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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE SOCIOLOGIA

FELIPE CORDEIRO DA ROCHA

MEMORIAL:
HISTÓRIA, PERCURSO E REFLEXÃO DA MINHA AÇÃO DOCENTE

SÃO JOÃO DEL-REI


2018
FELIPE CORDEIRO DA ROCHA

MEMORIAL:
HISTÓRIA, PERCURSO E REFLEXÃO DA MINHA AÇÃO DOCENTE

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao Polo de Apoio Presencial da Universidade
Federal de São João del-Rei, como requisito
parcial à obtenção do título de especialista em
ensino de sociologia.
Orientador: Profa. Dra. Renata de Souza Reis

SÃO JOÃO DEL-REI


2018
Dedico com amor a minha esposa Deise
Martins por sempre estar ao meu lado, me
apoiando e me incentivando, assim como
aos meus filhos Adrian e Sofia e a memória
de meus pais Odílio e Luci, além de minha
madrasta Neuci que assumiu com maestria a
função de mãe, após a morte de minha mãe
biológica.
Agradeço à Universidade Federal de São João Del-Rei e ao polo presencial da
cidade de Matão, distante cerca de 200 quilômetros de casa, e ao Núcleo de
Educação a Distância da UFSJ pela oportunidade de poder aperfeiçoar minha
prática, nesta busca que é continua e essencial à docência

Agradeço de coração a minha orientadora Profa. Dra. Renata de Souza Reis que
mesmo a distância me apoiou muito nesta empreitada, assim como agradeço a
tutora presencial Francine Nunes da Silva assim como os tutores a distância das
disciplinas, à minha família, meus companheiros do grupo do “WhatsApp” do curso
aos quais recorri muitas vezes por apoio.
“A liberdade, que é uma conquista, e
não uma doação exige uma
permanente busca. Busca
permanente que só existe no ao
responsável de quem a faz.
Ninguém em liberdade para ser livre;
pelo contrário, luta por ela
precisamente porque não a tem.”

Paulo Freire
RESUMO

Da importância de se rememorar para a prática docente. O seguinte trabalho de


Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Ensino de Sociologia na
modalidade de Ensino a Distância, oferecido pela Universidade Federal de São João
Del Rei, pretende reviver, como destaca Bosi (1983) ao dizer: “Na maioria das vezes
relembrar não é reviver, mas repensar com as ideias de hoje”. Daí reviver o caminho
que como docente trilhei até aqui, representa o ato de reflexão da prática docente.

Este trabalho com base no material construído durante as disciplinas memória e


formação docente e memória e prática docente cursadas no primeiro módulo da
especialização que será dividido capítulos: A infância na periferia; formação
acadêmica e a experiência docente.

Justifica-se o trabalho pela necessidade que a memória tem na formulação do


sentido do trabalho docente, já que o trabalho docente é, sobretudo reflexivo, somos
como professores também um resultado das experiências docentes e não docentes
que temos que se reflete sobre a nossa prática docente, uma vez que não existe
neutralidade absoluta e como destaca Freire (1982, p. 97) a educação enquanto ato
de conhecimento é também, um ato político.

Palavras-Chave: Memória, Educação, Memorial.


ABSTRACT

The importance of remember the docent practice. This paper written as work of
conclusion of postgraduation course in teaching of sociology for basic education by
the Federal University of São João Del-Rei in the modality of Distance Education, as
Bosi (1983) says when speak remember in the most of time is not revive but rethink
with the ideas of today so to remember the way I’ve walked into today is an act of
reflation.

This paper is justified because it talks about the memory and the memory is
formulation of sense to docent job, cause my job is a reflexive job and because as a
teacher I am influenced by my experiences and my personal history which is
reflected in my work at class room. So, I believe there's no neutrality. Freire (1983)
said education while an act of knowledge, is also a political act.

KEYWORDS: Memory, education, memorial.


RESUMEN

De la importancia de rememorar la práctica docente. Este trabajo de fin de curso de


especialización de enseñanza de sociología en la modalidad de educación a
distancia por la Universidad Federal de São João Del-Rei, como destaca Bosi (1983)
cuando habla, que en la mayoría de las veces recordar no es revivir, sino repensar
con la cabeza de hoy, entonces revivir la memoria de lo camino que hasta aquí
tengo seguido es un acto de reflexión.

Se justifica el trabajo por que la memoria es necesaria en la formulación del sentido


del trabajo docente, pero que el trabajo docente es un trabajo de reflexión, porque
como profesores somos el resultado de la experiencias docentes y de la vida
personal que tuvimos hasta ahora que refleja en nuestra práctica docente. No hay
neutralidad, como destaca Freire (1982, p. 97) educación mientras acto de
conocimiento es también un acto político.

PALAVRAS-CLAVE: Memoria, educación, memorial.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Na Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro .................... 16

Figura 2 - Grupo de estudantes da primeira turma da UNILA de agosto de 2010..... 17

Figura 3- Escola Estadual Itinerante Sementes do Amanhã do acampamento do

MST de Matelândia, PR. ........................................................................................... 18

Figura 4 - Escola Básica Augusto Roa Bastos do assentamento Comuneros, Minga

Guazú, Alto Paraná, Paraguai. .................................................................................. 18

Figura 5 - Escola básica 393 do Assentamento Paraje Nueva Argentina, Colônia

Wanda, Província de Misiones, Argentina. ................................................................ 19


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

C.A Classe de alfabetização


MST Movimento dos Trabalhados sem Terra
NRE Núcleo Regional de Educação
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8

