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São Gonçalo
2012
Alessandra Tavares de Souza Pessanha Barbosa
São Gonçalo
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHD
___________________________________ _____________________
Assinatura Data
Alessandra Tavares de Souza Pessanha Barbosa
São Gonçalo
2012
DEDICATÓRIA
Chegar até o momento dos agrecimentos tem um sabor ímpar - quem já ficou
às voltas com um trabalho acadêmico sabe bem do que estou falando. É um misto
de satisfação por ter terminado e com um tanto de nostalgia pelo que passou - um
pouco como os idosos de Ecléa Bosi ao evocarem a memória de suas vidas.
Tia Eulália tem uma fala que muito me impressionou neste caminho de
pensar a memória: mesmo na dificuldade era bom. Diante deste prisma faço de
suas palavras minhas, para traduzir um pouco do que se passa comigo neste
momento. Minhas identidades de mulher do século XXI foram colocadas à prova.
Ser estudante e ter de equilibrar o constante chamado para ser a mulher
multitarefas, mãe, esposa, filha, neta, tia, irmã, dona de casa e trabalhadora, já é
em si uma dificuldade, mas daquelas da tia Eulália: difícil mas boa. Assumindo
todas as minhas identidades, as enumeradas e as que talvez não se percebam,
posso dizer: - uffa!
Naturalmente que este percusso não foi feito sozinho. Tenho em minha vida
diversos parceiros que me ajudaram a manter o equilíbrio e seguir em frente.
Para começar, quero agradecer a Deus, Mestre querido, pela oportunidade
de estar aqui, passando por todos estes momentos em direção ao
desenvolvimento. Agradecer à base da minha vida: minha família, minha equipe, a
razão eterna do meu prosseguir. À minha mãe Clarisse e minha irmã Monica,
pelas inúmeras palavras de incentivo que só uma Tavares de peruca forte sabe
fazer, e pelos vários sequestros consentindos do meu muito falante, Joãozinho,
para a casa da vovó e da titia.
Aos meus amigos queridos, malungos das primeiras viagens, que guardo de
longa data: Kaline, Pc, Marcelo e Tica pelos momentos de descontração e
incentivo. Às minhas amigas e vizinhas Zê e Larissa, pelos vários socorros de
computador e impressora - foi em um desses socorros que vi meu nome na lista
dos aprovados no mestrado. À minha amiga Elaine Maciel, pela presença
constante ao longo de todo o trabalho com suas leituras sofisticadas e pelo
incentivo nos momentos frágeis. Aos meus malungos de mestrado, amigos
companheiros que fiz no trabalho diário, nas aulas e nas várias discussões nos
almoços na Uerj: Carine Neves, Carlos Torres Filho, Rafael Mello, Fernando M. da
Mota, Walter Barreto, Luciana Neco, Tatiane Queiroz, Angela Pimenta, Henrique
Mendonça, Daniele Lopes. E em especial às minhas amigas Marta Ferreira e
Natália Crivello, que compartilharam a travessia de duas cidades em direção ao
subúrbio do Rio de Janeiro, parte deste trajeto na nossa tão conhecida minhoca
de metal, o trem, onde entre vários picolés da MoleKa, no calor inclemente -
realidade bem conhecida de todo suburbano - discutimos boa parte dos trabalhos
que desenvolvemos no programa.
Quero agradecer aos meus alunos e amigos de trabalho do Colégio Primeiro
de Maio, pelo incentivo e por me ajudarem a me equilibrar entre minhas múltiplas
identidades.
Ao amigo Jorge Luíz, que abriu as porta do Império Serrano, onde fui
recebida com muito carinho pelos membros da Velha-Guarda, em especial à Dona
Vilma, Dona Pedrina, Sr. Mazinho e Sr. Hélio. Pelas horas roubadas de nostágicas
lembranças de uma vida dedicada à escola de samba do coração, e da vida. Aos
meninos do setor de pesquisa do MIS Lapa, Luiz Antônio e Valter, pela grande
gentileza de me receber.
Ao Programa de Mestrado em História Social, por ter me acolhido ainda com
um pré-projeto amplo, que foi sendo delineado ao longo do caminho. Muito
especialmente à minha orientadora Iza Quelhas, pelo respeito e tranquilidade com
que me ajudou a decidir quais caminhos tomar; pessoa que entrou na minha
história e além das questões acadêmicas me fez pensar em como ser forte e
exigente sem desrespeitar os processos do outro. Agradeço ao Marcelo
Magalhães e à Helenice Rocha pelas excelentes aulas que contribuíram muito
para o desenvolvimento do trabalho e pela disponibilidade em fazer parte da
banca apreciadora deste trabalho. E por último e não menos importante, aos
secretários do programa, Andréia e Vinicius, que diante da grande burocracia
muito se esforçaram, contribuindo para que tudo corresse bem nesse amplo e
árduo processo de aprendizagem.
RESUMO
INTRODUÇÃO 11
1 PROVAREMOS AO SUBÚRBIO E TODA A CIDADE 22
1.1 As escolas de samba: identidade e comunidade 22
1.2 Madureira: a capital do subúrbio - capital do samba 29
1.2.1 A ocupação do subúrbio da central 30
1.2.2 Modernização e segregação espacial no Rio de Janeiro 36
1.3 O morro da Serrinha 38
1.4 A construção do lugar social 42
2 O SAMBA DO CONCURSO NÃO ERA AQUELE 45
2.1 Memória e História 45
2.2 Memória coletiva e memória individual 51
2.3 A memória em campo 53
3 E A NOSSA UNIÃO CONSAGROU 68
3.1 Espaços familiares 68
3.2 Rede social, rede de família e sociabilidade 77
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 92
REFERÊNCIAS 96
ANEXO A - Transcrições das entrevistas 103
ANEXO B - Histórico da Fundação 143
10
INTRODUÇÃO
ideia de que o homem estabelece uma relação dupla, em que ao mesmo tempo é
individual e coletivo. Neste caso, a identidade coletiva é sustentada através de
interações entre os indivíduos.
O rompimento com a dualidade entre o coletivo e social na constituição das
identidades pode ser encontrado na constituição das memórias. Na direção da
construção de um discurso memorialista, que dá continuidade à identidade aos
grupos, a memória seria um elemento constituinte de um sentimento de identidade,
que dá coerência e continuidade às memórias coletivas. Segundo Pollack:
2
POLLACK, Michael. “Memória e Identidade Social” (artigo). In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, 1992,
p.204.
3
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós- modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.8.
12
4
VIANA, Luiz Fernando. Geografia Carioca do Samba. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004, p.76.
13
5
Segundo Sérgio Cabral, o acervo do jornal Mundo Sportivo se perdeu, as notícias que envolviam sua
participação como instituição promotora do evento pode ser pesquisada através de outros jornais da época. Ver.
CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
6
Estatuto da União das Escolas de Samba 1934. Apud. CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
7
Antônio dos Santos. Nascido em 1911.
8
Este samba ficou conhecido também como “A Conferência da Paz”.
14
Oliveira e Mano Décio da Viola, pelo samba “Alto da Colina”, de Albano, que não
tinha ligação com o tema do desfile, revoltando componentes e compositores.
Segundo a narrativa local, teria sido por conta da substituição do samba que
a Prazer da Serrinha obteve o décimo primeiro lugar no campeonato das Escolas de
Samba 9 . Eulália do Nascimento 10 , ao narrar os acontecimentos do desfile de 1946,
reforça o discurso local a este respeito:
12
CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
13
VIANNA, Luiz Fernando. Geografia Carioca do Samba. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004.
14
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O Império do Samba. José Olympio, 1981.
15
16
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: dos terreiros aos palcos. Rio de Janeiro: Giorgio, 1995.
17
Praticantes do jongo.
18
BOY, Dyonne Chaves. A construção de um centro de memória na Serrinha. 2006. Dissertação de Mestrado
Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais – Centro de pesquisa e documentação de História
Contemporânea, Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2006.
19
OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-enredo.
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.
20
RIBEIRO, Ana Paula Alves. Samba São Pés Que Passam Fecundando O Chão... Madureira: Sociabilidade e
conflito em um subúrbio musical. Rio de Janeiro: UERJ, 2003. Dissertação: Mestrado em Ciências Sociais.
16
21
Foi compositor de muitos sambas dentre estes “Aquarela Brasileira”, sendo o compositor com o maior
número de sambas-enredo, com 14 no total, apresentados nos carnavais pelo Império Serrano. Nascido em
1916.
22
VELHO. Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed. 2003, p.103.
23
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (Brasil). Depoimentos para Posteridade: Escola de Samba Império Serrano.
Rio de Janeiro, 1968 e 1984.
17
material que serviu como fonte para a pesquisa. Foram selecionadas pessoas que
participaram da GRES Império Serrano no período de sua fundação ou que tiveram
participação nos anos iniciais da escola. Foram realizadas entrevistas com homens
e mulheres que participaram ativamente no período compreendido pelo recorte
temporal da pesquisa e que ainda hoje exercem algum tipo de trabalho efetivo
dentro da escola de samba.
O enfoque temático das entrevistas, realizadas no período de 2010 a 2011,
circundou questões referentes ao Império Serrano e às relações dos indivíduos com
a agremiação. Assim, o método de entrevista considera que a memória coletiva não
está desassociada da memória individual, ou biográfica, então cada evocação sobre
a escola de samba aparece permeada pela história de vida do entrevistado. Verena
Alberti ressalta sobre a relação do método:
24
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3ª Ed. Rio de Janeiro: FGV. 2005, p.38.
25
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral: Memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica,
2006.
18
Nasceu lá na Serra
Uma linda flor
E a nossa união consagrou
Império Serrano quando nasceu
26
Foi mais uma estrela que apareceu.
Provaremos ao subúrbio
e toda a cidade
que nosso sonho foi realidade
meu Império eu lhe digo a verdade
o momento pr’a nós é muito sério
oh! meu Império... 27
26
OLIVEIRA, Antenor Rodrigues de. Sem título. 1947.
27
OLIVEIRA, Silas e Orlando. Rio de Janeiro. [entre 1947 e 1948]. O samba em questão é conhecido pelos
pesquisadores e frequentadores da escola de samba, mas não se tem uma ficha técnica que informe o ano e o
nome da música; sabe-se unicamente que foi um dos primeiros sambas compostos por Silas de Oliveira em
exaltação à nova escola de samba.
28
OLIVEIRA, Sebastião. Quase que chorei. Rio de Janeiro, 1947.
19
Nasceu lá na Serra
Uma linda flor
E a nossa união consagrou
Império Serrano quando nasceu
29
Foi mais uma estrela que apareceu.
29
OLIVEIRA, Antenor Rodrigues de. Sem título. 1947.
30
NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares” (artigo). In: Projeto História. São Paulo,
nº 10, dez. 1993, p. 7-28.
20
33
Para Leopoldi , as características das escolas de samba em seus anos
iniciais foram baseadas nas relações de vizinhança. A proximidade geográfica é
destacada pelo autor como aspecto de congregação dos indivíduos. Na construção
das identidades coletivas, o indivíduo adequa-se aos costumes e valores dos grupos
31
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.8.
32
Ibidem. p.13.
33
LEOPOLDI. José Sávio. Escola de samba, ritual e sociedade. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2010, p.94.
21
34
Desde a década de 1970, a Geografia Humanística tem buscado uma análise que aborde o espaço vivido
pelos seres humanos como fundamento de investigação. Esta abordagem percorrida pela Geografia tem gerado
diversos trabalhos que buscam interpretar como o homem se apropria, se relaciona e se utiliza do espaço no seu
cotidiano.
35
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. 1930. Tradução de Lívia de Oliveira, São Paulo:
Difel, 1983.
22
As escolas de samba são agremiações que foram, nos seus anos iniciais,
constituídas por pessoas que habitavam o mesmo lugar e que congregavam o gosto
pelo carnaval. As bases da relação das escolas de samba com o lugar são os
“sambistas moradores” 37 , pois são estes, de maneira geral, que ensaiam durante o
ano, participam de eventos em datas diferentes do carnaval (quando levam o nome
e a bandeira da escola, e com eles o seu lugar). As escolas de samba, neste caso,
são vias de comunicação entre as comunidades periféricas e a cidade de modo
geral.
A noção de pertencimento a um lugar é um caminho para a construção e/ou
manutenção de identidades individuais e coletivas através das escolas de samba.
Para Cavalcanti, a vinculação ao local onde se encontram as sedes das escolas de
samba é até hoje uma de suas características básicas, uma vez que muitas delas
trazem o bairro no seu nome. No entanto, para a autora, a relação afetiva do grupo
ligado às escolas de samba com o local de origem ganhou proporção ao longo do
tempo, na medida em que os sambistas perceberam, em determinado momento,
que a questão local é um elemento de crescimento da comunidade, uma vez que:
(...) o termo “comunidade”, tão usado pelos membros das grandes escolas,
repórteres e comentaristas de televisão, refere-se menos à mitificação de
uma suposta origem do que ao necessário enraizamento de todas as
36
MELLO, J. B. F. “Geografia Humanística: a perspectiva da experiência vivida e uma crítica radical ao
Positivismo” (artigo). In: Revista Brasileira de Geografia, nº52, p. 91-115. Rio de Janeiro, 1990, p.102.
37
Ao longo do tempo, estas agremiações incorporam diversos elementos externos, pessoas que não
necessariamente moram na região sede da escola de samba, mas que se aproximam em épocas de carnaval.
Os primeiros autores a trabalharem com o movimentos de grupos sociais exteriores às comunidades de origem
das escolas de samba foram : GOLDWASSER, Maria Júlia. O Palácio do Samba: estudo antropológico da escola
de samba Estação Primeira de Mangueira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975. e LEOPOLDI. José Sávio. Escola
de samba, ritual e sociedade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.
23
38
CAVALCANTI, Maria Laura V. C. Carnaval carioca: dos bastidores aos desfiles. Editora UFRJ/Minc/FUNARTE,
1994, p.25.
39
Um dos momentos de destaque nos desfiles das escolas de samba é quando a escola se coloca em posição
de entrada para desfilar e os intérpretes oficiais fazem uma espécie de chamada, um “grito de guerra”, que além
de incentivar os sambistas, identifica a escola de samba e o seu lugar.
40
MATOS, Marcelo Pereira, GUIMARÃES, Solange Terezinha de Lima. “O Rio de Janeiro das Escolas de
Samba: lugar e identidade”. In: Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.).
Geografia: ações e reflexões. p.280.
24
Estes cenários são próprios dos muitos lugares que existem na metrópole
carioca, onde a força do carnaval reflete a força do lugar. A sobrevivência da
cultura do samba na cidade dos cariocas e a identidade socioespacial dos
sambistas com suas comunidades fazem o Rio de Janeiro das escolas de
samba se apresentar repleto de significados e valores, de cooperação e
42
conflito, de experiências e práticas; portanto, um lugar por excelência.
41
MATOS, Marcelo Pereira, GUIMARÃES, Solange Terezinha de Lima. “O Rio de Janeiro das Escolas de
Samba: lugar e identidade”. In: Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.).
Geografia: ações e reflexões. p.291.
42
MATOS, Marcelo Pereira, GUIMARÃES, Solange Terezinha de Lima. “O Rio de Janeiro das Escolas de
Samba: lugar e identidade”. In: Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.).
Geografia: ações e reflexões. p.292.
25
43
BUBER, Martin. Sobre Comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.
44
WEBER. Max. Apud. FERNANDES, Florestan. (org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas
conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973, p.140-143.
45
Ibidem. p.142.
26
46
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2003, p.7.
47
Em face do multiculturalismo, o autor coloca as duas facetas (talvez irreconciliáveis) da vida em comunidade: a
dicotomia entre liberdade e segurança, categorias que em nome da responsabilidade social são colocadas como
uma necessidade de se contrabalancear. Se por um lado a vivência em comunidade acarreta uma busca de
segurança, haveria, segundo o autor, uma perda da liberdade por conta dos códigos simbólicos que o indivíduo
integrante da comunidade deveria seguir. Para o autor, o entendimento destas duas categorias torna a
comunidade uma utopia.
48
Esses personagens externos à comunidade e que buscam as escolas de samba (geralmente do grupo
especial) somente nos dias de carnaval são conhecidos como “sambeiros”,em uma distinção entre os sambistas
que frequentam a escola durante o ano inteiro e aqueles frenquentadores temporários.
27
49
Madureira, eterna capital do samba. Rio de Janeiro. 1972. O conhecido samba enredo da Escola de Samba
União de Vaz Lobo para o carnaval de 1972, cantado como hino da região de Madureira, surpreendentemente
não possui compositores conhecidos e muito menos foi gravado. Ver referências no site da escola de samba
União de Vaz Lobo. Disponível em:
<http://uniaodevazlobo.no.comunidades.net/index.php?pagina=1238292717>.
28
51
1.2.1 A ocupação do subúrbio da central
51
Termo utilizado para caracterizar parte do subúrbio cortado pela linha férrea que tem como terminal a estação
Central do Brasil.
52
FERNANDES, Nelson Nobrega. O Rapto Ideológico da Categoria Subúrbio. Rio de Janeiro (1858-1945). 1996.
Dissertação de Mestrado em Geografia - Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 1995. OLIVEIRA, Márcio Piñon de. FERNANDES, Nelson da Nobrega (Orgs). 150 Anos de subúrbio
Carioca. Rio de Janeiro: Lamparina: Faperj/ EdUFF, 2010.
53
O primeiro trecho da Estrada de Ferro inaugurado foi entre o Campo de Santana e Queimados.
29
Nada não tinha nada, não tinha condução nenhuma, nenhuma, nenhuma
não tinha nós íamos em Irajá andando não tinha condução[...] nenhuma
tudo mato, tudo escuro não tinha bonde não tinha nada depois é que veio o
bondinho de burro e com a continuação que veio o bonde elétrico [...] eu era
feliz eu gostava daquela....de não ter. 55
54
Nascida em 1908 , falecida em 2005.
