You are on page 1of 82

A Educação Atr avés

Dos Tempos
1

1. Sou muito grato ao professor José Misael Ferreira do

história da Educação
Vale e ao professor Antonio Trajano Menezes Arruda pelas
sugestões que deram durante a elaboração do texto.
João Cardoso Palma Filho2
2. Doutor em Educação. Professor do Instituto de Artes da Universidade
Estadual Paulista (UNESP).

A Educação na Antiguidade
A Grécia é o berço de nossa civilização, logo se justifica que comecemos nossas refle-
xões, considerando a contribuição dos gregos na área da Educação, mais especificamente, no
âmbito dos ideais de formação humana.

O mundo grego foi pródigo em tendências educacionais, mas os ensinamentos de Só-


crates, Platão e Aristóteles prevaleceram, sem dúvida, sobre os demais pensadores daque-
la época. Duas cidades-estado rivalizavam-se: Esparta e Atenas. Elas representavam dois
paradigmas de organização social, duas concepções de educação. Esparta, uma sociedade
guerreira, glorificava, sobretudo, os heróis guerreiros. Defendia uma educação totalitária,
uma educação militar e cívica repressiva, em que todos os interesses eram sacrificados à
razão do Estado. Atenas, uma cidade-estado democrática, nos moldes daquela época, usava
o processo educativo como um meio para que o indivíduo alcançasse o conhecimento da
verdade, do belo e do bem.

Sócrates inventou o método pedagógico do diálogo, envolvendo a ironia e a maiêuti-


ca. Desse modo, distanciava-se tanto de Esparta, onde a educação atendia aos interesses do
Estado, quanto dos sofistas, com a sua educação voltada apenas para o sucesso individual.
Sócrates foi pioneiro em reconhecer, como fim da educação, o valor da personalidade huma-
na, não a individual subjetiva, mas a de caráter universal.

Em Roma, vamos encontrar muitos pontos de convergência e de divergência com o


ideal educacional dos gregos.

De acordo com Lorenzo Luzuriaga (1983), a cultura e a educação romanas destaca-


vam-se pelo apego aos seguintes princípios:

• Necessidade do estudo individual, psicológico do aluno.

• Consideração da vida familial, sobretudo, do pai no exercício da educação.

• Humanos: valorização da ação, da vontade, sobre a reflexão e a contemplação.

1
• Políticos: acentuação do poder, do afã de domínio, de império.

• Sociais: afirmação do individual e da vida familial, ante ou junto ao Estado.

• Culturais: falta de filosofia, de investigação desinteressada, mas, em compensação,


criação das normas jurídicas, do direito.

história da Educação
• Educacionais: acentuação do poder volitivo do hábito e do exercício, como atitude
realista, ante a intelectual e idealista grega.

Não obstante a existência desses princípios, em época mais avançada, a criação do


primeiro sistema de educação estatal, estendia a educação para fora de Roma aos confins do
Império.

Marco Fábio Quintiliano foi o maior pedagogo romano. A sua pedagogia


reconhecia a importância do estudo psicológico do aluno, por isso enfati-
zava o valor humanístico e espiritual da educação, atribuindo requinte ao
ensino das letras e reconhecendo o valor do educador. De acordo com Lu-
zuriaga (1983, p.68), Quintiliano fez o primeiro estudo de caráter psicológi-
co, de que se tem notícia, sobre a figura do educador. Até hoje, muitos dos
princípios educativos defendidos por Quintiliano permanecem válidos.

A Educação na Idade Média


Com o surgimento do Cristianismo mudam os rumos da cultura ocidental e consequen-
temente as ideias sobre o processo educacional. Entretanto, a História do Ocidente nos ensina
que, durante cinco séculos, o Cristianismo conviveu com o Império Romano. Dentro do
Cristianismo, Jesus foi o primeiro mestre, seguido pelos apóstolos, pelos evangelistas e, em
geral, pelos discípulos do próprio Jesus. Era uma educação sem escolas como, aliás, fora em
outras religiões. A comunidade cristã primitiva é o meio pelo qual se desenvolve o processo
educacional. Este, pouco a pouco, vai se convertendo na organização da Igreja de um lado e
da família de outro. Estes são os dois núcleos básicos fundantes do processo educacional, à
medida que o Cristianismo se institucionaliza em Igreja. Trata-se de uma educação elementar
catequista. Mas pouco a pouco vão surgindo os primeiros educadores cristãos.

No início, os educadores eram os Padres da Igreja que constituíam a chamada PATRÍS-


TICA, entre eles, merece destaque Santo Agostinho. Este foi um dos maiores pensadores da
Igreja. Fora educado na tradição helênica, na escola de retórica de Cartago e um assíduo leitor
de Cícero. Não foi apenas leitor, como também um profícuo escritor. Deixou várias obras,
ainda hoje publicadas e lidas, com destaque para Confissões e a Cidade de Deus.

Distinguem-se duas fases na pedagogia de Santo Agostinho. Na primeira, acentua o


valor da formação humanística. Na segunda, persegue o ideal do ascetismo. Mas, em ambos

2
os momentos, o fundamental é o desenvolvimento da consciência moral, “a profundeza es-
piritual, que nos ilumina a inteligência e faz reconhecer a lei divina eterna” (LUZURIAGA,
1983, p. 76). Entretanto, sua pedagogia não ignora o valor da cultura física, dos exercícios
corporais, assim como da eloquência e da retórica.

De acordo com Gadotti, os “Padres da Igreja” obtiveram pleno êxito no seu mister

história da Educação
educacional e “Criaram ao mesmo tempo uma educação para o povo, que consistia numa
educação catequética, dogmática, e uma educação para o clérigo, humanista e filosófico-
teológica” (1996, p. 52). Quanto ao conteúdo, os estudos medievais compreendiam: - o tri-
vium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e
música).

A partir do século IX, sob a inspiração de Carlos Magno, o sistema educacional apre-
senta-se organizado em três níveis: I - Educação Elementar, ministrada pelos sacerdotes em
escola paroquiais. Essa educação tem por finalidade mais doutrinar as massas camponesas do
que instruí-las; II – Educação Secundária, ministrada nos conventos; e III - Educação Supe-
rior, ministrada nas Escolas Imperiais, onde eram formados os funcionários do Império.

A partir do final do primeiro milênio da era cristã surge a ESCOLÁSTICA que buscou
conciliar a razão filosófica grega com a fé cristã. São Tomás de Aquino foi o maior expoente
dessa nova abordagem intelectual, para a qual a revelação divina era suprarracional, mas não
antirracional. Essa mudança no pensamento cristão medieval se deveu em grande parte ao
embate com os seguidores de Maomé. São Tomás de Aquino procura elaborar uma síntese
entre a educação cristã e a educação greco-romana, procurando, desse modo, estabelecer
uma educação integral que favoreça o desabrochar de todas as potencialidades do indivíduo.
Ou seja, para São Tomás de Aquino, o ensino era uma atividade em virtude da qual os dons
potenciais se tornavam realidade.

Embora nunca tenha tratado expressamente da questão educacional, a escolástica in-


fluiu decisivamente sobre toda a pedagogia católica, sendo inclusive transplantada para o
Brasil pelos Jesuítas que aqui chegaram, em 1549, com o primeiro Governador Geral do
Brasil, Tomé de Souza. Trata-se de um método de ensino que, até hoje, exerce influência na
sala de aula tradicional.

A Revir avolta Educacional Provocada


pelo Renascimento
O século XV inaugura uma nova fase na trajetória intelectual que o ser humano vem
trilhando desde a Antiguidade Greco-Romana. O homem do Renascimento confia na razão e
nas aquisições culturais da Antiguidade. Essa mudança no modo de ver o mundo e o próprio
homem teve uma estreita relação com os avanços da ciência da época e com as descobertas
tecnológicas. Assim é que as grandes navegações, a invenção da bússola e, principalmente,

3
a invenção da tipografia por Gutenberg aumentaram a crença nas possibilidades do homem,
favorecendo o individualismo, o pioneirismo e a aventura. Hoje, diríamos que beneficiou o
empreendedorismo. Desse modo, era inevitável que surgissem novas concepções de educa-
ção e de ensino.

Há, então, um aprofundamento do Humanismo, só que com feição laica. Destacam-se,

história da Educação
nesse quadro, os ensaios de Michel de Montaigne “Da educação das crianças” e do “Pedan-
tismo”. Todavia, é uma educação que não atinge as grandes massas que permanecem analfa-
betas e incultas. Trata-se de uma educação, basicamente, voltada para a formação do homem
burguês que atinge, principalmente, o clero, a nobreza e a burguesia. Esta, que emerge como
nova classe social, a partir do Renascimento, disputará com a Igreja e a nobreza o poder polí-
tico que, finalmente, conquistará, no século XVIII, com o advento da Revolução Francesa.

De fato, a primeira grande revolução burguesa fora iniciada pelo monge agostiniano
Martinho Lutero (1483-1546). A principal consequência da Reforma Protestante foi a trans-
ferência da escola para as mãos do Estado nos países protestantes. A ruptura de Lutero com o
catolicismo é uma clara decorrência da aceitação dos ideais renascentistas. Mas, como acen-
tua Gadotti (1996, p.64), a escola pública defendida por Lutero não é laica, mas sim religiosa
e também não perde o seu caráter elitista, uma vez que o mesmo entendia que “a educação
pública destinava-se em primeiro lugar às classes superiores burguesas e secundariamente
às classes populares, as quais deveriam ser ensinados apenas os elementos imprescindíveis,
entre os quais a doutrina cristã reformada”. Como se sabe, a Igreja católica reagiu com a
Contra-Reforma encabeçada no terreno cultural e educacional pela Companhia de Jesus que,
para orientar a sua prática no campo educacional, escreveu o manual de estudos “Ratio atque
Institutio Studiorum”. A partir de 1599, esse manual passou a fornecer aos sacerdotes-profes-
sores os planos, os programas e os métodos de educação católica. No Brasil, com a morte do
Padre Manuel da Nóbrega, os jesuítas passaram a seguir fielmente os preceitos educacionais
da Companhia de Jesus, a partir de 1600, consubstanciados na “Ratio Studiorum” e, desse
modo, desenvolveram uma educação que atuava em duas frentes: a formação de elites diri-
gentes e a formação catequética das populações indígenas”.

O Pensamento Pedagógico Moderno


O século XVII marca o surgimento da pedagogia realista que estabelece um momento
de transição entre a pedagogia do renascimento e a pedagogia iluminista do século XVIII. A
pedagogia realista é fortemente influenciada pelo empirismo de Francis Bacon e pelo racio-
nalismo de Descartes. Também sofre a influência do movimento científico da época, liderado
por Galileu e Kepler, sem mencionar a profunda revolução causada pela teoria heliocêntrica
elaborada por Nicolau Copérnico, ainda no século XVI.

4
A pedagogia realista, que tem Ratke, Comenius e Locke como principais expoentes,
busca substituir o conhecimento verbalista anterior pelo conhecimento das coisas. Para tan-
to, procura criar uma nova didática. Segue reafirmando com mais ênfase ainda a individua-
lidade do educando e, na ordem social e moral, advoga o princípio da tolerância, do respeito
à personalidade e de fraternidade entre os homens.

história da Educação
Ratke introduziu na educação as ideias de Bacon. Muitos dos princípios pedagógicos
enunciados por ele, Locke e, principalmente, Comenius mostram ainda atualidade, tendo
sido, em grande parte, incorporados no fim do século XIX e início do século XX pelo mo-
vimento da Escola Nova.

A Educação no Século XVIII – o Século


Pedagógico por Excelência
No século XVIII, as preocupações de reis, pensadores e políticos estão voltadas para
as questões educacionais (LUZURIAGA, 1983, p. 149). Duas figuras sobressaem-se: Jean-
Jacques Rousseau e Johann Heinrich. O mesmo processo ocorre com a figura dos revolucio-
nários de 1789, representada por Condorcet e Lepelletier. Estes, durante a Revolução Fran-
cesa, apresentaram planos para a organização de um sistema nacional de educação. A partir
desse momento, desenvolve-se a educação pública estatal e inicia-se a educação nacional.
No Brasil, as reformas empreendidas pelo Marquês de Pombal, a partir de 1759, representam
uma tentativa frustrada na mesma direção. Do ponto de vista pedagógico são destacados os
princípios da educação sensorialista e racionalista, do naturalismo e do idealismo na educa-
ção, bem como da educação individual e da educação nacional.

O ideal educacional dos iluministas está no reconhecimento em grau máximo da razão


humana. Luzuriaga assim sintetiza os princípios consagrados pelo ideal iluminista no século
XVIII:

a) desenvolvimento da educação estatal, da educação do Estado, com maior participa-


ção das autoridades oficiais no ensino;

b) começo da educação nacional, da educação do povo pelo povo ou por seus repre-
sentantes políticos;

c) princípio da educação universal, gratuita e obrigatória, no grau da escola primária,


que fica estabelecida em linhas gerais;

d) iniciação do laicismo no ensino, com a substituição do ensino religioso pela instru-


ção moral e cívica;

e) organização da instrução pública em unidade orgânica, da escola primária à univer-


sidade;

5
f) acentuação do espírito cosmopolita, universalista, que une pensadores e educadores
de todos os países;

g) primazia da razão, crença no poder racional e na vida dos indivíduos e dos povos; e

h) reconhecimento da natureza e da intuição na educação. (LUZURIAGA, 1983, p. 150-151).

história da Educação
Rousseau pode ser considerado, a justo título, um dos precursores da escola ativa moder-
na. Pioneiro no reconhecimento de que a mente da criança é diferente da mente do adulto, viu
na infância uma idade mental distinta da idade do adulto. Tornou-se também um representante
típico do individualismo na educação.

A Educação nos dois Últimos Séculos


O século XIX vê surgir das entranhas do iluminismo do século XVIII duas concepções
antagônicas de organização social e de educação. De um lado, está o positivismo que busca
consolidar o modelo burguês de educação e, de outro, o movimento popular e socialista. O
primeiro tem em Augusto Comte (1798-1857) o seu expoente máximo que viria a influenciar
o reformador educacional brasileiro Caetano de Campos no final do século XIX. O segundo
tem como expoente Karl Marx (1818-1883). Ambos representam correntes de pensamento que,
ao lado do ideário católico e do liberalismo, influenciarão o pensamento pedagógico brasileiro
do século XX.

Assim é que entre os autores do Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, assinado
em 1932 por 26 educadores brasileiros, vamos encontrar próceres educacionais que sofreram
influência dessas correntes de pensamento.

Do lado positivista destaca-se a figura do sociólogo francês E. Durkheim (1858-1917)


que tem em Fernando de Azevedo um seguidor no Brasil. Para o sociólogo francês: “A edu-
cação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda
preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo núme-
ro de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto
e pelo meio especial que a criança, particularmente, se destine.” Já para o filósofo britânico
Alfred North Whitehead (1861-1947), a educação deve ser útil: “A educação é a aquisição da
arte de utilizar os conhecimentos. É uma arte muito difícil de se transmitir.” De outra parte,
a concepção socialista de educação se opõe à concepção burguesa. Como assinala Gadotti
(1996, p.119), “ela propõe uma educação igual para todos”.

Algumas das ideias do movimento socialista que acabaram incorporadas no discurso


liberal do manifesto dos pioneiros, como o princípio da educação laica e da coeducação, já
eram defendidas por Thomas Morus (1478-1535) no seu livro Utopia. O movimento socialista
no campo da pedagogia contempla uma grande heterogeneidade de ideias pedagógicas, muitas
das quais acabaram sendo incorporadas em muitos projetos educacionais de cunho liberal,

6
passando a integrar princípios educacionais e a orientar práticas pedagógicas em muitos paí-
ses de economia de mercado.

Mas, sem dúvida, o grande movimento educacional do século XX relaciona-se com o


pensamento pedagógico da Escola Nova. Vários pedagogos engajaram-se neste movimento
de renovação educacional, dentre outros se destacaram: Ferrière, educador, escritor e con-

história da Educação
ferencista suíço; John Dewey, filósofo liberal estadunidense, que mais influência exerceu no
movimento da Escola Nova brasileiro, influência que se deu na pessoa do educador pátrio
Anísio Teixeira.

Para Dewey, educação era ação (learning by doing). Desse modo, o aspecto instrucional
da educação ficava relegado a um segundo plano. Dewey imaginava o processo educacional
como algo contínuo, no qual, permanentemente, reconstruía-se a experiência concreta, ativa
e produtiva de cada ser humano. Para ele, a escola não deveria preparar para a vida, pois a
escola deveria ser a própria vida. Na sua obra “Como pensamos” (1979), apresenta os cinco
estágios do ato de pensar que sempre ocorre diante de um problema. Os estágios são:

a) necessidade sentida;

b) análise da dificuldade;

c) as alternativas de solução do problema;

d) a experimentação de várias soluções, até que o teste mental aprove uma delas; e

e) ação como prova final para a solução proposta que deve ser verificada de modo científico.

Pode-se concluir que, para Dewey, a educação, antes de qualquer coisa, é processo e não
produto, ou seja, o importante é ensinar a pensar. Trata-se do famoso princípio do “aprender a
aprender” que, esquecido durante algumas décadas, retorna valorizado neste início de milênio.

Além desses dois pensadores da educação, outros nomes se destacaram no movimen-


to. Entre eles, Ovide Decroly que formulou a metodologia dos centros de interesse; Maria
Montessori, grande nome da pedagogia do pré-escolar, que revolucionou com seu método de
trabalho o ambiente de aprendizagem; Édouard Claparède, para quem atividade educativa era
aquela que correspondia a uma necessidade humana, daí chamá-la de educação funcional;
Jean Piaget que concentrou a sua atenção de pesquisador no estudo da natureza do desenvol-
vimento da inteligência na criança e forneceu as bases para a construção da pedagogia cons-
trutivista, ao lado de Vygotsky e Wallon.

Os estudos de Piaget influenciaram outros pesquisadores, com destaque para Emília


Ferreiro, psicóloga Argentina que, a partir de seus estudos sobre os processos de alfabetização
da criança, tem influenciado os educadores brasileiros com estudos voltados para esta área,
bem como para a prática em sala de aula no ensino fundamental.