2. A INFÂNCIA NA PERIFERIA E A ESCOLA ................................................................. 10

3. A FORMAÇÃO ACADÊMICA ......................................................................................... 13

4. A EXPERIÊNCIA DOCENTE.......................................................................................... 21

5. CONCLUSÃO ................................................................................................................... 28

6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................................... 29


8

1. INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2013 pela primeira vez, ainda como estudante de bacharelado


em ciência política e sociologia, entrei pela primeira vez numa sala de aula como
professor numa escola pública, eu celebrava meu primeiro contrato como
professor temporário, mas ainda me recordo, quando na Núcleo Regional de
Educação de Foz do Iguaçu, pela primeira vez me chamaram professor. Eu
confesso que senti muito orgulho, mas não posso dizer que foi aí que iniciei
minha carreira docente, pois as experiências que tive muito antes, desde minha
experiência como professor leigo num acampamento de reforma agrária ou
ainda antes, desde a minha infância carrego comigo experiências que me
fizeram professor, que juntamente com novos aprendizados vai dando
ressignificando minha prática docente, daí a necessidade de fazer aqui um relato
em primeira pessoa, para deixar clara a subjetividade deste trabalho, que é um
relato de experiência, um memorial, que sobretudo é uma reflexão do percurso
que como professor tenho traçado.

Este trabalho é requisito para a conclusão do curso de ensino de sociologia pela


Universidade Federal de São João Del-Rei na modalidade a distância e é um
memorial que tem como objetivo a reflexão a partir da memória da minha
trajetória como professor de sociologia na rede estadual de São Paulo, daquilo
julgo numa análise subjetiva que contribuiu para me trazer para uma sala de
aula. Este trabalho está dividido em três capítulos:

O primeiro capítulo a infância na periferia e a escola, é uma tentativa de a partir


da memória revisitar minha infância no bairro de Senador Camará, na região de
Bangu na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, desde os primeiros anos de
escola, até a minha formação na educação básica que já se deu na fase adulta e
descreve as dificuldades que tive neste período, as impressões, dos interesses e
conquistas.

O segundo capítulo formação acadêmico, fala sobre o período de formação de


faculdade, primeiro como bacharel em ciência política e sociologia pela
Universidade Federal da Integração Latino-Americana e posteriormente a
9

complementação pedagógica pelo Centro Universitário União Dinâmica das


Cataratas e nos cursos posteriores de pós-graduação, mas busca através de
imagens, de relatos rememorar o sentimento, os desafios, as lutas, mas também
o significado e o sentido construído no processo de formação superior.

O terceiro capítulo a experiência docente é o ato de contar e recontar, desde o


princípio, desde o primeiro dia que entrei numa sala de aula, seja como
professor leigo em acampamentos do MST e como professor temporário e ainda
acadêmico na rede pública de educação até posteriormente a experiência como
professor formado e concursado, das dificuldades que tive e ainda tenho, mas
das vitórias e sobretudo do sentimento neste percurso.

Não é um trabalho pretencioso, apenas com humildade espera contribuir com a


construção de um mosaico construído pela história de outros professores, algo
muito maior. Aqui é simplesmente é um ato de expressão, que antes de
pretender ter qualquer objetivo externo, é um ato auto reflexivo, construído
dentro de todos os limites de tempo, dividido entre meu trabalho docente, minha
família e meus estudos, é sobretudo um desabafo.
10

2. A INFÂNCIA NA PERIFERIA E A ESCOLA

“A vida imita o vídeo


Garotos inventam um novo inglês
Vivendo num país sedento
Um momento de embriaguez, nós

Somos quem podemos ser


“Sonhos que podemos ter...”.

Engenheiros do Hawaii

Nasci no ano de 1975 na maternidade Santa Helena no bairro Jabour, na


zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e passei os primeiros anos de vida no bairro
Senador Camará, na região de Bangu, um bairro periférico, que segundo dados da
polícia militar do Rio de Janeiro de 2016, está entre os 5 bairros mais violentos da
cidade. Quando nasci ainda não havia ruas asfaltadas e o esgoto corria a céu
aberto. Meu pai trabalhava no centro da cidade e minha madrasta que cuidava de
mim e minha irmã menor e não permitia que brincássemos com as crianças na rua,
na tentativa de nos afastar da violência, pois na nossa rua a maioria dos
adolescentes foram atraídos pelo tráfico de drogas. Nosso quintal, com muros altos,
era nosso mundo, era lá onde brincávamos, havia uma goiabeira no quintal e
gostávamos de assistir TV e todos os dias, e exceto nos finais semana, ao final da
tarde, antes do sol se pôr, e minha madrasta nos levava na rua enquanto ela
conversava com a vizinha eu e minha irmã Cátia olhávamos o movimento, depois
entrávamos, tomávamos banho, lanchávamos e ficávamos esperando nosso pai
chegar. Ele sempre nos trazia um doce que ele comprava no trem da central, que
era o transporte que ele usava sempre para voltar do trabalho, são acontecimentos
que ficaram na lembrança.

