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11/2/2014 Acadêmicos amestrados - Idelber Avelar | Idelber Avelar

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Acadêmicos amestrados
30/09/2010 | Publicado por Idelber Avelar em Sem categoria

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Se um marciano aterrissasse hoje no Brasil e se informasse pela Rede Globo e pelos três jornalões, seria difícil que nosso extra-terrestre escapasse da conclusão de que o maior filósofo brasileiro se
chama
Re vistaRoberto
Fórum Romano;
Loginque nosso grande cientista
Registre-se político
Autores é Bolívar Lamounier; que M arco Antonio
de blog Visitar Villa é o cume da historiografia nacional; que nossa maior antropóloga é Yvonne M aggie, e que o
maior especialista em relações raciais é Demétrio M agnoli. Trata-se de outro monólogo que a mídia nos impõe com graus inauditos de desfaçatez: a mitologia do especialista convocado para validar as
posições da própria mídia. Curiosamente, são sempre os mesmos.

Se você for acadêmico e quiser espaço na mídia brasileira, o processo é simples. Basta lançar-se numa cruzada contra as cotas raciais, escrever platitudes demonstrando que o racismo no Brasil não
existe, construir sofismas que concluam que a política externa do Itamaraty é um desastre, armar gráficos pseudocientíficos provando que o Bolsa Família inibe a geração de empregos. Estará garantido o
espaço, ainda que, como acadêmico, o seu histórico na disciplina seja bastante modesto.

M esmo pessoas bem informadas pensaram, durante os anos 90, que o elogio ao neoliberalismo, à contenção do gasto público e à sanha privatizadora era uma unanimidade entre os economistas. Na
economia, ao contrário das outras disciplinas, a mídia possuía um leque mais amplo de especialistas para avalizar sua ideologia. A força da voz dos especialistas foi considerável e criou um efeito de
manada. Eles falavam em nome da racionalidade, da verdade científica, da inexorável matemática. A verdade, evidentemente, é que essa unanimidade jamais existiu. De M aria da Conceição Tavares a
Joseph Stiglitz, uma série de economistas com obra reconhecida no mundo apontou o beco sem saída das políticas de liquidação do patrimônio público. Chris Harman, economista britânico de formação
marxista, previu o atual colapso do mercado financeiro na época em que os especialistas da mídia repetiam a mesma fórmula neoliberal e pontificavam sobre a “morte de M arx”. Foi ridicularizado como
dinossauro e até hoje não ouviu qualquer pedido de desculpas dos papagaios da cantilena do FM I.

Há uma razão pela qual não uso aspas na palavra especialistas ou nos títulos dos acadêmicos amestrados da mídia. Villa é historiador mesmo, M aggie é antropóloga de verdade, o título de filósofo de
Roberto Romano foi conquistado com méritos. Não acho válido usar com eles a desqualificação que eles usam com os demais. No entanto, o fato indiscutível é que eles não são, nem de longe, os cumes
das suas respectivas disciplinas no Brasil. Sua visibilidade foi conquistada a partir da própria mídia. Não é um reflexo de reconhecimento conquistado antes na universidade, a partir do qual os meios de
comunicação os teriam buscado para opinar como autoridades. É um uso desonesto, feito pela mídia, da autoridade do diploma, convocado para validar uma opinião definida a priori. É lamentável que
um acadêmico, cujo primeiro compromisso deveria ser com a busca da verdade, se preste a esse jogo. O prêmio é a visibilidade que a mídia pode emprestar – cada vez menor, diga-se de passagem. O
preço é altíssimo: a perda da credibilidade.

O Brasil possui filósofos reconhecidos mundialmente, mas Roberto Romano não é um deles. Visite, em qualquer país, um colóquio sobre a obra de Espinosa, pensador singular do século XVII. É
impensável que alguém ali não conheça M arilena Chauí, saudada nos quatro cantos do planeta pelo seu A Nervura do Real, obra de 941 páginas, acompanhada de outras 240 páginas de notas, que
revoluciona a compreensão de Espinosa como filósofo da potência e da liberdade. Uma vez, num congresso, apresentei a um filósofo holandês uma seleção das coisas ditas sobre M arilena na mídia
brasileira, especialmente na revista Veja. Tive que mostrar arquivos pdf para que o colega não me acusasse de mentiroso. Ele não conseguia entender como uma especialista desse quilate, admirada em
todo o mundo, pudesse ser chamada de “vagabunda” pela revista semanal de maior circulação no seu próprio país.

Enquanto isso, Roberto Romano é apresentado como “o filósofo” pelo jornal O Globo, ao qual dá entrevistas em que acusa o blog da Petrobras de “terrorismo de Estado”. Terrorismo de Estado! Um
blog! Está lá: O Globo, 10 de junho de 2009. Na época, matutei cá com meus botões: o que pensará uma vítima de terrorismo de Estado real – por exemplo, uma família palestina expulsa de seu lar,
com o filho espancado por soldados israelenses – se lhe disséssemos que um filósofo qualifica como “terrorismo de Estado” a inauguração de um blog em que uma empresa pública reproduz as
entrevistas com ela feitas pela mídia? É a esse triste papel que se prestam os acadêmicos amestrados, em troca de algumas migalhas de visibilidade.

A lambança mais patética aconteceu recentemente. Em artigo na Folha de São Paulo, M arco Antonio Villa qualificava a política externa do Itamaraty de “trapalhadas” e chamava Celso Amorim de “líder
estudantil” e “cavalo de troia de bufões latino-americanos”. Poucos dias depois, a respeitadíssima revista Foreign Policy – que não tem nada de esquerdista – apresentava o que era, segundo ela, a chave
do sucesso da política externa do governo Lula: Celso Amorim, o “melhor chanceler do mundo”, nas palavras da própria revista. Nenhum contraponto a Villa jamais foi publicado pela Folha.