7
O educador brasileiro Paulo Freire, cujo pensamento educacional, hoje, é mundialmen-
te reconhecido também sofreu influência do ideário pedagógico escolanovista, embora dis-
cordasse do conservadorismo político que alguns membros desse movimento apresentavam.

Concluindo esse rápido panorama, consideramos necessário tecer alguns comentários


sobre a educação no terceiro milênio. As transformações a que estamos assistindo, nos dias

história da Educação
atuais, com o avanço das tecnologias de comunicação e de informação, estão levando-nos
a repensar as práticas pedagógicas que, enquanto práticas sociais, não ficam imunes a esse
conjunto de transformações. Os efeitos da terceira revolução industrial (a da informática e
da microeletrônica e da engenharia genética) são até mais profundos do que o impacto que
as duas primeiras causaram. Com as duas primeiras, vimos emergir a preocupação com a
educação das massas populares que desembocou, principalmente a partir do século XIX, na
construção dos grandes sistemas educacionais de massa, impulsionados pelo novo modo de
produção industrial e pela urbanização.

Neste início de século, condicionada pelas consequências da globalização, a preocupa-


ção passa a ser com a construção de uma educação planetária. Esta tem nos quatro pilares a
seguir enunciados a sua base de sustentação:

1) Aprender a conhecer.

2) Aprender a fazer.

3) Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros.

4) Aprender a ser (UNESCO, 1998).

Como assinala o pensador francês Edgar Morin, os educadores precisam refletir so-
bre a natureza do conhecimento a ser trabalhado pela escola, enfatizando o ensino sobre: a
condição humana, a identidade terrena, as incertezas que cada vez mais assolaram a espécie
humana, com vistas a desenvolver uma educação voltada para a compreensão em todos os
níveis educativos e em todas as idades, que pede a reforma das mentalidades e a considera-
ção do caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/
espécie. Morin conclui que há necessidade de a educação se preocupar com a ética do gênero
humano, tendo em vista estabelecer uma relação de “controle mútuo entre a sociedade e os
indivíduos pela democracia e conceber a Humanidade como comunidade planetária” (MO-
RIN, p. 2001).

8
Saiba Mais

Referências
ABBAGNANO, N.; VISALBERGHI, A. História da Pedagogia. Lisboa: Livros Horizonte, 1981. 4 v.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 1998.

história da Educação
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 9. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1973.

DUROZOI, Gerard; ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Campinas (SP): Papirus. 1993.

GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996.

GILES, Thomaz Ransom. História da Educação. São Paulo: E.P.U., 1987.

LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982, 2 v.

LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da Pedagogia. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1983.

MANACORDA, Mário Alighiero. História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. 6. ed. São Paulo:
Editora Cortez, 1997.

MORIN, E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Livraria Bertrand Brasil,
2001.

UNESCO. Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez,
1998.

Saiba Mais
• Sócrates - nasceu em Atenas em 470/469 a.C. e morreu na mesma cidade em 399 a.C., condenado devido a uma
acusação de “impiedade”: ele foi acusado de ateísmo e de corromper os jovens com a sua filosofia. Desde a juventude,
Saiba Mais
Sócrates tinha o hábito de debater e dialogar com as pessoas de sua cidade. Ao contrário de seus predecessores, Só-
crates não fundou uma escola, preferindo também realizar seu trabalho em locais públicos, agindo informalmente (pelo
menos na aparência), dialogando com todas as pessoas, o que fascinava jovens, mulheres e políticos de sua época.
http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/socrates.html

• Platão - nasceu em Atenas, em 428/427 a.C., e lá morreu em 347 a.C. [...] Platão parece ter sido discípulo de Crátilo,
seguidor de Heráclito, um dos grandes filósofos pré-Socráticos. Posteriormente, Platão entra em contato com Sócrates,
tornando-se seu discípulo com aproximadamente vinte anos de idade e com o objetivo de se preparar melhor para a vida
política. Mas os acontecimentos acabariam por orientar sua vida para a filosofia tendo sido o criador de um vasto conjunto
de obras sobre diferentes temas estudados pela filosofia.
http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/platao.html

• Aristóteles - (384 - 322 a. C.) - nasceu em Estagira, colônia greco-jônica, na península macedônica da Calcídia. Foi um
filósofo Grego, cientista e educador. Aos 18 anos, Aristóteles transferiu-se para a escola de Platão em Atenas, centro inte-
lectual. Permaneceu nessa Academia como estudante, assistente de pesquisa, conferencista e cientista de pesquisa.
http://www.jcwilke.hpg.ig.com.br/aristo.htm

9
• Maiêutica - [Do gr. maieutiké ( téchne).] S. f. 1. Processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as
perguntas a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em questão. [Cf.
ironia socrática.] 2. Obst. V. obstetrícia. (Aurélio Eletrônico).

• Marco Fabio Quintiliano (35-96). Orador e escritor romano, nascido em Calagurris Nassica, hoje Calahorra, Espa-
nha[...]. Estudou retórica em Roma com os maiores mestres de seu tempo, retornou à Espanha (57) e transferiu-se

história da Educação
definitivamente para Roma (68), onde fundou uma escola particular de ensino de retórica, transformada depois em escola
pública pelo imperador Vespasiano [...]. Professor por cerca de vinte anos, pioneiro como mestre do ensino oficial [...],
sua mais significativa obra foi De institutione oratoria (95), publicada em 12 volumes, onde o autor apresentou diretrizes
para a formação cultural dos romanos, da infância à maturidade.

• Patrística - [Do lat. ecles. patristica (subentendendo-se theologia).] S. f. 1. Ciência que tem por objeto a doutrina dos
Santos Padres e a história literária dessa doutrina. (Aurélio Eletrônico).

• Aurélio Agostinho - nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, a 13 de novembro do ano 354. Indo para Cartago, aderiu
ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu
a solução do problema do mal [...]. Entrementes, depois de maduro exame crítico, abandonara o maniqueísmo, abraçan-
do a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte, chegou a uma
concepção cristã da vida no começo do ano 386. E escreveu inúmeras obras sobre questões filosóficas e teológicas até
seu falecimento a 28 de agosto do ano 430.

• Trivium e Quadrivium - concepções que a Idade Média tinha de suas disciplinas curriculares (e de seu ensino e valor
educativo), as “artes liberais”: o trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Música
e Astronomia).
http://www.hottopos.com.br/mirand9/currref.htm

• Escolástica - [Do lat. scholastica.] S. f. Hist. Filos. 1. Doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos
séculos IX ao XVII, caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão, problema que se resolve pela
dependência do pensamento filosófico, representado pela filosofia greco-romana, da teologia cristã. (Aurélio Eletrônico)

• Revolução francesa - Um dos principais acontecimentos da história universal, sendo considerada o marco inicial
(1789) da Idade Contemporânea. Situada no quadro das revoluções burguesas, que caracterizaram o Ocidente na se-
gunda metade do século XVIII, representou a ascensão política da burguesia no contexto de crise do Antigo Regime
europeu. Apesar de ter levado a burguesia ao poder político, a revolução não foi somente burguesa, contando também
com a participação de camponeses e da massa de pobres urbanos, os chamados sans-culottes, que, em Paris, somavam
cerca de 600 mil.
http://www.historianet.com.br/main/conteudos.asp?conteudo=205

• Martinho Lutero - (1483-1546), teólogo alemão que foi pioneiro da Reforma Protestante na Europa. Frequentou a
Universidade de Erfurt. Ao desenvolver sua doutrina da justificação pela fé, ele desafiou a hierarquia da Igreja Católica
ao colocar em discussão assuntos que diziam respeito ao papel do papado e do sacerdócio, e à necessidade de certos
sacramentos e observâncias. Foi excomungado pelo papa e proscrito do Sacro Império Romano. Sua tradução da Bíblia
para o alemão criou uma nova linguagem literária no norte da Europa.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Contra-Reforma - Renascimento na Igreja Católica Romana entre a metade do século 16 e a metade do século 17.
Tem suas origens nos movimentos reformistas que eram independentes da Reforma Protestante, mas tornou-se cada
vez mais identificada com os esforços de se contrapor à mesma. Houve três principais aspectos eclesiásticos. Primeiro,
um papado reformado, com a sucessão de papas que tinham pontos de vista mais espirituais que seus predecessores
imediatos, e um número de reformas no governo central da Igreja, iniciado por eles. Segundo, a fundação de novas ordens
religiosas, principalmente os oratorianos e, em 1540, a Sociedade de Jesus (jesuítas), e a reforma das antigas ordens,

10
principalmente a Reforma Capuchina dos franciscanos. Terceiro, o Concílio de Trento (1545-63) que definiu e clarificou
a doutrina católica na maioria dos pontos de controvérsia com os protestantes e instituiu importantes reformas morais e
disciplinares na Igreja Católica.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Ratio Studiorum - ou Plano de Estudos, que consta de um “currículo básico e princípios pedagógicos gerais comuns

história da Educação
a todos os colégios da Companhia. [...] é um manual para ajudar os professores e dirigentes na marcha diária dos Colé-
gios. [...] uma série de regras ou diretrizes práticas que tratam de assuntos como a direção dos colégios, a formação e
distribuição dos professores”.
http://www.ars.com.br/cav/sil5.htm

• Francis Bacon - nasceu no dia 22 de janeiro de 1561, na York House, Londres. Frequentou a Universidade de Cam-
bridge, e viveu também em Paris. Faleceu em 1626. A obra principal de Bacon é a Instauratio magna scientiarum, vasta
síntese que deveria ter compreendido seis grandes partes. Mas terminou apenas duas, deixando sobre o resto esboços
e fragmentos. As duas partes acabadas são precisamente: I - De dignitate et argumentis scientiarum; II - Novum organum
scientiarum. [...] Trata-se de pesquisas gnosiológicas, críticas e metodológicas, para lançar as bases lógicas da nova
ciência, da nova filosofia, que deveria dar ao homem o domínio da realidade.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm

• René Descartes - (1596-1650), filósofo e matemático francês. Na matemática, Descartes inventou as coordenadas car-
tesianas (assim chamadas em sua homenagem), que permitiram a representação numérica de propriedades geométricas.
Na filosofia, é geralmente reconhecido como um dos fundadores do racionalismo. Procurou delinear as bases da certeza
acerca da natureza do conhecimento, recorrendo para isso ao seu Método da Dúvida. Esse método consiste na suspensão
do julgamento a respeito de toda crença ou convicção até que possa ser mostrado que ela deriva sistematicamente de
crenças mais certas. O objetivo do método é alcançar uma opinião ou crença que não esteja sujeita à dúvida e construir
todo o conhecimento a partir desse fundamento.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Galileo Galilei - nasceu em Pisa na Itália no ano de 1564. inventou o telescópio e, com ele, fez grandes descobertas
que incomodaram a Igreja. Esta, por pouco, não o queimou na fogueira, como fizeram a Giordano Bruno. Em 1592, Galileu
tornou-se professor de matemática na Universidade de Pádua, onde permaneceu por 18 anos, inventando, em 1593, uma
máquina para elevar água, uma bomba movimentada por cavalos, patenteada no ano seguinte. Faleceu em 8 de janeiro
de 1642 em Arcetri, perto de Florença [...]. Apenas em 1822, foram retiradas do Índice de livros proibidos as obras de
Copérnico, Kepler e Galileo.
http://www.fisicahoje.hpg.ig.com.br/galileo.html

• Johannes Kepler - nasceu em 27 de dezembro de 1571 em Weil der Stadt, na Swabia. Kepler compreendeu que a
órbita dos planetas era uma função da atração solar e que apenas elipses, tendo o sol em um dos focos, podiam explicar
convenientemente as órbitas planetárias, concluindo que os planetas se movem segundo elipses das quais o sol ocupa
um dos focos. Para ganhar a vida, conseguiu um emprego de professor em uma pequena escola em Linz, na Áustria, em
1612. Lá, publicou (1618-21) Epitome Astronomiae Copernicanae. Faleceu em viagem para Ratisbona em 15 de novembro
de 1630.
http://www.geocities.com/cobra_pages/fm-kepler.html

• Nicolau Copérnico - (1473-1543), astrônomo teuto-polonês, fundador da astronomia moderna. Em 1543, publicou, em
seu livro De Revolutionibus Orbium Coelestium (Sobre a Revolução das Órbitas Celestes), um modelo heliocêntrico do
sistema solar, conhecido a partir de então como sistema copernicano, cujo centro ficava próximo do Sol, e não da Terra,
como no sistema ptolomaico, mais antigo. O prefácio do livro, que não foi escrito por Copérnico, sugere que o sistema seja
tratado meramente como um artifício matemático simples, mas Copérnico parecia acreditar que fosse verdadeiro. A teoria
heliocêntrica, ao retirar a Terra do centro do palco celeste, despertou uma oposição religiosa feroz.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

11
• John Locke - (1632-1704), filósofo e teórico político liberal inglês. Em seu Ensaio sobre o Entendimento Humano
(1690), Locke apresentou uma forma empirista de clarificação dos fundamentos e limitações do conhecimento humano.
Ele se considerava um ‘subordinado’ a serviço das novas ciências do século 17, tendo sido influenciado pela teoria
atômica da química elaborada por Robert Boyle (1627-1691). Locke tentou mostrar que todo conhecimento provém da
experiência e está limitado por ela. Em sua filosofia, distinguiu as qualidades primárias das secundárias, considerando
aquelas como atributos dos objetos materiais e estas como dependentes do sujeito que as percebe.

história da Educação
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Jean-Jacques Rousseau – (1712-78), filósofo social e político franco-suíço. A questão central do pensamento de
Rousseau foi a da possibilidade e forma ideal de conciliar o indivíduo, com sua psicologia complexa e sua singularidade,
com as exigências da sociedade. Em uma de suas principais obras, Do Contrato Social (1762), Rousseau afirmou que a
única forma de salvação das pessoas seria abrir mão de todos os seus direitos em favor de um Estado soberano no qual
cada uma delas fosse um dos membros da legislatura (uma forma de democracia direta e não de democracia representa-
tiva). Ele concebeu uma cidade-Estado, cujos cidadãos se reuniriam para deliberar sobre assuntos de interesse comum
que expressassem a “vontade geral” que, segundo Rousseau, seria necessariamente justa.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Marquês de Pombal - Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (1699-1782) foi Pri-
meiro Ministro de D. José I, sendo considerado, ainda hoje, uma das figuras mais controversas e vincadas da História Por-
tuguesa. Foi um notável estadista que, através de uma política de concentração de poder, com o objetivo de restabelecer
a economia nacional e resistir à forte dependência desta relativamente à Inglaterra, marcou o séc. XVIII e o absolutismo
régio. Expulsou a Companhia de Jesus de Portugal e de todas as suas colônias, por carta datada de 1759.
http://www.ubi.pt/museu/marques.htm http://www.ars.com.br/cav/pombal.htm

• Augusto Comte – (1798-1857), filósofo francês. Ao lado do compatriota Claude-Henry de Rouvroy, conde de Saint-
Simon (1760-1825), é considerado um dos fundadores dos estudos sociológicos (o termo ”sociologia” foi criado por ele).
Em sua grande obra, Curso de Filosofia Positiva, na qual observa que o conhecimento se baseia na descrição científica
dos fenômenos e na descoberta das leis objetivas que os determinam. O positivismo exerceu influência também fora da
França e seu lema, “ordem e progresso”, figura até hoje na bandeira brasileira.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Karl Marx - (1818-83), cientista social, filósofo e revolucionário alemão. Em 1845, foi para Bruxelas, onde se associou à
Liga Socialista pela Justiça (1847), posteriormente denominada Liga Comunista, e, junto a Engels, escreveu o Manifesto
Comunista (1848). Convencido da importância central da economia para a determinação dos demais aspectos da exis-
tência humana, [...] sua meta era a união de todos os trabalhadores para conseguirem o poder político. [...] nos últimos
anos de sua vida, Marx dedicou-se mais intensamente às análises econômicas, com o propósito de demonstrar o caráter
essencialmente exploratório do capitalismo [...]. Seus estudos resultaram na obra O Capital, de 1867 (editada por Engels
em 1885-94).
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Émile Durkheim - (1858-1917), teórico social francês, reconhecido como um dos fundadores da sociologia. Durkheim
argumentava que uma das tarefas dos sociólogos era estudar os determinantes sociais do comportamento, tais como os
deveres, leis e costumes que unem e mantêm as pessoas em sociedade.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Fernando de Azevedo - 1894 - 1974) Funcionário público, sociólogo e educador brasileiro nascido em São Gonçalo
de Sapucaí, MG, um dos responsáveis pela reforma do ensino no país, a partir de experiências feitas no Ceará (1923) e
Rio de Janeiro (1926). Em sua obra destacam-se Princípios de sociologia (1931), uma pioneira publicação brasileira no
assunto, o igualmente pioneiro Sociologia educacional (1940), A cultura brasileira (1943) e História da minha vida (1971),
uma autobiografia. Eleito Membro da Academia Brasileira de Letras, cadeira n. 14 (1968).
http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/FernanAz.html

12
• Thomas Morus - nasceu em Londres em 1478 e foi aí decapitado em 1535, em razão de sua obstinação por permane-
cer católico depois da reforma anglicana promovida por Henrique VIII e de quem ele era Chanceler. Autor de Utopia, foi
canonizado pela Igreja Católica.