Naquela época, ainda havia poucas vagas na única escola pública do bairro,
a Escola Municipal Sampaio Correia, a escola não era acessível a todos, no entanto
era considerada uma escola de qualidade e eu sonhava em estudar lá, mas não
consegui, era necessário ficar ao menos dois dias na fila, minha família nunca se
dispôs a ficar nesta fila, não me recordo porque razão.
11

Quando criança via os uniformes da escola pública eu queria muito estudar


lá, mas eu fui para uma escolinha particular da minha rua, que se quer era
regulamentada, uma escolinha chamada Pingo de Gente, lá era só desenhar, eu
queria ir mais longe e foi quando chegou a escola adventista no nosso bairro na
avenida Taquaral, perto de casa, onde meu pai matriculou a mim e a minha irmã
Cátia no C.A, oficialmente foi lá que fui alfabetizado, embora já soubesse ler
bastante através dos jornais de domingo que papai comprava, eram verdadeiros
calhamaços! Quando o jornal chegava nós o repartíamos, o caderno de esportes
ficava com meu pai, o de política e economia era eu que gostava e meu pai também,
minha irmã gostava do caderno cultural e o infantil chamado globinho e eu também e
finalmente minha madrasta gostava do caderno de novelas, era uma festa! Até hoje
escrevo em letras de forma ou de imprensa, como muitos a designam, como
resultado disso, depois nunca aprendi direito escrever letras cursivas, é um defeito
que ainda carrego comigo!

Nossa família não tinha muito, mas não nos faltava nada na infância, naquela
época meu pai já era aposentado como estivador e trabalhava no Sindicato Nacional
dos Marinheiros e Moços de Máquina em Transporte Marítimos e Fluviais na avenida
Venezuela no Centro do Rio fazendo serviços de banco e de entrega de
documentos.

Fui matriculado na escola adventista, lá avancei com o processo de


alfabetização com uma daquelas cartilhas, não me lembro o nome, mas me recordo
das imagens da capa, algo como um parque de diversões e lá permaneci somente
por um ano, antes de estudar lá, por conta de algumas crises, um início de epilepsia
que não se desenvolveu, eu estudei numa escola especial que ficava no distante
bairro de Engenho de Dentro na zona norte da cidade e eu ia de trem com meu pai,
que antes de ir trabalhar me deixava na escola.

Na escola do Engenho de Dentro era divertido, me recordo dos passeios, um


deles para Quinta da Boa Vista e para o Museu Nacional, no entanto tinha alunos,
que para mim pareciam fora da realidade, eu não me via como eles, embora eu
gostasse de estudar lá e quando a minha irmã menor tinha três anos, ela teve
câncer, naquele período não pude mais estudar nesta escola, depois passei um ano
na Escola Adventista, um ano na Escola da Associação de Moradores, isto é, a
associação de moradores contratou uma professora e cobrava um determinado valor
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por aluno que estudava lá, era mais acessível, por isso meu pai decidiu nos
matricular lá, porém embora eu gostasse da professora eu já era alfabetizado e as
crianças que estudavam lá ainda estavam nesta fase, assim nem eu nem minha
irmã nos adaptamos e foi só com o advento do governo de Leonel Brizola que houve
uma expansão no sentido de universalização do ensino básico com a criação dos
Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), mas conhecidos popularmente
como “brizolões” e uma vizinha tentou nos matricular lá, sem êxito até que minha
família entrou numa crise financeira profunda, nosso pai foi trabalhar como caseiro
nos levando com ele e depois de passar em alguns lugares sem estudar nos
mudamos para cidade de Itaguaí, lá que sozinho fui me matricular no CIEP Djalma
Maranhão.

Foi um choque a nova escola, era uma escola de tempo integral pensada
para ser de qualidade, no entanto, era para lá que as crianças que nunca tiveram
acesso à escola iam, era violento, eu apanhava todos os dias e foi muito difícil, aos
poucos passei a não gostar da escola, pois eu era quieto e o mundo que a escola
me oferecia estranho e embora gostasse de estudar e passasse horas eu e os livros
em casa e logo parei de frequentar aquela escola, as vezes tentava estudar a noite,
não conseguia, muitas vezes pela violência, e demorou muito para com 30 anos,
terminar meus estudos tanto o ensino fundamental quanto médio em 6 meses
dentro do Centro de Ensino Supletivo Paulo Decourt, que na época funcionava na
Unicamp, quando eu já morava na região de Campinas no estado de São Paulo e
trabalhava como gari numa empresa de limpeza urbana da cidade vizinha de
Paulínia.

Com o tempo as necessidades que surgiram com a maturidade, inclusive a


necessidade de ter um trabalho melhor, o sonho de entrar na universidade e a
paixão que eu já sentia pelos livros me fez desesperadamente querer estudar a
desdém de toda a vergonha que eu sentia de como adulto voltar para escola e
quando eu conheci o ensino através de módulos foi a oportunidade que eu queria,
foi como um sonho e todos os dias ao sair do trabalho eu as vezes de bicicleta, as
vezes caminhando e outras de ônibus ia da cidade de Paulínia, onde eu morava e
trabalhava, até o bairro de Barão Geraldo em Campinas, onde em seis meses
terminei meus estudos e logo depois ingressei numa universidade pública, primeiro
13

no curso de pedagogia, curso que não cheguei ao fim e depois no de bacharelado


em ciência política e sociologia e posteriormente na licenciatura em sociologia.

3. A FORMAÇÃO ACADÊMICA

Antes de falar da experiência da minha formação acadêmica, sinto ser


importante descrever as circunstâncias que me levaram para docência e confesso,
na infância e na adolescência ao pensar naquilo que podemos chamar o que vou ser
quando crescer, eu confesso que não tinha nenhuma certeza. Pensei em momentos
diferentes em profissões, desde bombeiro a padre, algo que eu pensava mais no
período da infância, mas também na adolescência pensava em jornalismo,
psicologia, cinema e por fim sociologia, esta última que mais tarde, por motivos que
aqui relatarei, se tornou uma paixão, e até então eu nunca havia pensado em ser
professor.