55
TIA EULÁLIA: O Império do Divino (documentário). Direção de Erick Oliveira. Rio de Janeiro: Plano Geral
Filmes, 2007. DVD.
56
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O Império do Samba. José Olympio, 1981.
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: dos terreiros aos palcos. Rio de Janeiro: Giorgio, 1995. Ver também:
VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano: Primeiro Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval nº 2. Rio de
Janeiro, 1991. e, BOY, Dyonne Chaves. A construção de um centro de memória na Serrinha. 2006. Dissertação
de Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais – Centro de pesquisa e documentação de História
Contemporânea, Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2006.
30
57
A reforma urbana do início do século XX foi um projeto idealizado pelo então Presidente da República
Rodrigues Alves, que tinha como base reformas de modernização do Porto do Rio de Janeiro, implementadas
pela união, e reformas ligadas `a estruturação da região central, implementadas pela prefeitura, a fim de
melhorar a ligação das regiões da cidade ao porto e ao comércio da região.Cf. BENCHIMOL, Jaime Larry.
“Pereira Passos: um Haussmann Tropical. A renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século
XX”. Rio de Janeiro: SMCTE/ DGCIC/DE, 1992. Ver também Revista Rio de Janeiro, n°10, 2003.
58
AZEVEDO, André Nunes de. “A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana” (artigo). In:
Revista Rio de Janeiro, nº10, maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003, p. 40.
59
No contexto político brasileiro a ditadura militar, que então governava o Brasil, começava a perder força
política com o avanço de grupos de oposição, que exigiam o direito à cidadania.
60
AZEVEDO, André Nunes de. “A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana” (artigo). In:
Revista Rio de Janeiro, nº10, maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003, p. 40.
61
Nome popular dado às demolições de edifícios, ocorridas durante a reforma da região central, seja por motivos
sanitários ou para alargamento das ruas.
31
Fiquei muito aborrecido quando soube que vão arrendar as casinhas que fiz
construir para operários. Que destempero! A municipalidade gasta centenas
de contos para fornecer ao proletariado habitações decentes e higiênicas, e
63
quem vai lucrar são rendeiros que as vão explorar em benefício próprio!
62
Este amigo é Alfredo Américo de Souza Rangel.
63
COLEÇÃO PARTICULAR DA FAMÍLIA RANGEL. Carta de 11 de setembro de 1908. Apud.LENZI, Maria Isabel
Ribeiro. “Francisco Pereira Passos: Possibilidade de um outro olhar” (artigo). In: Revista Rio de Janeiro, nº10,
maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003.
64
A primeira na Avenida Salvador de Sá, a segunda na Avenida Beira Mar no bairro da Glória, e a terceira na
Rua São Leopoldo próximo à Rua Salvador de Sá.
65
AZEVEDO, André Nunes de. “A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana” (artigo). In:
Revista Rio de Janeiro, n10. maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003.
66
O autor trabalha como visão organicista uma ideia de corpus orgânico com vias de ligação de pontos
estratégicos da cidade ao centro, para o circular de pessoas e mercadorias.
32
67
Avenida Mem de Sá, a ligação entre a Rua da Carioca à Rua Visconde de Rio Branco e outra ligação entre a
Rua Visconde de Inhaúma e a Marechal Floriano.
68
AZEVEDO, André Nunes de. “A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana” (artigo). In:
Revista Rio de Janeiro, nº10, maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003, p.63.
69
AZEVEDO, André Nunes de. “A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana” (artigo). In:
Revista Rio de Janeiro, nº10, maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003, p.55
33
70
ABREU, Maurício de Almeida. “Da habitação ao hábitat: a questão da habitação popular no Rio de Janeiro e
sua evolução” (artigo). In: Revista Rio de Janeiro, nº10, maio- agosto. Rio de Janeiro. 2003, p. 226.
71
FERNANDES, Nelson Nobrega. O Rapto Ideológico da Categoria Subúrbio. Rio de Janeiro (1858-1945). 1996.
Dissertação de Mestrado em Geografia - Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 1995.
72
OLIVEIRA, Márcio Piñon de. FERNANDES, Nelson da Nobrega (Orgs). 150 Anos de subúrbio Carioca. Rio de
Janeiro: Lamparina: Faperj/ EdUFF, 2010, p 1-2.
73
FERNANDES, Nelson Nobrega. O Rapto Ideológico da Categoria Subúrbio. Rio de Janeiro (1858-1945). 1996.
Dissertação de Mestrado em Geografia - Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 1995. p. 2-3.
34
75
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1989, p.69.
76
As reformas urbanas do início do século XX.
35
77
OLIVEIRA, Arthur de, SILVA, Marília T. Barboza. Silas de Oliveira: do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro:
Funarte, 1981.
78
Ibidem.
36
[...] comunidade situada numa encosta do Morro do Dendê que juntou com o
Morro da Congonha e formou o vale que liga os subúrbios de Madureira e
Vaz Lobo. A Serrinha ficava num morro, mas não era uma favela e, segundo
Vasconcellos (1991:25), teve origem num dos muitos loteamentos da
Companhia de Colonização Agrícola, de propriedade do Visconde de Morais,
que desde o princípio do século XX converteu em áreas urbanas as imensas
áreas do subúrbio carioca ocupadas por chácaras e fazendas (Gerson:1965;
Ribeiro: 1983) . Mas se a Serrinha não era uma favela, também não era um
bairro, sendo na realidade umas das periferias mais pobres do subúrbio de
83
Madureira.
79
BEM-TE-VI, Carlinhos et tal. Serra dos meus sonhos dourados. Rio de Janeiro. [entre 1930 e 1940].
80
FERNANDES, Nelson da Nobrega. Escolas de Sambas: sujeitos celebrantes e objetos celebrados, Rio de
Janeiro 1928-1949. Rio de Janeiro Secretaria das Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação
Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2001.
81
Nascida em 1929.
82
ROCHA ,Pedrina. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P Barbosa. Rio de Janeiro, 07 dez.
2010.1° CD (31:11 min); 2°CD (12:24 min). Anexo A, p112..
83
FERNANDES, Nelson da Nobrega. Escolas de Sambas: sujeitos celebrantes e objetos celebrados, Rio de
Janeiro, 1928-1949. Rio de Janeiro Secretaria das Culturas, Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2001.p.59. Cf. VASCONCELLOS, Francisco.
Império Serrano: Primeiro Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval nº 2. Rio de Janeiro, 1991.
37
O dia que veio esse cano foi uma festa na Serrinha! Aí o meu pai mandou
que todos os moradores que estavam morando... viesse tudo de lata nova,
pintada; e na hora marcada de abrir a torneira para jorrar a água, não é?[...]
eles alugaram umas quatro figuras, figurante para tocar, né? [...] Aí foi no
Romero, e falou: - Romero nós vamos de branco. Ele e o Romero vieram de
branco. Os dois, quando foram chegando, os fogos, fogos bastante, não é?
[...] Hino Nacional, pessoal de palmas, muitas palmas, não é? Eles dois
levaram, o alicate, na primeira, cortaram! A música a tocar, os fogos. Aí
84
TIA EULÁLIA: O Império do Divino (documentário). Direção de Erick Oliveira. Rio de Janeiro: Plano Geral
Filmes, 2007. DVD.
85
Segundo a memória local, Zacarias de Oliveira era funcionário da Companhia de Limpeza Urbana e cabo
eleitoral de Edgar Romero. Quando este ganhou uma eleição, ofereceu àquele um emprego melhor. Zacarias,
porém, negociou no lugar do emprego a instalação da água para a região.
38
87
BOY, Dyonne Chaves. A construção de um centro de memória na Serrinha. 2006. Dissertação de Mestrado
Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais – Centro de pesquisa e documentação de História
Contemporânea, Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2006, p.48-49.
88
Maria Joana Monteiro foi líder religiosa e uma das matriarcas do jongo no Morro da Serrinha. A partir de sua
liderança, aspectos modernizantes foram aceitos na prática do jongo para que este não se perdesse com a
morte dos mais velhos.
89
TIA EULÁLIA: O Império do Divino (documentário). Direção de Erick Oliveira. Rio de Janeiro: Plano Geral
Filmes, 2007. DVD.
39
90
Nascida em 1902.
91
FERNANDES, Nelson da Nobrega. “A Cidade a Festa e a cultura popular”. In: Geographia. Ano 6, nº11,
Niterói: UFF. 2004, p.4.
40
Meu Império
vamos caprichar neste carnaval
nós iremos disputar
a grande prova real
Imperial! quero te ver no jornal
como uma verdadeira glória
para ficar, com nome na história
Provaremos ao subúrbio
e toda a cidade
que nosso sonho foi realidade
meu Império eu lhe digo a verdade
o momento pr’a nós é muito sério
oh! meu Império... 92
92
OLIVEIRA, Silas e Orlando. Rio de Janeiro. [entre 1947 e 1948]. O samba em questão é conhecido pelos
pesquisadores e frequentadores da escola de samba, mas não se tem uma ficha técnica que informe o ano e o
nome da música; sabe-se unicamente que foi um dos primeiros sambas compostos por Silas de Oliveira em
exaltação à nova escola de samba.
41
93
VELHO, Gilberto. A utopia urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
94
VELHO, Gilberto. “Antropologia Urbana: encontro de tradições e novas perspectivas” (artigo). In: Sociologia,
problemas e práticas, n.º 59, 2009, pp.11-18. p.14.
95
Nascida em 1939.
96
MACHADO, Vilma dos Santos. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro,
30 de agosto de 2010. 1º CD (23:07 min). Anexo A, p.118.
42
97
CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994, p.101.
43
Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ele não é a mesma
imagem que experimentamos na infância, porque nós somos os mesmos de então
98
JANGADA et tal. História da nossa História. Rio de Janeiro. 1990. O samba em questão faz um breve passeio
pela história do Brasil colonial, da chegada dos portugueses e da introdução da lavoura da cana de açúcar ao
período de extração de ouro em Minas Gerais. Neste caso há um jogo de palavras entre memória e história que
nos faz pensar nas formas em que são apropriadas pela sociedade em seus diversos discursos.)
99
Em relação às fontes históricas. Mesmo a um passado próximo, como a história do tempo presente, o passado
é o tempo que o historiador está habituado a utilizar.
44
e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nosso juízos de
realidade e de valor. 100
101
NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares” (artigo). In: Projeto História. São Paulo,
nº 10, dez. 1993, p. 7-28.
102
Ibidem. p.7.
103
LE GOFF, Jacques. “Memória” (capítulo). In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994, p. 472.
104
No sentido de busca de historicidade, como forma de legitimar-se na sociedade.
45
105
NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares” (artigo). In: Projeto História. São Paulo,
nº 10, p. 7-28, dez. 1993. p17
106
Símbolos, como bandeiras e faixas comemorativas, e ritos, como festas em comemoração pela fundação, pelo
dia do padroeiro da escola, bem como as festas da Velha-Guarda.
107
POLLACK, Michael. “Memória esquecimento e silêncio” (artigo). In: Estudos Históricos, v. 2, n.3, 1989. p.3-
15. São pessoas que no processo de consolidação de determinadas memórias coletivas tomam para si, por
escolha própria ou do grupo, a responsabilidade de serem os difusores de uma espécie de discurso que
referenda o grupo.
46
109
No caso da memória do Império Serrano, podem-se considerar como dirigentes as pessoas que estiveram
ligadas à fundação da escola no momento da construção do discurso, que posteriormente passou a ser repetido
pelos “guardiões da memória” das gerações seguintes.
110
É Importante registrar a reunião do grupo de dirigentes da escola de samba nas fontes. Para a produção de
um acervo sobre escolas de samba no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 1968 e 1984, foram
convidados representantes do Império Serrano. No momento de apresentação do grupo, todos são identificados
como diretores ou ex-diretores da agremiação. Hoje há setores específicos na escola de samba, como o
departamento cultural, encarregado da divulgação da agremiação, composto por pessoas ligadas à
administração da escola e que são encarregadas de dar entrevistas e produzir sites, blogs e comunidades na
internet para contar a história da escola e divulgar os eventos ao longo do ano. Disponível em:
<www.gresimperioserrano.com.br; www.gresimperioserrano.com.br/noticias#!_blog> .
111
Nascido em 1912.
112
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O Império do Samba. José Olympio,
1981, p. 51.
47
A Velha Guarda não tem uma exigência muito grande para você entrar. Só
entra com cinquenta anos, com menos de cinquenta, você não entra! Você
também tem que ser sócia da escola; se não é, vai ter que ser. Na Velha
Guarda não tem ninguém que não seja sócio da escola, pois é bem
desagradável ser Velha Guarda e não ser sócia da escola. Isso não existe,
né? Ser sócio é um orgulho que a gente tem. Não é como ala, onde sai
quem quiser, [...] depois vai embora e só aparece ano que vem, como turista.
117
Velha Guarda não é assim [...].
113
As reuniões para organizarem as suas festas, passeios e formas de se exporem como representantes.
114
ROCHA, Pedrina. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P Barbosa. Rio de Janeiro, 07 dez. 2010.
1° CD (31:11 min); 2°CD (12:24 min). Anexo A, p.114
115
ROCHA, Pedrina. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro, 07 dez. 2010.
1° CD (31:11 min); 2°CD (12:24 min). Anexo A, p.114çl.
116
É o sócio dispensado definitivamente do pagamento da mensalidade, contudo tem todos os direitos e deveres
de um sócio que paga a mensalidade em dia. , de acordo com o Estatuto de uma agremiação, é a pessoa que
contribuiu por vários anos regularmente, e seria uma forma de a escola de samba agraciar seus sócios.
117
ROCHA, Pedrina. Entrevista concedida a Alessandra Tavares. Rio de Janeiro,07 dez. 2010. 1° CD (31:11
min); 2°CD (12:24 min). Anexo A, p. 114.
48
[...] o Império foi uma escola muito linda, eu estou dizendo que foi porque tudo tem
a sua a época. Eu, quando pequeno, fiquei deslumbrado, então comecei a fugir de
casa para ajudar aquela escola que eu tinha escolhido, por gostar dela, torcer por
ela, e esta escola foi o Império [...]. 123
118
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p.421.
119
Ibidem. p.422.
120
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 1994.p.422.
121
Referência aos entrevistados.
122
O Senhor Cidiomar Clóvis Barbosa será referido como conhecido na agremiação: por Sr. Mazinho. Nascido
em 1937.
123
BARBOSA, Cidiomar Clóvis. Entrevista concedida a Alessandra Tavares. Rio de Janeiro, 07 dez. 2010. 1° CD
(37:28 min); 2°CD (20:27 min). Anexo A, p 129.
49
A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura
salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a
que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.
124
125
Para Halbwachs , cada memória individual é um ponto que faz parte da
memória coletiva. Por muito que se deva à memória coletiva, o exercício de evocar a
lembrança de certos momentos irradia, no entanto, do indivíduo. Os deslocamentos
dos indivíduos em direção ao pertencimento do grupo fazem evocar lembranças que
dão sentido à ação e significado a um passado e aos objetos retidos por sua
memória, “dentro de um tesouro comum” 126 .
Após décadas da fundação da escola de samba, é obvio que a maioria dos
membros da agremiação não estivesse presente no momento da fundação. Para
algumas pessoas que viveram a atmosfera da época e estiveram ligadas ao Império
Serrano desde o seu início, a identificação com a memória coletiva, em alguns
casos, é de tal ordem, que a ausência física, em se tratando de memória, torna-se
secundária. Elas reproduzem os acontecimentos que levaram à fundação da escola,
utilizando-se do mesmo discurso daqueles que participaram diretamente, algo
124
LE GOFF, Jacques. “Memória” (Capítulo). In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994, p. 477.
125
HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006.
126
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 1994. p. 411.
50
127
POLLACK, Michael. “Memória e identidade social” (artigo). In: Estudos Históricos, v. 5, n.10, 1992, p.201.
128
Ibidem.
129
Ibidem.
130
Ibidem.
131
Aquele que frequenta a escola de samba é considerado como imperiano, com algumas gradações sempre em
discussão entre aqueles que participam diretamente ou frequentam os eventos durante todo o ano e os que
frequentam a escola somente durante o carnaval.
132
Referência aos quatro primeiros campeonatos: os de 1948, 1949, 1950, 1951.
51
133
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 1994. p. 419.
134
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 1994. p. 419.
135
LE GOFF, Jacques. “Memória” (capítulo). In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP,1994, p. 426.
52
137
Às terças-feiras , às 20:00 horas, na quadra da escola de samba 138
localizada na Rua Edgar Romero, nº 114, em Madureira, podemos encontrar
reunidos um grupo de senhores e senhoras. É a Velha-Guarda do Império Serrano:
pessoas que se reúnem para além da busca pelo prazer, visto que ao longo de suas
vidas se dedicaram por pelo menos 30 anos à escola de samba, à qual ainda hoje
se dedicam. Todas as semanas elas se reúnem para decidir e colocar em prática o
trabalho de levar, para todos os espaços, o nome da escola com a sua história.
Surge, então, para quem assiste de fora, um estranhamento: O que leva essas
pessoas, depois de tantos e tantos anos, a se dedicarem ainda hoje à escola?
Mesmo para elementos estranhos ao seu convívio, não é difícil encontrar
um grupo bem disposto a “contar a história do Império Serrano”. Nas reuniões da
Velha-Guarda, é comum entre os membros do grupo o ato de “lembrar a história do
Império”. Neste processo de evocação, uma espécie de história oficial, repetida ao
longo dos anos, mistura- se com a história de vida de cada indivíduo em sua
participação na escola de samba.
O primeiro a se prontificar para narrar a “história do Império Serrano” foi o
presidente da Velha-Guarda, o Sr. Mazinho. Este personagem, através de sua
narrativa, que ora passa pelo individual, ora assume uma espécie de narrativa
coletiva, ajuda-nos a entender o entrelaçamento das memórias individual e coletiva.
136
NASCIMENTO, Braúlio. Sem título. 1951.