• John Dewey - (1859-1952) Filósofo e pedagogo pragmatista norte–americano. Importante defensor da reforma do
ensino do início do século XX, para quem a tarefa da educação seria estimular a investigação do conhecimento e as

história da Educação
características exploradoras e inquiridoras, naturais nas crianças. Autor de Teoria da Vida Moral (1908), Democracia e
Educação (1916), A Natureza Humana e a Conduta (1922) e Experiência e Natureza (1925).
http://geocities.yahoo.com.br/discursus/filotext/deweyfil.html

• Anísio Teixeira - (1900-71), educador brasileiro. Nascido em Caitité, Bahia, formou-se em Direito pela Universidade do
Rio de Janeiro. Aos 29 anos, formou-se em Educação pela Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, e passou a
dedicar sua vida a esse campo de estudo. De volta ao Brasil, desempenhou importante papel na orientação da educação
e do ensino no país, ocupando cargos de destaque e lecionando em diferentes instituições [...], algumas de suas principais
obras são Educação para a Democracia, A Educação e a Crise Brasileira, A Universidade e a Liberdade Humana, Educa-
ção não é Privilégio e Educação no Brasil.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Ovide Decroly - nasceu em 1871 e morreu em 1932. Sua obra educacional destaca-se pelo valor que colocou nas
condições do desenvolvimento infantil; destaca o caráter global da atividade da criança e a função de globalização do
ensino. Suas teorias têm um fundamento psicológico e sociológico e podemos resumir os critérios de sua metodologia no
interesse e na autoavaliação. Promove o trabalho em equipe, mas, mantendo a individualidade do ensino com o fim de
preparar o educando para a vida.
http://members.tripod.com/lfcamara/decroly.html

• Maria Montessori – (1870-1952), fisioterapeuta (primeira mulher médica na Itália) e educadora. Em 1894, tornou-
se assistente na clínica psiquiátrica da Universidade de Roma e gradualmente passou a interessar-se pela educação
de crianças “anormais”. A partir de 1902, começa a se aprofundar em filosofia, antropologia, psicologia experimental e
educação. Desenvolveu, na Itália em 1907, um sistema educacional e materiais didáticos que despertassem interesse
espontaneamente na criança, produzindo uma concentração natural nas tarefas, cujo objetivo era não cansar e não
aborrecer a criança.
http://www.psicopedagogia.com.br/personalidades/personalidades/maria_montessori.asp?og=0

• Édouard Claparède - (1873-1940) Médico psicólogo suíço nascido em Genebra, cujas pesquisas experimentais no
campo da psicologia infantil tiveram grande influência na criação da pedagogia moderna, que incentiva a atitude partici-
pante do educando. Dedicou-se também à pesquisa em psicologia comparada e desenvolveu a tese da escola ativa, que
estimula a independência intelectual da criança, fazendo-a atuar sobre o que aprende, em oposição e de grande impacto
sobre a educação tradicional da época: a psicologia mecanicista.
http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/EdouarCl.html

• Jean Piaget - 1896-1980), matemático, biólogo, filósofo, psicólogo e pedagogo suíço, responsável pela mais abran-
gente teoria sobre o desenvolvimento intelectual (cognitivo). Piaget estudou biologia, com especial ênfase na evolução
dos organismos, transferindo-se para a área de psicologia infantil quando compreendeu que as habilidades intelectuais
evoluem apenas lenta e gradualmente na criança.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Lev Semenovich Vygotsky - (1896 – 1934) fez seus estudos na Universidade de Moscou para tornar-se professor de
literatura. O objetivo de suas pesquisas iniciais foi a criação artística. Somente a partir de 1924, sua carreira mudou dras-
ticamente, passando Vygotsky a dedicar-se a psicologia evolutiva, educação e psicopatologia. A partir daí, ele concentrou-
se nessas áreas e produziu obras em ritmo intenso até sua morte prematura em 1934, devido à tuberculose.
http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/colecaoridendo/biografias/Lev_Semenovich_Vygotsky.htm

13
• Henri Wallon - (1872-1962) foi um estudioso que se dedicou ao entendimento do psiquismo humano, seus mecanismos
e relações mútuas, a partir de uma perspectiva genética. Por isso, seu interesse pelo desenvolvimento infantil, já que na
infância se localiza a gênese da maior parte dos processos psíquicos. Foi autor, juntamente com Paul Langevin, de uma
importante proposta de reforma educacional na França, após o final da II Guerra Mundial.
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/dea_a.php?t=009

história da Educação
• Paulo Freire - (1921-1997), educador brasileiro. Formou-se em Direito aos 26 anos. A partir da experiência de ensinar
português em diferentes colégios secundários, passou a estudar o processo de transmissão da língua, criando um método
de alfabetização. Em 1963, assumiu a direção do Plano Nacional de Educação, que previa alfabetizar 16 milhões de adul-
tos num prazo de quatro anos. Com o golpe militar de 64, passou a morar no exterior, trabalhando para o governo chileno e
depois na Guiné-Bissau. De volta ao Brasil, pôde ver seu método adotado em vários pontos do país. É autor, entre outros,
dos livros Pedagogia do Oprimido, Educação e Realidade Brasileira e Educação como Prática da Liberdade.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/

• Edgar Morin - Pesquisador emérito do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica na França), nasceu em Paris,
em 1921. Graduado em História, Geografia e Direito, migrou para a Filosofia, a Sociologia e a Epistemologia, depois de
ter participado da resistência ao nazismo, na França ocupada, durante a Segunda Guerra Mundial. Autor de mais de 30
livros, tornou-se um dos pensadores mais importantes da atualidade nos estudos da complexidade e das novas episte-
mologias.
http://www.editorasulina.com.br/autordet.asp?IDautor=42

Bloco1 Módulo 2 Disciplina 6

Formação Geral Educação, Cultura e Desenvolvimento História da Educação

14
Acta Scientiarum
http://www.uem.br/acta
ISSN printed: 1806-2636
ISSN on-line: 1807-8672
Doi: 10.4025/actascieduc.v34i2.17497

História da Educação no Brasil: a escola pública no processo de


democratização da sociedade
Marisa Bittar1* e Mariluce Bittar2
1
Departamento de Educação, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, Via Washington Luis, km 235,
13565-905, São Carlos, São Paulo, Brasil. 2Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: bittar@ufscar.br

RESUMO. Analisam-se neste artigo aspectos da história da Educação no Brasil relacionados à consolidação
da escola pública e às políticas educacionais. O período demarcado inicia-se com a década de 30 do século
XX, época em que a organização e implantação de um sistema escolar público no País tornou-se condição
sine qua non para o seu desenvolvimento socioeconômico, e se estende aos anos 2000 com a consolidação da
democracia e do Estado de Direito no Brasil. Foram utilizadas fontes documentais elaboradas por órgãos
governamentais e entidades científicas bem como a bibliografia produzida por pesquisadores da área. Os
dados mostram que ao longo do período houve expansão em todos os graus de ensino, contudo, continuam
persistindo traços de elitismo e exclusão. Além disso, verifica-se contraste entre a qualidade da Pós-
Graduação e a da escola pública, que não tem cumprido a sua função essencial. Tais conclusões evidenciam
a necessidade de resolução desses problemas a fim de que se avance na própria democracia no País.
Palavras-chave: história da educação brasileira, escola pública, democracia.

History of Education in Brazil: the public school in the process of democratization of society
ABSTRACT. This paper analyzes aspects of the history of education in Brazil related to the consolidation
of public schools and educational policies. The period marked begins with the 1930s, a time when the
organization and implementation of a public school system in the country has become a condition for the
socio-economic development, and extends to the 2000s with the consolidation of democracy and the rule
of law in Brazil. It is based on documentary sources developed by governmental and scientific
organizations and the literature produced by researchers. The data show that over the period there was an
increase in all levels of education, however, continues to persist traces of elitism and exclusion. Moreover,
there is contrast between the quality of graduate and public school, which has failed its essential function.
These findings highlight the need to solve these problems in order to advance democracy in the country.
Keywords: history of brazilian education, public school, democracy.

Introdução de educação no País exigiu um forte sistema de


pesquisa e pós-graduação, construído ao longo das
Analisam-se, neste artigo1, aspectos da história da
últimas quatro décadas, que o elevou a uma posição
Educação no Brasil e a consolidação da escola
de referência na América Latina, projetando-o no
pública, bem como os vínculos com a política
cenário mundial.
educacional, no período de 1930, quando a
Com a finalidade de relacionar a construção da
necessidade de organização e de implantação de um
escola pública ao processo político do século XX,
sistema público educacional no País tornou-se
condição sine qua non para o seu desenvolvimento marcado por ditaduras, e o seu papel na
socioeconômico, até os anos 2000, período em que democratização da sociedade brasileira, utilizou-se
se consolida a democracia e o Estado de Direito no um amplo leque de fontes documentais, desde as
Brasil. Nesse percurso histórico, discute-se também elaboradas por órgãos governamentais às produzidas
de que forma a consolidação de um sistema público por entidades científicas da área, como também a
bibliografia elaborada pela pesquisa em Educação
1
Parte das considerações elaboradas neste artigo resulta da pesquisa Brasileira nessas últimas décadas.
internacional desenvolvida por pesquisadores do Brasil, Argentina, Chile, México,
Paraguai e Uruguai, denominada Red Academica Conocimiento y Política
O texto está organizado em três partes: na
Educativa en America Latina. O capítulo intitulado ‘Producción de Conocimiento primeira, analisam-se as disputas ideológicas das
y Política Educativa en América Latina – la experiencia brasilera’, elaborado por
Mariluce Bittar, Marisa Bittar e Marília Morosini, integra o livro Investigación décadas de 30 a 60 do século XX e as reformas
educativa y política en América Latina, organizado por Palamidessi, Gorostiaga e
Suasnäbar, 2012. educacionais que marcaram o período; na segunda,
Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012
158 Bittar e Bittar

examina-se a expansão da escola pública no período Essa disputa ideológica atravessou décadas e
da Ditadura Militar (1964-1985); na terceira, os anos reformas educacionais sem que o poder público
da redemocratização e as políticas educacionais de brasileiro edificasse um sistema nacional de escolas
caráter neoliberal. públicas para todos.
De fato, durante o período de 1930 a 1964,
As reformas educacionais brasileiras no contexto ocorreram várias reformas educacionais no Brasil
das disputas ideológicas durante as décadas de 30 a sem que fosse resolvido o secular problema do
60 do século XX analfabetismo e da garantia de pelo menos quatro
Nas décadas compreendidas entre 1930 e 1960, o anos de escolaridade para todas as crianças, fato que
Brasil passou por mudanças estruturais que evidencia a forma como o Estado Nacional conduziu
incidiram diretamente sobre a construção de um a política educacional da época. Para se compreender
sistema nacional de educação pública. No plano esse aspecto das políticas públicas no Brasil, é
estrutural, o País passava por uma transição necessário evocar a Revolução de 19302, que passou
caracterizada pela aceleração do modo capitalista de a edificar o Estado burguês adotando medidas
produção, o que ocasionou transformações centralizadoras que garantissem a unidade nacional e
superestruturais, notadamente no aparelho escolar. a sua presença em setores estratégicos, como na
Em termos políticos, o período está compreendido supremacia sobre o próprio território. Foi nesse
entre dois processos vinculados à transição de um contexto que logo após a ascensão de Getúlio Vargas
modelo econômico agrário-exportador para ao poder, em 1930, criou-se o Ministério da
industrial-urbano: a Revolução de 1930 e o golpe de Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco
Estado de 1964. Campos, que implantou a Reforma de 1931,
No período de 1930 a 1964, rivalizaram-se dois precedida por um pedido de Vargas aos educadores
projetos de nação para o Brasil. O nacional- reunidos na IV Conferência da Associação Brasileira
populista, cuja gênese reportava-se a Getúlio Vargas de Educação (ABE) para que fornecessem ao
e que agregou setores progressistas da sociedade governo ‘o sentido pedagógico da revolução’.
brasileira, defendia a industrialização do País à base A Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida,
do esforço nacional, sem comprometer a sua teve como diferencial a criação, pelo menos em lei, de
soberania. Por ter nascido reconhecendo que a um Sistema Nacional de Educação, além de ter criado
questão social não era caso de polícia, mas de o Conselho Nacional de Educação, órgão consultivo
política, o projeto getulista contou com apoio dos máximo para assessorar o Ministério da Educação. O
trabalhadores. Por sua vez, o projeto das oligarquias texto da Reforma determinou que o ensino
tradicionais, ligadas ao setor agrário exportador, secundário ficasse organizado em dois ciclos: o
previa o desenvolvimento econômico subordinado à fundamental, de cinco anos, e o complementar, de
liderança dos Estados Unidos da América e dois anos. Dessa forma, o ensino secundário
representava setores da elite política desalojada do compreendia a escolarização imediatamente
poder em 1930, especialmente os ligados à economia posterior aos quatro anos do ensino primário e tinha
cafeeira paulista. A polarização ganhou fortes cores caráter altamente seletivo.
ideológicas oriundas do ambiente político A seletividade do ensino secundário e a
internacional, dominado pela disputa entre dois dicotomia entre ensino profissional e secundário
blocos, o capitalista e o socialista, de tal forma que a ficaram mantidas, favorecendo os filhos da elite. O
política nacional da época esteve marcada pelos primeiro ciclo, de cinco anos, tornou-se obrigatório
binômios esquerda x direita, conservadores x para ingresso no ensino superior; o segundo, de dois
progressistas. anos, em determinadas escolas. O ingresso ao
A educação, por exemplo, foi palco de superior devia guardar correspondência obrigatória
manifestações ideológicas acirradas, pois, desde com o ensino médio, o que também dificultava o
1932, interesses opostos vinham disputando espaço acesso ao ensino superior. A Reforma deixou
no cenário nacional: de um lado, a Igreja Católica e
setores conservadores pretendendo manter a 2
Em 1930, Getúlio Vargas liderou a revolução que pôs fim ao domínio da
oligarquia agrária representada por Minas Gerais e São Paulo e que governou o
hegemonia que mantinham historicamente na Brasil na primeira fase republicana (1889-1930). Dissidente da oligarquia
tradicional, Vargas partiu do Estado do Rio Grande do Sul e se pôs à frente do
condução da política nacional de educação; de outro, movimento tenentista que convulsionou o Brasil na década de 20, tendo
setores liberais, progressistas e até mesmo de desfecho vitorioso em 1930. Iniciou-se desde então a ‘era’ de Getúlio Vargas no
Brasil: a) de 1930 a 1934, governo provisório; b) de 1934 a 1937, governo eleito
esquerda, aderindo ao ideário da Escola Nova, pela Constituinte; c) de 1937 a 1945, “ditadura do Estado Novo”; e) de 1951 a
1954, eleito pelo voto direto. Vargas instituiu o populismo e iniciou a etapa da
propunham uma escola pública para todas as industrialização no Brasil, a qual, por sua vez, impulsionou a urbanização, e esta,
crianças e adolescentes dos sete aos 15 anos de idade. a pressão por educação. Em agosto de 1954, mergulhado em grave crise política
que almejava sua deposição, Getúlio Vargas cometeu suicídio.

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 159

marginalizados o ensino primário, o Curso Normal uma conciliação de interesses no contexto dos
(formação de professores para atuar no primário) e conflitos político-ideológicos da época. No que diz
os vários ramos do ensino profissional, salvo o respeito ao debate educacional e à elaboração da
comercial. Constituição, esses conflitos ficaram explícitos entre
Aspecto inovador da Reforma Francisco Campos os renovadores (liberais partidários dos princípios da
foi ter empreendido a reforma do ensino superior, Escola Nova) e os defensores da educação privada,
prevista no Estatuto das Universidades Brasileiras no caso, representada pela Igreja Católica.
(BRASIL, 1931), que dispunha sobre a organização Com o golpe de Estado que instituiu a ditadura
do ensino superior e adotava o ‘regime de Vargas (1937-1945), uma nova Constituição, a de
universitário’, o qual previa a criação de 1937, foi adotada no Brasil, a qual, no aspecto da
universidades, organizadas de forma que pudessem educação, transformou em ação supletiva o que
criar ciência e transmiti-la, além de servir: antes era dever do Estado.
a) à pesquisa científica e à cultura desinteressada; b) à Durante a ditadura de oito anos, o governo
formação do professorado para as escolas primárias, editou uma das reformas mais duradouras do
secundárias, profissionais e superiores; c) à formação Sistema Educacional Brasileiro, as chamadas Leis
de profissionais em todas as profissões de base Orgânicas do Ensino, mais conhecidas como
científica; d) à vulgarização ou popularização Reforma Capanema (1942-1946). Esse conjunto das
científica literária e artística, por todos os meios de Leis Orgânicas do Ensino, editadas de 1942 a 1946,
extensão universitária (RIBEIRO, 1986, p. 102). estabeleceram o ensino técnico-profissional
A influência do movimento conhecido como (industrial, comercial, agrícola); mantiveram o
Escola Nova nessa Reforma é perceptível, pois caráter elitista do ensino secundário e incorporaram
incorporou uma reivindicação exposta no Manifesto um sistema paralelo oficial (Serviço Nacional de
dos Pioneiros da Educação Nova, de 19323, sobre a Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço
criação de universidades, previstas como etapa da Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac)).
A Reforma Capanema incorporou também
escolaridade que acolhesse ‘os melhores’, isto é,
algumas reivindicações contidas no Manifesto de
aqueles dentre os que tivessem cursado a escola dos
1932, a saber: a) gratuidade e obrigatoriedade do
sete aos 15 anos e que demonstrassem talento para o
ensino primário; b) planejamento educacional
curso universitário. No âmbito da Reforma, mais
(Estados, territórios e Distrito Federal deveriam
especificamente no que preconizava o Estatuto das
organizar seus sistemas de ensino); c) recursos para
Universidades Brasileiras, foi organizada a o ensino primário (Fundo Nacional do Ensino
Universidade do Rio de Janeiro; em 1934, foi criada Primário) estipulando a contribuição dos Estados,
a Universidade de São Paulo (USP), com a Distrito Federal e dos municípios; d) referências à
participação de Fernando de Azevedo. carreira, remuneração, formação e normas para
Antes das mudanças que viriam a ocorrer em preenchimento de cargos do magistério e na
1937 foi promulgada a Constituição Brasileira de administração.
1934. Nela, o direito à educação, com o corolário da Durante os oito anos do ‘Estado Novo’, termo
gratuidade e da obrigatoriedade tomou forma legal, com o qual Vargas intitulou a sua ditadura, foram
além de ter declarado gratuito o ensino primário de criadas várias entidades e órgãos tanto na esfera da
quatro anos. A Carta de 1934 consagrou o princípio sociedade civil, quanto no âmbito da sociedade
do direito à educação, que deveria ser ministrada política em função de lutas específicas vinculadas às
‘pela família’ e ‘pelos poderes públicos’ e o princípio universidades, à área da educação, ou mesmo ao
da obrigatoriedade, incluindo entre as normas que movimento estudantil. Foi o caso da União Nacional
deviam ser obedecidas na elaboração do Plano de Estudantes (UNE), fundada em 1937, que
Nacional de Educação, o ensino primário gratuito e combateu a ditadura. Ao longo dos seus mais de
de frequência obrigatória, extensiva aos adultos, e a setenta anos de história, a UNE marcou presença na
tendência à gratuidade do ensino ulterior ao vida política, social e cultural do Brasil, como: a)
primário. Além disso, essa Constituição representou contra a Ditadura de Vargas (1937-1945) e a Ditadura
Militar (1964-1985); b) no movimento das ‘Diretas
3
Trata-se do texto conhecido como Manifesto de 1932, cujo título original é A Já’, no início dos anos 1980; c) na campanha do
reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Redigido por
Fernando de Azevedo, constituiu-se em um dos mais importantes documentos impeachment do presidente Fernando Collor de
da educação brasileira e representou a influência dos ideais da Escola Nova no
Brasil, polarizando com os ideais da escola tradicional e os interesses da Igreja
Mello, em 1992. Durante a década de 90, “[...] foi um
Católica. Foi assinado por 26 intelectuais liberais brasileiros, dentre os quais, o dos principais focos de resistência às privatizações e ao
mais importante para a área da educação foi Anísio Teixeira, e influenciou
largamente as ideias pedagógicas no Brasil. Em 2012, o Manifesto está neoliberalismo que marcou a Era FHC” (UNE,
completando 80 anos de existência e muitas das reivindicações ali contidas
permanecem atuais. 2012), ou seja, o período de 1995-2002.
Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012
160 Bittar e Bittar