Os caminhos que me levaram a sociologia e posteriormente à docência


começam com o ambiente político em que vivi na infância e início da adolescência
na década de 80, mas também na década de 90, quando ouvi falar em diretas já, em
redemocratização, vi o protagonismo político da juventude neste período, nas diretas
já e mais tarde os chamados caras pintadas, mas também a fome, um país muito
desigual e é aí que surge minha admiração por ícones como Betinho e Darcy
Ribeiro, que como eu disse, eram ícones, mas na luta contra a desigualdade e pela
educação o que aos poucos vai fazendo que eu queira ser sociólogo. Eu queria
trabalhar em ONG’s, porém tudo isso não ficou só no desejo, fui um adolescente e
jovem que conviveu com a depressão, numa existência conturbada, numa situação
financeira instável, pois minha família passou por um período de muita privação, isso
me incentivou a me envolver na causa social e explica minha posterior militância
política e social..

No início dos anos 2000 me mudei para o estado de São Paulo, em busca de
trabalho e buscando me afastar dos fantasmas, isto é, das tristezas que me
acompanharam na adolescência no Rio de Janeiro, meu estado natal. Em São Paulo
conheci o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do polo regional
da Grande São Paulo, onde acompanhei o acampamento Camilo Torres pelas
cidades de Cajamar e Franco da Rocha, mais por aproximação ideológica, uma vez
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que neste período já morava sozinho e trabalhava, por vezes no comércio, ou na


indústria como auxiliar de produção e também fui gari. No MST logo fui convidado a
contribuir no setor de formação política e posteriormente no setor de educação, onde
fui educador lecionando para adultos que buscavam retomar seus estudos e foi daí
que veio a primeira aproximação com a escola, o que foi uma experiência rica, algo
que ainda guardo comigo.

Da experiência que tive no MST, embora curta, dividida em dois períodos,


guardei a vontade que as pessoas tinham de recuperar o tempo em que não
puderam estudar, e percebi a forma que a educação é valorizada pelo Movimento
dos Sem Terra, apesar dos recursos escassos e da situação muitas vezes precária.
Eu lecionei em barraco de lona, havia pouco material didático, mas muita vontade,
neste período, que foi inferior a um ano aprendi muito! Eu que cuidava da matricula
das crianças, eu acordava de madrugada e passava na casa dos pais buscando as
crianças para caminhar na estrada de chão até onde passava o transporte escolar,
preparava as aulas para os adultos, e mesmo sendo um professor leigo, o que
requeria de mim maior esforço, eu precisava aprender primeiro, pra só então
ensinar, e ao mesmo tempo em que eu ensinava, eu também aprendia.

Naquela época eu não havia terminado meus estudos, e o curioso que eu


mesmo não tinha um diploma, o que só mais tarde, um período que passei fora do
movimento para trabalhar vim a adquirir meu diploma. Daí veio o convite do
movimento para me inscrever no vestibular especifico para educadores do campo na
Universidade Federal de São Carlos, onde iniciei meus estudos no curso de
pedagogia da terra, no entanto não me formei lá, voltei a viver na cidade e a
trabalhar como gari, mas segui com muita força atrás do sonho de me formar.

Eu morava sozinho, e o que ganhava como gari dava para me sustentar, mas
nesta época que já morava na cidade de Paulínia e o que eu ganhava era para
pagar aluguel, me manter, mas não sobrava para pagar uma faculdade, pois nesta
região os cursos superiores então custavam muito além do que eu podia pagar.

Eu queria cursar sociologia, mas devido ao convite do MST comecei a cursar


pedagogia na Universidade Federal de São Carlos, depois por impossibilidade de
poder voltar a viver num acampamento de reforma agrária não pude terminar o
curso, neste período, após um casamento que não foi feliz, me separei e passei por
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muitos problemas e mesmo por desemprego, algo muito difícil e assim que consegui
um emprego resolvi estudar.

Figura 1- Primeira turma de pedagogia da Terra da UFSCar

Por um ano, sempre que chegava do meu emprego de zelador na prefeitura


eu ia estudar até a hora de dormir, neste período não saia, como estava morando
numa cidade distante quase não tive amigos, eu assistia vídeo aulas e fazia e
refazia os exercícios várias vezes e eu sinceramente, até pela precariedade da
minha própria formação, pois me formei aos 30 anos em um supletivo, e sabia que
precisava estudar para realizar meu sonho de ser sociólogo. Aquele era o ano de
2009, ano que prestei vestibular para diferentes instituições em cursos diferentes e
passei em todos os vestibulares que prestei e na hora de me matricular, pela
escolha, pesou uma universidade que tivesse moradia estudantil e alimentação, pois
eu sabia que não teria uma família para me apoiar neste período a me manter na
universidade, assim minha escolha fui cursar pedagogia na Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro.
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Figura 2- Na Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro

Na Rural, pois assim é conhecida a UFRRJ, aprendi muito, morei no Diretório


Central dos Estudantes (DCE) até conseguir uma vaga na moradia estudantil, fiz
estágio no restaurante universitário (bandejão) duas vezes por semana em troca da
alimentação, logo consegui estágio numa escola na zona rural do município de Nova
Iguaçu com a ajuda do professor Ramofly Bicalho e também um estágio no Setor de
Moradia Universitária da Universidade e lá fiz muitos amigos, porém ainda pensava
em cursar sociologia, ou melhor, ciências sociais, curso que geralmente forma o
sociólogo e no segundo semestre do mesmo ano de 2010 quando aprovado no
curso de ciência política e sociologia da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA) me transferi para Foz do Iguaçu.