137
Toda terça-feira o grupo se reúne para o planejamento e desenvolvimento de seus projetos, como os
inúmeros eventos promovidos pelas Velhas-Guardas, suas coirmãs, momentos em que são chamados a
exercerem o papel de “Guardiões da Memória”, ao levarem a história e os símbolos da sua agremiação a tais
eventos.
138
Quadra Elói Antero Dias do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano.
53
139
Sr. Mazinho nos conta em tom jocoso que para frequentar o Império Serrano teve que transpor barreiras
quando ainda jovem fugia de casa para frequentar a escola de samba e posteriormente se deparou com a
resistência de sua esposa quanto à sua relação com a agremiação. Ver: BARBOSA, Cidiomar Clóvis.. Entrevista
concedida a Alessandra Tavares. Rio de Janeiro, 07 dez. 2010. 1° CD (37:28 min); 2°CD (20:27 min). Anexo A,
p.132.
140
Termo utilizado para designar todo capital cultural que gira em torno do ritmo, como por exemplo: blocos,
escolas de samba, pagodes e encontros que envolvam o samba de alguma forma.
141
BARBOSA, Cidiomar Clóvis. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro, 07
dez. 2010. 1° CD (37:28 min); 2°CD (20:27 min). Anexo A, p.142.
54
O Império Serrano foi fundado por uma dissidência, foi uma dissidência
que fez o Império ser fundado. O Império é uma dissidência da Prazer da
Serrinha. O presidente de lá era muito austero. Ele era tudo, ele era o
presidente, ele mandava muito e em um determinado ano houve um
aborrecimento sobre o samba que seria cantado na avenida. Eu estou
falando da Prazer da Serrinha. O que eu soube dentro das várias versões
é isso, que o presidente da Prazer da Serrinha era um cara que mandava
mesmo, então ele queria que o samba que fosse apresentado no desfile lá
em baixo fosse um samba, mas alguns que pertenciam à diretoria queriam
142
outro; valeu a vontade dele e a escola teve uma péssima colocação[...]
(grifos da entrevistadora)
142
BARBOSA, Cidiomar Clóvis. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro, 07
dez. 2010. 1° CD (37:28 min); 2°CD (20:27 min). Anexo A, p.130.
143
Ibidem, p.132-133.
144
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
55
145
POLLAK. Memória Esquecimento e Silêncio (capítulo). Estudos Históricos, vol2, n 3, 1989, p.3.
146
Ibidem.
147
Ibidem.
148
Tal noção o autor trouxe da obra de Alfred Schutz, “como conduta organizada para tingir finalidades
específicas.”. Ver em VELHO. Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.101.
149
VELHO. Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003, p.101.
56
150
Assim, diante de um projeto “organizado para atingir finalidades específicas” , as
versões mencionadas por Sr. Mazinho são silenciadas.
A negociação, ou adesão a um modelo socialmente aceito, não é, segundo
Gilberto Velho, um projeto deliberadamente racionalizado, mas um movimento que
se aproveita das circunstâncias, pelas possibilidades que são apresentadas, como
uma forma de pensar a vida social e cultural. Através de uma espécie de “repertório
sociocultural” 151 , definido pelo autor como “campo de possibilidades”, o projeto
coloca-se nas decisões do cotidiano, nas escolhas dos indivíduos e/ou dos
grupos 152 . “É a partir deste repertório que os indivíduos tomam suas decisões, fazem
suas escolhas, estabelecem suas alianças e, é claro, entram em conflito em torno de
interesses e valores” 153 , implicando o reconhecimento das limitações impostas aos
indivíduos e aos grupos, determinantes para a sobrevivência do projeto. Neste caso,
a identidade depende da relação, da condução do projeto, ou adaptação deste em
uma constante interação com os diversos grupos e sujeitos sociais. Dessa forma, o
projeto seria:
151
VELHO, Gilberto. Estudos e pesquisas em psicologia. Rio de Janeiro, ano 6, nº 2, 2º, 20 de abril. 206. p.152-
158. Entrevista. p.154.
152
Ibidem. p.101.
153
Ibidem. p.154.
154
VELHO. Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003, p.103.
57
mundo, uma vez que este projeto, por “mais velado ou secreto que possa ser, é
expresso em conceitos, palavras e categorias que pressupõem a existência do
outro” 155 . Dessa maneira, o silêncio de Sr. Mazinho pode ser entendido como uma
forma de adesão ao projeto do qual faz parte.
O carnaval das escolas de samba no final da década de 1940, quando o
Império Serrano entra em cena, já estava consolidado como manifestação nacional.
Diante desta perspectiva, as possibilidades eram delineadas pelo sucesso do
carnaval das escolas de samba. Além do financiamento feito pela prefeitura, o
fascínio que as escolas de samba exerciam sobre os diferentes segmentos da
sociedade aumentava as probabilidades de mediação.
Foi destacado que o Império Serrano exercia certa atração sobre as
pessoas famosas, como os intérpretes populares do rádio: Marlene, Emilinha Borba,
Dalva de Oliveira. Esta relação com personalidades de destaque na década de 1940
é apontada por Dona Pedrina e Sr. Mazinho como exemplos da atração que a
beleza do Império Serrano exercia, levando tais pessoas a frenquentar o morro. Na
gravação do depoimento para posteridade em 1968 156 , Aroldo Bonifácio 157 e
Sebastião de Oliveira falam um pouco mais sobre estas relações entre imperianos e
personalidades do momento:
Sebastião – Isto foi em 1948- 49. Essas pessoas que vinham ao Itamarati,
vinham visitar a Escola de Samba Império Serrano, por intermédio do nosso
amigo Irênio Delgado 158 e do nosso amigo presente, Aroldo. Recebíamos
artistas de rádio... Emilinha, Dalva de Oliveira, Marlene e todo esse povo...
155
VELHO. Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003, p.103.
156
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (Brasil). Depoimentos para Posteridade: Escola de Samba Império Serrano.
Rio de Janeiro, 1968.
157
Jornalista e compositor.
158
Jornalista ligado ao samba.
58
160
E mesmo por uma espécie de positivação das escolas de samba e das comunidades por terem a presença de
pessoas famosas em suas sedes.
161
Este mesmo documento foi citado por VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O
Império do Samba. José Olympio, 1981. p 30-31; VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano: Primeiro
Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval nº 2. Rio de Janeiro, 1991. E por OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de &
SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981. O
acesso a este se deu através do acervo intitulado GRES Império Serrano, na sede administrativa da LIESA.
Anexo B.
59
de samba Império Serrano. O ponto de tensão, destacado por este breve histórico,
que levou à fundação do GRES Império Serrano, foi o descontentamento com os
carnavais de 1946 e 1947 162 . Segundo o documento, o evento desencadeador do
movimento para a fundação do Império Serrano foi a substituição do samba enredo.
Encontra-se no mesmo documento um repertório de eventos e palavras presentes
na narrativa de alguns personagens ligados à agremiação:
162
Os descontentamentos, segundo os envolvidos, tiveram como embate final a questão da escolha do samba
enredo para o carnaval de 1946, quando a escola de samba desenvolveu um desfile de acordo com o samba,
uma inovação para a época. No entanto, após um desentendimento do presidente da Prazer da Serrinha com a
Ala dos Compositores, o samba enredo foi modificado, no momento do desfile. Tal evento foi considerado pelos
integrantes da escola de samba o motivo para não se manterem na Escola de Samba Prazer da Serrinha. Ver:
Diário Trabalhista, 7 de março de 1946. Apud. VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha
Serrano: O Império do Samba. José Olympio, 1981. Anexo B.
163
O autor refere-se ao carnaval de 1947.
164
Anexo B, p.1-2.
165
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (Brasil). Depoimentos para Posteridade: Escola de Samba Império Serrano.
Rio de Janeiro, 1984.
60
mudar muitas coisas que desejávamos. Fizemos uma escola que a gente
pudesse mudar, para fazermos tudo dentro do nosso ponto de vista:
deliberar, discutir – o que não existia antes. Antes tinha um dono e se fazia
aquilo que ele queria. 166 (grifo da entrevistadora)
167
Naturalmente que a escola de samba se utiliza da escrita como recurso para se fazer presente como
instituição, no entanto, só foi identificado um documento que se propõe a “fazer um histórico da fundação da
escola de samba” será analisado ou comentado na sequência do trabalho. Ainda há a questão dos documentos
institucionais escritos, que foram destruídos ao longo dos tempos, sendo alguns poucos encontrados somente
em instituições não ligadas necessariamente à escola de samba e em algumas bibliografias sobre o Império
Serrano.
168
LE GOFF, Jacques. “Memória” (capítulo). In: História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1994, p. 427.
169
Documentos relacionados à administração da escola de samba, como atas de fundação e de reuniões, assim
como informativos relacionados às festas.
61
171
Ibidem. p. 74.
62
entende-se que muitos fatores contribuíram para os embates que levaram à ruptura
com a escola de samba existente na Serrinha. A falta de sucessos nos
campeonatos das escolas de samba e as relações conturbadas dentro da
agremiação talvez sejam o que tenha promovido a fundação da escola. A questão
da escola de samba não se colocar entre as campeãs no carnaval é destacada por
tia Eulália, em um momento representativo:
Ali, naquela casa, meu irmão me chamou: “Eulália, vamos lá em baixo. Mano
172
Décio tá lá com a viola te esperando”, porque eu cantava, né? Cantava
muito... Eu cantei o samba (pausa) da tristeza da nossa derrota... Eu falei
“vamos lá!” 173
173
TIA EULÁLIA: O Império do Divino (documentário). Direção de Erick Oliveira. Rio de Janeiro: Plano Geral
Filmes, 2007. DVD.
174
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O Império do Samba. José Olympio,
1981.
175
OLIVEIRA, Sebastião. Quase que chorei. Rio de Janeiro, 1947. Segundo Valença somente depois de certo
tempo é que Sebastião ficou sabendo que o samba A Paz Universal também era de autoria de Silas de Oliveira e
não somente de Mano Décio, como ficou consagrado na letra do samba.
63
agia como se fosse “dono da escola”. Entretanto, essa característica não era
exclusividade da Serrinha. Tal modelo de administração “sempre esteve presente
176
nas várias agremiações carnavalescas” . Agremiações fundadas e conduzidas por
seus “donos” era prática da época, o que podia ou não provocar crises. Segundo
Vasconcellos, a questão da cisão da Serrinha não teve fundamento somente no
autoritarismo de Alfredo Costa, como afirmam os integrantes da escola de samba.
Apesar de os discursos locais sobre a fundação do Império Serrano mencionarem
somente os embates contra o autoritarismo de Alfredo Costa, Vasconcellos afirma:
176
VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano: Primeiro Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval nº 2. Rio
de Janeiro, 1991, p.36.
177
Ibidem. p.37.
178
Oliveira e Silva defendem que em relação às escolas de samba houve uma distorção dos reais objetivos
destas como fenômenos culturais, terminando por induzidas à preocupação exclusiva da vitória nos
campeonatos de carnaval. O que de certa forma levou a uma espécie de descaracterização das escolas de
samba como espaços de participação comunitária, e de tradição cultural. Em relação à Prazer da Serrinha
defendem que: “A vida da escola, a sua participação nos festejos da cidade, a convivência comunitária sempre
foram os aspectos mais importantes para os serranos. Diversas vezes os cronistas carnavalescos apontavam-na
como uma das favoritas. Na hora dos resultados, ela aparecia mal colocada. Por quê?”. Ver. OLIVEIRA FILHO,
Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira: Do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1981, p.33.
64
para o palanque que tinha assim nos comércios, e só isso. Só tinha aquele
bloco. 179
Quando o Império foi fundado, tinha um bloco lá na Serrinha que era Prazer
da Serrinha. Aí acabaram com o Prazer da Serrinha e fundaram o Império
Serrano, lá na Serrinha mesmo, na casa da Dona Eulália, [...], Nesta
ocasião, ela morava em cima, que é na rua da Balaiada, onde fundaram o
Império. Esta rua é uma rua de subida, então lá em cima tinha a última casa,
que era da Dona Eulália. Depois vinha a da vovó Maria Joana, mais em
baixo a do meu tio. Aí, quando fundaram o Império, foi aquele alvoroço, para
a moçada, para meninada... Todos queriam sair na escola; todos. A Serrinha
inteira naquela coisa... Foi um Deus nos acuda! [...] Fundado o Império,
fomos para lá e ganhamos quatro anos seguidos. Não sei se você sabe
disto: primeiro, segundo, terceiro, quarto anos. Até tinha uma música que
dizia assim: “Imperial, primeiro ano, segundo ano, terceiro ano imperial, esse
é o campeão dos campeões, com três anos de existência são três anos de
181
vitória, isso para nós é a grande glória.”
180
Interessante destacar que iniciados os primeiros contatos para a entrevista, já na quadra da escola, esta se
manifestou, com certa veemência, em relação ao local que gostaria de ser filmada, e fez questão que fosse
indicando o local específico onde se realizava a conversa: o camarote Eulália de Oliveira do Nascimento, uma
das fundadoras do Império Serrano. O simbolismo da escolha de Dona Pedrina nos chama atenção, diante dos
vários camarotes existentes na quadra, que homenageiam pessoas consideradas importantes para a história da
agremiação. A opção pelo camarote, segundo a entrevistada, era mais uma homenagem para uma mulher que
dedicou sua vida para o sucesso do Império Serrano. Uma homenagem que nos ajuda a pensar a relação entre
a vida, a memória individual das pessoas e o pertencimento a este grupo como memória coletiva, e como as
pessoas percebem este processo.
181
ROCHA , Pedrina. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro,07 dez. 2010.
1° CD (31:11 min); 2°CD (12:24 min). Anexo A, p.104.
65
A Serrinha era quase uma família só, como nessas fazendas. Eram todos
182
por um, um por todos.
Nasceu lá na Serra
Uma linda flor
E a nossa união consagrou
Império Serrano quando nasceu
183
Foi mais uma estrela que apareceu.
182
Apud. OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-
enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981, p. 30.
183
OLIVEIRA, Antenor Rodrigues de. Sem título. 1947.
184
Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro, foi fundador e compositor do Império Serrano. Ficou conhecido ainda no
mundo do Samba como o “Apito de Ouro” por ter sido durante muito tempo o único diretor de harmonia do
Império Serrano comandando toda a escola com o seu apito.
185
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos. Rio de Janeiro: GGE: UNIRIO, 1995.
67
interior do Estado de Minas, de onde sua família migrara. O acesso entre as casas
se dava por pequenas trilhas no meio do mato” 186 .
A presença das famílias como agentes de povoação e estruturação da
região é um dos pontos característicos das relações locais. A noção de família é
apontada nos diversos depoimentos apresentados pela literatura 187 que se
desenvolveu a respeito da região como uma espécie de família extensa,
extrapolando a noção de família consanguínea, adotando uma significação mais
ampla.
O estreitamento das relações familiares era forjado no cotidiano através de
atividades profissionais ou pelos lazeres. Uma das marcas deste estreitamento está
no costume local de se referir às pessoas por certo título usado antes dos nomes
que remontam a ligações por parentesco 188 , como é o caso das “tias”, “vovó”,
“madrinhas” e “padrinhos”, nomeações adquiridas ao longo da vida a partir das
relações de vizinhança. Assim, algumas pessoas entraram na história local, sendo
referidas por certo parentesco que as identificavam como parte daquela família
extensa do morro da Serrinha: a Vovó Maria, a Vovó Maria Joana, a Vovó Teresa, a
Tia Eulália, a Tia Maria do Jongo, bem como os vários irmãos e primos “de
criação” 189 . Quando questionada sobre os parentescos, Dona Vilma Machado narra
como funcionava esta relação:
186
BOY, Dyonne Chaves. A construção de um centro de memória na Serrinha. 2006. Dissertação de Mestrado
Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais – Centro de pesquisa e documentação de História
Contemporânea, Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2006, p.43.
187
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O Império do Samba. José Olympio,
1981. p 30-31; VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano: Primeiro Decênio: 1947- 1956. Ensaios de
Carnaval nº2. Rio de Janeiro, 1991. OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de
Oliveira : Do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.
188
O parentesco é a forma de aquisição de laços e relações de identificação e pertença entre seres humanos, a
partir de um "eu" de referência. Distingue-se o parentesco por afinidade, estabelecido através do casamento, do
parentesco consanguíneo por descendência. As noções de parentesco são muitas vezes extensivas a uma
comunidade ou grupo político, religioso ou étnico, para reforçar o sentimento de pertença e de força. Ver: BOTT,
Elizabeth. Família e rede social. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
189
Pessoas que não necessariamente possuem laços consanguíneos e que foram crescendo no mesmo
ambiente, ou seja, foram “criadas juntas”, em uma espécie de parentesco por afetividade.
190
Faz referência à Dona Pedrina Rocha, secretária da Velha Guarda, a qual se identifica como sua prima, como
um exemplo da extrapolação do parentesco consanguineo.
68
192
Segundo os autores o nascer diferente está ligado à falta de acesso a hospitais, o que levava ao uso de
parteiras, mulheres que se dispunham a fazer os partos necessários na região, assim como nas áreas de ‘roça’.
193
OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-enredo.
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981, p. 29.
194
Apud. OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-
enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981, p. 29.
195
Conhecido como ‘velório de pobre’, porque reúne, na casa do morto e não nas capelas dos cemitérios, a
família e os amigos para compartilhar histórias sobre o morto. No dicionário Dicionário do folclore brasileiro, de
Luiz da Câmara Cascudo, encontra-se para Gurufim, dentre outros significados, canto de velório negro em São
Paulo.
196
OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-enredo.
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981, p.29.
69
70
197
BOY, Dyonne Chaves. A construção de um centro de memória na Serrinha. 2006. Dissertação de Mestrado
Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais – Centro de pesquisa e documentação de História
Contemporânea, Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2006, p.42-43.
198
MACHADO, Vilma dos Santos. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro,
30 de agosto de 2010 e 20 de out. de 2011. 1° CD (40:17min), 2° (23:07min). Anexo A, p.127.
71
199
MACHADO, Vilma dos Santos. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro,
20 de out. de 2011. 1º CD (23:07min). Anexo A, p.123.