Em janeiro de 1937, mesmo ano de criação da Progresso da Ciência (SBPC), entidade científica
UNE, fundou-se o Instituto Nacional de Pedagogia integrada por pesquisadores de todas as áreas de
(INEP)4, que, atualmente, figura como um dos mais conhecimento, sobretudo físicos e engenheiros.
importantes órgãos de disseminação de informações Iniciou-se, desde então, a organização das primeiras
educacionais e trabalha por meio da constituição de reuniões anuais e a publicação da Revista Ciência e
Comissões de Especialistas designados entre os Cultura, ‘porta-voz da SBPC’. A Sociedade teve
pesquisadores da comunidade acadêmica, para papel importante ao longo desses mais de sessenta
contribuírem com a formulação das políticas anos de existência, especialmente no período de luta
educacionais e de implementação dos processos de contra a ditadura militar, reunindo uma diversidade
avaliação em todos os níveis educacionais. Com a de pesquisadores e associações científicas,
criação do INEP, iniciaram-se no País as bases para a destacando-se nas discussões sobre as políticas
o desenvolvimento de atividades de pesquisa e de científicas do País.
investigação na área da educação, mais tarde Os anos 1950 marcaram a criação de várias
implementadas pelos Centros Regionais de agências de fomento à pesquisa e à ciência
Pesquisa. brasileiras; iniciava-se, em 1951, um novo governo
Terminada a ditadura Vargas, fato que coincidiu de Getúlio Vargas, dessa vez eleito pelo povo. De
com o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil acordo com a sua plataforma nacionalista, a
editou a sua quarta Constituição republicana (1946), construção de uma nação desenvolvida e
que consagrou os direitos e garantias individuais e independente exigia uma política científica e de
assegurou a liberdade de pensamento. Demons- pesquisa para o País. Assim, no primeiro ano do
trando tendência progressista e aproximando-se da novo mandato, criou-se o Conselho Nacional de
Constituição de 1934 e dos princípios ‘do Manifesto Desenvolvimento Científico e Tecnológico
de 1932’, essa Constituição reafirmou o direito de (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência e
todos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do Tecnologia, com a função de fomentar o
ensino primário. Esses princípios progressistas, no desenvolvimento científico e tecnológico no País.
entanto, não garantiram a universalização sequer da No mesmo ano, teve origem a Coordenação de
escola primária para todas as crianças brasileiras, ou Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
seja, a sequência de reformas que vimos, (Capes)5, que atualmente desenvolve atividades
especialmente nos seus aspectos mais democráticos, relacionadas: à
pouco saía do papel. Aliás, um traço recorrente das
[...] avaliação da pós-graduação stricto sensu; ao acesso
políticas educacionais brasileiras: incorporação de e divulgação da produção científica; ao investimento
princípios democráticos que não chegam a ser postos na formação de recursos humanos de alto nível no
em prática. A Constituição de 1946, por outro lado, País e no exterior; à promoção da cooperação
previu, pela primeira vez, a elaboração de uma lei internacional (CAPES, 2012).
específica para a educação brasileira: a Lei de
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que viria a
1960), o País entrou de forma mais intensa na fase
ser aprovada apenas em 1961.
do nacional-desenvolvimentismo. Sob a influência
Antes, porém, no ano de 1948, no transcorrer do
dessa ideologia, foi criado o Instituto Superior de
governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) e no
Estudos Brasileiros (ISEB), vinculado ao Ministério
contexto de manifestações nacionalistas e
da Educação e Cultura (MEC), reunindo “[...]
democráticas, foi criada a Sociedade Brasileira para o
intelectuais de distintas orientações teóricas e
ideológicas” (TOLEDO, 2005, p. 11)6, com o
4
O INEP passou por várias transformações, desde a sua criação. No início,
constituiu-se como o primeiro órgão do governo federal a estabelecer-se como
“[...] fonte primária de documentação e investigação, com atividades de 5
intercâmbio e assistência técnica”. Em 1944, criou a Revista Brasileira de No início, a Capes tinha como objetivo “[...] atender às necessidades dos
Estudos Pedagógicos (RBEP). Em 1952, sob a presidência de Anísio Teixeira, empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do País”.
priorizou o trabalho de pesquisa, “[…] como um meio de fundar em bases Além disso, a “[...] industrialização pesada e a complexidade da administração
científicas a reconstrução educacional do Brasil”. Nessa época, foram criados o pública trouxeram à tona a necessidade urgente de formação de especialistas e
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de pesquisadores nos mais diversos ramos de atividade: de cientistas qualificados
Pesquisa, que funcionaram como importantes centros de estudos e pesquisas em Física, Matemática e Química a técnicos em finanças e pesquisadores
educacionais em algumas regiões brasileiras, adquirindo projeção nacional e sociais”. A Capes passou por diversas mudanças, chegando a ser extinta no
internacional. Em 1981, lançou a Revista Em Aberto, para assessorar governo Fernando Collor de Mello, em 1990. Em 1992, ela se tornou Fundação
internamente o MEC, mas posteriormente passou a atender às necessidades de Pública e, em 1995, primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso,
“[...] professores e especialistas fora da estrutura do MEC”. Em 1985, retirou-se fortaleceu-se como “[...] instituição responsável pelo acompanhamento e
da função de fomento para retomar seu papel básico de suporte às decisões do avaliação dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros. Naquele ano, o
MEC. No governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o INEP quase foi sistema de pós-graduação ultrapassou a marca dos mil cursos de Mestrado e
extinto, mas após essa fase, ainda no início dos anos 1990, “[...] atuou como dos 600 de Doutorado, envolvendo mais de 60 mil alunos” (CAPES, 2012, p. 3).
6
financiador de trabalhos acadêmicos voltados para a educação”. Após 1995, Para Caio Navarro de Toledo, o Instituto foi criado para servir de instrumento
tornou-se responsável pelos levantamentos estatísticos e pelas informações para uma ação eficaz no processo político do País. Reuniu intelectuais de
educacionais que efetivamente orientassem “[…] a formulação de políticas distintas convicções ideológicas, incluindo o marxismo, que acreditavam ser
educacionais do Ministério da Educação”. No governo de Luiz Inácio Lula da possível, por meio do debate e do confronto de ideias, formular um projeto
Silva, passou a denominar-se Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas ideológico comum para o Brasil. Em um contexto de polarização ideológica, o
Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2012, p. 5). nacional-desenvolvimentismo foi concebido como uma ideologia-síntese capaz

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 161

objetivo de formular um projeto nacional para o No que se refere à estrutura do ensino, a Lei
País. O Instituto ficou conhecido por: manteve a herança da Reforma Capanema: pré-
primário; primário; médio, subdividido em dois
[…] oferecer cursos a oficiais das Forças Armadas,
empresários, sindicalistas, parlamentares, ciclos (técnico e secundário); superior. Daí afirmar-
funcionários públicos, burocratas e técnicos se que a Reforma Capanema teve caráter duradouro
governamentais, docentes universitários e do ensino que as outras reformas não tiveram.
médio, profissionais liberais, religiosos, estudantes, Depois de uma profusão de debates e com
etc. Distinguindo-se de uma instituição acadêmica instituições ativas na área da educação como a UNE,
foi, precipuamente, um centro de formação política INEP e SBPC, o Brasil chegou à década de 60 do
e ideológica, de orientação democrática e reformista século XX com quase 40% de analfabetismo, o que
(TOLEDO, 2005, p. 11).
evidencia a ineficiência das reformas, o seu caráter
Na última fase do ISEB, seus integrantes retórico e a omissão do Estado no cumprimento
procederam a uma revisão crítica das teses nacionais- efetivo das leis que ele próprio editara. Os números
desenvolvimentistas. De acordo com Caio Navarro expressam que pouco havia mudado: em 1940, a taxa
de Toledo, nessa revisão constatou-se que o, de analfabetismo no Brasil era de 56,0%; em 1950,
era de 50,5% e, em 1960, 39,35% (RIBEIRO, 1986).
[...] país cresceu economicamente – com a consolidação
Em uma sociedade com quase a metade de sua
do capitalismo industrial – mas não resolveu em
profundidade suas graves e históricas desigualdades população analfabeta, quem eram os alunos e quem
sociais e regionais (TOLEDO, 2005, p. 11). eram os professores? Os primeiros eram os que
conseguiam superar todos os obstáculos para chegar
No contexto político entre esquerda e direita, até à escola, uma vez que o Brasil era
nacionalistas versus entreguistas, no início dos anos predominantemente rural e escolas nas fazendas
1960, após 13 anos de conflitos ideológicos e de lutas eram raras. Esse era o mais forte obstáculo à
pela educação pública brasileira, foi aprovada a escolarização8. Urbanização e escolarização,
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei portanto, são dois fenômenos que precisam ser
n. 4.024, de 1961)7, que incorporou os princípios do considerados conjuntamente na história do Brasil.
direito à educação, da obrigatoriedade escolar e da Diante da alta taxa de analfabetismo (39,35%) no
extensão da escolaridade obrigatória nos seguintes Brasil na década de 60, teve início a experiência de
termos: “A educação é direito de todos e será dada educação popular, dentre as quais se destacou o
no lar e na escola” (Artigo 2º); “O direito à educação método de alfabetização de adultos de Paulo Freire.
é assegurado pela obrigação do poder público e pela Com o apoio da União Nacional dos Estudantes
liberdade de iniciativa particular de ministrarem o (UNE) e de uma parte da Igreja Católica que aderiu
ensino em todos os graus, na forma da lei” (Artigo à Teologia da Libertação, o educador pernambucano
3º) (ROMANELLI, 1986, p. 176). começou a alfabetizar segundo a sua máxima: “[...]
O retrocesso dessa Lei em relação à Constituição educação como prática da liberdade” (FREIRE,
de 1946 foi ter estabelecido casos de isenção pelos 1978, p. 1). Coerente com essa teoria e com a sua
quais o Estado não era obrigado a garantir matrícula: compreensão do Brasil, Paulo Freire preconizava
que, ao enorme contingente que nunca pisara o chão
a) comprovado estado de pobreza do pai ou
de uma escola, não bastaria apenas alfabetizar com
responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrícula
encerrada; d) doença ou anomalia grave da criança
métodos convencionais. Ao contrário, no processo
(ROMANELLI, 1986, p. 174). da alfabetização, ao mesmo tempo em que se deveria
fornecer aos adultos desescolarizados o instrumental
de levar o país – através da ação estatal (planejamento e intervenção
da escrita, seria necessário fornecer-lhes também as
econômica) e de uma ampla frente classista – à superação do atraso econômico- ferramentas para interpretar o mundo, ou melhor,
social e da alienação cultural (TOLEDO, 2005).
7
A primeira LDB do País tramitou no Congresso Nacional de 1948 a 1961. Na para ler o mundo. Contudo, a sua inovadora atuação,
primeira fase, de 1948 a 1958, o projeto apresentado pelo Ministro da Educação,
Clemente Mariani, foi alvo da polêmica centrada no aspecto da centralização ou
que no futuro seria reconhecida mundialmente, foi
da descentralização da Política Nacional de Educação. Nessa época, o deputado interrompida em abril de 1964.
federal Gustavo Capanema, do Partido Social Democrático (PSD), ex-Ministro da
Educação, acusava o projeto de ser centralizador. Com hegemonia Essas características da educação brasileira,
conservadora no Congresso Nacional, em 1958 o deputado Carlos Lacerda, da
União Democrática Nacional (UDN), apresentou um substitutivo ao anteprojeto, herdeira de três séculos de escravidão e com as suas
deslocando o foco da discussão para a ‘liberdade de ensino’, rejeitando a
centralização e propondo que o Estado outorgasse igualdade de condições às
escolas de elite, trazem à mente as palavras de
escolas oficiais e particulares (ROMANELLI, 1986). Segundo alegava, o Estado
pretendia o monopólio sobre o ensino. Esses debates no Congresso Nacional
8
suscitaram, em 1959, o início da Campanha em Defesa da Escola Pública, Foi depois de 1930 que a demanda por escolarização começou a crescer no
liderada por Florestan Fernandes e Fernando de Azevedo, com centro na Brasil, como consequência do projeto econômico implantado pelo governo de
Universidade de São Paulo (USP). A Campanha insurgiu-se contra o substitutivo Getúlio Vargas, pautado na industrialização. Antes disso, vivendo a maioria da
de Carlos Lacerda. Ainda em 1959, foi publicado um Manifesto em favor da população na área rural, em um país recém-liberto da escravidão sem qualquer
escola pública, redigido por Fernando de Azevedo, que tratava do aspecto social política indenizatória ou compensatória, além de manter a estrutura agrária de
da educação e dos deveres do Estado democrático. produção, a necessidade de escolas era pouco percebida.

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


162 Bittar e Bittar

Manacorda (1989, p. 41), para quem, desde que a universidade ao modelo econômico preconizado
sociedade se dividiu em dominantes e dominados, pelo regime, instituindo os departamentos, a
“[...] para as classes excluídas e oprimidas [...], matrícula por crédito e não mais em disciplinas, a
nenhuma escola”. extinção da cátedra, etc. Inspirada no princípio de
organização da universidade norte-americana, essa
A expansão da escola pública brasileira durante o Reforma, realizada em contexto de repressão
regime militar (1964-1985) política, de um lado, instituiu o modelo da eficiência
A política educacional da ditadura militar, e produtividade e, de outro, o controle sobre as
instituída em 1964, por meio de um golpe de atividades acadêmicas. A repressão se abateu
Estado9, provocou mudanças estruturais na história principalmente sobre o movimento estudantil
da escola pública brasileira. Para alguns, um fato organizado pela UNE, proibido de qualquer
paradoxal, pois, como se explica que exatamente manifestação de caráter político. Foram atingidos
durante um regime autoritário que prendeu, também os professores universitários e intelectuais
torturou e matou seus opositores, a escola pública que atuavam por uma reforma democrática da
tenha se expandido? A resposta deve ser buscada na universidade, que na época era acessível apenas a
própria base produtiva do modelo econômico uma pequena parcela da sociedade brasileira.
instaurado pelos governos militares. A consolidação A relação da Reforma Universitária com a escola
da sociedade urbano-industrial durante o regime pública encontra-se na conexão estabelecida entre os
militar transformou a escola pública brasileira cursos para formar professores e a facilitação da
porque na lógica que presidia o regime era expansão do ensino superior privado. Nesses cursos,
necessário um mínimo de escolaridade para que o muitos dos quais noturnos, começaram a ser
País ingressasse na fase do “Brasil potência”, titulados os novos professores para a escola pública
conforme veiculavam slogans da ditadura. Sem brasileira. Outra consequência da política
escolas isto não seria possível. Entretanto, a expansão educacional da ditadura militar consistiu na
quantitativa não veio aliada a uma escola cujo padrão formação de uma nova categoria docente que veio a
intelectual fosse aceitável. Pelo contrário: a expansão substituir aquela que até então era formada nas
se fez acompanhada pelo rebaixamento da qualidade poucas instituições universitárias ou nos Cursos
de ensino, segundo a maioria dos estudiosos. É Normais. Desse novo contexto, nasceu uma
imperioso constatar, porém, que a expansão, em si categoria massiva que, pela condição de vida e de
mesma, foi um dado de qualidade, pois se qualidade trabalho a que seria submetida, logo iria se organizar
e quantidade são duas categorias filosóficas que não em sindicatos, um fenômeno típico do novo
se separam, o fato de as camadas populares professorado e inteiramente distinto do perfil dos
adentrarem pela primeira vez em grande quantidade professores brasileiros até a década de 60.
na escola pública brasileira constituiu-se em um dos Tendo feito a Reforma ‘antes que outros a
elementos qualitativos dessa escola. Em outras fizessem’, expressão que indicava o temor dos
palavras: se no passado a escola pública brasileira era militares quanto à força do movimento estudantil da
tida como de excelente qualidade, não se pode época, a ditadura militar editou também a reforma
esquecer que essa qualidade implicava na exclusão da do ensino fundamental conhecida como Lei n.
maioria. 5.692, de 1971, transformando o antigo curso
A ditadura militar, ancorada no pensamento primário, de quatro anos, e o ginásio, também de
tecnocrático e autoritário que acentuou o papel da quatro anos, em oito anos de escolaridade
escola como aparelho ideológico de Estado, editou obrigatória mantida pelo Estado, isto é, o ensino de
um rol de medidas consubstanciadas, basicamente, primeiro grau que duplicou os anos de escolaridade
em duas reformas educacionais que mudaram a face obrigatória.
da educação brasileira. A primeira delas foi a Com essa reforma, o regime militar pretendeu
Reforma Universitária10, de 1968, que adequou a conferir um novo caráter ao segundo grau de ensino.
Com o propósito de lhe conferir caráter terminal e de
9
Esse golpe destituiu, em 31 de março de 1964, o governo do presidente eleito
diminuir a demanda sobre o ensino superior, a reforma
João Goulart, filiado politicamente ao nacional-populismo. Durante o período imprimiu-lhe o carimbo de ‘profissionalizante’, ou seja,
decorrido após 1930, as forças políticas predominantes no Brasil se dividiram
entre os que apoiavam o projeto político-econômico nacional-populista, como acabava-se com o ensino médio de caráter formativo,
trabalhadores e setores da classe média, e os conservadores, como
latifundiários e oligarquias tradicionais. Quando a conjuntura internacional se
polarizou em consequência da Guerra Fria, no período após 1945, essas forças porque o movimento estudantil estava mobilizado exigindo a democratização da
à direita, alegando que o Brasil caminhava para o comunismo, tramaram o golpe universidade brasileira desde o pré-64 e o governo militar pretendia calar a sua
de Estado que acabou sendo desfechado pelo Exército, colocando fim ao voz. No entanto, embora realizada pelo Estado autoritário, acabou incorporando
nacional-populismo e subordinando o País à política norte-americana. algumas reivindicações do período anterior à ditadura. Essa Reforma mudou a
10
A Reforma Universitária (Lei n. 5.540/1968) foi consequência do trabalho de face do ensino superior no Brasil, instituindo a indissociabilidade entre ensino,
um grupo de especialistas, atendendo a uma determinação do general Arthur da pesquisa e a pós-graduação no âmbito universitário, além de ter aberto caminho
Costa e Silva, então presidente do Brasil, e foi realizada em curto prazo. Isso para a expansão do ensino privado.