Na UNILA encontrei um mundo muito diferente, as aulas eram hora em


espanhol, ora em português, os alunos e professores eram formados de
estrangeiros e brasileiros, a vivência cultural era intensa, não só pela diversidade
entre os estudantes, mas também pela universidade estar situada em região de
fronteira, no entanto embora tudo isso fosse muito rico, também era difícil, na
integração entre as diferentes nacionalidades dos estudantes e por muitas vezes
houve atrito, os textos em espanhol, no começo eram complicados e difíceis de
compreender e o curso era muito rígido, havia muitos textos, certas semanas quase
mil páginas e o curso era muito mais ciência política que sociologia que é o que eu
realmente queria fazer.
17

Figura 3 - Grupo de estudantes da primeira turma da UNILA de agosto de 2010

Eu não pensava em me envolver com a escola básica, mas uma professora


argentina da UFRGS que passou um período no curso de letras e mediação cultural
da UNILA, começou um projeto de extensão com escolas no campo em escolas do
Brasil, Argentina e Paraguai. Eu me candidatei e fui aprovado e no projeto conheci a
Escola Básica Augusto Roa Bastos no assentamento Comuneros em Minga Guazú
no Paraguai; a Escola Básica do assentamento Paraje Nueva Argentina em Wanda
na Argentina e a Escola Sementes do Amanhã do acampamento de Matelândia no
Estado brasileiro do Paraná e aos poucos fui me encantando com a educação ao
ponto de me dedicar a publicar sobre temas da sociologia ligados a educação, o que
era difícil, já que a maioria dos professores pesquisavam sistemas eleitorais e outros
temas ligados à política.

Embora eu tivesse uma tendência natural em gostar da política, não era algo
tão natural, estudar sistemas partidários, estudar tendências da democracia,
comportamento eleitoral, era algo que não me agradava tanto, pois a meu ver não
parecia algo prático, eu era mais militante social, não mais tão marxista como no
período do MST, já que a convivência com outros autores ampliou meus horizontes,
mas ainda assim eu queria ir a campo, não me agradava pensar em ficar sentado
pensando na arquitetura política, eu queria estar com pessoas, na comunidade. Fora
18

isso, a política me parecia muito difícil, me recordo de certa vez que um professor
argentino pediu a leitura de cinco livros para prova, eu que neste período já era
casado e já lecionava como professor temporário de sociologia só li três, por falta de
tempo, mas também de interesse e o professor leu e comentou minha prova e
cobrou as duas questões que havia deixado em branco e me justifiquei dizendo que
não queria ser cientista político e sim sociólogo e é claro, levei uma bronca do
professor tão grande que não me esqueci mais, ainda assim, ele me deixou com a
nota necessária para a aprovação.

Figura 4- Escola Estadual Itinerante Sementes do Amanhã do acampamento do MST de Matelândia, PR.

Figura 5 - Escola Básica Augusto Roa Bastos do assentamento Comuneros, Minga Guazú, Alto Paraná,
Paraguai.
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Figura 6 - Escola básica 393 do Assentamento Paraje Nueva Argentina, Colônia Wanda, Província de Misiones,
Argentina.

Durante meu curso conheci Deise, me casei e comecei a trabalhar a noite


como recepcionista de hotel, além de meu curso ser integral e precisava otimizar
meu tempo e quando o movimento no hotel de madrugada era menor, lá por volta de
duas da manhã, eu lia meus textos e só dormia no intervalo do almoço de baixo de
uma árvore frondosa no campus que me dava sombra e silêncio necessários para
meu descanso. Eu ainda fazia parte do projeto de extensão nas escolas do campo e
tudo isso me levou a estafa mental e física e a reprovação, especialmente nas
matérias de política. Três anos depois de ter iniciado o curso que larguei o hotel
onde trabalhava de madrugada e comecei lecionar a noite numa escola pública perto
de casa como professor temporário de sociologia.

No ano de 2015 após cinco anos me formei e apesar nos estágios como
bacharel e das experiências, inclusive fora do país, nos projetos da universidade e
nos congressos, acabei optando ao fim por permanecer como professor ao invés de
seguir a carreira como bacharel.

O curso foi extremante rico pra mim, me deu uma base muito rica, foi difícil,
muitas vezes pensei que não iria me formar, mas foi muito legal, neste período fiz
amigos de muitas nacionalidades, conheci outros países, Argentina e Paraguai, mas
também tive a oportunidade de participar de um laboratório de observação de
eleições, de participar de encontros do MERCOSUL Social em Brasília e em Foz do
Iguaçu, aprendi falar espanhol, mas não nego que durante todo o curso tive dúvidas,
eu no começo do meu período na UNILA queria voltar a estudar na rural.
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Figura 7 - Foto dos formandos de ciências política e sociologia 2015 primeiro semestre da UNILA

Só depois de formado bacharel que fiz complementação pedagógica em uma


faculdade particular em um ano, obtendo assim o título de licenciado em sociologia,
fiz duas pós e iniciei no mestrado em educação na Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, curso ao qual não conclui por conta de assumir como professor efetivo
de sociologia no Estado de São Paulo, por conta da distância, ainda que tenha forte
desejo de quando aprovado em um processo seletivo concluir um mestrado nas
áreas de educação ou sociologia.

A licenciatura foi uma consequência natural, afinal eu já lecionava havia pelo


menos dois anos e na verdade durante minha graduação na UNILA eu já queria ter
optado pela licenciatura em concomitância com o bacharelado, mas a universidade
não tinha e por isso não me deu esta opção.
21

4. A EXPERIÊNCIA DOCENTE

Para falar sobre a minha vivência e experiência como docente, professor do


ensino médio professor de sociologia quero começar do que eu sinto hoje e o que eu
espero no futuro, só então fazer uma regressão desde o primeiro dia que entrei
como professor numa sala de aula e então lançar um olhar do papel da docência na
minha vida.