200
Considera-se a questão financeira um dos aspectos dessa estratégia, no entanto é preciso entender a
aproximação por questões culturais, afetivas, e mesmo para a superação da precariedade das estruturas físicas
a serem transpostas através da aproximação entre os indivíduos.
201
No caso do estudo da autora, havia a questão da exclusão social ligada à cor e/ou etnia do indivíduo. Questão
esta que poderia estar presente no cotidiano dos moradores do Morro da Serrinha, visto que parte considerável
da população era negra, mas tal identificação não aparece nos discursos apresentados pelos entrevistados.
202
STACK, Carol. “O comportamento Sexual e Estratégias de Sobrevivência Numa Comunidade Negra Urbana”.
In: A mulher, a cultura, a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A, 1979, p. 141.
72
204
STACK, Carol. O comportamento Sexual e Estratégias de Sobrevivência Numa Comunidade Negra Urbana.
(artigo). A mulher, A cultura, A Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra S.A, 1979, p.142.
205
RIBEIRO, Ana Paula Alves. Samba São Pés Que Passam Fecundando O Chão... Madureira: Sociabilidade e
conflito em um subúrbio musical. 2003. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003.
73
[...] Antônio convidara seu concunhado José Agostinho da paixão para juntos
arrendarem um terreno em Madureira, a fim de fazerem duas casinhas para
si e suas famílias. Então não encontraram terreno para aforar, mas tendo o
declarante posteriormente arrendado um terreno em Madureira, como este
fosse espaçoso, ofereceu uma parte a José Agostinho para que ele
edificasse uma casinha ao lado da do declarante. 208
206
RIBEIRO, Ana Paula Alves. Samba São Pés Que Passam Fecundando O Chão... Madureira: Sociabilidade e
conflito em um subúrbio musical. 2003. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003. p.45.
207
Apud. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
belle époque. São Paulo: UNICAMP, 2001, p.194.
208
Antônio Pedro dos Santos, nº 5.023, março 882, galeria A, 1907. Apud. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e
Botequim: O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. São Paulo: UNICAMP, 2001, p.194.
74
209
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle
époque. São Paulo: UNICAMP, 2001, p.186.
210
No sentido utilizado por Milton Santos. Tendo a ver com a contiguidade física entre pessoas numa mesma
extensão, vivendo com intensidade as suas inter-relações.
211
BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d, p. 213-214.
Apud. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle
époque. São Paulo: UNICAMP, 2001, p.194.
212
Como é possível verificar nos inúmeros inquéritos policiais analisados por Sydney Chalhoub. Ver:
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle
époque. São Paulo: UNICAMP, 2001.
213
Fuleiro era também primo de Dona Ivone Lara que se casou com um dos filhos de Alfredo Costa. Foi através
dele que Dona Ivone se inseriu no mundo do Samba como a primeira mulher a fazer parte da Ala de
Compositores, tendo inúmeras parcerias na composição de samba com este seu primo.
214
Uma das famílias que promoviam encontros onde o Jongo era o ritmo tocado e dançado.
75
Casou-se como uma sobrinha de Araci Costa, a Dona Iaiá, esposa de Alfredo Costa,
fundador da Escola de Samba Prazer da Serrinha. Quando a proximidade não era
dada pelos laços consanguíneos, ou pelos casamentos 215 eram tecidas pelos
compadrios. Mestre Fuleiro foi mencionado na entrevista que compõe o acervo de
Depoimentos para a Posteridade do Museu da Imagem e do Som 216 , na qual Senhor
Sebastião Oliveira destaca a relação familiar que ia além da questão consanguínea:
José – Quando não eram parentes, eles davam os filhos para batizar uns
aos outros, e chegavam a esses extremos do Molequinho e o Mestre Fuleiro
serem compadres 13 vezes!
215
Podemos destacar como casamentos que levaram ao estreitamento das famílias: João Gradim Oliveira
(fundador e primeiro presidente do Império Serrano) com a filha de Elói Antero Dias (conhecido como Mano Elói,
presidente do sindicato dos trabalhadores da estiva do Porto do Rio de Janeiro, fundador de diversos blocos e
escolas de samba e quem incentivou a fundação do Império Serrano, doando a bateria); Silas de Oliveira e Dona
Elane (prima de Eulália, Sebastião e João Gradim); Senhor Élio Antero Dias (um dos fundadores do Império
Serrano e filho de Mano Elói) casou-se com uma das filhas de Tia Eulália.
216
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (Brasil). Depoimentos para Posteridade: Escola de Samba Império Serrano.
Rio de Janeiro, 1984.
217
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (Brasil). Depoimentos para Posteridade: Escola de Samba Império Serrano.
Rio de Janeiro, 1984.
76
sociais nas quais se inserem. Assim o enfoque não parte do indivíduo, mas do
conjunto de relações estabelecidas pela rede social: “A estrutura é apreendida
concretamente como uma rede de relações e de limitações que pesa sobre as
219
escolhas, as orientações, os comportamentos, as opiniões dos indivíduos” .
Ao trabalhar com a relação indivíduo e sociedade, Norbert Elias entende o
220
social, ou seja, “o todo”, como um “conjunto de relações” . De maneira ampla, o
autor concebe a sociedade através de uma rede de indivíduos em constante relação,
sugerindo uma ideia de interdependência, baseada em laços invisíveis:
Numa palavra, cada pessoa que passa por outra, como estranhos
aparentemente desvinculados na rua, está ligada a outras por laços
invisíveis, sejam estes laços de trabalho e propriedade, sejam de instintos e
afetos. Os tipos mais díspares de funções tornaram-na dependentes de
outrem e tornaram outros dependentes dela. Ela vive, e viveu numa rede de
221
dependências.
Para ter uma visão mais detalhada desse tipo de inter-relação, podemos
pensar no objeto de que deriva o conceito de rede: a rede de tecido. Nessa
rede, muitos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a
totalidade da rede nem a forma assumida por cada um de seus fios podem
ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles,
isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da
222
maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca.
219
MARTELETO, Regina Maria. “Análise de Redes Sociais: aplicação nos estudos de transferência da
informação” (artigo). In: Ciência da Informação. Brasília, v. 30, n. 1, p. 71-81, jan./abr. 2001, p.72.
220
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
221
Ibidem, p.22.
222
Ibidem. p.35.
78
Para Loiola e Moura, o significado da rede não é dado somente por uma
fonte “geradora/propulsora” 223 , ou seja, pelos motivos que geraram a aproximação;
são os elos que definem a relação em rede. Desta forma, “a igualdade e a
complementaridade entre as partes são seus aspectos básicos, reforçados pela
regularidade entre as malhas”. Os autores trabalham ainda a questão da formação
de redes temáticas ou de conexão, estimuladas por pessoas ou grupos de maneira
espontânea. Tais redes são estabelecidas de maneira informal, articulando
indivíduos que passam a interagir.
Em sua análise das redes sociais, Martelelo distingue dois tipos de redes
sociais: uma que estaria ligada a movimentos institucionalizados, outra ligada aos
espaços informais. A primeira reuniria indivíduos em nome de alguma associação,
com funções e ações que estariam dentro de uma dinâmica para o desenvolvimento,
a consolidação e a perpetuação de tais instituições. Os indivíduos estariam ligados
através de elos hierárquicos, e suas ações dependeriam das ações de outros
indivíduos, de maneira nem sempre espontânea. As redes de segundo tipo se
consolidariam em espaços informais, a partir da tomada de consciência de
interesses e/ou valores comuns numa comunidade. Neste caso, a diferença dá-se
através de sua estruturação, ou seja, sua organização não é estabelecida mediante
uma hierarquização:
[...] de forma diferente das instituições, as redes não supõem
necessariamente um centro hierárquico e uma organização vertical, sendo
definidas pela multiplicidade quantitativa e qualitativa dos elos entre os
diferentes membros, orientadas por uma lógica associativa. Sua estrutura
extensa e horizontal não exclui a existência de relações de poder e de
dependência nas associações internas e nas relações entre as unidades
224
externas.
223
LOIOLA, E. MOURA, S. “Análise de redes: uma contribuição aos estudos organizacionais” (capítulo). In:
FISHER, T. (Org.). Gestão Contemporânea, cidades estratégias e organizações locais. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 54.
224
MARTELETO, Regina Maria. Análise de Redes Sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação.
In. Ciência da Informação. Brasília, v. 30, n. 1, p. 71-81, jan./abr. de 2001, p.73.
79
A minha sogra era a Eulália... Ali tinha muitos rapazes e muitas moças, então
nós íamos para lá, brincar, dançar, cantar, tinha sempre alguma coisa para
fazer lá. E a mãe da Dona Eulália gostava muito de trazer aquele povo todo
para casa, ficavam todos ali brincando, passavam a noite brincando... Da
casa da minha sogra saíram muitos casamentos. Ali eu me casei em 1950.
226
225
Nascido em 1915.
226
DIAS, Hélio Antero. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro, 20 de out.
de 2011. 1º CD (9:50min). p.4.
227
REZENDE, Claudia Barcelos. “Os limites da sociabilidade: ‘cariocas’ e ‘nordestinos’ na Feira de São
Cristovão”. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. In: Revista Estudos Históricos, nº 28 – Sociabilidades,
2001, p.167.
80
As famílias eram sempre unidas, tinha sempre festa, por isso eu ia para lá,
porque eu morava na Dona Clara 228 . Todo fim de semana tinha alguma coisa
na Serrinha: samba, roda de rua, churrasquinho... Em outros dias, durante a
semana, eu ia para lá para jogar sueca, para ver os colegas. Lá a vida era
assim. Muito boa a vida na Serrinha! 229
228
Localizado no Bairro de Madureira, compreendia o espaço contornado pela linha férrea ao fazer a volta em
uma grande curva, em direção às estações do centro da cidade, que ficava onde hoje é a Praça Patriarca, em
Madureira. A estação de Dona Clara foi inaugurada em 1897. Ficava num curto ramal que tinha a forma de um
círculo, retornando à linha principal (Linha do Centro) percorrendo cerca de um quilômetro apenas. Esse ramal,
existiu até 1935, quando foi extinto, assim como o bairro. Disponível em:
<http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/donaclara.htm>
229
DIAS, Hélio Antero. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro, 30 de Nov.
de 2011. 1º CD (9:50min).
230
Como o caso dos Costa, de Alfredo Costa, na condução da Escola de Samba Prazer da Serrinha.
81
231
RIBEIRO, Ana Paula Alves. Samba São Pés Que Passam Fecundando O Chão... Madureira: Sociabilidade e
conflito em um subúrbio musical. 2003. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003, p.53-55.
232
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha Serrano: O Império do Samba. José Olympio,
1981. p.12.
83
Os que tomavam conta podiam dar opinião, todos. Tinha reunião também
para dar opinião, “Vamos fazer esse carnaval assim”. Era bonito e todo
mundo saia, juntavam e faziam o carnaval. Todos podiam, podiam falar. O
pessoal da Serrinha ajudava muito para fazer esses enredos. Para escolher
o enredo era tudo aqui, depois que foram arranjar um lugar e ai foram
aumentando os carros, os carros eram todos pequenos e bonitos, a gente
saia do largo que tinha ali e fazia. Fazíamos os carros todos ali. Depois
cobríamos e botávamos aquelas lonas e ainda ganhávamos em primeiro
lugar. Até três anos a seguir o Império ganhou em primeiro lugar... 233 (grifo
da entrevistadora)
233
MACHADO, Vilma dos Santos. Entrevista concedida a Alessandra Tavares de S. P. Barbosa. Rio de Janeiro,
30 de agosto de 2010. 1º CD (40:17 min). Anexo A, p.119-120.
234
Além das entrevistas concedidas a autora, ver: VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha
Serrano: O Império do Samba. José Olympio, 1981. p 30-31; VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano:
Primeiro Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval nº 2. Rio de Janeiro, 1991. OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de &
SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.
84
Eu não lembro muito não, não tinha escola de samba, era muita pobreza,
éramos todos carregando água, ali não tinha muitos espaços, não. Tinha
mesmo que correr pelo morro mesmo, ali pelo morro mesmo, tinha muito
pombo, minha madrinha tinha pombo. Íamos para casa da Tia Eulália, tinha
o Jongo todo ano, a Tia Eulália fazia aquelas festa. Festa de Jongo, do
marido dela, gostava muito. A vida da gente era esta. A minha madrinha
levava a gente para rezar ladainha. Tinha ladainha a beça, cada dia
arrumava um lugar que íamos rezar a ladainha, a gente gostava, aí
madrinha: “- Hoje tem ladainha para rezar, quem rezar mais alto vai ganhar o
primeiro bolo!” era tudo assim, e eu gritava muito! A madrinha mandava
segurar o santinho “– Segura o santo!” A gente tinha que segurar a santinha
ai “- Jesus, Santa Maria.” (cantando) eu ainda lembro, a minha madrinha era
tão boa! “- Orai por nós” (cantando) ia eu segurando a santinha. E a vida da
gente era assim, aí depois que fundaram o Império, aí todos começaram a
se dedicar, ali ao Império. 235
236
Festa em comemoração ao aniversário de Senhor Nascimento, marido de Tia Eulália, que acontecia todos os
anos. Ver: GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos. Rio de Janeiro: GGE: UNI RIO, 1995.
BOY, Dyonne Chaves. A Construção de um centro de memória na Serrinha. Rio de Janeiro: Dissertação de
Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais – FGV/CPDOC, 2006.
85
esta rede informal, no Morro da Serrinha, ter encontrado uma forma de ampliação de
sua ação através da fundação de uma escola de samba.
A escola de samba, além de ter sido criada com o objetivo de ser um
espaço de lazer e de representação do carnaval local, indicava em seu estatuto
alguns interesses dos moradores da região. A rede de famílias, através do estatuto
da escola de samba, colocara no papel, isto é, formalizara parte dos seus objetivos.
À rede informal, que funcionava de maneira espontânea, baseada nos costumes, foi
acrescentada uma hierarquia de funcionamento, com ações dependentes umas das
outras, e nem sempre espontâneas.
Ao analisar o primeiro estatuto da escola de samba, percebem-se aspectos
desta transposição dos interesses da rede de famílias. Através do Império Serrano,
a rede familiar expunha seu dinamismo na busca de seus interesses.
O Império Serrano foi fundado como “Grêmio Recreativo Esportivo Escola
de Samba” 237 , demonstrando uma clara intenção de fazer da escola de samba mais
do que uma agremiação carnavalesca. Entre as suas finalidades, figuravam nos
artigos 2º e 3º a motivação assistencial. No artigo 2º, o que se destaca é a intenção
não só de dar assistência social e financeira aos moradores e participantes do
Grêmio, mas de oferecer uma “maior assistência moral”.
O caráter de ajuda mútua da rede familiar figurava o artigo 2º, no que se
refere à ajuda social e financeira, mas o que não fica claro é como se daria e qual
tipo de ajuda a escola se propunha a oferecer a seus integrantes.
No artigo 3°, tem-se como objetivo a criação de centros de instrução
primária. Desta forma, a escola de samba se propunha a extrapolar o espaço de
lazer para exercer, ainda, a função educativa na região. No referido artigo, o
desenvolvimento de esportes e a recreação teriam, após a criação da agremiação,
espaço reservado na quadra da escola. Com este artigo, o caráter assistencialista
da escola de samba não se restringe somente aos integrantes da agremiação, mas
a todos os moradores da região.
Como um centro de desenvolvimento, ampliando o caráter de ajuda mútua
da rede informal de famílias, a escola de samba se ergue na região. Os artigos 2º e
3º do primeiro estatuto do Império Serrano propõem:
237
Estatuto o Império Serrano. 1948. Cf. VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano: Primeiro Decênio: 1947-
1956. Ensaios de Carnaval nº 2, Rio de Janeiro, 1991, p.43.
86
gabinete médico
gabinete odontológico
gabinete jurídico
serviço
II – Divisão Literária
238
Estatuto do GRES Império Serrano, 1948. Cf. VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano: Primeiro
Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval nº 2. Rio de Janeiro, 1991, p.43-45.
239
Como o Rotary Club, que se destina a promover serviços assistenciais para as comunidades de todo o
mundo.
240
Regimento Interno do GRES Império Serrano. 1947. Apud. VASCONCELLOS, Francisco. Império Serrano:
Primeiro Decênio: 1947- 1956. Ensaios de Carnaval. nº 2. Rio de Janeiro, 1991, p.47.
87
[...] nós éramos assim ricos, tanto é que nosso apelido era Império Rico,
porque nos mostrávamos riqueza no carnaval, mas ao mesmo tempo nós
éramos pobres, nós éramos simples, éramos pobres, nós éramos luxuosos
para sair no carnaval, era uma vaidade nossa de carnaval, nós éramos
pobres, a gente era simples, mas as coisas mudaram muito, nós temos que
ir evoluindo de acordo, nós não pode ficar parada naquilo, então nós
perdemos muita coisa de quando a escola nasceu nós perdemos sim,
241
ganhamos e perdemos.
243
Nas entrevistas não foi mencionado nenhum tipo de assistência dentro da quadra do Império Serrano
enquanto esta se localizava no Morro da Serrinha. No entanto, há alguns trabalhos hoje de desenvolvimento com
parcerias junto ao Serviço Social da Indústria (SESI) que oferecem cursos para a comunidade, entre outros
serviços.
89
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
244
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003, p.101.
92
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
BOTT, Elizabeth. Família e Rede Social. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
BOURDIN, Alain. A questão local. Trad. de Orlando dos Santos Reis. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: dos terreiros aos palcos. Rio de Janeiro: Giorgio,
1995.
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987.
HALBWACHS, Maurício. A memória Coletiva, Tradução de Beatriz Sidou. São
Paulo: Centauro, 2006.
NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. In: Projeto
História. São Paulo, nº 10, p.7-28, dez. 1993.
96
OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de & SILVA, Marília T. Barboza da. Silas de Oliveira : Do
jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval Brasileiro. O vivido e o mito. São
Paulo: Brasilense, 1992.