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 163

com base humanística, para fornecer ‘uma profissão’ alfabetização, dentre as quais a do Movimento
aos jovens que não pudessem ingressar na Brasileiro de Alfabetização (Mobral), um verdadeiro
universidade. fracasso. O pior, porém, foi o fato de que os
Quanto ao ensino de primeiro grau de oito anos, governos que sucederam a ditadura também não
a expansão física das escolas foi uma característica resolveram esse problema. Além disso, por não ter
dos 21 anos de ditadura. Mas que escola era essa? cumprido a universalização da escola básica, tarefa
Sem dúvida, a das crianças das camadas populares; a realizada pela maioria dos países ocidentais na
escola em que funcionava o turno intermediário, passagem do século XIX para o XX, o Brasil
com pouco mais de três horas de permanência na ingressou no século XXI com essa vergonhosa
sala de aula, mal aparelhada, mal mobiliada, sem herança11.
biblioteca, precariamente construída, aquela em que Em termos de políticas de desenvolvimento
os professores recebiam salários cada vez mais científico e tecnológico, é importante registrar a
incompatíveis com a sua jornada de trabalho e com a criação, no início da década de 60, da Fundação de
sua titulação. A escola na qual era obrigatória a Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Educação Moral e Cívica, disciplina de caráter (Fapesp)12, a primeira de uma série de fundações
doutrinário, que além de justificar a existência dos estaduais de apoio à pesquisa que foram sendo
governos militares, veiculava ideias preconceituosas criadas nos Estados brasileiros, com o objetivo de
fomentar a pesquisa científica e tecnológica no País,
sobre a formação histórica brasileira, e na qual o
bem como a criação dos programas de pós-
ensino da Língua Portuguesa, da História, da
graduação stricto sensu. No final dos anos 1960,
Geografia e das Artes ficou desvalorizado.
observa-se também o crescimento das Reuniões
Quanto à expansão quantitativa de matrículas nas
Anuais da SBPC e os embates de cientistas e
escolas públicas, alguns dados mostram o que
intelectuais contrários à ditadura. Nos anos 1970, a
ocorreu após a Reforma de 1971. Em 1950, apenas
SBPC incorporou cientistas das áreas das Ciências
36,2% das crianças de 7 a 14 anos de idade tinham
Humanas e Sociais e na segunda metade da década
acesso à escola. Em 1989, os dados indicavam
de 1980, participou ativamente da transição
27.557.492 matrículas no ensino de primeiro grau
democrática, transformando-se em um “[...] fórum
público ante 3.442.934 no privado. Em 1990, eram
de discussão de políticas públicas para o país”
88% (GOLDEMBERG, 1993). O Censo Escolar de
(SBPC, 2012, p. 2).
1991-2002 registrou 35.150.362 de matrículas no
No campo da pesquisa em Ciências Humanas e
ensino de primeiro grau, e desse montante apenas
Sociais, foram criadas, em 1976 e 1977,
3.234.777 estavam na rede privada (CENSO respectivamente, a Associação Nacional de Pós-
ESCOLAR, 2003). O ensino de segundo grau, por Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)13 e a
sua vez, em 1960, registrava 1.177.427 alunos Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
matriculados (ROMANELLI, 1986). Em 2002, o em Ciências Sociais (Anpocs), que desempenharam
Censo Escolar (2003) indicava 8.710.584 de alunos papel importante no enfrentamento à ditadura
matriculados nesse nível de ensino, dos quais 1.122. militar, bem como na organização dos Programas de
970 na rede privada. Apesar desses avanços Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais,
quantitativos, a disparidade de matrículas entre um reunindo pesquisadores de todo o Brasil e sendo
grau e outro persistia e um grave problema não foi fundamentais no processo de redemocratização da
equacionado: o analfabetismo. Dados da Pesquisa sociedade brasileira e da consolidação da pesquisa no
Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), País.
de 2003, evidenciaram que, No final da década de 80, no contexto da
[...] 10,6% dos brasileiros com dez anos ou mais de Assembleia Nacional Constituinte, após intenso
idade declararam-se incapazes de ler e escrever. Esse
número vem caindo ano a ano, independentemente 11
A situação do professorado brasileiro se deteriorou fortemente desde o arrocho
de qualquer campanha, pelo simples fato de que a salarial imposto pelo regime e depois foi seguido de empobrecimento crescente
após o fim da ditadura. Na década de 90, a crise se aprofundou, pois “[...] uma
maioria dos analfabetos no Brasil são idosos. Aos 14 parte dos professores públicos aderiu a planos neoliberais de demissão
anos, o analfabetismo no Brasil se limita a 2% da voluntária, além de levas que abandonaram em massa a profissão pela
impossibilidade de subsistirem do seu próprio trabalho” (FERREIRA JÚNIOR.;
faixa etária, e o total cai naturalmente à medida que BITTAR, 2006, p. 80).
12
vão minguando as gerações mais antigas Outras Fundações de Pesquisa de maior expressão nacional são a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), de 1964; a
(SCHWARTZMAN, 2005, p. 41). Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), criada
em 1980, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
Os dados indicam que o método de alfabetização (Fapemig), criada em 1985.
13
A Anped (2012) organiza-se por meio de 24 Grupos de Trabalho (GTs) fixos e
de adultos criado por Paulo Freire foi interrompido comporta em sua estrutura o Fórum Nacional de Coordenadores de Programas
de Pós-Graduação em Educação. Além disso, mantém um periódico
pela ditadura, que instituiu caríssimas campanhas de internacional, a Revista Brasileira de Educação (RBE).

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


164 Bittar e Bittar

processo de discussão e organização dos mais ensino médio, investimento muito abaixo do valor
variados segmentos da sociedade política e da investido por muitos países desenvolvidos e em
sociedade civil, o Brasil promulgou a sua nova desenvolvimento (WREFORD, 2003, p. 17)14.
Constituição (1988). Denominada de ‘Constituição c) a dedicação, o “[...] talento dos indivíduos que
Cidadã’, a nova Carta Magna brasileira define em conheci nas redes municipal e estadual, em todos os
seu artigo 208 que o dever do Estado com a níveis, e nos sindicatos. “Conheci pessoas que
educação será efetivado mediante a garantia de enfrentam grandes desafios no compromisso de
‘ensino fundamental obrigatório e gratuito’, melhorar o sistema”( WREFORD, 2003, p. 6). Ela
considerado ‘direito público subjetivo’. A efetivação concluiu o seu relatório anotando:
desse direito, um avanço em termos de políticas
As crianças e jovens que conheci nesta vasta, violenta
públicas educacionais, proporcionou mudanças
e caótica periferia são acolhedores, inteligentes e
importantes na educação pública brasileira, a seguir
generosos. São um recurso de que o Brasil precisa
analisadas. cuidar. Eles merecem melhores oportunidades
(WREFORD, 2003, p. 17).
A redemocratização e as políticas educacionais de
caráter neoliberal Muito do que está registrado nesse Relatório é
herança da política educacional da ditadura militar.
Conforme análises anteriores, o período dos Mas não só, pois na década de 90, especialmente
governos militares empreendeu a expansão desde os dois governos de Fernando Henrique
quantitativa da escola que, por sua vez, não veio Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-2002), com a
acompanhada das condições indispensáveis para adoção de medidas neoliberais no âmbito do
propiciar a aprendizagem aos alunos e para cumprir, capitalismo globalizado, a escola pública brasileira
portanto, a sua função essencial. Terminada a continuou se expandindo quantitativamente, mas a
ditadura militar, os governos que se seguiram não ineficiência do ensino tem sido constatada pelas
cumpriram essa tarefa de interesse nacional. Uma
avaliações de desempenho adotadas pelo Estado
ideia da situação pode ser obtida observando-se
desde então.
trechos do Relatório intitulado Um ensino que tem
Quanto à transição política que marcou o fim da
muito a aprender, elaborado por Jane Wreford, da
ditadura militar no Brasil, ela manteve traços mais
Comissão de Auditoria da Inglaterra, que, a pedido
do Instituto Fernand Braudel, passou um mês conservadores do que de mudança. A eleição de um
visitando escolas públicas paulistas na Grande São presidente de direita, Fernando Collor de Mello
Paulo, em 2002. (PRN, 1990-1992), depois de vinte e um anos de
Além de registrar problemas sobre a didática dos ditadura e de lutas democráticas que forjaram
professores, a falta de foco individual no aluno lideranças progressistas e de esquerda no cenário
devido à alta carga horária de trabalho, bem como o nacional brasileiro, evidencia que a transição para a
grande número de faltas, a rotatividade e os baixos democracia transcorreu de forma conservadora,
salários, Jane Wreford acrescentou que nas duas mantendo traços estruturais da formação histórica
aulas de Geografia a que assistiu, não havia sequer brasileira. O fato é mais significativo ainda porque o
mapas à disposição. As bibliotecas, com uma única derrotado nessas primeiras eleições diretas para
exceção, estavam trancadas. Embora Física, Química presidente (1989) foi Luiz Inácio Lula da Silva, cujo
e Biologia fossem disciplinas do currículo, os partido (PT) estava em franca ascensão junto aos
laboratórios eram raros. Nas salas de aula do ensino movimentos populares. Por seu lado, envolvido em
fundamental, exceto uma, não havia livros de escândalo de corrupção, Fernando Collor de Mello
leituras para diferentes graus de habilidade, nem não terminou o mandato.
mesmo simples livros de histórias. Os dois governos de Fernando Henrique
Quanto aos pontos positivos, ela realçou: a) a Cardoso adotaram medidas que expandiram as
merenda, “[...] um grande sucesso, gratuita e matrículas na escola pública15, mas diminuíram o
apetitosa, preparada na hora, com ingredientes
frescos e de alta qualidade” (WREFORD, 2003, p. 14
Em abril de 2002, segundo dados da Secretaria de Estado da Educação de
5), tornando as refeições “[...] melhores do que na São Paulo, citados no Relatório de Jane Wreford, as despesas anuais por aluno,
maioria das escolas britânicas”( WREFORD, 2003, em todo o sistema, eram de 500 dólares. Os Estados do Nordeste gastavam
menos que 150 dólares por aluno.
p. 5); b) o apoio financeiro, que aumentou “[...] nos 15
A universalização da escola pública brasileira recebeu impulso no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), especialmente no ensino fundamental
últimos 15 anos” (WREFORD, 2003, p. 4), embora que, em 2004, apresentava 94,4% de Taxa de Escolarização Líquida. Esse
registrando o pouco que se gasta por aluno: porcentual se deve em grande parte à Constituição Brasileira de 1988 e à atual
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394/1996, que
instituiu dois níveis de ensino: a) Educação Básica, formada pela Educação
O Brasil gasta apenas 14% do PIB per capita para cada Infantil (zero a seis anos), Ensino Fundamental (7 a 14 anos) e Ensino Médio (15
aluno da escola fundamental e 16% por aluno do a 17 anos); b) Educação Superior. Para Oliveira (2007, p. 674), a LDB contribuiu
para essa universalização, “[...] ao explicitar a possibilidade de adoção de

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 165

papel do Estado na educação superior ocasionando ensino que o País ostenta a menor taxa de
estagnação das universidades públicas além de Escolarização Líquida, isto é, apenas 13% dos jovens
aposentadorias precoces de professores que as de 18 a 24 anos frequentavam um curso superior em
deixaram para atuar nas universidades privadas, fato 2007 (IPEA, 2008). Esse sistema revela também que,
que prejudicou, principalmente, as universidades apesar de a Constituição Brasileira de 1988 exigir
públicas federais. Uma das principais medidas que as universidades sejam pautadas na
educacionais de seu governo foi desencadear o indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e apenas 8% das IES que compõem o sistema são
Bases da Educação (LDB), prevista na Constituição caracterizadas como tal, ou seja, 92% do Sistema de
Brasileira de 1988. Para Bittar, Oliveira e Morosini Educação Superior no Brasil é constituída por
(2008), a aprovação dessa Lei, após oito anos de Faculdades, Centros Universitários, Escolas Isoladas,
intensos debates no Congresso Nacional: entre outros tipos de instituições, que não são
obrigadas a desenvolver políticas de pesquisa e de
[...] constituiu-se em um marco histórico pós-graduação stricto sensu. Resta, portanto, aos 8%
importante na educação brasileira, uma vez que esta caracterizados como ‘universidades’, o oferecimento
lei reestruturou a educação escolar, reformulando os
da pesquisa e da pós-graduação; isto significa que a
diferentes níveis e modalidades da educação. [...]
possibilidade do desenvolvimento da ciência, da
desencadeou um processo de implementação de
reformas, políticas e ações educacionais [...] em vez tecnologia e do avanço do conhecimento não se
de frear o processo expansionista privado e redefinir estende a todo o sistema.
os rumos da educação superior, contribuiu para que No que diz respeito ao período conhecido como
acontecesse exatamente o contrário: ampliou e ‘era FHC’, a SBPC (2012, p. 3) entendeu que houve
instituiu um sistema diversificado e diferenciado, “[...] uma tentativa de desmonte do sistema de ciência e
por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da tecnologia e da pós-graduação”, mediante as políticas
organização acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse de privatização, flexibilização e desresponsabilização
contexto, criou os chamados cursos seqüenciais e os
implementadas pelo Estado, em consonância com as
centros universitários; instituiu a figura das
universidades especializadas por campo do saber; orientações emanadas dos organismos multilaterais.
implantou Centros de Educação Tecnológica; Esse processo de expansão e privatização
substituiu o vestibular por processos seletivos; orientado pela lógica de que ao Estado caberia
acabou com os currículos mínimos e flexibilizou os regular o sistema, instituiu-se um sistema complexo
currículos; criou os cursos de tecnologia e os de avaliação de todos os níveis de ensino
institutos superiores de educação, entre outras aumentando o seu controle com a intenção de
alterações (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, melhorar a qualidade da educação oferecida, o que,
2008, p. 10-11).
entretanto, não aconteceu. A política de avaliação
Um dos efeitos das reformas educacionais sistemática que passou a ser praticada pelo
instituídas no governo de Fernando Henrique Ministério da Educação, por meio do INEP,
Cardoso foi a intensificação do processo de possibilitou o conhecimento de dados dos Censos da
privatização da educação superior brasileira. Iniciada Educação Básica e da Educação Superior e a
nos anos da ditadura militar, especialmente após a constatação de que os níveis de aprendizagem no
Reforma Universitária de 1968, a expansão desse País, na Educação Básica, eram muito baixos,
nível de ensino colocou o Brasil como um dos países necessitando de políticas públicas mais eficazes para
com maior índice de privatização na educação enfrentá-los. Quanto à Educação Superior, a
superior, na América Latina e no mundo. O Censo constatação centrava-se na extrema desigualdade de
da Educação Superior relativo ao ano de 2008 acesso e permanência, na exclusão de milhões de
registra que do total de 2.252 Instituições de jovens desse nível de ensino, em especial negros e
Educação Superior (IES), somente 236 estão indígenas, na privatização, e no ensino de baixa
vinculadas ao setor público, enquanto 2.016 ao setor qualidade, entre outros.
privado, ou seja, 90% do total. Com relação às Depois da instituição das reformas neoliberais na
matrículas, do total de 5.080.056 alunos, 1.273.965 década de 90, o ex-ministro da Administração Federal e
estão frequentando as IES públicas, o que representa Reforma do Estado do primeiro governo de Fernando
25%; enquanto 75%, ou 3.806.091, estão
matriculados em IES privadas16. É nesse nível de Em termos de números significa que essas dez universidades detinham, em
2008, 686.638 matrículas de graduação. As duas públicas (Universidade de São
Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquista Filho (Unesp)
mecanismos como os ciclos, a aceleração de estudos, a recuperação paralela e registravam apenas 82.482 matrículas, inferior à primeira (Universidade Paulista
a reclassificação, entre outras medidas [...]”. (UNIP) que, isoladamente, mantinha 166.601 matrículas de graduação. Das oito
16
Para se ter uma ideia da privatização da educação superior no Brasil, deve-se universidades privadas, apenas uma caracteriza-se como
verificar os dados divulgados pelo Censo da Educação Superior, relativo ao ano ‘comunitária/confessional/filantrópica’, a Pontifícia Universidade Católica de
de 2008, os quais mostram que das dez maiores universidades brasileiras, em Minas Gerais (PUC-MG), com 34.017 alunos. As outras são universidades de
relação ao número de matrículas, oito eram privadas e apenas duas públicas. caráter empresarial, com finalidade lucrativa (BRASIL, 2009).