Nunca fui um grande idealista, aquela pessoa que tomou a docência como
uma missão, na verdade são as experiências que me mostram a cada dia o sentido
de estar numa sala de aula e não nego, em grande parte, este sentido se
desenvolveu ligado a minha própria necessidade de sobrevivência, de estar
entregado e das oportunidades que a vida tem me oferecido, mas esta experiência
não se resume a isso, se não lecionar não faria sentido. O posso pessoalmente dizer
é que tenho muitos problemas em fazer o que não faz sentido e por isso, quando
vejo um aluno, se destacando e progredindo, isso tem todo o sentido para mim e em
parte é o que dá sentido à minha ação docente.

Uma vez ouvi uma história, não sei sua origem, porém ela sintetiza bem o que
quero dizer, ela diz:

Certa vez chamaram um ceifador, perguntaram quanto você ganha por dia,
ele respondeu que ganhava três dinheiros, então ofereceram lhe dez dinheiros por
dia, se ele ceifasse o vento durante todo o dia. Sua função era simples, ceifar um
espaço limpo, sem vegetação e no mesmo lugar por todo o dia, após poucos dias
ele entregou o trabalho e justificou ao dizer: “Não consigo ver sentido no que faço”,
desta mesma forma, me sentiria muito mal lecionar apenas significasse satisfazer
uma necessidade de sobrevivência, especialmente com o que enfrentamos todos os
dias, isto é, salas cheias, com 40 e 45 alunos, onde muitos insistem em jogar
baralho e explicar a matéria é quase uma missão impossível e tudo isso pesa
demais, não posso negar, as vezes saiu da sala de aula desejando nunca mais ter
que entrar nela, mas são os pequenos resultados, ver os estudantes progredindo,
que dá sentido ao que faço.

Um exemplo deste folego renovador e que depois de quatro anos lecionando


como professor temporário na Rede Estadual de Educação do Paraná assumi
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concurso no Estado de São Paulo, assumi na mesma escola que ainda trabalho há
pouco mais de um ano e meio e foi muito difícil, quando cheguei enfrentei a
realidade de salas lotadas, de não ter direito se que de imprimir minhas provas,
assim eu tinha que copiá-las na lousa e os alunos chegaram a me jogaram lixo na
cabeça e muitas vezes eu no meu intimo implorava para voltar para o Paraná e foi
um ano assim e o pior é que meu salário tinha baixado cerca de um terço ao mesmo
tempo que os custos aumentaram e desta forma eu mal conseguia manter a mim e
minha família, devido as dívidas que fiz por conta da mudança.

Eu ao chegar para assumir o concurso, só encontrei casa na cidade vizinha e


da necessidade de economizar combustível, eu passava o dia inteiro na escola,
inclusive tive que financiar meu primeiro carro pela necessidade que surgiu pois
depois da última aula as vezes perdia o ônibus para casa. E no final do ano para
minha surpresa fui o professor homenageado da metade das salas, os alunos me
abraçaram, me encheram de presentes e o peso simbólico disso foi muito grande, foi
ali que vi que tudo que eu tinha feito em uma ano, que muitas vezes parecia sem
sentido, tinha sim sentido e até me senti envergonhado, pois era o professor mais
novo na escola, e ao mesmo tempo feliz e nesta mesma época um aluno que
morava na zona rural que tive no Paraná me mandou uma mensagem agradecendo
na qual ele dizia que ele havia sido aprovado num dos mais concorridos vestibulares
públicos do Oeste do Paraná e que ele acertou todas as questões de sociologia,
pois segundo ele, eu fui um bom professor da disciplina. Também me recordo da
feira internacional de ciência que participei com dois dos meus alunos da Escola
Estadual Arnaldo Busatto em Foz do Iguaçu é foi isso que deu e dá sentido para
além da questão da sobrevivência.

Figura 8 - Feira internacional de Inovação, de Ciências e Tecnologia na modalidade Ciências Humanas


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A profissão de professor é estressante, difícil e eu sinto isso todos os dias na


sala de aula, não encontro a valorização que esperava e hoje só consigo viver um
pouco melhor, pois além de professor, sou zelador da escola em que trabalho e
assim não pago aluguel, água ou energia elétrica, no entanto vivo a semana inteira a
escola, mesmo no final de semana quando a quadra é usada pela comunidade, mas
apesar das minhas angustias me recordo do primeiro dia em que assumi uma turma
numa escola pública, quando ainda era acadêmico e pela primeira vez me
chamaram de professor e eu não sei porque, mais me senti feliz e mesmo
importante e hoje ainda é assim de certa forma é assim que me sinto quando me
chamam professor, isto é tenho orgulho e isso requer muito de mim carregar este
título.

É importante a valorização salarial do professor, mas nem de longe é o único


tipo de valorização que se espera, é muito mais que isso, é ter condições de
trabalho, é ter respeito e é sobretudo ter condições de fazer o que se faz sem ter
apenas na mão um giz duro, que as vezes se quer não escreve bem e uma lousa, é
preciso ter valorização e isso passa por pais, alunos e pelo governo que é
responsável pela educação pública, mas também por outros setores da sociedade.

Como professor me esforço, quero saber mais, muitas vezes sou muito crítico
ao sistema apostilado e ao currículo engessado da Rede Estadual de São Paulo,
pois quero aprender, quero ensinar e ter relação com as necessidades dos
estudantes, quero usar jogos, quero de alguma forma fazer a diferença, mas não é
simples assim, não há efeito prático em tudo que um professor faz, os filmes
pedagógicos com os professores que transformam salas da periferia e são quase
que heróis muitas vezes não funcionam na prática da sala de aula para a nossa
realidade, as vezes o máximo que dá pra fazer é copiar a matéria na lousa, torcer
para os estudantes copiarem e não brigarem na sala de aula, esta é muitas vezes a
realidade de um professor da periferia, é a realidade na qual me enquadro!