RIBEIRO, Ana Paula Alves. Samba São Pés Que Passam Fecundando O Chão....
Madureira: Sociabilidade e conflito em um subúrbio musical. 2003. Dissertação de
Mestrado em Ciências Sociais – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003.
SARLO, Beatriz. Tempo Presente: Notas sobre a mudança de uma cultura. São
Paulo: José Olympio, 2005.
SOIEHT, Rachel. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da belle
époque ao tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
TUAN, Yi-fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.
VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano: O Império do
Samba. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
VELLOSO, Monica Pimenta. “As tias Baianas tomam conta do pedaço. Espaço e
identidade cultural no Rio de Janeiro”. In: Estudos Históricos: cultura e povo. Rio de
Janeiro, 1990.
Documentais
Musicais
BEM-TE-VI, Carlinhos et tal. Serra dos meus sonhos dourados. Rio de Janeiro.
[entre 1930 e 1940].
OLIVEIRA, Silas e Orlando. Sem título. Rio de Janeiro. [entre 1947 e 1948].
SEM AUTOR. Madureira, eterna capital do samba. Rio de Janeiro. 1972.
99
Observação: Optou-se nesta transcrição pelo respeito às particularidades da linguagem oral, que
confere ao contexto deste trabalho uma especial autenticidade, procedendo-se, contudo, a algumas
adaptações com vistas ao melhor entendimento do conteúdo.
Data: 07/12/2010
CD - 1
P- No camarote da...
E- Dona Pedrina, a Senhora lembra qual foi o primeiro contato que teve com o
samba e com o carnaval? Qual a primeira lembrança que a senhora tem?
P- De samba ou de carnaval?
onde minha mãe trabalhava e nós morávamos na esquina, logo ali na esquina da
Rua Lambari, que hoje em dia leva o nome do.... oh, meu Deus do céu...Mestre
Fuleiro! A rua agora é Mestre Fuleiro, - as ruas daqui são assim, tem a Silas de
Oliveira, tem a Mano Décio da Viola, agora tem a do Fuleiro. Agora estão botando
os nomes das ruas todas assim. Lá em cima na Serrinha tem uma rua que eles
botaram, como é... do Jongo, por causa daquele menino que era do jongo e que
faleceu. As pessoas que morreram, (quando eu morrer eu não sei onde vai parar o
meu nome...), vão ficar em algum lugar. Aí, o que acontece? Eu nunca morei na
Serrinha. As pessoas às vezes perguntam: “Você já morou na Serrinha?”. Eu nunca
morei na Serrinha. Eu vivia lá, o meu fim de semana era lá, eu ia para lá na sexta e
voltava na segunda. O porquê? Porque minha família ainda mora lá. Agora lá é área
de risco e para você ir lá é ruim. Tem a tia Ira, a minha prima, os meus primos todos,
tio Augustinho, que também foi um dos fundadores, tio Careca, tio Irapuã, que
também foi um dos fundadores desta época. Aí eu comecei... eu era pequena, a
mamãe comprava aquelas roupinhas, a gente ia para Vaz Lobo, para Madureira,
aquelas coisinhas de criança... Nisso fundaram o Império. Fundaram o Império
como? Eu ia lá com as minhas primas, a gente saía para os bailes e coisa e tal,
mocinhas assim de catorze, quinze anos, porque eu era muito alta, aparentava até
mais idade. Quando o Império fundou-se, tinha um bloco lá na Serrinha, que era o
Prazer da Serrinha. Aí acabaram com ele e fundaram o Império Serrano, lá na
Serrinha mesmo, na casa da Dona Eulália. Ela mandou fundar na casa dela mesmo
– nesta ocasião ela morava em cima, na rua da Balaiada, que é uma rua de subida,
e lá em cima tinha a última casa, que era da Dona Eulália. Depois vinha a da vovó
Maria Joana, mais em baixo a do meu tio. Aí fundaram o Império! Quando fundaram,
foi aquele alvoroço para a moçada, para meninada... todos queriam sair, todos: “Vai
sair?!” A Serrinha inteira naquela coisa, foi um deus nos acuda! Verde e branco e tal,
e fomos... Neste negócio, a primeira vez que desfilei no Império, eu tinha dezessete
anos e a primeira ala em que saí foi da falecida esposa do Molequinho; depois eu
passei para a ala da Eva, muitos anos... (também faleceu e tudo). Fundaram o
Império, fomos para lá e ganhamos quatro anos seguidos! Não sei se você sabe
disto: primeiro, segundo, terceiro, quarto anos. Até tinha uma música que dizia
assim: “Imperial, primeiro ano, segundo ano, terceiro ano imperial, esse é o
campeão dos campeões, com três anos de existência são três anos de vitória, isso
para nós é a grande glória”. Foi a gente sempre subindo... agora nós estamos com
101
esse negócio, mas sempre em cima, sempre em cima. Nós, eu digo mesmo, nós do
Império, veja bem, quando o Império surgiu, escola nenhuma botava o veludo, nós é
que fundamos o veludo, ninguém botava veludo. E bateria? O agogô foi fundado
dentro da nossa escola, saiu da gente e foi para as outras escolas e outras coisas
mais... Passo marcado? Não tinha; o primeiro passo marcado foi na ala Sente o
Drama, no Império, e as outras escolas foram copiando, entendeu? Eu não sei se a
gente é muito querido, ou se a gente é muito invejado, porque muitas coisas nós
ensinamos quando nós nascemos, para começar por aí. Tinha a vovó Maria Joana,
a quadra era em frente... (essa já morreu, a Balbina, senão eu apresentava para
você, mas Deus já levou). Na época, a quadra não tinha escada direitinho. Sabe
pedra? Uma aqui e outra ali... Para você subir era assim: um quadrado, um
quadrado pequeno, chão batido... era eu, Vilma, que você já entrevistou, a falecida
Balbina, a minha prima e mais quatro, e a gente é que varria aquilo e dava batidinha
no chão e não tinha com que enfeitar. Pegávamos as folhas no mato e botávamos
enfeitando, porque naquela época, no Império, quem frequentava era Jorge Goulart,
Nora Nei, Marlene do rádio, aquela que ainda está até hoje com a gente, como é...
esqueci o nome dela, ela fazia muito televisão... acho que é Miriam Rios, eu não
estou certa, mas eu acho que é Miriam Rios. Eram nossos convidados e naquela
época eles eram grandes artistas. O Jorge Goulart, a Marlene do Rádio, e a gente
fazia aquilo tudo porque vinham convidados, subiam naquelas pedrinhas e lá iam...
Assim que começou o Império. Eu podia ter trazido umas fotos minhas, que eu tenho
do tempo em que comecei novinha. Tinha aquelas roupas rodadas, muito rodadas,
de veludo, não tinha aquele negócio assim de “ah, vai fazer onde? vai fazer não sei
onde...”, nós mesmo que fazíamos na casa da vovó Maria Joana. Eu trabalhava,
saía do trabalho e ia para lá, passava a noite bordando, botando paetêzinho, aquela
coisa toda a gente é que fazia. A vovó Maria Joana era muito exigente “ –Vovó, está
bom assim? – Não, minha filha, não. Ah, filha, mais um brilho, o carnaval é cor, é
brilho, bota mais um pouquinho”. Aí a gente botava. As roupas ficavam umas coisas
de louco! A gente desfilava, o desfile na cidade foi primeiro na Avenida Antônio
Carlos; foi o primeiro desfile nosso da escola de samba. Depois fomos para a
Candelária, da Candelária fomos para a Praça Onze, na Praça Onze é o
sambódromo. Era dentro de corda na cidade, não era assim... mas aqui tinha muito
carnaval, nós saíamos lá da Serrinha, entendeu, andando direitinho! Mestre Fuleiro,
falecido, era o diretor de harmonia, (antigamente não tinha esse monte que tem
102
agora, era um diretor de harmonia só), depois foi o Otací, o meu primo que já
faleceu, e o Gregório, e o falecido Carlinhos. E não tinha uma porção, era um só
para dirigir a escola toda. O Fuleiro não falava, ele tinha um apito e ele apitava, e
você já tinha que entender o que era, e ele olhava assim, e você já entendia tudo.
Onde era o distrito policial, agora é o Madureira Atlético Clube. Antes, ainda tinha a
linha do trem, toda escola tinha que passar rápido por causa do trem. Aí ele deixava
a gente, a gente tinha que ir assoviando o samba, desde a Serrinha até chegar ao
clube, que era para chegar no clube e soltar a voz... E eu que não sabia assoviar?
Era um horror! Eu não sabia, ele apitava toda hora. E vinha com a corda mesmo, e
se roçava na corda, e vamos se embora que era para ninguém invadir o nosso
carnaval! E a gente sempre na glória, a gente sempre por cima, e sobre a gente era
sempre sucesso. Tinha a Portela... Tem um samba que diz assim: “Só se falava na
Mangueira... Estação Primeira...”, como é...? Só sei que só se falava na Portela, na
Mangueira, na Estação Primeira de Mangueira, e não se falava nunca no Império;
não existia o Império. Quando o Império apareceu, no início tinha muita rivalidade;
um portelense não chegava nem perto de um imperiano, não tinha como é agora,
aquela união... Era brabo! Eles não se chegavam. Lá na Serrinha só tinha uma
família que era imperiana (quis dizer “portelense”). Faleceu a Doca da Portela, e a
família dela era da Portela. Eram quatro pessoas de uma família que eram da
Portela. Você sabe que a Serrinha toda era Império. Eles saíam escondido, não era
porque alguém iria fazer alguma coisa, era para não envergonhar, não criar
constrangimento entre os integrantes da Serrinha por serem da Portela. Aí, quando
fundaram o Império, eles continuaram saindo escondido.
P- Eu lembro que era um bloco. Não era só na Serrinha, tinha bloco em tudo que era
canto: em Vaz Lobo, em Madureira, em Irajá... Era um bloco comum, não tinha
assim essas coisas... e desse bloco resolveram formar uma escola de samba. Deu
certo! Nós éramos muito vaidosos... As primeiras alas do Império foram Amigos da
Onça, Baluarte e Milionário. Milionário... acho que... Amigos da Onça, Baluarte e
Milionário. Os nomes eram estes. Tinha de mulheres, tinha a da Eva, tinha a Comigo
Ninguém Pode, eram as primeiras alas, nós éramos muito vaidosos naquela época.
Não tinha aqueles carros de capota arriada? A gente, para se exibir, colocava as
103
nossas roupas bem rodadas e jogava assim para trás... Para se exibir a gente se
arrumava cedo, alugava aqueles carros, todas posudas naqueles carros,
passávamos e incomodávamos todo mundo, inclusive a ala da Portela. Nós
passávamos, ficávamos passando... Também o trânsito não era como é agora,
senão nós não podíamos, né? Antigamente era tudo diferente. E depois disto o
Império sofreu muito, sofreu muito depois que o Império saiu do morro, (eu também
não sei por que nós saímos lá do morro), e nós ficamos sem quadra. Nós ensaiamos
em Vaz Lobo, ensaiamos em Madureira, ensaiamos em um terreno, ali onde é um
hotel, aqui mesmo na Edgar Romero. Ali morava uma senhora que tinha um quintal
onde deixava a gente ensaiar. Nós erámos pedintes para ensaio e ficamos assim até
que conseguimos isto aqui. Também não sei como conseguimos, aqui era o
Mercado de Madureira, o mercado deu isto aqui para a gente, agora é nosso, mas
antes disto nós sofremos, não tinha onde ensaiar, nós ensaiávamos em qualquer
lugar... Primeiro foi assim (lá vai eu falar mal da escola...): venderam uns títulos que
o falecido meu marido comprou - eu sou viúva duas vezes, o meu segundo marido
era daqui. E você comprava este título pra quê? Era para fazer uma quadra lá na
Serrinha. O campo está lá embaixo, mas, minha filha, não fizeram nada! Sumiu o
dinheiro e não fizeram nada, e ninguém sabe de nada, e nós ficamos para lá e para
cá, igual a um não sei o quê, mas Deus sabe o que faz... Você sabe a bandidagem
do jeito que está..., sabe atualmente como é que é... A gente quase nem pode ir até
a Serrinha. Eu podia até falar para você entrevistar minha prima, mas eu não vou
fazer isto; ela não vai vir aqui para ser entrevistada e eu não vou mandar você ir à
Serrinha. Eu não quero ir lá, então eu vou mandar alguém ir lá? Antes não tinha
esse negócio todo, essa bandidagem, mas eu estava falando de outra coisa, sobre
isso me perdi...
P- Exato.
P- Mudanças até houve, porque as coisas mudaram muito também, e a gente tem
que seguir. É como uma moda: “ah, está se usando isto agora”, aí você vai e segue.
104
Houve muitas mudanças. Lá nós éramos assim... ricos; tanto é que nosso apelido
era Império Rico, porque nós mostrávamos riqueza no carnaval, mas ao mesmo
tempo nós éramos pobres, nós éramos simples; nós éramos luxuosos para sair no
carnaval, era uma vaidade nossa de carnaval; a gente era simples, mas as coisas
mudaram muito. Nós temos que ir evoluindo de acordo, nós não podemos ficar
parados naquilo, então nós perdemos muita coisa de quando a escola nasceu; nós
perdemos sim; ganhamos e perdemos.
E- E como funcionava isto, Dona Pedrina? A senhora está falando que o Império era
muito rico. Onde estava essa riqueza do Império?
P- No Livro de Ouro. Quando começamos tinha Livro de Ouro, para todo o comércio
desde Vaz Lobo, Madureira e Irajá. E as pessoas que ajudavam o Império, assim
como Nora Nei, Paulo Goulart, a Marlene do rádio, davam as coisas para a gente,
nós não chegámos a ser pedintes, nós ganhávamos coisas. O Livro de Ouro ajudava
muito, os comerciantes botavam um bom dinheiro. Era Irajá, Madureira, Vaz Lobo, o
falecido Natal, que ajudava muito o Império, sempre ajudou financeiramente, era um
homem de poder e ele ajudava a nossa escola sempre. Eu, quando mocinha, (olha
o que a gente faz quando mocinha...), a roupa já estava lá, certinha; ele era bicheiro,
ficava ali em frente da estação. “- Vamos lá, vamos lá pegar um dinheiro com ele,
vamos, vamos!”. Aí nós três juntávamos, nos apresentávamos... “– O que o
imperiano quer aqui? – É a nossa roupa, a gente não conseguiu fazer ainda... –
Quanto é mais ou menos? – Ah, a gente precisa de tanto. – Vai fazer a roupa!”.
Entendeu? Até isso a gente fazia (risos), ficávamos com o dinheiro porque a roupa
já estava pronta, então a gente tinha grandes ajudas, ele dava muito mesmo,
naquela época, com qualquer pedacinho de pano você fazia um carro, não é como
agora, tudo é o peso do dinheiro.
E- Lá na casa da vovó Maria Joana. E como era isso? Quem assumia as alas, como
vocês participavam?
P- Por exemplo, a ala era da filha dela, aí tinha os colegas. Era bastante
componente, como agora, juntavam todos, iam para lá, uma cortava, quem sabia
105
costurar, costurava, quem sabia bordar, bordava, aí fazia tudo; era assim que
fazíamos, entendeu?
P- Tinha, tinha.
E- Já em 1948 em 1949?
P- É, alguém já ditava aquilo, ditava aquilo que tinha que ser feito, era o
carnavalesco, já tinha enredo, tinha carnavalesco, eu só não posso dizer assim
quem foi o primeiro, quem foi o segundo, que tenho tudo escrito porque eu não
gravo, mas tinha, mas tinha tudo isso.
E- E como é que se fazia um carnaval de acordo com o enredo, com todas as alas
combinando, se ninguém sabia como era a ala do outro?
P- Olha, vou falar uma coisa para você: era mais vaidade, porque a ala dela era
secreta, o nome já dizia, mas a nossa não; a gente não queria que a outra visse por
pura vaidade da gente: “A nossa não, não diz... A nossa tem esse bordado aqui, o
nosso chapéu é assim... Não, não, ninguém pode saber”. Uma ala não passava para
a outra, não queriam de jeito nenhum, mas era vaidade, uma vaidade da gente. Eu
acho que por essas vaidades todas é que o nosso Império ficou no auge, sabe? Por
causa desta vaidade toda, agora você vê, bota aí na quadra a ala e todo mundo vê,
né? Aquela coisa toda, naquela época tinha isso: todo mundo no seu canto,
guardadinho, e no dia, pá! Estourou. Era bem melhor...
P- Era esse bloquinho só que tinha para a gente sair, não tinha mais lugar nenhum,
era esse bloco, deu a noite não tinha mais folia; se ia para o palanque, que tinha nos
comércios, e só isso; só tinha aquele bloco.
P- Aí eu não sei... por que eles fundaram, não sei. Houve uma reunião entre os mais
velhos na época, então eles fundaram o Império. As próprias pessoas do bloco
foram lá, engancharam dentro da escola, aí foi crescendo cada vez mais.
E- Uma das coisas que a senhora declarou foi que já mocinha, com os seus catorze,
quinze anos, participava do carnaval, e as pessoas apontam que, nesta época, na
década de 40, as mocinhas não participavam do carnaval...
P- Não participavam, faziam as roupinhas. Mas é aquela coisa: dava dez horas, nós
já estávamos em casa. Tinha o bonde que fazia a volta aqui; a gente brincava no
bonde o dia todo, pendurada nele. Eu era a mais abusada, ia no degrau do bonde.
Uma vez levei um tombo ali na curvinha, nunca mais fui ali. A brincadeira nossa era
assim, aí quando chegava a noite, a gente colocava aquela roupinha que às vezes a
nossa mãe fazia, íamos para o palanque, mas dez horas já estávamos em casa,
ninguém ficava igual essas meninas ficam agora até tarde, naquela época o juizado
era brabo, não tinha criança muito pequenininha não, era brabo!