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


166 Bittar e Bittar

Henrique Cardoso surpreendentemente constatou impacto socioeducacional foi ampliar o Fundo de


que, Desenvolvimento e Manutenção do Ensino
[...] a estratégia que foi imposta ao Brasil no final dos Fundamental e de Valorização do Magistério
anos 1980, começo dos 1990, não funcionou. Falo da (Fundef), criado no governo de Fernando Henrique
estratégia de aceitação de uma ortodoxia Cardoso e que destinava recursos aos oito anos do
convencional, com o rótulo de modernidade ensino fundamental, para Fundo de
neoliberal, e a ideia de que se fizéssemos as reformas Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica
haveria a felicidade geral da Nação (BRESSER- e de Valorização do Magistério (Fundeb), que
PEREIRA, 2006, p. 3).
abrange a Educação Infantil, o Ensino Fundamental
Sobre a ‘ortodoxia convencional’, afirmou que é, e o Ensino Médio. Ao comparar as diferenças entre o
Fundef e o Fundeb, José Marcelino Pinto (2007,
[...] o conjunto de diagnósticos, propostas e pressões
que os países mais ricos fazem sobre os países em p. 888) afirma que a “[...] principal conclusão a que
desenvolvimento não para nos ajudar, mas para se chega [...] é que o Fundeb resgatou o conceito de
neutralizar nossa capacidade competitiva (BRESSER- educação básica como um direito”. Além de o
PEREIRA, 2006, p. 3). Estado investir mais em educação básica com o
Indagado sobre a razão de o Brasil estar objetivo de melhorar a sua qualidade, o governo
estagnado desde 1980, ele respondeu indicando duas Lula também investiu mais na educação superior
razões, uma de ordem política, outra econômica: pública, especialmente no que diz respeito ao acesso,
entendido como estratégia de inclusão de camadas
A resposta política: porque o Brasil perdeu a idéia de com menor poder aquisitivo, a esse nível de ensino.
nação. E perdeu como? Perdeu ao longo da crise dos
Nesse sentido, foram criadas 14 universidades
anos 80, no acordo feito nas Diretas-Já, no fracasso
do Plano Cruzado, na quase hiperinflação e, claro, públicas federais, em diversas regiões brasileiras, e
no fortalecimento da hegemonia americana ao longo foi implantado, em 2007, o Programa de Apoio a
desse período. E a outra resposta: erramos ao fazer Planos de Reestruturação e Expansão das
rigorosamente o que nos disseram que era para ser Universidades Federais (Reuni)18. Para possibilitar e
feito (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 3). ampliar o acesso e a permanência de jovens com
A análise do ex-Ministro surpreende porque menor poder aquisitivo à educação superior nas IES
durante o seu governo os que formulavam a mesma privadas, implantou-se, em 2004, o Programa
crítica eram rotulados de retrógrados. Quanto ao Universidade Para Todos (ProUni) (PROUNI,
resultado dessas políticas na área educacional, pode 2012), com bolsas integrais ou parciais oferecidas
ser medido por meio de alguns dados oficias: a) a pelas IES privadas, além de prever cotas a jovens
média brasileira no Índice de Desenvolvimento da negros ou indígenas. Esse conjunto de medidas
Educação Básica (IDEB)17 está abaixo de quatro mudou o perfil da educação superior no País.
numa escala de um a dez; b) 55% das crianças da 4ª
série não possuem o domínio da leitura; c) em 2004, Conclusão
a taxa de reprovação no ensino fundamental era de
13%; d) hoje, um estudante que termine o ensino Do panorama histórico aqui traçado, a conclusão
médio sabe quase o mesmo que um aluno da 8ª série a que se pode chegar é a de que foi mais fácil
sabia em 1995; e) a média de gasto por aluno expandir o sistema do que fazê-lo cumprir sua
brasileiro no ensino fundamental é de US$ 500 função de promover aprendizagem às crianças e aos
(quinhentos dólares) por ano; entre os países da jovens brasileiros. Nesse início do século XXI, é
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento possível afirmar que o Brasil tem escolas, mas o
Econômico (OCDE), a média é de US$ 4.800 problema é que elas são precárias. Outra conclusão
(DOSSIÊ ESTADO, 2007). Diante desses números, deste estudo é quanto ao contraste entre a pesquisa
é de se indagar: que qualidade tem a democracia
em Educação que o País conseguiu desenvolver e a
brasileira?
Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a qualidade da escola pública. A discrepância também
presidência da República, após disputar e ser é visível no fato de que, a despeito do crescimento
derrotado em três campanhas eleitorais, uma para econômico verificado desde os governos de Luiz
Fernando Collor de Mello e duas para Fernando
Henrique Cardoso. Uma de suas medidas de maior
18
De acordo com o site do MEC, o Reuni tem como “[...] principal objetivo ampliar
o acesso e a permanência na educação superior”. O Programa foi instituído pelo
Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007, no âmbito das ações que integram o
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), constituindo-se numa “[...] série
17
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo INEP, de medidas para retomar o crescimento do ensino superior público, criando
em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele reúne, “[...] num só condições para que as universidades públicas federais promovam a expansão
indicador, dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação superior” (REUNI,
fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações” (IDEB, 2012, p.2). 2012, p. 7).

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


Educação Brasileira: de 1930 aos anos 2000 167

Inácio Lula da Silva, o Brasil inicia o século XXI com BRASIL. INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
9,6% de analfabetismo adulto, o que abrange 14,533 Educacionais Anísio Teixeira. Resumo Técnico: Censo
da Educação Superior Brasileira 2008. Dados Preliminares.
milhões de brasileiros que não sabem ler nem
Brasília: MEC/INEP, 2009. Disponível em: <http://www.
escrever (ANALFABETISMO, 2010). Assim, apesar inep.gov.br>. Acesso em: 30 maio 2010.
de reformas e lutas em prol da educação, ainda BRESSER-PEREIRA, L. C. É a competição, estúpido.... O
temos tarefas que deveriam ter sido cumpridas no Estado de S. Paulo. São Paulo, 26 nov. 2006. Caderno
século XIX e, por isso, não haveria maior Aliás, p. J3. (Entrevista).
homenagem que o País pudesse prestar a Paulo CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Freire do que ter construído um sistema escolar Nível Superior. Disponível em: <http://www.capes.gov.
br/sobre-a-capes/historia-e-missao>. Acesso em: 30 abr.
público, de qualidade e que proporcionasse as
2012.
mesmas oportunidades a todas as crianças e jovens
CENSO ESCOLAR. Revista Brasileira de Estudos
brasileiros. A democracia brasileira continuará Pedagógicos, v. 81, n. 199, p. 525-568, 2003.
carente de conteúdo social enquanto esse desafio não DOSSIÊ ESTADO: Qualidade da Educação. O Estado
for cumprido. Uma população letrada e uma escola de S. Paulo. São Paulo, 29 abr. 2007. Caderno H, p. 2-19.
básica que cumpra a sua função de proporcionar (Edição Especial).
aprendizagem e formação crítica são requisitos FERREIRA JÚNIOR, A.; BITTAR, M. Proletarização
indispensáveis para a participação na vida nacional, e sindicalismo de professores na ditadura militar
estabelecendo a relação entre educação e política na (1964-1985). São Paulo: Pulsar, 2006.
sua forma mais plena, tal como preconizado FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 8.
ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.
historicamente pela filosofia grega: a educação para
GOLDEMBERG, J. O repensar da educação no Brasil.
atuação na polis, que deveria romper o sentido
Revista Estudos Avançados, v. 7, p. 65-137, 1993.
meramente individual, visando o bem comum, isto
IDEB-Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
é, da cidade, o que hoje pode ser entendido como Disponível em: <http://portalideb.inep.gov.br/>. Acesso
um projeto democrático de Nação. em: 19 fev. 2012.
INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Referências Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: <http://
www.inep.gov.br/institucional/historia.htm>. Acesso em:
ANALFABETISMO cai, mas ritmo ainda é lento. O
30 abr. 2012.
Estado de S. Paulo. São Paulo, 9 set. 2010, p. H4.
(Especial). IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. 2008.
Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/. Acesso em:
ANPEd-Associação Nacional de Pós-Graduação e
15 abr. 2012.
Pesquisa em Educação. Disponível em: <http://www.
MANACORDA, M. A. História da educação: da
anped.org.br/>. Acesso em: 3 maio 2012.
Antiguidade aos nossos dias. Tradução Gaetano Lo
AZEVEDO, F. et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Mônaco. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989.
Nova. In: Manifesto dos pioneiros da Educação Nova
OLIVEIRA, R. P. Da universalização do Ensino
(1932) e dos Educadores (1959). Recife: Fundação
Fundamental ao desafio da qualidade: uma análise
Joaquim Nabuco; Massangana, 2010. p. 33-68. Disponível
histórica. Educação e Sociedade. v. 28, n. 100,
em: <http://www.dominiopublico. gov.br/download/
p. 661-690, 2007. Disponível em: <http://www.cedes.
texto/me4707.pdf>. Acesso em: 17 out. 2012.
unicamp.br>. Acesso em: 30 maio 2012.
BITTAR, M.; OLIVEIRA, J. F.; MOROSINI, M. PINTO, J. M. A política recente de fundos para o
Apresentação. In: BITTAR, M.; OLIVEIRA, J. F.; financiamento da educação e seus efeitos no pacto federativo.
MOROSINI, M. (Org.). Educação Superior no Brasil. Educação e Sociedade, v. 28, n. 100, p. 877-897, 2007.
10 anos pós-LDB. Brasília: INEP, 2008. p. 9-13.
PROUNI-Programa Universidade Para Todos.
BITTAR, M.; BITTAR, M.; MOROSINI, M. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/>.
Producción de Conocimiento y Política Educativa en Acesso em: 30 maio 2012.
América Latina – la experiencia brasilera. In:
REUNI-Reestruturação e Expansão das Universidades
PALAMIDESSI, M.; GOROSTIAGA, J.; SUASNÁBAR,
Federais. Disponível em: <http://www.reuni.mec.gov.br/>.
C. (Org.). Investigación educativa y política en
Acesso em: 30 maio 2012.
América Latina. Buenos Aires: Novedades Educativas,
2012. p. 79-112. RIBEIRO, M. L. S. História da Educação Brasileira: a
organização escolar. 6. ed. São Paulo: Moraes, 1986.
BRASIL. Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931.
Institui o Estatuto das Universidades Brasileiras que ROMANELLI, O. O. História da Educação no Brasil
dispõe sobre a organização do ensino superior no (1930/1973). 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
Brasil e adota o regime universitário. Disponível em: SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br>. Acesso em: 25 Disponível em: <http://www.sbpcnet.org.br>. Acesso
jan. 2012. em: 30 mar. 2012.
Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012
168 Bittar e Bittar

SCHWARTZMAN, S. Os desafios da educação no Brasil. WREFORD, J. Um ensino que tem muito a aprender. O
In: SCHWARTZMAN, S.; BROCK, C. (Org.). Os Estado de S.Paulo. São Paulo, 13 abr. 2003. p. A16-17.
desafios da educação no Brasil. Tradução Ricardo
Silveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p. 9-51.
TOLEDO, C. N. 50 anos de fundação do ISEB. Jornal da Received on June 6, 2012.
UNICAMP. Campinas: Unicamp, 2005. Disponível em: Accepted on June 22, 2012.
<http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF
/ju296pg11.pdf>. Acesso em: 20 maio 2012.
License information: This is an open-access article distributed under the terms of the
UNE-União Nacional dos Estudantes. Disponível em: Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution,
<http://www.une.org.br>. Acesso em: 30 abr. 2012. and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012


Estado, política educacional e direito à
educação no Brasil: “O problema maior é o
de estudar”
State, educational policy an right to educa-
tion in Brazil: “The biggest problem is to
study”

Gilda Cardoso de Araujo1


Trabalhando o sal é amor o suor que me sai
Vou viver cantando o dia tão quente que faz
Homem ver criança buscando conchinhas no mar
Trabalho o dia inteiro pra vida de gente levar
Água vira sal lá na salina
Quem diminuiu água do mar
Água enfrenta sol lá na salina
Sol que vai queimando até queimar
Trabalhando o sal pra ver a mulher se vestir
E ao chegar em casa encontrar a família feliz
Filho vir da escola problema maior é o de estudar
Que é pra não ter meu trabalho e vida de gente levar
(Canção do Sal – Milton Nascimento)

RESUMO

O artigo trata das relações entre os problemas de acesso, permanência e


qualidade e a configuração histórica do Estado brasileiro e, consequent-
emente, da política educacional que foi traçada a partir dessa configura-
ção. Destaca as profundas desigualdades sociais e regionais e o correlato
processo excludente quanto ao direito à educação no Brasil, tanto do
ponto de vista normativo-político, quanto do ponto de vista das dinâmicas
intraescolares. As conclusões evidenciam a necessidade de reflexão sobre

1 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Professora do Programa


de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: gilda.
vix@terra.com.br

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 279
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

a dívida histórica do país com a constituição de um sistema nacional de


ensino e com a garantia do direito à educação.
Palavras-chave: Estado; política educacional; direito à educação.

ABSTRACT

The article deals with the relationships between the problems of access,
retention and quality and historical configuration of the Brazilian state and
therefore the educational policy that was drawn from this setting. Highlights
the profound social and regional inequality and exclusionary process cor-
related to the right to education in Brazil, both in terms of normative and
political, as the point of view of the school dynamics. The findings highlight
the need for reflection on the historical debt of the country with the estab-
lishment of a national education system and ensuring the right to education.
Keywords: State; educational policy; right to education.

Introdução

Esse artigo trata do “problema maior” que é o de estudar, ou melhor, de


ter a possibilidade de acesso, permanência e educação de qualidade para “vida
de gente levar” no Brasil, país de dimensões continentais, com profundas de-
sigualdades regionais, de renda, de acesso a bens culturais, entre outras muitas
desigualdades típicas do capitalismo.
Entendemos que o “problema maior de estudar” tem profundas ligações
com a configuração do Estado brasileiro e, consequentemente, com a política
educacional que foi traçada a partir dessa configuração. Enquanto em outros
países, já no século XIX, os sistemas nacionais de educação começavam a se
articular e a generalização da instrução elementar passava a ser entendida como
uma tarefa precípua do Estado nacional, ainda não temos, no Brasil do século
XXI, um sistema de educação que possa ser denominado nacional, dadas as
profundas disparidades entre redes, sistemas de ensino, entre estados e regiões.
Uma amostra dessas disparidades pode ser observada na tabela abaixo:

280 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

TABELA 1 – ENSINO FUNDAMENTAL SEGUNDO REGIÃO ADMINIS-


TRATIVA- 2006

Regiões Matrícula Abandono Reprovação

Norte 3.356.716 362.537 520.613


Nordeste 10.887.853 1.284.458 1.797.919
Sudeste 12.344.341 399.852 1.119.624
Sul 4.256.747 103.286 575.386
Centro-Oeste 2.437.006 164.357 287.520

Brasil 33.282.663 2.314.490 4.301.062


FONTE: MEC/INEP. Censo Escolar 2006

As regiões Sudeste e Nordeste têm a maior concentração de matrículas


na etapa obrigatória de escolarização. Entretanto, as regiões mais pobres do
país, Norte e Nordeste, apresentam 1.647.000 alunos afastados da escola de
ensino fundamental por abandono, de um total de 2.314.490, representando 71%
dos alunos brasileiros nessa situação. No que se refere à reprovação, a região
Nordeste e Norte, juntas, tiveram 2.318.540 alunos que não foram aprovados,
representando 54% do total de reprovação no País.
Além desses dados, a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios de
2005 (PNAD, 2005) revela que a taxa de analfabetismo funcional das pessoas
de 15 anos ou mais de idade no Brasil é de 23, 3%, sendo que a divisão regio-
nal dessa taxa também é perversa: 22,6% na Região Norte, 36,3% na Região
Nordeste, 17,5% na Região Sudeste, 18% na Região Sul e 21,4% na Região
Centro-Oeste, sendo que a maior concentração do analfabetismo funcional está
nos domicílios rurais.
A PNAD 2005 também mostra que, apesar da propalada universalização
do ensino fundamental, a média de anos de estudo da população brasileira ainda
é muito baixa, o que nos induz a pensar que, se quase todos brasileiros estão
entrando na escola há mais de uma década, não conseguem concluir a educação
básica (ensino fundamental e médio), conforme a tabela 2.

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 281
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

TABELA 2- ANALFABETISMO FUNCIONAL DE PESSOAS DE 15


ANOS OU MAIS
Regiões %
Norte 22,6
Nordeste 36,3
Sudeste 17,5
Sul 18
Centro-Oeste 21,4
Brasil 23,3
FONTE: IBGE, PNAD, 2005.
Diante desses dados, pretendemos traçar como se constituíram as políticas
públicas de educação no Brasil, analisando seu processo tardio e inacabado, bem
como os impactos desse processo na inscrição do direito à educação do ponto
vista da racionalidade jurídica e política.

Estado e política educacional no Brasil: trajetória e panorama


atual

O debate sobre a origem da denominação e da instituição Estado é contro-


verso. A utilização do termo “Estado” para designar especificamente a condição
de posse permanente e exclusiva de um território e de comando sobre os seus
respectivos habitantes é considerada por alguns autores emblema de uma situ-
ação nova de rompimento com os ordenamentos políticos precedentes e, por
outros autores, é considerada na linha de evolução das instituições precedentes.
Assim, para os autores, como Max Weber (2004), que defendem a rup-
tura entre a ideia de Estado e os ordenamentos políticos precedentes, seria
conveniente falar de “Estado” apenas quando estivesse referido às formações
políticas originadas da crise do feudalismo, portanto o Estado teria nascido com
a modernidade. Na outra linha, os autores, como Engels (1986), que defendem
a continuidade, argumentam que o Estado como ordenamento político de uma
comunidade teria surgido na passagem da comunidade primitiva fundada pelos

282 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

laços de parentesco para a comunidade civil.