Em algumas turmas explicar a matéria não é possível na maioria das vezes,


então a tarefa é pensar diferente, inovar, e algumas vezes este esforço tem pouco
efeito, e é exatamente aí que cada pequeno avanço, por exemplo, quando um aluno
conversa com você e te ouve, quando no meio de pessoas 30 falando, um presta
atenção, isso faz a diferença e na minha experiência não me vejo um super-herói
que coloca tudo em ordem, pelo contrário, as vezes não consigo fazer que meus
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alunos deixem de jogar baralho durante a aula, mas a gente aprende com estas
turmas muito, a dureza da vida deles, passar necessidade, vir de uma família e
comunidade degradada, as vezes o que você tem a dizer não é o mais importante
para aquele momento, é aí que é preciso ter humildade e na minha experiência
pessoal nunca usar uma postura autoritária teve efeito real, pelo contrário, quando
tentei só ampliou a distância entre eu e os estudantes que estavam na minha frente.

Já tive estudantes na minha sala que tinham deficiência, as vezes eles não
conseguiam avançar como os outros da mesma sala, precisei inclusive da ajuda dos
outros estudantes que se tornaram apoiadores na sala de aula, devido as condições
que se tinha naquelas circunstâncias para lecionar para eles, porém o que eles
conseguiram avançar fez toda a diferença e é assim, tem alunos que conseguem ir
bem na minha matéria, outros não tão bem, mas que são ótimos em cálculo. Desta
mesma forma, as vezes apesar esforços, um professor não consegue da mesma
forma avançar em todas as turmas, há muito mais variáveis do que a mera vontade
e esforço pessoal, no entanto, o esforço é de contribuir para que o aluno vá além,
dentro da contribuição que a escola pode dar, que é sim importante é o sentido de
estar numa sala de aula.

Ideologicamente, pra mim o papel da escola é extremamente importante, é


ela que nos prepara para os desafios da vida, é ela que nos ajuda a conhecer as
ditas competências e habilidades necessárias para a vida moderna, para a vida em
sociedade, para o mundo do trabalho, mas não sou inocente, daí a importância de
escrever este texto em primeira pessoa, para deixar clara que esta é minha forma de
ver o mundo, inclusive pela visão materialista, materialista no sentido de
materialismo histórico que me afilio pedagogicamente, uma vez que a escola por si
só não tem o poder de acabar com as diferenças sociais, nem mesmo transformar o
mundo sozinha, uma vez que estamos presos a uma realidade material a qual
precisamos nos submeter, ela é desigual, baseada na competição e não na
alteridade, num desencontro entre os interesses dos donos do poder e dos
dominados e as vezes, por mais que nos esforcemos, simplesmente reproduzimos
este mundo desigual e não importa em que escala, pois desde o professor que
enxerga em seu aluno vindo da periferia e de origem humilde um caso perdido, até o
mercado que classifica as pessoas por sua classe social, decidindo quem é e quem
e o que será o que na vida. É possível fugir desta teia que nos envolve? A resposta
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talvez seja sim, porém não como regra, talvez apenas como exceção, daí a
educação escolar é limitada, ela é essencial como oportunidade individual, uma vez
que num mundo de competição jamais todos poderiam ser médicos, advogados
importantes ou empresários bem sucedidos mesmo se quisessem, estes são os
limites de uma sociedade capitalista, embora eu ainda, neste momento histórico,
tenha dificuldade de ver uma alternativa ao capitalismo, mas a escola em si é
nascida como necessidade da sociedade capitalista, como destaca Althusser.

Ora, vejamos, como se dá na está reprodução (diversificada no regime


capitalista? Ao contrário do que ocorria nas formações sociais escravistas e
servis, esta reprodução da qualificação da força de trabalho se dar-se não
mais no local do trabalho, porém, cada vez mais, fora da produção, através
do sistema escolar capitalista e de outras instâncias e instituições
(ALTHUSSER, 1983. p. 57).
Ora, o que se aprende na escola? É possível chegar a um ponto mais ou
menos avançado nos estudos, porém de qualquer maneira aprende-se a ler,
escrever e contar, algumas técnicas, e outras coisas também, inclusive
elementos (que podem ser rudimentares ou ao contrário aprofundados) de
“cultura científica” ou “literária” diretamente utilizáveis nos diferentes postos
da produção (uma instrução para os operários, outra para os técnicos, uma
terceira para engenheiros, uma última para quadros superiores, etc....).
Aprende-se o “know-how”.
Porém, ao mesmo tempo com, e junto com estas técnicas e conhecimentos,
aprende-se na escola as ‘regras” do bom comportamento, isto é, as
conveniências que devem ser observadas por todo o agente da divisão do
trabalho conforme o posto que ele esteja “destinado” a ocupar; as da moral
e da consciência cívica e profissional, o que na realidade são regras de
respeito à divisão sócio técnica do trabalho e, em definitivo, regras da
ordem estabelecida da dominação de classe” (Id; Idem; p. 58)

Mesmo os educadores mais tradicionais como Durkheim, um dos defensores


da escola tal como a conhecemos com um papel integrador na sociedade.