P- A minha mãe deixava, só tinha a minha mãe para dizer pode ou não pode. Minha
mãe deixava, e os meus irmãos não gostavam, ninguém gostava, só eu que
gostava. As minhas duas irmãs não gostavam, quero dizer: uma já não tinha mais,
quando o Império fundou. A minha irmã não gostava, o meu irmão também não
107
gostava, só eu que gostava, aí a minha mãe liberava. Se eu estava com parente, ela
liberava. O tio Augustino era como o meu pai, aí ela liberava, mas liberava assim,
sem liberdade, tinha que ir embora cedo, entendeu como que era? Era isso.
E- A senhora lembra como eram as festas na quadra, quando o Império Serrano era
no morro?
P- Quase não tinha nada, a maioria era no carnaval, não tinha muita coisa, não tinha
como fazer praticamente nada, feijoada eu só lembro depois que fizemos essa
quadra aqui.
P- Iam, mas eles eram recebidos só no samba. Tinha samba sábado, durante a
noite toda. Aí era dia de receber e a gente fazia o que pudesse.
P- Quem arrumava era a gente: eu, a falecida Balbina, Vilma e a minha prima; nós
que arrumávamos. As quatro descíamos e carregávamos água para botar lá, que
não tinha água. Tudo isso nós fazíamos. Festividade não tinha, éramos tão pobres lá
que não dava para dar festividade, e quando chovia, quando chovia então, não
podíamos dar nada, não tinha cobertura, não tinha nada e se escorregasse, você
caía.
CD- 2
P- Tinha uma comissão, tinha uma pessoa só para isso, um dos fundadores, um
deles só para essa finalidade. Não tinha sócio, sócio só passou a ter quando a
gente saiu do morro, por isso “inventaram” aquele, um tal de... como é? Falei no
início que não deu em nada para fazer a quadra...
E- Título.
P- É, o título. Mas não deu em nada este título, se dependesse do título nós
estávamos na rua ainda, porque não deu em nada.
E- A senhora falou das vitórias do Império nos primeiros quatro carnavais. A senhora
lembra como foram os impactos destas vitórias no pessoal da Serrinha? As vitórias
mudaram o jeito com que as pessoas da Serrinha se relacionavam com o Império?
P- Não, não toda. Só tinha quatro pessoas desta família que não era Império.
109
E- E por que a senhora acha que isto acontecia? Porque havia outros blocos e
outras escolas lá: Unidos de Congonhas, Tamarineira...
E- A senhora disse que o Império era rico, que o Livro de Ouro era muito rico. A
senhora lembra se essa riqueza do Império trouxe alguma melhoria para a
comunidade?
P- Não, na verdade eu não acho que trouxe melhorias para a comunidade. Naquela
época a comunidade não precisava de muita coisa não, era pobre, era pobre e se
mantinha pobre e cada um vivia dentro do seu mundo. Todos trabalhavam, tinha
funcionários, a maioria era da “Loyd Brasileiro” e lá, na época, ninguém ganhava
pouco, então não tinha família tão pobretona, eram todos assim, médio.
P- É como eu falei com você, mas a riqueza que a gente trazia no carnaval não era
a riqueza que tinha lá. Era tudo muito simples, mas não era assim tão pobre. Eram
pessoas simples. O meu tio, por exemplo, trabalhava na Central do Brasil. Viajava
para São Paulo, pra lá e para cá, as pessoas tinham o seus empregos para terem
seu dinheiro, criarem a sua família, tanto é que na época não tinha barraco, só tinha
casa; a Balaiada, que a rua era Balaiada, não tinha barraco só tinha casa; cada um
melhorava a sua casa como podia...
(Interrupção.)
E- A senhora dizia que todos na Serrinha eram Império Serrano. Depois que a
quadra saiu de lá, esta relação continuou?
P- Do mesmo jeito...
E- A senhora falou que se organizavam as alas nas casas das pessoas. Continuou
existindo essa mesma organização?
E- E agora, só para encerrar, Dona Pedrina, fala um pouquinho para a gente como é
esse trabalho da senhora na Velha Guarda, porque a senhora está no Império
Serrano desde mocinha, desde o início, e até hoje continua trabalhando para o
Império Serrano. Fala um pouco sobre o que a senhora faz na Velha Guarda e qual
o papel dela no carnaval e na vida da escola de samba.
111
P- Olha, a Velha Guarda é quem carrega o nome da escola; em qualquer lugar que
você chegue e tenha uma Velha Guarda, é ela quem leva o nome nas costas. Nós
fazemos a apresentação da escola em qualquer lugar que a gente vá, então nós
temos que ter uma postura. Velha Guarda não pode brigar, tem de ficar junto, não
pode falar palavrão, muita coisa Velha Guarda não pode. Porque é como se fosse
uma etiqueta essencial... então é aquela hierarquia, um respeita o outro, a diretoria é
muito respeitada, eu sou muito respeitada porque sou a secretária e também faço
um trabalho do conselho de postura de disciplina. A gente sai muito, então nas
saídas, eu, como secretária, também tenho que ficar olhando, como seu eu fosse
olheira, vendo se fulano se portou, o que sicrano está fazendo, porque ninguém é
chamado a atenção na hora; se você olhar e a pessoa entender, muito bem; mas às
vezes eu sou obrigada a chegar aqui e falar: “– Presidente, você viu, presidente? Eu
vi isso, isso... –E aí, o que você achou disto tudo? –Eu achei que não estava
certo.”. Então a pessoa recebe uma primeira punição, porque na Velha Guarda você
recebe uma primeira punição, na segunda você é expulsa e não volta mais! Nós
temos pouquíssimas pessoas expulsas, pouquíssimas. Desde que eu sou secretária
da Velha Guarda, vai fazer uns três anos, só duas expulsões, e uma delas já
morreu. Duas só, porque todo mundo segue à risca como deve ser, entendeu, que é
para evitar de ser expulso, que não pega bem. Uma Velha Guarda fazer feio?!
Podem falar de qualquer pessoa do Império, não pega nada, mas se falarem que a
Velha Guarda foi em um lugar e fez isso, pega mal para a escola. Por isso que a
gente tem uma postura diferente dos outros. Por causa do nome da nossa escola,
porque na Velha Guarda todo mundo é imperiano, todos somos sócios da nossa
escola, todos somos é remidos, a gente não faz nada que venha sujar o nome da
nossa escola. Meu trabalho é este. Ler a ata... Por exemplo: tem qualquer coisa que
desagrade, um membro que tenha saído, eu vou escrevendo... depois passo para a
ata, o presidente lê, assina, e na reunião aquilo é lido para todos que estão ali, doa a
quem doer! Se tiver que pegar para fulano, vai pegar, não tem essa “ah, não! para
fulano, não!”... Todo mundo sabe que tem uma hierarquia , todo mundo sabe qual é
o comportamento da Velha-Guarda. O trabalho da gente é este, nós temos uma
diretoria, nós temos o presidente e um vice presidente, e quando o presidente não
pode atuar é o vice que atua. Nós temos três para conselho deliberativo, nós temos
o tesoureiro e a secretária. É uma estrutura que nós temos. Agora, não precisava ter
essa eleição... mas o nosso presidente gosta que seja assim! Tem eleição da escola
112
agora em maio, daqui a um mês vai ter da Velha Guarda. Quem tiver três anos de
velha guarda pode se candidatar para ser presidente da escola, mas não tem
necessidade, ele podia continuar por toda a vida, só por causa de morte ou caso de
roubo para ele sair. Mas ele quer que haja uma eleição para ver quem quer, quem
não está satisfeito... Não tinha necessidade, mas ele quer que tenha! E é isso o
trabalho de secretária, é praticamente um braço direito do presidente, a gente está
sempre do lado com um papelzinho. Agora a gente está largando assim de lado
porque vai ter eleição, mas antes eu trazia sempre meu bloquinho, toda reunião eu
assisto, escrevo tudo, aí chego em casa passo aquilo a limpo, leio para ele e ouço
“está tudo bem, isso não, isso é aqui, isso está errado...”, chego mais cedo, passo
para o livro de ata, leio o livro de ata... Na Velha Guarda não tem uma exigência
muito grande para você entrar, só entra com cinquenta anos, com menos de
cinquenta você não entra, e também você tem que ser sócia da escola, se você não
é, você vai ter que ser. Na Velha Guarda não tem ninguém que não seja sócio da
escola. É bem desagradável você ser Velha Guarda e não ser sócia da escola. Isso
não existe, né? Ser sócio é um orgulho que a gente tem. Não é como ala, ala sai
quem quiser, chegou aí “eu quero ser desta ala”, sai e depois vai embora, só
aparece ano que vem, como turista. Já Velha Guarda não é assim, a Velha Guarda
tem que ser. Toda escola tem uma Velha Guarda só, como a nossa é uma Velha
Guarda só, mas tem uma ala, a ala dos Cabelos Brancos, que tinha um presidente
(já retirado) que achava que ele também era Velha Guarda e nos imitava em tudo.
Por exemplo: ala não tem bandeira, ele botou uma; bandeira e Porta Bandeira, ele
recebia convites para ir a algum lugar e ia igual a Velha Guarda, com Porta Bandeira
e tudo; chegava ao ponto de ele ir em algumas festas e dizerem que era a Velha
Guarda, aí quem não sabia anunciava, e para a gente tirar isso foi difícil, mas nós
conseguimos. Eles ainda se acham Velha Guarda, mas não, é a ala dos Cabelos
Brancos. Essa ala nasceu sabe como? No tempo que eu era mocinha, ali no
Cajueiro. Tem aquele campo de futebol... naquela época aquilo ali era assim: aos
domingos, quem jogava era o pessoal da ala que está aqui, então tinha um grupo de
rapazes (vinte ou vinte e poucos anos, eram jovens), terminava o jogo, tinha um
botequinzinho no posto de gasolina, eles iam para esse botequim, comiam, batiam
um papo: “vamos formar uma ala?” , “como é que vai ser?”. Aí formaram a ala dos
Cabelos Brancos, registraram aqui, e vieram para cá, aqui no Império, mas tudo ali
na Serrinha. Nessa ala não sai mulher, só homem. Depois que viram que na nossa
113
Transcrição de entrevista 2
Data: 30/08/2010
E- Dona Vilma, a senhora foi porta-bandeira do Império Serrano. Pode contar como
foi?
V- Comecei aos quinze anos; dos quinze anos até os vinte e três anos.
E- Foi mais ou menos em que ano que a senhora começou a ser Porta-Bandeira?
V - Comecei a ser porta-bandeira acho que foi em 1956 para 1957, em 1959 me
casei, então passei aquele ano, depois só em abril.
V- Com dez anos. Ele nasceu em 1947 e em 1949 eu comecei a sair com a minha
madrinha, a vovó Maria Joana. Ela que me levava, mandava a gente ficar
sentadinha para aprender a costurar a bateria do Império. A casa ficava cheia no
morro, dali eu comecei a sair. Ela fazia aquelas roupas de sobra, antigamente era
assim, não tinha muito negócio de luxo. Era de veludo e cetim, usava muito.
Comecei a sair aos quinze anos, saía na ala com doze anos, com quinze fui pegar a
bandeira e fiquei. Aos dezessete anos eu fui rainha das escolas de samba. O
primeiro presidente do Império Serrano foi o falecido Elói, Elói Dias.
quintal... horrível! E saía aquele samba bonito, juntavam ele e Silas de Oliveira e
todo mundo no quintal, Dona Ivone Lara...
V: A quadra caiu acho que foi em 1955, por aí. Era na Serrinha, na Balaiada. A casa
da minha madrinha era cento e vinte quatro e a da Tia Eulália era cento e trinta. Era
um terreirão, depois surgiu o Império na casa dela, depois foi para casa da mãe
dela, fizeram a quadra com aqueles paus. Mas era bom. Tudo pobre, humilde, e não
tinha essas confusões que tem agora.
E- Naquela época, quando a senhora era moçinha, com seus dez até os seus
dezessete anos, como era para se divertir?
V- Tinha um morro lá na serra. A gente ia pra lá pra brincar, mas eu não brincava
muito porque sempre trabalhei.
116
V- Sim! Fizeram a quadra no terreiro da mãe da tia Eulália e usavam aquela quadra.
Desmancharam as casinhas velhas e fizeram o cercado. Ficou muito bonito. Eu não
achei foi o tempo, mas outro dia vou deixar contigo o retrato de onde era a quadra.
Eu queria tanto te mostrar...
V- Mudou. Agora não, agora está péssimo. Naquele tempo, quando a sede era lá em
cima, era uma coisa ótima. Era tudo mais humilde, não tinha essas violências de
agora. O Império Serrano veio aqui na procissão e estava aquela violência...
V-A comunidade participava muito! Era mais a comunidade do que gente de outros
lugares. Agora não, agora vem gente de tudo quanto é lugar. Antigamente não tinha
muito branco no samba. Era só gente da nossa cor e aqui todo mundo ia lá pra
Grota. Todos saíam; hoje em dia não; só gente mais de fora.
E- A senhora estava falando sobre a questão da cor da pele das pessoas que
frequentavam o Império Serrano, a senhora pode falar mais um pouco sobre essa
questão? As pessoas que frequentavam eram negras? A senhora lembra se isso era
uma questão somente do Império ou se ocorria no samba de forma geral?
V- Eram mais negros que saíam no samba. Aqui na Serrinha, tinha muita gente.
Mulato assim... Tinha muita gente negra. A família da tia Eulália era toda escura.
V- Porque era aonde elas acharam o lugar pra construir. Todo mundo pobre. Olha
como tem casa de pessoas do nordeste... Não tinha casa onde eu morava. Agora
117
você vê casa ali; tudo em volta está cheio de casa. Ainda tem a casa lá: Balaiada,
cento e vinte e quatro.
V- Daqui mesmo, porque foi aqui que eu nasci. Não tinha ninguém de fora, não!
E- A senhora falou que todos participavam, ajudavam a fazer. Lembra como era a
participação?
V- Tinha uns números para separar as Alas da Arte, dos artistas, alas das Secretas.
Cada componente tomava conta.
V- Não eram as famílias. Escolhiam quem tinha mais amor e responsabilidade. Tinha
cada dama antiga linda! A tia Altair tomava conta da Ala das Secretas. Era cunhada
da tia Eulália. Da Ala das Artes era a Eva que tomava conta, filha da minha
madrinha, irmã do Darci do Jongo da Serrinha.
V- Tinha, mas jongo era jongo e samba era samba. Agora que eu vejo até criança
aqui no jongo. Mas era mais as senhoras, tia Tereza, o marido da tia Eulália e
aquela gente toda lá. No samba não, era até gente de idade também; no Jongo é
que não tinha criança.
aqueles panelões, com aquelas latas de doce e de leite. Assim, na pobreza, nós
tínhamos aquela união.
E- Em relação aos rumos da escola, lembra quem podia participar, dando opinião
sobre o carnaval, sobre as alas?
V- Os que tomavam conta podiam dar opinião, todos. Tinha reunião também para
dar opinião. Era bonito e todo mundo saía, juntavam e faziam o carnaval. Todos
podiam, podiam falar. O pessoal da Serrinha ajudava muito para fazer esses
enredos. Para escolher o enredo era tudo aqui, depois que foram arranjar um lugar e
aí foram aumentando os carros. Os carros eram todos pequenos e bonitos, a gente
saía do largo que tinha ali e fazíamos os carros todos ali. Depois cobríamos e
botávamos aquelas lonas e ainda ganhávamos em primeiro lugar. Até três anos
seguidos o Império ganhou em primeiro lugar.
E- A senhora disse que trabalhava desde muito cedo. Quando saía do Império e
vinha trabalhar aqui fora, e dizia que era ligada ao samba, como as pessoas de fora
lidavam com essa relação da senhora com o carnaval?
V- Não, eu não ligava não. Hoje em dia, que o samba tem muito nome, tem muita
coisa... Você vê que hoje uma porta-bandeira tem pagamento todo mês, mas
naquele tempo não; a gente tinha que fazer aquelas capas, e eu gostava da minha
capa bonita! Às vezes eu até emprestava a minha para a Primeira Porta Bandeira, a
Jacira, porque a minha era a mais bonita. Eu gostava de ficar sentada lá pra bordar,
119
como até hoje! Eu bordo e vem tudo da minha cabeça. Ali tem um quartinho onde eu
fico bordando com a máquina.
V- Não, não tinha nada disso. Eu fico assim olhando porque eu aprendia a ser Porta
Bandeira, não tinha escola, como hoje tem. Hoje em dia tem projeto. A gente pegava
a bandeira e ia lá dançando, com o cabo da vassoura, como é que pode não é?
Porque também naquele tempo não tinha essas rodas de maluquices todas; hoje em
dia se a Porta Bandeira não rodar muito não serve. Eu vi a minha sobrinha rodar, e
ela ia ali em cima e voltava e aquilo foi bonito, eu gostei. Mas não tinha isso, tinha
mais cadência. A gente se arrumava para apresentar a bandeira, o mestre-sala não
podia bater na bandeira... O Everaldo foi o Primeiro Mestre Sala que fundou o
Império Serrano. Ele não encostava na bandeira, duvido que ele iria encostar com
aquele leque dele, e ele só dançava com o leque na mão. Era tão bonito...
E- A senhora saía daqui do morro para trabalhar lá fora, e chegava, e falava pras
pessoas: “Olha, eu sou Porta Bandeira do Império Serrano” ?
V- Não, não tinha isso não. A fábrica era ali na Borborema. Hoje é que tem um
bocadinho de pessoas que conhecem. Está muito esquecido o Império. Pena, pois já
teve mais no auge... O samba era meio discriminado. Claro, estava no começo. Meu
pai não gostava que eu dançasse. Ele falava que isso era coisa que não prestava,
ainda mais que ele era da Marinha, mas ele também era levado... antigamente os
velhos eram levados... Depois uma filha dele, minha irmã por parte de pai, veio sair
no Império Serrano; uma que era chefe do hospital aqui, desse posto de Madureira.
Aí eu fui descobrir que tinha uma irmã! Ela começou a vir para o Império Serrano, a
sair de destaque num carro, meu pai viu, foi falar ... Era aquela coisa...