Poucos países possuem um acervo acadêmico tão qualificado sobre relações raciais como o Brasil. Na mídia, os “especialistas” sobre isso – agora sim, com aspas – são Yvonne M aggie, antropóloga que
depois de um único livro decidiu fazer uma carreira baseada exclusivamente no combate às cotas, e Demétrio M agnoli, o inacreditável geógrafo que, a partir da inexistência biológica das raças, conclui que
o racismo deve ser algum tipo de miragem que só existe na cabeça dos negros e dos petistas.

Por isso, caro leitor, ao ver algum veículo de mídia apresentar um especialista, não deixe de fazer as perguntas indispensáveis: quem é ele? Qual é o seu cacife na disciplina? Por que está ali? Quais serão
os outros pontos de vista existentes na mesma disciplina? Quantas vezes esses pontos de vista foram contemplados pelo mesmo veículo? No caso da mídia brasileira, as respostas a essas perguntas são
verdadeiras vergonhas nacionais.

Este artigo é parte integrante da Edição 80 da Revista Fórum

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Brasil, Estadão, Folha de São Paulo, informação, mídia, Rede Globo

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10 comentários

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André Alexandre says:


quinta-feira, 12th maio 2011 at 10:19

Caro Idelber:

Parabéns pelo post. Realmente a mídia busca um respaldo acadêmico para defesa de teses e opiniões que divulga para a sociedade. Só discordo da análise do trabalho de M aggie e M agnoli. Acho
que ambos têm mais argumentos do que foi exposto em seu texto.

De qualquer forma, gostei muito de ter lido este post.

Um abraço,

André Alexandre

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Tiago says:
quinta-feira, 7th julho 2011 at 10:26

O link da Foreign Policy sobre o Celso Amorim está aqui:

http://rothkopf.foreignpolicy.com/posts/2009/10/07/the_world_s_best_foreign_minister

Sobre os especialistas citados, diria que eles fazem o papel do boneco de ventríloquo: estão ali, mexem a boca e se movimentam, mas a voz deles é a voz do ventríloquo, neste caso a mídia. A
diferença é que o truque do ventríloquo é evidente, enquanto o da mídia quer se passar por “natural”, “imparcial” para surtir o efeito desejado.

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Felipe says:
sábado, 9th julho 2011 at 18:56

Parabéns pelo texto. Pierre Bourdieu já cantava essa pedra desde a década de 1990, em seu “Sobre a Televisão”.

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Pingback: curso de gênero, raça e etnia para jornalistas – parte 1 | fervendo a peruca

Oswaldo says:
quarta-feira, 5th outubro 2011 at 6:00

É isso mesmo que se passa. Eu não me incomodaria se nenhuma dessas pessoas se apresentasse com sinceridade de propósitos nos meios que lhes dão voz: colaboradores de José Serra,
partidários do PSDB, representantes de interesses bastante específicos, enfim. M as ao invés disso, aparecem como cientistas que estão ocupando espaço para ajudar a população a entender a
verdade dos fatos.

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Rosi says:
segunda-feira, 10th outubro 2011 at 10:14

M as que texto ótimo!

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Rosi says:
segunda-feira, 10th outubro 2011 at 10:17

Reli o texto e fiquei pensando que um papel importante para aqueles que tem, de alguma forma, acesso a meios de publicação na internet (com alguma visibilidade), seria trazer estas outras
vozes, dar a conhecer estes especialistas e intelectuais que, por mais que trabalhem e tentem constantemente analisar as coisas do Brasil de uma perspectiva crítica, não tem espaço para
divulgação, a não ser na própria academia, o que é terrivelmente restrito. Eu conheço uma meia dúzia!

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Rafael says:
sexta-feira, 14th outubro 2011 at 9:37

Como jornalista, envergonham-me a imprensa e as indústrias de comunicação. Dizem que tanto o jornalismo quanto as salsichas é melhor não ver como são feitos…

A mídia não está aí para informar ninguém, uma vez que comunicação em massa é apenas poder e grana.

Parabéns pelo artigo, excelentes questionamentos.

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Luiz Roberto Guedes says:


quarta-feira, 28th dezembro 2011 at 9:46

Realmente, a mídia nativa dispõe dos melhores especialistas que a dinheiro pode comprar. M eu “Villa” favorito é o PANCHO VILLA.

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Luís says:
quinta-feira, 31st maio 2012 at 8:51

Será que ainda está disponível esse texto do Roberto Romano em que ele diz que o blog da Petrobrás é terrorismo de Estado?

PS: Antes o ET achar que o maior filósofo é o Roberto Romano do que ele fuçar a Internet e achar que o maior filósofo brasileiro da atualidade é o Olavo de Carvalho.

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Sobre o autor
Idelber Avelar é colunista da Revista Fórum e ex-editor do blog "O Biscoito Fino e a M assa" (http://idelberavelar.com). É Professor Titular de Literaturas Latino-Americanas e Teoria Literária
na Universidade Tulane, em New Orleans. É autor de Alegorias da Derrota: A Ficção Pós-Ditatorial e o Trabalho do Luto na América Latina (UFM G, 2003) e Figuras da Violência: Ensaios
sobre Ética, Narrativa e Música Popular (UFM G, 2011), e coeditor de Brazilian Popular Music and Citizenship (Duke UP, 2011), entre outros livros. M antém o Twitter @iavelar

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