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que


ainda não estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar
e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e
morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política, quanto pelo meio
especifico ao qual ela está destinada em particular (DURKHEIM, 2012, p.
54).
Ainda hoje, não vemos a educação variar com as classes sociais ou mesmo
os habitats? A da cidade não é igual a do campo, a do burguês não é igual
à do operário. Dirão por aí que esta organização não é moralmente
justificável e pode ser considerada um anacronismo destinado a
desaparecer. A tese fácil de defender. É claro que a educação dos filhos
não deveria depender do acaso que os faz ao nascer aqui ou lá, de tais pais
em vez de outros. Porém mesmo que a consciência moral de nosso tempo
tivesse sido satisfeita neste ponto, nem por isso a educação seria mais
uniforme. Mesmo que a carreira de uma criança não fosse, em grande
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parte, predeterminada por uma cega hereditariedade, a diversidade moral


das profissões não deixaria de exigir uma grande diversidade pedagógica
(Id; Idem; 2012, p. 50).

Não obstante, não me curvo a uma visão fatalista da educação, pois como
destaca Freire (1996) correndo o risco, se assim fizer de tornar preconceituoso,
infeliz no sentido de não ver sentido no que faço, pelo contrário, ao invés de uma
visão fatalista, assim como a educação teve um papel importante na minha própria
vida, vejo a importância de me tornar um professor ético e comprometido e
sobretudo esperançoso.

Me recordo do pensador peruano José Carlos Mariátegui, que no livro 7


ensaios da interpretação da realidade peruana, diz que o problema do índio não é só
pedagógico, como muitos diziam, mas era um problema de terra, de acesso a
melhores condições de vida, por eles estarem presos ao latifúndio, aos coronéis
gamonalistas da terra (MARIÁTEGUI, 2007, p. 33). Dá mesma forma enxergo na
realidade da sala de aula como professor enxergo três dimensões, uma está ligada
um professor preparado e um ambiente e método pedagógico robusto, outro ao
aluno que de alguma forma enxergue a importância de aprender e se predisponha a
isso, mas interligado a estas duas dimensões enxergo uma terceira social, pois se
um professor que precisa trabalhar 65 horas semanais e ainda cuidar de diários, ele
raramente consegue se preparar, dá mesma forma um aluno dependendo do
ambiente externo a escola muitas vezes não consegue desenvolver a atenção ou as
habilidades necessárias, daí ensinar é mais difícil, daí ensinar num bairro de classe
média de Campinas se distingue de ensinar numa periferia das escolas periféricas
das cidades periféricas da região de Campinas, por exemplo.

Me recordo de uma das entrevistas que fiz para o meu trabalho de conclusão
de curso na graduação sobre políticas educacionais voltada para as áreas rurais,
uma delas foi com a coordenadora de educação do campo do NRE de Foz do
Iguaçu, ela falou sobre o trabalho com os quilombolas de São Miguel do Iguaçu, ela
disse que devido a situação de pobreza, distanciamento e abandono que viviam eles
tinham dificuldades de aceitar a identidade quilombola, pelo contrário, buscavam
fugir. Desta forma as políticas educacionais se não acompanhadas de políticas
sociais tinham pouco efeito prático.
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Muitas vezes é preciso compreender o tempo dos alunos é outro, que ele
precisa desenvolver maturidade, daí o que se ensina hoje requer compreensão,
tempo, por isso, não podemos perder a vontade ou simplesmente a ética de ensinar
com desejo, ao passo que tudo parece simplesmente nos forçar a apenas seguir,
pois se a educação não é tudo, não dá conta de tudo, ela é sim muito importante,
tem uma função importante para nos formarmos como humanos, e sobretudo para
classe trabalhadora ela representa poder.

Quanto ao futuro eu gostaria de poder voltar ao mestrado, ano que ao final


desse mês vou tentar novamente, agora aqui no Estado de São Paulo, na UNESP e
vou ter que aumentar minha carga horária de trabalho para poder sair do cargo de
zelador da escola, ter minha casa nem que seja alugada, assim não depender de
viver na escola e de ser zelador, pois desde que estou aqui já entraram na escola
duas vezes. Eu não me sinto seguro aqui!

Pretendo continuar a estudar é não me entregar ao fatalismo e falta tempo,


falta condições, por isso me exijo mais e embora enxergue as dificuldades do
caminho, como a reforma do ensino médio e da não obrigatoriedade da sociologia
como disciplina, que traz insegurança e medo, mas eu tenho sempre esperança.
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5. CONCLUSÃO

Quando penso no percurso que fiz, dos caminhos que me levou de um


menino que fugia da escola por medo da violência, que se formou a nível básico aos
30 anos de idade e com quase quarenta se formou no nível superior, penso nos
desafios que vivi e naqueles que ainda viverei e no que representa pra mim ser
professor.

Espero que este modesto relato eu possa contribuir para entender um pouco
da realidade, dos sonhos e das angustias de um professor, de seu trabalho de
ensinar não de forma individual, mas com a contribuição de outros professores
formar um mosaico, algo muito importante, tanto pra mim no papel de refletir sobre
minha profissão como para se pensar a realidade de uma sala de aula a partir de
quem está dentro dela, isto é, professores e alunos.
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6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALTHUSSER, Louis. Aparelho ideológico do Estado. Rio de janeiro: Graal, 1983.


BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: EDUSP,
1987, v.1.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Petrópolis: Vozes, 2012.
FREIRE, Paulo. Educação: o sonho possível. In. Brandão, C.R (Org.) O educador:
vida e morte. Rio de janeiro: Graal, 1982.
______. Pedagogia da autonomia: saberes da autonomia necessários à prática
docente. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
MARIÁTEGUI, Jose Carlos. Sete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana
Caracas. Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho, 2007.

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