E- A senhora lembra se essa resistência era só por parte dos pais, com medo de
deixar suas filhas saírem no carnaval?
V- Minha mãe não falava nada, não. Ela sabia que eu estava com a minha madrinha
e com todo mundo mais velho; nós não saíamos sozinhos à noite, não íamos para o
samba sozinhas; todos tomavam conta um do outro. Mas hoje em dia minhas netas
120
não querem mais sair comigo, porque eu já estou velha, elas gostam de sair com as
colegas. No tempo da gente, a gente gostava de sair com gente mais velha.
V- Não, porque nós não saíamos daqui. Eu me casei com meu marido, irmão do
Aluísio Machado. Ele me conheceu no samba, namorei três anos e quando ia fazer
quatro anos eu me casei. Então não tinha preconceito porque ele me conhecia do
samba; ele vivia saindo no Império Serrano. Eu tinha vinte anos quando ele
apareceu no Império.
E- A senhora falou que era bonitona, que namorou muito. A senhora lembra se o
fato de estar envolvida com o samba fez os rapazes acharem a senhora diferente?
Como isso funcionava?
V- Eu não lembro não, porque quando fundaram o Império nós ajudávamos muito a
carregar as coisas e pedíamos as coisas na rua para ajudar a escola. Então eu não
lembro. A comunidade ajudava muito, os comerciantes daqui... todos ajudavam.
V- Minha madrinha fazia a roupa da bateria e do Mestre Sala, que era o filho do
Everaldo. Tinha dois Mestres Salas, o segundo, quando fundaram o Império, foi
Francisco Colinho e o Everaldo. Fundaram o Império com dois Mestres Salas, e eu
tava com oito a nove anos.
V- Eu sei que eles se reuniram e fizeram. Tia Eulália chamou todos para a casa
dela. Devido àquela confusão que teve com a Prazer da Serrinha, foram para lá,
fazer o fundamento. A cor da bandeira foi feita lá na casa dela. Eles combinaram,
121
buscaram, porque Silas de Oliveira era uma pessoa muito inteligente, sabe? O pai
dele era professor dali de Cascadura, daquelas escolas. Ele bebia muito, mas era
muito inteligente. E ela fundou lá, na casa da tia Eulália. Entraram ela, os irmãos e
todo mundo; Senhor Agostinho também era vizinho e todos ajudaram. Tudo
combinado e saiu a escola de samba Império Serrano. A bandeira da Serrinha era
rosa, aí escolheram essa cor, verde e branco.
V- Antigamente não tinha muitas alas; depois foi melhorando... Antes eram só umas
três e pronto.
V- Não podíamos ver até o dia; a da tia Eulália era secreta mesmo! Hoje em dia
todos vêem, mas antes não tinha esse negócio de botar na quadra para todos verem
e escolherem. Era aquele figurinozinho e tinha que ficar guardando, porque era tudo
secreto. E quando comprávamos o pano e todos falavam “Vem ver!”, ela dobrava os
panos e não deixava. Era mania do tempo, agora mudou; era para ter surpresa
mesmo, porque no carnaval todos olhavam: “A dela está assim e a minha está
assim”. Aí todos tinham aquela surpresa, aquele impacto, mas era muito bom
também.
E- Naquela época, quem fazia o figurino para os desfiles? Eram elas próprias
responsáveis pelas alas que faziam?
V- Entrou dinheiro para escola, mas pra Serrinha, não! Eu nunca ganhei dinheiro.
Eles melhoraram a quadra, que era de pauzinho. Foi aí que começaram a vir as
pessoas de fora. Eu lembro porque todos começaram a ajudar e começou a crescer.
Tinha aquelas roupas de veludo, aqueles ternos, era cada terno lindo... A ala mais
bonita dos homens era a ala dos Amigos da Onça. Era um colete, um chapéu.
Botaram o nome da ala de Amigo da Onça, era a primeira ala de homem no Império.
V- Não, isso não. Aquela escada escorregava e tinha que subir. Quando chovia,
então, era cada escorrego que a pessoa levava... Ajudavam na quadra porque tinha
muita pobreza naquele tempo. Tinham que ajudar a escola. O que eles arrumavam
era para a escola. Depois começaram a dar roupa do Mestre Sala.
E- Dona Vilma, a senhora pode contar sobre essa relação de família no morro?
Parece que todos são parentes...
V- Tem muita gente que não é parente de sangue; é parente daquele tempo que a
gente chamava de vovó, falava “benção, tia!”, era aquele respeito... Pedrina me
chama de parente e eu aceito, porque nós fomos criadas junto, daqui do tempo. Ela
dançava muito quando era novinha.
V- Eu acho que é mais pela comunidade, porque no samba não tem tanto respeito
como antigamente. Porque todos nascemos aqui; era tio, avó, aquelas velhinhas, a
mãe do falecido Fuleiro e outras que você já ouviu falar. Então era aquela amizade...
As velhas tomavam conta, não tinha nada de creche; hoje tem. Eu nunca gostei de
café, e acho horrível até hoje! Então tinha uma velhinha que me dava o leite.
Quando eu recebia dinheiro, cinco reais, eu comprava aqueles quartos de leite.
Passava aqui na Serrinha aquele burro puxando a carroça; quem tinha dinheiro para
comprar um litro comprava; quem não tinha comprava um quarto, meio litro, era
123
assim. E quando estragava? Eu tinha que trabalhar o dia inteiro assim mesmo na
fábrica. Eu era muito pobre, mas a minha madrinha me ajudava muito, porque já era
melhorzinha, tinha mais situação; o marido dela trabalhava no Cais do Porto. Eu não
tinha pai e fiquei muito com minha madrinha. Minha mãe, não... minha mãe ficou
cega, precisava que olhassem ela. Tinha a minha irmã mais velha, que morreu com
setenta e três anos; tem dez anos morta. Minha mãe tinha cinco filhos, morreram
todos e só resta eu. Aí nós tivemos que ir cedo trabalhar. Nenhum dos meus irmãos
nunca se meteu em coisa errada, nada disso. Tinha um que era jogador, que ia
melhorar, caiu do trem e morreu com dezoito anos. Ele tinha dezoito e eu tinha
dezesseis.
E- A senhora falou que a sua madrinha tinha uma situação financeira melhor por
causa do marido que trabalhava no Cais do Porto. Lembra se existia ali na Serrinha
uma diferença entre as famílias dos homens que trabalhavam no Cais?
V- Os homens dali eram quase todos do Cais do Porto. Muita gente. Zacarias... e um
bocado de presidente do Império!
V- Mas eu acho que o Cais dava essa oportunidade para eles trabalharem. Porque
eu ainda vejo um monte de gente que se aposentou pelo Cais do Porto; a condição
era melhor lá dentro. O marido da minha madrinha já era melhorzinho, tanto que
dava pra ela ajudar a gente. Geladeira? Quem tinha geladeira era ela, de pau! Aí
botava o gelo no papel, no jornal, e todo mundo chamava “Vó Maria, me dá um
pouquinho da água gelada da senhora?”. A tia Eulália tinha geladeira também; tudo
enrolado! Primeiro as geladeiras eram de pau. Iam comprar lá em Vaz Lobo e
faziam. O geleiro às vezes ia lá em cima pra levar o gelo.
V- Tinham, mas muitos tinham amor! O Felício ainda mora aqui na Serrinha até hoje,
está com oitenta e quatro anos e tem mais de dez casas; isso porque ganhava mais
lá dentro. Ele é cunhado da primeira Porta-Bandeira do Império, e Lacir, que é a
mulher dele, está com oitenta anos. Eles nasceram e namoraram aqui na Serrinha;
124
E- Essa relação com a comunidade, a senhora pode nos dizer se isso era somente
entre as pessoas do local ou tinha a ver com a escola de samba?
CD2
E- Por favor, Dona Vilma, a Senhora pode nos contar um pouco do seu trabalho hoje
no Império Serrano?
V- Costura. E vou também para adereçar. Este ano o menino me chamou “Ah, tia...
eu quero que a senhora vá para o barracão para ficar comigo”. Foi o vice-presidente
do Império. Aí eu vou ver o que eu vou fazer...
V- Começou porque eu morava lá na rua Balaiada, fui nascida ali, criada com a
minha madrinha, a vó Maria Joana. Morávamos eu e mais os meus irmãos, todos ali
com ela, eu com dez anos... O Império foi fundado em 1947 e em 1948 comecei a
sair. Minha madrinha emendava aqueles paninhos, me botava sentada perto dela
para ajudar, fazia aquelas roupinhas e me levava para sair no Império.
V- Foi a minha madrinha; ela chamou a minha mãe; ela tinha uma casinha nos
fundos, onde fomos morar. Minha madrinha era mãe do primeiro mestre sala do
Império Serrano, o falecido Everaldo. Éramos todos dali: Everaldo, Jacira... Depois o
outro filho dela foi o segundo Mestre Sala, o falecido Culim, que saía com a filha da
tia Eulália. Eu estava crescendo, aí com os meus quinze anos, e comecei a sair de
Porta Bandeira também, até os meus vinte e três anos. Casei com vinte, lá em cima,
onde meu marido me conheceu.
E- A senhora lembra como era a vida de vocês antes do Império Serrano? Como
eram os espaços para vocês se divertirem lá no morro antes do Império Serrano?
V- Eu não lembro muito. Não tinha escola de samba, era muita pobreza, éramos
todos carregando água, não tinha muitos espaços, não. Tinha que correr pelo morro
mesmo, tinha muito pombo, minha madrinha tinha pombo. Íamos para casa da Tia
Eulália, tinha o Jongo todo ano, e ela fazia aquelas festas... Festa de Jongo, do
marido dela. Eu gostava muito. A vida da gente era esta. A minha madrinha levava a
gente para rezar ladainha. Tinha ladainha à beça! Cada dia arrumava um lugar para
rezármos a ladainha. A gente gostava: bolo!”. Era tudo assim, e eu gritava muito! A
madrinha mandava segurar o santinho, “Segura o santo!” e a gente tinha que
segurar a santinha, “Jesus, Santa Maria.” (cantando). Minha madrinha era tão boa!
“Orai por nós” (cantando), ia eu segurando a santinha... E a vida da gente era assim.
Depois que fundaram o Império, aí todos começaram a se dedicar a ele.
127
V- Aconteciam. Tinha a falecida Dona Marta, que era a madrinha do pai do Jorginho,
do Décio. Ela era destaque do Império. Quem também gostava era uma velhinha
que gostava de sair de destaque... Depois apareceu aquela que foi o primeiro
destaque no Império, porque as outras escolas não tinham destaque, não... Era a
Olegária! Ela foi quem fez a minha primeira saia de armação: “Vilma, vou te dar uma
saia de armação para você parar um bocado com este negócio de goma”.
Antigamente era goma... Olegária mora em Vaz Lobo agora. Ela foi o primeiro
destaque do samba e está bonita até hoje!
E- A senhora falou das festas nas casas das famílias da Serrinha antes da fundação
do Império Serrano. Lembra como ficaram estas festas depois da fundação?
E- A senhora comentava sobre uma questão bem diferente do que a gente ouve
falar em relação ao samba; falava de um período em que era muito jovem e já
participava dentro da escola de samba. Em muitos lugares a gente ouve dizer que
as mulheres não participavam tanto porque ficavam mal vistas no samba... Fale
sobre isso.
V- Ah... O meu pai era separado da minha mãe e não gostava; dizia que quem saía
em samba não prestava, mas eu nunca liguei, porque eu sempre saía com as
senhoras. Eu não achava nada de mais ali dentro. Mas muita gente era mal vista
quando saía no samba e muitas famílias não deixavam os filhos irem. Agora não;
agora acabou tudo.
128
E- A senhora acha que lá no morro era diferente daqui de baixo, com as famílias
participando?
V- Tinha família lá no morro que não gostava, não eram todos que eram do samba.
A mãe da Pedrina não gostava que ela fosse lá em cima. O tio dela era diretor, com
a tia Eulália. Depois é que uma vez ou outra ela ia, mas não ia sempre, porque ela
morava na estrada. A mãe dela trabalhava na escola. Ela fala que foi criada (no
samba), mas não foi mesmo... Depois, com mais idade, foi que ela começou a ir,
porque gostava à beça de dançar. Ela trabalhava em hospital. E é isso, minha filha:
o samba era melhor...
V- Nós. Quando erámos meninas nós trabalhávamos para carregar água, aí vinha a
Tia Eulália e nos mandava: “Meninas, vamos fazer bandeira”. Nós fazíamos
bandeiras e aquele morro ficava lindo! Depois vinha a Marlene. Aquele tempo era
bom; era pobreza, mas era bom...
V- Faziam às vezes a feijoada para receber o pessoal, mas quase sempre era para
receber estes artistas, essa gente importante que ia lá. Todo mundo trabalhava
naquela quadrazinha de pau lá em cima. Agora mudou, não é?
E- Uma das formas hoje de a escola de samba conseguir arrecadar capital para
fazer o carnaval é fazendo estas festas. Naquela época, como era?
V- Ah, tinham Livro de Ouro. Eles iam aos comércios, todos ajudavam. Às vezes o
falecido Natal, mesmo com raiva, também ajudava. Sem um bracinho... Mas quando
129
o Império ganhava, ele ficava danado porque a Portela perdia! Era aquele
“brigueiro”... Aí ele ia lá na Serrinha, dava tiro pro alto, e a gente, criança, corria! “Pá,
pá!”. E a gente: “Vem ele!”. E Tia Eulália: “Corre Crianças!” (risos). Era tempo da
pobreza, mas era bom... Não era como agora; com este negócio de dinheiro...
Aonde que eu ia ganhar dinheiro para sair de Porta Bandeira no Império Serrano?
Não tinha isto, minha filha. Nós trabalhávamos, eu saía da fábrica com aquele
dinheirinho e comprava aqueles vestidinhos de chita, que era para botar roupa nova!
Hoje se ganha dinheiro... Eu queria ser nova agora, pois hoje tem pagamento, não é
menina? Quem mora mais longe tem o dinheiro da condução e ainda ganha por
mês. Minha sobrinha que joga a sorte fora, garota...
E- A senhora lembra como foi a organização das pessoas para fundar o Império
Serrano. A senhora testemunhou alguma coisa?
V- Eu não lembro porque eu era muito pequena. Sei que eles se juntaram na casa
da Tia Eulália. A reunião era lá em cima, na casa dela.
E- Conta a história que eles saíram às ruas falando, avisando, como uma primeira
demonstração do Império Serrano...
V- Era um bloco, aquele bloco com a corda. Depois se juntaram todos e virou....,
Prazer da Serrinha morreu. O Senhor Antenor se ajuntou com o pessoal para fazer o
Império Serrano, aí escolheram a bandeira assim, e a Tia Eulália sempre a frente, aí
se ajuntaram lá. Eu escutava falar eu ainda era pequena na me envolvia muito nisso,
depois que eu fui crescendo é que eu fui vendo como é que era. Era um bloco,
aquele bloco com a corda, o Prazer da Serrinha. Ele acabou e depois todos se
juntaram com o Senhor Antenor e escolheram a bandeira com a ajuda da Tia
Eulália, sempre à frente! Eu não me envolvia muito nisso porque era pequena;
depois fui crescendo e vendo como era.
V- 1947,1948,1949.
V- É.
130
E- A senhora acha que isso mudou alguma coisa nas pessoas em relação ao
carnaval e à escola de samba, ou até mesmo em relação à vida lá na Serrinha?
E- Melhorando como?
V- As pessoas iam para lá para saírem. Vinha gente de tudo que é lugar porque o
Império criou nome. Primeiro ano: Campeão; Segundo ano: Campeão; Terceiro ano:
Campeão. Aí tem “Primeiro ano: Imperial; Segundo ano: Imperial; Terceiro ano:
Imperial” (canta). Lindo, lindo! Então começaram a fazer aqueles sambas... Essa
Dona Ivone Lara ela não saía; ela era da Prazer da Serrinha; depois ela foi também
para o Império; foram todos. Ela já está velhinha...
V- Caiu, a chuva jogou no chão a quadra; perdemos tudo. Cada hora ensaiávamos
em um lugar; ensaiamos em Vaz Lobo, depois no Madureira. Aí fomos correndo, até
que achamos um mercadão. Era sujo... Você não era nascida, não é? Ali era um
mercado e estamos lá até hoje.
E- A senhora acha que mudou a relação das famílias da Serrinha com o Império
Serrano depois que o Império saiu de lá? A senhora declarou que todo mundo
ajudava, mas esta relação mudou quando o Império foi para o asfalto?
associação, não sei... o “lerj”. Tem uma porção de coisas que ajudam: quem alcança
o primeiro lugar ganha, quem é do primeiro grupo ganha um dinheiro bom para
ajudar a escola, agora quem está no grupo A (quis dizer o B) já ganha menos. Eu
saí lá na Cabuçu e ganhei dois Estandartes de Ouro; o desfile da Cabuçu no ano do
Roberto Carlos foi bonito à beça! Mas nunca deixei de sair na minha escola, no
Império Serrano. As escolas pequenas tratam a gente muito bem, mas as escolas
grandes esquecem da gente, não sabem que nós fomos fundadoras, que nós fomos
criados ali. Agora tudo é na base do dinheiro.
V- Ah, isso é... Eu tinha tia, tinha avó, de quem se beija na mão, e até hoje aquelas
velhinhas todas são minhas tias.
V- A educação era assim. Todos eram tias, avós... Era respeito, minha filha.
Respeito mesmo! Se fizessem alguma coisa errada com uma daquelas velhinhas ali,
chamavam a nossa atenção. Tinha uma velhinha, a mãe do falecido Fuleiro, também
falecida, a Vó Teresa. Eram muitos parentes! Todos eram parentes daquele tempo.
Agora não existe mais isto. A gente gostava. Era “minha filhinha”, “minha filha do
peito”... Um realmente ajudava o outro.
V- Em tudo. Se você fosse mais pobrezinha e se já tivesse água na casa dela, ela já
dava. A minha madrinha, então, chamava todos para almoçar na casa dela. A
geladeira, a minha madrinha tinha geladeira de pau, aí botava aquele jornal e o gelo.