Se a origem da denominação e da instituição Estado é controversa, a ligação
da educação ao Estado é um fenômeno tipicamente moderno, como assinala
a historiadora da educação Carlota Boto (1996). Com efeito, até a Revolução
Francesa a educação era entendida como aperfeiçoamento individual. Até mes-
mo o movimento iluminista, que defendia a expansão do esclarecimento como
estratégia para o progresso, negava o caráter público da educação, talvez por
sua marcada oposição ao Estado Absolutista, o que tornava pouco aceitável a
ideia deste Estado assumir a tarefa de instruir as novas gerações. A Revolução
Francesa, embora não represente uma ruptura com a tradição da ilustração,
significa, do ponto de vista educacional, uma substância nova no debate sobre
a institucionalização de um ensino público e universal. A educação, no contexto
revolucionário, se conecta a esfera pública e ao civismo, transformando-se em
instrumento de regeneração social e, portanto, desvincula-se da dimensão emi-
nentemente individualista de emancipação característica da utopia iluminista.
Dessa forma, de uma perspectiva de dever moral de autoaperfeiçoamento
sem referência a um coletivo, a educação passa a ser entendida como um dever
moral de aperfeiçoamento social, assumindo a configuração de uma responsa-
bilidade coletiva. Essa passagem é importante porque assinala a ligação entre
a ideia de Estado e de educação que servirá de base para a sua compreensão
como direito social e para a sua inscrição como um dos componentes da medida
de igualdade social.
Contudo, apenas no século XX é que a ideia da educação como propulsora
de igualdade econômica e social pode ser relacionada com a de direito a ser
garantido pelo Estado. É preciso destacar que a novidade consiste apenas no fato
de a educação ser entendida como direito porque, como destacamos, a educa-
ção esteve relacionada ao Estado desde a Revolução Francesa e essa tendência
foi se consolidando, mesmo no quadro do Estado liberal. Exemplo disso é o
livro A riqueza das nações, de Adam Smith (1983), que traduz a aceitação e a
defesa do intervencionismo estatal na educação, posto que fosse considerada
uma atividade que não podia ser deixada aos particulares, uma vez que não
era e nem poderia ser lucrativa. Assim, mesmo na tradição liberal, a educação
era considerada uma atividade de interesse geral a ser assegurada pelo Estado.
Com esse breve histórico pretendemos assinalar que as teorias de Estado
como referência de análise da educação só ganham materialidade quando a
educação passa a ser entendida como direito social que deve ser assegurado por
políticas públicas entendidas como o “Estado em ação”.
Esse entendimento da relação entre Estado e educação a partir da ideia
de formulação de políticas públicas, da ideia do “Estado em ação” começou
muito tardiamente no Brasil. A tradição liberal clássica do pensamento político

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 283
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

brasileiro, representada por autores como Tavares Bastos e Rui Barbosa, nunca
foi alheia à ideia de uma limitada intervenção estatal que, sem desconsiderar
a ideia de direitos individuais e a extensão das liberdades, pudesse compensar
tanto o atraso do país em matéria educacional, quanto à impossibilidade ou falta
de vontade política para a criação de escolas.
Todavia, tanto o Império, com a edição do Ato Adicional de 1834, quanto
a Primeira República, com o seu federalismo oligárquico, não levaram a frente
a ideia de intervenção estatal moderada na área de educação, típica do libera-
lismo clássico: a educação não era uma tarefa do Estado nacional, mas sim das
províncias e, posteriormente, com a Proclamação da República, dos estados.
Assim, enquanto a Europa constituía, no final do século XIX, o seu sistema
nacional de educação, o Brasil mitigava essa possibilidade com uma organiza-
ção de Estado liberal que servia apenas para atender aos interesses políticos e
econômicos das elites regionais, adaptando-os a uma estrutura social marcada
pelos acordos políticos “pelo alto” e pela concentração de terras, riquezas e saber.
Apenas a partir de 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde que
significou o reconhecimento, no plano institucional, da educação como uma
questão nacional. Ato contínuo, o país teve uma série de reformas, medidas e
debates de alcance nacional: em 1931 as reformas de Francisco Campos; em
1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, dirigido ao povo e ao go-
verno no sentido da construção de um sistema nacional de educação; em 1934 a
promulgação da Constituição que reconhecia a educação como direito, colocava
a exigência de fixação das diretrizes da educação nacional e a elaboração de
um plano nacional de educação; durante todo o período de Vargas no poder, a
edição das leis orgânicas de ensino.
Essas medidas são correspondentes à configuração de um modelo inter-
vencionista de Estado no país. A crise de 1929, bem como a Grande Depressão
que a seguiu, desautorizou o funcionamento pleno do modelo de Estado liberal
no Brasil, tornando-se necessária não só a sistemática planificação estatal nos
domínios econômicos, como também a incorporação das massas trabalhadoras
e das classes médias urbanas ao sistema político.
O objetivo principal desse modelo de Estado não era tanto a redistribuição
de renda e de provimento do bem-estar social como foi o caso de muitos países
Europeus, mas a transição de uma economia eminentemente agrária para uma
industrial. Daí a adoção da concepção de que o Estado seria a grande alavanca do
progresso econômico e social do País. Posição que foi reforçada pelas políticas
keynesianas aplicadas em diversas partes do mundo a partir de 1930. Para tanto,
foi necessária a criação da moderna burocracia – na verdade uma tecnocracia
formada por profissionais, civis e militares, engajada em serviço integral, que
atuou como o principal agente da transformação econômica do País.

284 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

No período que compreende as décadas de 1930 a 1970 havia duas grandes


correntes desenvolvimentistas: a nacionalista e a liberal. Essas duas correntes se
fizeram presentes nos embates políticos em torno da polarização que assinalou o
longo processo de debate e tramitação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira. Essa polarização entre o nacionalismo e o liberalismo, na
verdade, esteve presente durante todo o período, desde o embate entre católicos
e liberais na constituinte de 1933, pelo menos, e assumiu a forma do debate
sobre o papel da educação no projeto de desenvolvimento do País.
O regime militar tentou fazer uma síntese dessas duas tendências apelando
para um projeto nacional, mas não popular como era propalado nas décadas
de 1940 e 1950, acentuando a abertura do País para o capital e os interesses
estrangeiros.
Foi apenas a partir do cenário de intermitente inflação das décadas de 1970-
80, da queda do Muro de Berlim, do colapso da União Soviética acompanhada
pela descrença na planificação econômica, que esse modelo de Estado começa
a ruir no Brasil. O cenário globalizado, hegemonizado pelos Estados Unidos
e pelo capitalismo americano, contribuiu para que os princípios da doutrina
neoliberal – anti-intervencionistas e privatizantes - predominassem no Brasil,
como em outras paragens, afetando as políticas de desenvolvimento até então
conhecidas e praticadas.
Esse cenário trouxe um conjunto de representações sociais que enfatizavam
o desgaste das instituições políticas (crise de governabilidade) e a inviabilidade
de políticas nacionais voltadas para gerir o desenvolvimento econômico e as po-
líticas de renda e de bem-estar social. Bourdieu (1998) numa entrevista publicada
no seu livro “Contrafogos” situa as tensões inerentes a essa nova configuração
dos Estados nacionais, tensões que de uma maneira figurada seriam entre a mão
esquerda do Estado, ou os trabalhadores da área social dos ministérios gasta-
dores (saúde, educação, assistência social), e a mão direita, ou os burocratas
dos ministérios das finanças, dos bancos públicos ou privados e dos gabinetes
ministeriais. Para Bourdieu (1988) a mão esquerda acha que a mão direita não
sabe ou não quer mais saber do que faz a mão esquerda.
Para a educação o impacto dessas transformações é evidente. No livro
A era dos extremos o historiador Eric Hobsbawm (1995) afirma que, a partir
de 1940, a educação se configurou como uma preocupação mundial que foi
progressivamente se tornando central a partir da década de 1940, fundamen-
talmente pela identificação entre nível superior de escolarização e ascensão
social via emprego nas empresas e nos órgãos públicos. Observa-se, então,
aquilo que Hobsbawn (1995) denominou como uma verdadeira “revolução
social”, traduzida num processo significativo de expansão das oportunidades
de escolarização da população.

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 285
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

Assim, o processo de ampliação da educação escolar se deu em estreita


correlação tanto com os ideais da sociedade do pleno emprego, quanto da so-
ciedade organizada sob a proteção de um Estado intervencionista do ponto de
vista econômico e social.
Com as transformações do capitalismo em escala mundial, esses dois
parâmetros são neutralizados e o que se assiste é um atrofiamento do Estado
quanto às suas responsabilidades com a educação, que não integra, como vimos,
a tradição liberal (daí a propriedade do termo “neo”, “novo” liberalismo). Esse
atrofiamento do Estado se opõe fortemente ao modelo intervencionista e desen-
volvimentista que o País vinha adotando desde 1930, gerando uma nova forma de
regulação estatal que se dá não mais pela execução direta, mas pela transferência
de encargos, gastos e responsabilidades para outras instâncias administrativas
subnacionais, para as escolas e mesmo para as famílias, ao mesmo tempo em
que os marcos regulatórios do Estado são redefinidos a partir da lógica típica do
mercado de prescrição de metas, objetivos e controle de produtos e resultados.
Exemplo desses novos marcos regulatórios nas políticas educacionais
atuais são o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a criação de in-
dicadores como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a
expansão (muitas vezes com sobreposição) dos testes padronizados em larga
escala com ênfase no rankeamento entre instituições e sistemas de ensino - Sis-
tema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Prova Brasil e Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM) 2 - que desconsideram os processos educativos e
valorizam apenas os resultados obtidos.
Dessa forma, desconectam a escola de sua função social, visto que não
levam em conta, por exemplo, a capacidade de inclusão que determinada ins-
tituição ou sistema de ensino possui. Ora, se a educação é um direito social de
cidadania, desconsiderar que escolas ou sistemas que possuem uma necessária
(ainda que desacertada) política de inclusão podem apresentar “maus resultados”
exatamente por cumprirem o que a sociedade espera do processo de escolarização
é uma questão muito séria que pode impactar negativamente nos esforços que
vêm sendo realizados para garantir e efetivar o direito à educação de todos os
brasileiros, que é o princípio basilar da res publica e da cidadania.
Abordar a relação entre Estado e as políticas educacionais no Brasil
constitui grande desafio, visto que nosso liberalismo foi outro, nosso inter-
vencionismo foi outro e, não chegando a consolidar plenamente nem um nem
outro, chegamos - por força das alterações no capitalismo mundial - no início
do século XXI com a necessidade de diminuir um Estado já diminuto em sua

2 Que se tornou obrigatório no ano de 2009, como critério parcial ou único para ingresso
em cursos superiores.

286 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

dívida histórica com a parcela majoritária da população excluída dos requisitos


mínimos para uma vida civilizada.

Políticas educacionais e Direito à Educação

Da forma que modernamente se configurou, o direito à educação pode ser


traduzido basicamente em dois aspectos: a oportunidade de acesso e a possibi-
lidade de permanência na escola, mediante educação com nível de qualidade
semelhante para todos. O direito à educação traz uma potencialidade emanci-
padora do ponto de vista individual e igualitária do ponto de vista social, visto
que a sua afirmação parte do pressuposto que a escolarização é niveladora das
desigualdades do ponto de partida. Com base nisso, a partir de 1917, a esco-
larização foi transformada em responsabilidade estatal e social pela maioria
dos países mediante inscrição em textos constitucionais (SACRISTÁN, 2000).
Contudo, não se pode confundir a existência de escolas públicas com o
direito à educação. O direito à educação pressupõe o papel ativo e responsável
do Estado tanto na formulação de políticas públicas para a sua efetivação,
quanto na obrigatoriedade de oferecer ensino com iguais possibilidades para
todos. Quando o Estado generaliza a oferta de escolas de ensino fundamental,
tem o poder de responsabilizar os indivíduos e/ou seus pais pela frequência.
Portanto, o direito à educação, diferentemente dos demais direitos sociais,
está estreitamente vinculado à obrigatoriedade escolar. Isso porque, enquanto os
cidadãos podem escolher entre fazer uso ou não dos demais direitos sociais, a
educação é obrigatória porque se entende que as crianças não se encontram em
condições de negociar se querem ou não recebê-la e de que forma. Paradoxal-
mente, a educação é ao mesmo um direito e uma obrigação. Assim, o direito de
não fazer uso dos serviços educacionais não está colocado como possibilidade
e a perspectiva emancipadora não está colocada como ponto de partida e, sim,
como ponto de chegada. Daí a relação estreita entre direito à educação e edu-
cação obrigatória (HORTA, 1998).
No Brasil o processo de afirmação dos direitos de cidadania (ainda incon-
cluso) irá conferir um grau maior de ambiguidade nas medidas de proclamação
e de implementação do direito à educação, uma vez que apenas a partir de 1988
uma concepção universalista dos direitos sociais foi incorporada ao sistema
normativo brasileiro e que o processo de afirmação dos direitos no país foi
assinalado pela defasagem entre os princípios igualitários proclamados na lei e
a realidade de desigualdade e de exclusão (TELLES, 1999).

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 287
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

Essa introdução tardia da concepção universalista dos direitos sociais


guarda relação com a não institucionalização de uma esfera pública democrá-
tica, pois os ideais de igualdade e justiça eram e ainda são introduzidos numa
sociedade marcada por relações verticalizadas e autoritárias e, portanto, fraturada
internamente por suas contradições.
Além disso, o ideal emancipador e igualitário do direito à educação também
foi mitigado pelas próprias relações que se estabeleceram na dinâmica interna
da escola, já muitas vezes denunciadas como reprodutoras das desigualdades
sociais e como inculcadoras dos valores e interesses das classes sociais que
detêm o poder econômico e político. As práticas curriculares, avaliativas e
de gestão das escolas brasileiras vêm, ao longo da história, corroborando um
contexto de exclusão de um enorme contingente de brasileiros da plenitude de
significado do direito à educação composto pelo acesso, pela permanência e
pela qualidade para todos.
Primeiramente pela dificuldade de acesso, quando não havia acesso à
educação obrigatória para a maioria dos brasileiros; depois, quando houve a
ampliação do acesso por volta dos anos 1970, pelos mecanismos que levavam à
reprovação de grande contingente de alunos que superavam a barreira do ingresso
na etapa obrigatória de escolarização e; atualmente, com a quase universalização
da oferta da etapa obrigatória de escolarização, o direito à educação vem sendo
mitigado com a baixa qualidade do ensino oferecido pelas escolas, que faz com
que muitos alunos percorram todas as séries do ensino fundamental, mas não se
apropriem do instrumental mínimo para o exercício da cidadania num contexto
em que o letramento é condição mínima para inserção social.
Se, no Brasil, não podemos falar de direitos como normas de civilidade
nas relações sociais mediante os pressupostos da igualdade e da reciprocidade,
podemos afirmar que esse ideal sempre esteve no horizonte político como campo
de referência para as lutas pela cidadania.
Apesar de os direitos sociais terem sido inscritos no sistema normativo
brasileiro desde a década de 1930, essa inscrição se deu desde uma perspectiva
classista no contexto do Estado corporativo inaugurado por Getúlio Vargas.
Disso resulta a íntima relação entre os direitos sociais e o mundo do trabalho
regulado e a exclusão de amplos contingentes da população brasileira (empre-
gadas domésticas e trabalhadores rurais, por exemplo) das garantias sociais.
E é justamente esse campo de referência do possível que nos coloca o pro-
blema complexo da relação entre o projeto brasileiro de modernização e os prin-
cípios da igualdade e da responsabilidade social como chaves de compreensão
para a questão da cidadania no Brasil e, mais ainda, nos desafia a entender “se”
e “como” circulam socialmente os direitos conquistados nos embates travados
nesses campos nas últimas décadas, como é o caso das garantias constitucionais

288 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

de 1988, ou mais especificamente, “se” e “como” o direito tem se configurado


como mediação jurídica e política nas relações sociais.
De início, é preciso destacar que a expansão das oportunidades de escola-
rização no Brasil foi assinalada por uma ambiguidade fundamental: ao mesmo
tempo em que havia um reconhecimento, no nível do discurso, da educação
escolar como fator importante para o desenvolvimento econômico e social, ou
seja, como projeto civilizador, o direito ao acesso e à permanência na escola
elementar era negado tanto pelo sistema normativo, quanto pelos mecanismos
de seleção intra e extraescolares.
É inegável que, pelo menos desde 1934, o sistema normativo brasileiro
inscreveu a educação como direito e que os avanços dessa inscrição foram
notáveis tanto em relação à forma quanto em relação ao conteúdo. Também
é inegável que o Brasil acompanhou a tendência mundial pela demanda por
educação a partir da década de 1940 com processo significativo de expansão
das oportunidades de escolarização (HOBSBAWN, 1995).
Apesar disso, no sistema normativo brasileiro, o direito à educação cor-
respondeu à obrigatoriedade escolar como imposição ao indivíduo 3 e não como
responsabilidade estatal. Mesmo, quando se tornou responsabilidade estatal não
havia uma concepção universalista que lhe servisse de base. Só a partir de 1988,
ao direito à educação por parte do indivíduo, correspondeu à obrigatoriedade de
oferecer educação por parte do Estado e só muito recentemente o Brasil atingiu
índices de escolarização obrigatória alcançados por muitos países europeus
desde o início da segunda metade do século XX.
Assim, após mais de um século de história constitucional, é que o país
terá, no nível dos valores proclamados, o direito à educação inscrita a partir de
uma lógica mais universalista, fazendo frente ao longo trajeto de iniquidades
e privilégios na oferta da instrução elementar. De 1824 até 1988, as inscrições
do direito à educação nos textos constitucionais eram assinaladas por uma
concepção de que o mínimo era o bastante.
Dessa forma, se o direito pode ser definido como tipificação e definição
de responsabilidade, bem como por relações sociais pautadas pela igualdade e
pela reciprocidade, na educação brasileira só houve ruptura na racionalidade
jurídica a partir de 1988.
Apesar de essa ruptura na racionalidade jurídica constituir grande avanço
no campo do direito à educação, o desafio que está colocado é a ruptura na

3 Desde 1940, de acordo com o Código Penal Brasileiro, pais e responsáveis que não
enviam crianças à escola incorrem em crime de abandono intelectual, cuja pena varia de reclusão
ao pagamento de multas. Já a obrigatoriedade de oferta de educação gratuita, só foi inscrita na
Constituição Federal de 1988 que prevê responsabilização da autoridade competente pela não-oferta
ou pela oferta irregular da etapa obrigatória de escolarização.

