrutura interna, que se desenvolve e se manifesta em
diferentes módulos ou grupos de sons, que mudam constantemente de intensidade, de direção e
de velocidade atraídos e repelidos por diversas forças. A forma da obra é o produto desta
interação. As formas musicais possíveis são tão ilimitadas quanto as formas exteriores dos
cristais.” (Varèse)
“...em colaboração com o engenheiro, o compositor um dia será capaz de apertar um botão e
a música será processada como concebida pelo compositor. Entre o compositor e o ouvinte nada
de prisma deformante, mas a mesma e íntima comunhão como a que existe entre escritor e leitor”
(Varèse).
“Procurar definir música - que de toda forma não é um objeto, mas um processo - é um
pouco como tentar definir poesia: trata-se, pois, de uma tentativa felizmente impossível, haja
vista a futilidade que existe em querer traçar os limites que separam a música do que não é mais
música, entre a poesia e não-poesia.” (Berio in Moraes, 1983)
1) Multicultural
a) Ampliação do conhecimento sonoro das várias culturas, seus instrumentos
musicais e formas de organização sonora;
b) ouvir sons e escutá-los, percebê-los sem julgá-los, apreciando-os pela sua forma e
textura, sem preconceitos;
c) utilizar todo o universo mítico e trivial dos vários Brasis e das várias culturas
como ampliação da fonte de estímulo para a criação e não como limite ou pura
reprodução. Por exemplo improvisar e/ou compor tendo como estímulo os sons
da floresta e dos seres imaginários ou não que lá habitam.
“Entre os índios Kamaiurás, a música também pode incluir sons não-humanos elaborados
pelo homem: sons de animais e de coisas inanimadas como vento, folhas, etc. Usando a voz como
veículo da palavra, ou a palavra como jogo sonoro (sem preocupação com o significado do
vocábulo), há de haver sempre um pensamento musical, uma intenção musical para que haja
música” (Santos, 1994)
2) Interdisciplinar
d) Promover a integração da música com as outras formas de expressão com a
utilização de imagens, palavras, movimento como pontos geradores para a
experimentação e criação musical.
e) Compreensão científica do fenômeno acústico. O computador nos dá a
possibilidade de manipular e trabalhar os parâmetros sonoros - altura, duração.
dinâmica, timbre e espacialização).
“A possibilidade de uma produção criativa, pessoal e inédita, permite que a música se torne
um espaço especial na construção da subjetividade. A criatividade musical, no entanto, não está
desvinculada da criatividade em qualquer área, porque a bifurcação para além do estabelecido,
que ela pode realizar, é um aspecto necessário ao processo cognitivo geral. Por tudo isso vejo a
“criança aprendendo música” como um momento interdisciplinar, que tem na sua complexidade
o cruzamento de muitos saberes.” (Manffioletti, 1994)
3) Criatividade -
“...maneira de dizer as coisas do indivíduo, não de segunda mão” (Paynter, 1970)
a) brincar com os sons da mesma forma brincamos com cores, formas e argila, um tatear
sonoro, modificando o timbre, altura do som, experimentando as velocidades mais radicais,
etc. sem preocupação de organizar esse material.
b) Improvisar com sons, inventar as regras que conduziram essa organização sonora do
momento sem medo de ser feliz...
c) conhecimento das técnicas e estéticas da composição contemporânea.
d) conhecimento das técnicas e estéticas da composição eletrônica.
“A educação artística deve ser, antes de tudo, a educação desta espontaneidade estética e
dessa capacidade de criação que a criança pequena já manifesta; ela não pode, menos ainda que
todas as outras formas de educação, contentar-se com a transmissão e a aceitação passiva de uma
verdade ou de um ideal já elaborados.” (Piaget, 1968)
“Não se pode negar que o ensino de música na imensa maioria das escolas de 10 e 20
graus é sumariamente secundarizado e, quando presente, não passa de uma forma de
“passatempo institucionalizado”, cujo objetivo central costuma ser as apresentações corais,
instrumentais e coreografias nas festas da escola.” (Fonseca, 1990)
REFERÊNCIAS
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FONSECA, João Gabriel M.. Porque Educação Musical Cadernos de Estudo -
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KATER, Carlos Editorial - Música e Musicalidade, Percursos em Suas Fronteiras,
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KATER, Carlos Música e Musicalidade, Percursos em Suas Fronteiras, Cadernos de
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