Aquilo era a felicidade para quem tinha geladeira. Não tinha nada de televisão, não
tinha nada disto; era rádio, fogão de carvão... Eu pegava o ferro para passar a minha
roupa, porque estava em alta este negócio de linho... aqueles ferros pesados para
eu por em pé, aqueles vestidos de linho muito rodados... era o que a gente usava.
132
Eram cinco metros, assim. E cada roda... tinha que estar assoprando aquele ferro de
carvão. Hoje em dia a gente vive como rico, mas a pobreza era muita...
133
Transcrição de entrevista 3
Data: 07/12/2010
E- Senhor Mazinho, pode nos contar como foi o seu primeiro contato com o samba?
Como o samba entrou na sua vida?
E- O senhor se lembra de como foi a fundação do Império Serrano para esta região?
245
Federação das Escolas de Samba e União das Escolas de Samba promovendo dois concursos de escolas de samba no Rio
de Janeiro.
135
M- A versão principal foi esta da dissidência. Todos estes que eu citei eram da
Prazer da Serrinha, e foi neste aborrecimento que houve com o presidente (quase o
dono, poxa, meu Deus, estou com o nome dele... é o cara mais conhecido...) que
então houve a fundação. Juntaram o João Gradim, a família Oliveira, e existiram
mais outras uniões..., fulano, sicrano, mas os principais eram estes: a Eulália e este
aqui (aponta para o desenho de Elói Antero Dias). Como fundar uma escola de
samba que já começa ganhando? Elói tinha um poder... e além do poder era
macumbeiro, era feiticeiro, era o homem que Natal tinha medo. O Natal o chamava
de feiticeiro: “Não quero conversa com aquele nego, não! Aquele nego é feiticeiro”,
(risos). Então foi este aqui, o Elói, o precursor de tudo. Hoje em dia a gente fica
sentado aqui, olhando... Ai, meu Deus do céu, o tamanho da quadra, isto aqui é um
campo de futebol... olha lá, olha daqui do palco e olha lá para o início... que lugar
que a senhora vê, qual a quadra que a senhora vê que tem a dimensão dessa
daqui? É, dá uma tristeza, sabe?
M- Olha, meu contato é desde os treze, catorze anos, empurrando, puxando corda...
E- O senhor pode nos falar sobre os primeiros carnavais do Império Serrano na sua
vida?
136
M- O que marcou, vamos dizer assim, foi o “Os cinco bailes da história do Rio”. Para
mim foi o melhor carnaval da minha vida no Império. Acho que nem a Aquarela do
Brasil me empolga tão dentro, tão mais do que esse “Os cinco bailes do Rio”. Eu
nem aguento cantar porque choro! Mas a política já estava no meio desse carnaval
do Império... O Império amargou pela primeira vez o meio ponto. Eles não tinham
como tirar o carnaval do Império... Não gosto nem de lembrar... O Império lindo,
lindo, lindo, mas lindo mesmo! Cantou naquela época um puxador, o Jorge Goulart,
não sei se você já ouviu falar... Jorge Goulart com uma bocarra que não tinha mais
tamanho na avenida: “Carnaval, doce ilusão!”... Ih, Nossa Mãe! Aí Carlos Lacerda
quis porque quis dar o campeonato para o Salgueiro. Meio ponto, o Império perdeu
aquele carnaval. A imprensa toda escrita e falada, todo mundo: “O Império isso, o
Império aquilo, o Império lindo, e blá, blá, blá...”. Mas o homem queria o Salgueiro!
Naquela época não tinha essa imprensa assim, essa repercussão, mas foi
emocionante... Aquilo me marcou mesmo. Tivemos outros grandes carnavais,
bonitos, mas o que mais marcou a mim e acho que a 90% da escola hoje, dos quem
têm a minha idade ou uns dez anos a menos, e que desfilou em 1965, foi “Os cinco
bailes do Rio”! Samba lindo, lindo, lindo! O Império conforme o apelido: o Império
rico, rico de trabalhadores, não era rico com dinheiro do bicho, não! É isso que me
cativa até hoje: o Império foi rico, e os homens do Império andavam numa linha que
quando saía do Cais do Porto parecia até rei... (risos). Era todo mundo cheio do
dinheiro, trabalhavam, viravam a noite, essas coisas todas, mas na sexta-feira
quando o Império chegava na Central do Brasil, Nossa Senhora...!
E- O Senhor falou que aos seus doze anos já fugia de casa para ir...
M- Ah, sim! Era um negócio muito salutar, porque cada membro levava um pouco da
roupa para casa, para ajudar; o negócio é que fulano fazia vinte, o outro fulano fazia
mais vinte... era tudo dentro das casas, não tinha nada de atelier, não tinha nada
deste negócio de barracão, de Cidade do Samba, cada um levava um bocado para a
casa do outro, levava mais um bocado para casa, aí fulano ganhava um dinheiro, a
outra costureira ganhava mais um dinheiro, e a outra... era aquele montão de troço
137
dentro da sala dos componentes: “Não pisa aí, não!”. Hoje em dia, não... cada
escola tem seu atelier.
E- O senhor estava falando das festas das mulheres. Lembra-se de como eram as
festas quando a quadra era lá no morro?
M- Ah, lá foi o auge, na Balaiada. Foi a época do Império rico, em que tinha esse
jargão: “O Império Rico”. Foi lá na Balaiada, nos ensaios aos sábados, naquelas
ruas em que nove, dez da noite não dava mais pra chegar de carro. Era difícil para
ir lá em cima, ao Império; era um barracão lá no morro.
M – Naquela época, cada ala tinha uma data dentro da escola para dar a sua festa.
Ala da Corte, Ala dos Impossíveis, Ala dos Amigos da Onça, Ala do Estado Maior...
cada uma tinha uma data para reverter o dinheiro para a roupa; não era a escola e
nem nego que ajudava, eram as alas que davam as festas. Dia vinte e pouco do
mês, a ala escolhia as atrações, botava cerveja... Tinha baile dançante, piquenique
dançante... Toda ala tinha uma data durante o ano, está me entendendo?
M- Sempre existiu, porque o Império, com todos os defeitos que pode ter hoje, é
uma escola de quadro democrático. Vai ter eleição, por exemplo. O presidente
sempre foi eleito, e talvez sejamos uma das poucas escolas que fazem isto hoje. E é
gostoso a gente viver em um ambiente democrático; todos pagam a sua
mensalidade, todos querem chegar no dia da eleição e votar... Então você fica
pensando nas outras que não fazem eleição, que são “mão de ferro”. Onde elas
estão? Estão lá em cima, lá no topo. Quando alguém vai mexer em alguma coisa lá
(nas escolas comandadas por “mãos de ferro”) nós pensamos duas vezes, porque lá
vai acontecer alguma coisa...
M- Vou dar um pincelada rápida, porque muitas coisas vão fugindo... Vou falar dos
anos em que o Império ou era campeão, ou era vice, ou terceiro, porque roubavam
do Império... O Império até pouco tempo era a escola que mais tinha vice. Tem uma
piada aí: “Vamos tomar um troço? – De quem? De quem? De quem?” (risos). “Jacó,
139
246
Refere‐se à Escola de Samba Portela.
140
M- Havia uma diretoria, sempre houve uma diretoria, nunca houve aqui um “bam
bam bam”. Tinha uma pessoa que se destacava: Antônio dos Santos, o Fuleiro, que
era o diretor de harmonia naquela época; diretor de harmonia era ele e mais um,
hoje em dia diretor de harmonia tem trinta e poucos, trinta e poucos diretores de
harmonia e a escola vai uma “M” lá em baixo (risos), e naquela época tinha diretor
de harmonia com banca mesmo, tanto aqui como em outras escolas, e o presidente
lá da época quando o Império foi campeão foi presidente também aqui da Velha-
Guarda; eu que substituí ele, o senhor Hugo Mocorongo: um negro bonito, deste
tamanhão e tal, um negro bonito mesmo. O nome dele era Hugo Pinto, mais
conhecido no meio do samba como Hugo Mocorongo. Depois tivemos Zacarias dos
Santos Avelar, que foi o meu guru; ele me ensinou na gestão dele o que eu sei de
Velha-Guarda; ele foi presidente aqui da escola no bicampeonato de cinquenta e
cinco e cinquenta e seis; foi Hugo Mocorongo e Zacarias presidente [...]. Este
campeonato foi uma forra que eles deram para o Império de 1965; vieram dar a forra
em 1972; o Império não tinha carnaval para ganhar, pra ser campeão com Carmem
Miranda de jeito nenhum, não tinha, eu estou te falando, muita gente sabe disto, o
Império não tinha.
CD2
Data:
Data: 07/12/2010
Continuação do CD1:
M- Em 1985 o Negrão de Lima mexeu lá as bolas dele, que era para dar este
carnaval ao Império; esse carnaval da Carmem Miranda foi dado! Então veio o auge.
141
Depois vem em 1982 o Bumbum, aquela maravilha! Tudo o que o Aluízio Machado e
Beto Sem Braço falaram estava acontecendo, tudo ali: as super escolas de samba,
as super alegorias, “escondendo gente bamba, que covardia”, tudo do bumbum
Paticundum! Para você ver a cabeça deles, desses dois, Beto Sem Braço e Aluízio
Machado. Então o Império é isso; teve esta época boa mesmo...
M- Nestes quatro anos que o Império foi campeão, eu tenho tudo lá batidinho, tudo
certinho, até os compositores, até os autores, até o carnavalesco. Até quando eu
vejo alguns nomes de carnavalescos que já passaram por aqui, como o Fernando
Pinto, oh! que saudade...
M- Renato Lage já esteve aqui, esse Renato Lage do Salgueiro; ele é um pouco do
Império, mas é profissional; Lage foi na época de Fernando Pinto; já teve o Clóvis
Bornai... o Evandro já desenhou para aqui. Então se pedia para esses grandes
artistas, coreógrafos, uma ajuda e eles ajudavam; não tinha essa pompa de hoje;
carnavalesco hoje é aquilo, mas naquela época eles ajudavam. Aquela Maria
Augusta, ela é sofredora também; é imperiana. Pamplona é um Salgueirense, mas
de coração verde e branco, ou imperiano com coração salgueirense; Pamplona
adorava isto aqui; ele dizia: “Se eu fosse dono de uma escola de samba eu botava
este nome, mas que nome pomposo!” (risos); ele cansou de dizer isso para mim:
“Império Serrano, mas que nome mais pomposo”. E eu digo que não tem mais nada
disso mais (risos).
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E-Sr. Mazinho, eu vou pedir para o senhor contar um pouquinho sobre o trabalho
que o senhor faz de levar o nome do Império Serrano através da Velha- Guarda, o
que representa a Velha-Guarda dentro de uma escola de samba, e que trabalho ela
desenvolve.
M- Na Velha-Guarda, entre 90% e 98% são oriundos da escola, aqueles que vieram
desde garoto, puxando corda, apanharam de mãe, porque naquela época quem
falava de escola de samba apanhava mesmo. Aqui nestas redondezas as mães não
deixavam as filhinhas de dezesseis, dezessete, dezoito anos saírem nas escolas de
samba por aí, não! A primeira escola de samba em que passaram a sair por aqui
mocinhas de dezesseis, dezessete, foi o Império, porque a mãe via a beleza do
desfile e não era mal falada como as outras escolas...
M- Naquela época que eu estou te citando, samba e escola de samba eram mal
vistos, não é como hoje que artistas pagam para sair, sem contar com outros
segmentos da sociedade.
M- O Império foi onde começaram a sair as filhinhas de mamãe desta área e tal,
tinha sempre alguém para tomar conta, “toma conta da minha filha, toma conta da
minha filha”. Já tinha algumas escolas que já tinham mulheres vividas, bailarinas,
dançarinas e coisa e tal, então o Império foi na minha época a que as mães tinham
mais coragem de dizer: “vai sair no Império porque fulano de tal vai tomar conta”.
M- Sempre que entrava alguma menina tinha alguém que dizia: “Eu sou
responsável, a senhora pode deixar, ela vai sair na minha ala, vai sair na ala da
minha mulher, a senhora pode deixar que eu tomo conta”. Então o Império foi bom
nisto.
E- O senhor lembra se essas famílias contribuíam para que essas moças fossem
autorizadas a frequentar um espaço que não era bem visto?
M- Eu acho que também era a beleza que a escola apresentava, aquilo chamava
muita atenção, as roupas, as vestimentas, as alas... naquela época, ala de homem
era ala de homem, ala de mulher era ala de mulher, então tinha ala aqui que era um
deus nos acuda! A Amigo da Onça era de um personagem tirado da revista “O
Cruzeiro”, que é a maior revista da América latina. Então com os homens todos
vestidos de Amigo da Onça, com paletó, mas tudo em linho, sapato de duas cores e
gravata. Tinha a ala do Estado Maior, com nego que fora do carnaval já andava bem
vestido, sem ser desfile, sem ter nada. Eu vim a ser imperiano por causa disto, dos
homens que eu via, que para mim eram meus ídolos.
E- E quem eram essas pessoas que frequentavam o Império, quando a sede ainda
era na rua da Balaiada?
M- Era Dalva de Oliveira, Jorge Goulart, Nora Ney, e quem mais...? Blackout,
Roberto Silva, o ministro José Gomes Talarico... foi ministro de Getúlio Vargas, foi
Ministro do Trabalho... e mais gente, muitas autoridades, esse que dá o nome daqui,
o Ministro Edgar Romero. A família toda dele é daqui, onde agora é uma igreja.
M- Ah, sempre teve impacto muito grande, porque era um lazer na noite de sábado;
naquela época era bom porque não tinha horário de verão, então sete da noite
aquelas ruas já começavam, as pessoas vinham para fora olhar os artistas que
estavam chegando, os convidados que estavam chegando: Dalva de Oliveira,
Emilinha Borba, Marlene, todos visitavam lá em cima.
M-Para a comunidade... Acharam que o Império também não podia ficar lá no morro,
pois quando chovia era aquela dificuldade, e o Império já estava bem grandinho para
ficar lá em cima; era ruim para os artistas freqüentarem. O Império já esteve aqui do
lado do distrito, onde é o Mercadão, esteve em Vaz Lobo, em um terreno lá, para
descer do morro, aí depois é que fizeram aqui.
M- Porque já não estava dando o espaço, o espaço já era pequeno pela grandeza
da escola. Houve umas coisinhas:tinha um terreno lá em baixo, até venderam título
patrimonial de uma sede, mas não se fez sede nenhuma lá. tem até gente com título
patrimonial. É uma coisa que não existe, foram ficando pedindo emprestado aqui,
emprestado ali, até que fizeram isso aqui, o trem entrou aqui, nos anos 1980,
arrebentou um pouco, descarrilou ali, aí depois fizeram aqui. Mas estivemos em Vaz
Lobo, no Tênis Clube Madureira, naquela época o falecido Silas ainda era o cara,
mas depois eu falo dos compositores da escola, mas tem outra moça ali que a
senhora pode conversar...
M- Ah, sim, vou dar um pincelada: na Velha Guarda são quase todos oriundos da
escola; uns outros que vieram de fora, os que hoje estão com uns cinquenta e
poucos anos e querem entrar para Velha-Guarda: veem o movimento como é que é,
e pedem para entrar. Então a Velha-Guarda são aqueles que desfilaram, puxaram
corda, igual a mim, porque hoje eu sou presidente, mas já puxei corda e hoje eu falo
isso com maior orgulho; sou presidente da escola de samba Império Serrano, mas
puxei corda com treze anos. Eu tenho muita história aqui dentro, até apanhei,
lembra? Saí na Velha-Guarda escondido de mãe, aliás saí na escola escondido de
mãe, e depois saí na Velha-Guarda escondido da mulher, mas aí depois ela
acostumou. Então a Velha-Guarda são aqueles que fizeram alguma coisa pela
escola em desfile, gastaram o dinheirinho das horas extras, e foram envelhecendo,
até que fundaram a ala dos Cabelos Brancos. Esse moço que passou de blusão por
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aqui também já foi presidente da ala dos Cabelos Brancos, o Sr. Ulisses; ele fundou
os Cabelos Brancos aqui na escola, estou falando do Império em 1957, porque em
1964 veio outra dissidência dentro da escola, na ala dos Cabelos Brancos, e dessa
ala fundaram a Velha- Guarda, em1964. Sr. Zacarias que foi fundador da escola, Sr.
Mocorongo, Sr. João Fabrício (um coroa que andava numa linha que Deus me
livre!), e mais umas quatro pessoas fundaram a Velha-Guarda em 1964. De 1990
pra cá começou a ter essas reuniões na casa de fulano, aí quando chegava o final
de ano, “ ah, vamos lá para casa, vamos fazer um feijão, vamos fazer um peixe”,
então nós íamos à casa de uma pessoa, na de um moço aqui em Vaz Lobo, na rua
Alice de Freitas, na casa de Sr. Silvio, eu me lembro do apelido, então íamos na
casa do Sr. Silvio e dali para outra reunião de fulano e sicrano, e fundaram a
associação para o encontro das Velhas-Guardas. Assim, quando é aniversário de
um cara e fulano vai dar uma comida, vamos até a casa dele, mas daí a casa ficou
pequena e começaram a dar (as festas) em clubes: alugavam clubes para o
aniversário do cara, aí não teve mais esse negócio de aniversário; cada Velha-
Guarda passou a dar um festinha para arrumar um dinheirinho; aí a Velha-Guarda
do Império veio nesta crescente, veio entrando gente, chegamos a ter noventa e
cinco pessoas só na Velha-Guarda, mas agora foram morrendo todos, e aqui é
lazer, não é só o desfile; a gente vem, damos esse piquenique, damos essa festa,
marcamos encontros, fazemos excursão, alugamos um ou dois ônibus, vamos beber
fora e quando a escola está nesta situação, ainda ajudamos, eu não vou dizer
como... a Velha-Guarda nossa ao invés de receber da escola, a gente ajuda a
escola!
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