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 289
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

racionalidade política da sociedade em geral e dos trabalhadores em educação,


uma vez que até mesmo nas instituições de ensino a educação não se configurou
como direito entendido como medida que opera a passagem para a igualdade
no plano das relações sociais.
Com efeito, ao lado do tardio surgimento de uma concepção mais univer-
salista do direito à educação nos textos constitucionais, a dinâmica de expansão
da escolarização obrigatória foi refreada, até a década de 1960, por mecanismos
de seleção nas instituições escolares. Mantínhamos uma escola “de” e “para” as
elites que tinham objetivos convergentes com os da escola: buscava-se prestígio,
inserção no mercado de trabalho e ascensão social. Dessa forma, o acesso à
educação era fator de diferenciação social, pois mediante rigorosos mecanismos
de seleção e ensino propedêutico voltado para o acesso a níveis superiores de
educação ou para postos mais elevados no mercado de trabalho eram “eleitos”
aqueles que seriam incluídos nos demais direitos de cidadania.
O crescimento da população urbana e a industrialização do país a partir da
década de 1940 contribuíram para o aumento das pressões sociais por expansão
das oportunidades de escolarização. Essas demandas por ampliação das oportu-
nidades de escolarização, ainda que atendidas de forma precária nos marcos do
populismo, interferiram na ação estatal no sentido da efetivação do princípio da
igualdade de oportunidade para o acesso nas décadas seguintes.
Contudo, foi entre as décadas de 1970 e 1990 que houve um aumento
expressivo no número de matrículas na etapa obrigatória de escolarização.
Mas outras formas de exclusão assumiram a posição central no processo de
escolarização nas décadas de 1970 e 1980: os próprios procedimentos internos
da escola, sua estrutura e funcionamento, que conduziam à elitização do ensino,
não mais por falta de vagas ou mecanismos de seleção, mas mediante a produção
do fracasso escolar (repetência, evasão) como fator de diferenciação entre os
merecedores e os não merecedores do acesso ao saber historicamente construído.
Na década de 1990 assistimos a um processo de expansão das oportu-
nidades de escolarização, em que esses mecanismos internos de exclusão por
parte da escola foram amenizados (democraticamente ou não) por políticas de
regularização do fluxo (ciclos, progressão continuada, aceleração da aprendiza-
gem). Porém, novamente, “estratégias” de exclusão foram criadas pela dinâmica
interna da escola: os alunos percorrem todas as séries ou todos os ciclos do
ensino fundamental sem se apropriar de um instrumental mínimo necessário
para a inserção social.
Esses mecanismos internos de exclusão forjados no interior das práticas
educativas precisam ser superados para a ruptura da racionalidade política dos
trabalhadores em educação, uma vez que a defesa da educação como direito
não significa a sua consolidação no campo das representações sociais. Do lado

290 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

da sociedade, a ruptura da racionalidade política, deve passar, necessariamente,


pela aceitação, circulação social e defesa nos fóruns apropriados dos mecanismos
jurídicos que assegurem não só vagas, mas também qualidade de ensino nas
escolas públicas, além da superação da resistência aos direitos assegurados no
Estatuto da Criança e do Adolescente, tido, muitas vezes por professores e pais
como um instrumento que elimina a autoridade paterna ou docente, ao proibir
o trabalho infantil ou ao proteger o aluno das relações de poder estabelecidas
na dinâmica interna das práticas escolares.
Se por um lado, hoje a educação é proclamada como direito do cidadão e
dever do Estado e estamos, segundo o discurso oficial, muito próximos da uni-
versalização do acesso no ensino fundamental, por outro lado, as representações
sociais estão muito distantes das promessas de emancipação e de igualdade que
estão na base do direito à educação.
Dessa forma, a ruptura dessa racionalidade política excludente é o grande
desafio histórico para esse século no que diz respeito à educação obrigatória
e, se temos a definição jurídica da questão da responsabilidade social com a
educação, ainda há um longo percurso quanto às representações sociais sobre
os valores do direito, da igualdade e da inclusão.

Conclusões

Na epígrafe desse artigo utilizamos a música popular para inscrever a


dívida histórica do país com a constituição de um sistema nacional de ensino e
com a garantia do direito à educação: “Filho vir da escola problema maior é o
de estudar, Que é pra não ter meu trabalho e vida de gente levar”. Analisar o
processo de constituição histórica das iniquidades quanto ao acesso, à perma-
nência e à qualidade é uma importante tarefa para superação - no campo nas
racionalidades políticas, das práticas cotidianas e das representações sociais
- para colocarmos em relevo talvez o maior desafio da sociedade brasileira do
século XXI: a universalização de uma educação com caráter público, republi-
cano, democrático e igualitário.

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 291
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...

REFERÊNCIAS

BOTO, Carlota. A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa.


São Paulo: Unesp, 1996.

BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3. ed.


São Paulo: Global, 1986.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

HORTA, José Silvério Baia. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Cadernos


de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, São Paulo, n. 104, p. 5-34, 1998.

SACRISTÁN, Jose Gimeno. A educação obrigatória: seu sentido educativo e social.


Porto Alegre: ARTMED, 2000.

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte:
UFMG,1999.

WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UnB/Senado Federal, 2004. v. 2.

Texto recebido em 24 de outubro de 2009


Texto aprovado em 04 de novembro de 2009

292 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ENSINO SUPERIOR: trajetória histórica e políticas recentes
ADILSON PEREIRA DOS SANTOS
EUSTAQUIO AMAZONAS DE CERQUEIRA
RESUMO

Tradicionalmente, o Sistema Educacional Brasileiro e os seus diversos níveis de ensino são


identificados como excludentes. Reflete as desigualdades econômicas, sociais, políticas e
culturais do país. Lutas históricas pela democratização do acesso e garantia da permanência
marcam a trajetória educacional brasileira. Este trabalho analisa o ensino superior a partir de
uma reconstrução da sua trajetória histórica e apresenta uma leitura das políticas educacionais
recentes para o setor. Aborda, também, a gênese da universidade, a periodização do ensino
superior no Brasil e a descrição de alguns programas e/ou ações do Ministério da Educação na
perspectiva da ampliação do acesso e garantia da permanência. À guisa de conclusão, são
tecidas algumas reflexões acerca da repercussão das atuais políticas do governo Lula para a
educação superior.

PALAVRAS CHAVE: Ensino Superior; Trajetória Histórica; Democratização; Políticas de


Acesso e Permanência.

INTRODUÇÃO

O Brasil é um país marcado por desigualdades sociais. No entendimento de Scheinvar


(2007)
Cuando el tema es a desigualdad, entre un sinfín de injusticias y realidades inaceptables em el
mundo, Brasil há sido, en las últimas décadas, la gran referncia. Reconocido como el país con
las mayores dispridades del planeta, presenta, al mismo tiempo que logros tecnológicos,
productivos, académicos, científicos, culturales, un conjunto de miserias igualables a los de
naciones que han vivido bajo regímeres absolutistas de opresíon, impediendo el acesso de la
mayor parte de su pueblo a condiciones de vida mínimamente aceptables. Brasil es país de
contrastes tan grandes que la condición humana de casi 30 millones de personas puede
considerarse cuestionable. Otra parcela de la población, es decir, mas de 100 millones de
personas, sufren la inestabilidade, el terrorismo, la ameaza de perder su condicion de
ciudadanos. Bajo conceptos com el de “marginalidad” viven, trabajan, circulan personas que se
ven sometidas directamente a la lógica intempestiva de la explotación y que, en realidad, son
estructuralmente necesarios para la usura. En una nación de aproximadamente 180 millones de
habitantes, menos del 5%, o sea, unos 9 millones de personas, está en condiciones de participar
de la lógica que permite disfrutar, en alguma medida, de las riquezas producidas en este país.
(p. 7-8)

Do ponto de vista educacional, evidencia-se que quanto mais elevado é o nível de


escolaridade, maior é a sua capacidade de excluir. A história da educação brasileira, registra
uma evolução marcada pelas desigualdades, desde tempos remotos, conforme nos ensina
Saviani (2007, p.441). Neste interin, observa-se que o processo de democratização escolar no
Brasil, se iniciou pela ampliação do número de vagas, que não experimentou, na mesma
proporção, a garantia de condições de permanência a segmentos historicamente excluídos.
1
Estudiosos como Werebe (1994, p. 261) e Saviani (2004, p. 51) destacam ter havido um
significativo avanço do quantitativo das matrículas, que cobra medidas que venham sanar
deficiências dessa expansão, posto que “não basta abrir as portas das escolas (...); é preciso
que eles aí possam permanecer até concluirem os estudos que aspiram e para os quais têm
capacidade.” (Werebe, idem).
À luz dessa reflexão, é elucidativa a constatação de Casassus (2007, p. 140) para quem
“... a escola faz sim uma diferença no que se refere à redução do impacto da desigualdade que
se observa na sociedade”. Esse ponto de vista encontra ressonância na determinação do
Ministério da Educação, segundo a qual “o Brasil precisa democratizar e qualificar suas
insttiuições de ensino em todos os níveis” (Brasil, 2005, p. 3). Cury (2008), por sua vez
assevera que a

“... produção da desigualdade, de cujo peso a realidade atual ainda é detentora, vai nos
mostrando a face dos sujeitos da privação: negros, pardos, migrantes do campo e de regiões
mais pobres do país, trabalhadores manuais, moradores de bairros periféricos e pessoas fora da
faixa etária legal.” (p. 9)

Assim, o objetivo deste trabalho consiste em analisar algumas políticas públicas


recentes direcionadas ao ensino superior brasileiro. Para alcançá-lo foi necessária uma breve
reconstrução da trajetória do ensino superior, na qual procurou-se destacar as lutas históricas
pela sua democratização e busca contribuir para a compreensão desta temática, alvo de
amplos interesses por parte de estudiosos e da sociedade em geral.

1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA

1.1 A gênese da universidade

Para Trindade (2000), numa retrospectiva da instituição universitária, é possível


identificar quatro períodos:
1. Do século XII até o Renascimento, caracterizado como “período da invenção da
universidade em plena Idade Média em que se constituiu o modelo da universidade
tradicional, a partir das experiências precursoras de Paris e Bolonha, da sua
implantação em todo território europeu sob a proteção da Igreja.” (p. 122)
2. No século XV, época em que a universidade renascentista recebe o impacto das
transformações comerciais do capitalismo e do humanismo literário e artístico,
mas sofre também os efeitos da Reforma e da Contra-Reforma.
3. A partir do século XVII, período marcado por descobertas científicas em vários
campos do saber, e do Iluminismo do XVIII, a universidade começou a
institucionalizar a ciência.
4. No século XIX, implantou-se a universidade estatal moderna, e essa etapa, que se
desdobra até os nossos dias, introduz uma nova relação entre Estado e
universidade.
Observa-se a partir dessa periodização, que os respectivos contextos políticos,
econômicos, sociais e culturais, influenciaram, em maior ou menor grau, a trajetória da
instituição universidade. Isso ocorrerá também na história do ensino superior brasileiro, como
veremos a seguir.
Com respeito ao desenvolvimento do ensino superior nas Américas, diferentemente do
que ocorreu no Brasil, colonizado pelos portugueses, em suas colônias, os espanhóis
transplantaram para o Caribe, já no início do século XVI, “a primeira universidade (Santo
Domingo, 1538) inspirada no modelo de Salamanca e até fins do século XVII se constituiu
uma rede de mais de uma dezena de instituições ‘públicas e católicas’” (Trindade 2000 apud.

2
Durham, 1998). Citando Benjamin (1964), Trindade (2000) esclarece ainda que “... as
colônias norte-americanas da costa leste, após enviarem seus filhos para estudar em Oxford e
Cambridge - de 1650 e 1750 - adotaram o modelo dos colégios ingleses, a partir de 1636, em
Cambridge (Harvard), Philadelphia, Yale e Princeton e Columbia.” (P. 123)

1.2. Periodização do Ensino Superior no Brasil

A origem do ensino superior no Brasil data do século XIX, o que, na opinião de alguns
estudiosos, Cunha (1980) e Durham (2005), reflete o seu advento tardio. Para fins de
contextualização, neste trabalho pontuaremos algumas características do ensino superior
brasileiro, tendo como principal referência a periodização proposta por Durham (2005).
Recorreremos ainda a contribuições de outros autores.

1.2.1. Período Monárquico (1808 – 1889)

Para Portugal a aventura em terras brasileiras, na Colônia, se assemelhava ao


investimento numa empresa, unicamente, voltada para a exploração e a esse fim manteve-se
fiel. Para a Coroa Portuguesa não interessava a criação de instituições de ensino, muito menos
universidades, pois não era importante dar autonomia para a Colônia e assim, aqui no Brasil,
foram introduzidos alguns cursos, cuja sua conclusão ocorria em Portugal.
Até mesmo as iniciativas jesuítas de estabelecer seminários para a formação de um
clero brasileiro pararam na reforma efetuada por Pombal, ao expulsar a Companhia de Jesus
no final do século XVIII. “As primeiras Instituições de ensino superior foram criadas apenas em
1808 e as primeiras universidades são ainda mais recentes, datando de década de 1930” (Durham,
2005: p. 201). Apenas em 1808, quando toda a Corte se transferiu para a Colônia, após a
ameaça da invasão napoleônica, começou a história do ensino superior no Brasil. 1
Dois anos depois, em 1910, fundou-se a Academia Real Militar, que mais tarde se
transformaria na Escola Central e depois em Escola Politécnica, que passaria a Escola
Nacional de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1927 foram criadas
duas faculdades de Direito, uma em São Paulo e outra em Olinda.
Até então, havia somente a preocupação de implantar um modelo de escola autônoma
que formasse para as carreiras liberais: advogados, engenheiros e médicos, para atender às
necessidades governamentais e, ao mesmo tempo, da elite local.

1.2.2. Primeira República

A vinda da Família Real para o Brasil retardou o processo de independência,


provocando, por sua vez, também, o adiamento da criação da primeira universidade brasileira,
que só se deu na década de 1930. Proclamada a República, a Carta Magna permitiu a
descentralização do ensino superior e, assim, o aparecimento de novas instituições, tanto as de
caráter público (estaduais e municipais) como as da iniciativa privada. Esse novo momento no
cenário educacional permitiu, pela primeira vez, a criação de estabelecimentos confessionais
no país.
Entre 1889 e 1918 foram criadas no Brasil 56 novas escolas superiores, a grande
maioria privada. Era assim dividido o cenário da educação naquele momento: de um lado,
instituições católicas, empenhadas em oferecer uma alternativa confessional ao ensino
público, e, de outra, iniciativas de elites locais que buscavam dotar seus estados de
estabelecimentos de ensino superior. Desses, alguns contaram com o apoio dos governos
estaduais ou foram encampados por eles, outros permaneceram essencialmente privados.
(Idem, p. 201)

3
Começou naquele momento, a diversificação do sistema que vai perdurar até os dias
de hoje no âmbito do ensino superior brasileiro: instituições públicas e leigas, federais ou
estaduais, ao lado de instituições privadas, confessionais ou não.

1.2.3. A Década de 1920 e o Movimento de Modernização do Ensino


A industrialização do país trouxe, além das transformações econômicas, culturais e
urbanas, ideias de reformas do ensino como um todo, tendo no ensino primário público,
universal e gratuito, sua grande bandeira.
As mesmas pessoas que reformaram o ensino primário mais um grupo de cientistas
propuseram a reforma do ensino superior. A proposta seria substituir todo o sistema já
existente:
“O que se propunha era bem mais que a simples criação de uma universidade: era a ampla
reforma de todo o sistema de ensino superior, substituindo as escolas autônomas por grandes
universidades, com espaço para o desenvolvimento das ciências básicas e pesquisas (...)”
(Ibidem: p. 202).

1.2.4. A Década de 1930, fim da Primeira República

Em muitos países católicos, principalmente na América espanhola, a Igreja Católica


sempre esteve à frente do sistema de ensino, principalmente do ensino superior. No Brasil,
diferente desses países, a Igreja não conseguiu estabelecer o domínio desejado sobre o ensino.
Embora, facultativamente, tenha logrado êxito na introdução do ensino religioso nas escolas
públicas, nunca teve do governo a atribuição da tarefa de organizar com fundos públicos a
primeira universidade brasileira, mesmo prometendo, em troca, apoio ao novo regime. “A
reforma foi marcada por uma intensa disputa pela hegemonia em relação à educação, especialmente
em relação ao ensino superior, que então se travava entre as elites católicas conservadoras e
intelectuais liberais” (Ibidem, p.203, apud. Schwartzman, et al. 1991).
Nesse período todo o setor privado, especialmente o confessional, já era bem forte. As
primeiras estatísticas educacionais, em 1933, mostravam que as instituições privadas
respondiam por cerca 44% das matrículas e por 60% dos estabelecimentos de ensino superior.
Embora a clientela para essa estrutura fosse muito pequena, o número de alunos era de apenas
33.723.
A reforma do governo Vargas instituiu as universidades e definiu o formato legal ao
qual deveriam obedecer todas as instituições que viessem a ser criadas no Brasil, mas, não
propôs a eliminação das escolas autônomas e nem negou a liberdade para a iniciativa privada.
A partir da reforma, há uma retomada típica do período monárquico, na centralização,
por parte do governo, nas questões relacionadas ao sistema educacional superior. Segundo
Durham (2005), a universidade já nasceu conservadora: o modelo de universidade proposto
consistia, em grande parte, numa confederação de escolas que preservaram muito de sua
autonomia anterior.

1.2.5. A Segunda República – 1945 até 1964

Durante esse período, o sistema de ensino superior continuou crescendo lentamente até
1960, época da formação da rede de universidades federais; criação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (a primeira de uma série de universidades católicas);
expansão do sistema universitário estadual paulista e o surgimento de instituições estaduais e
municipais de ensino de menor porte em todas as regiões do país. Entre 1946 e 1960, foram
criadas 18 universidades públicas e dez particulares de maioria confessional católica e
presbiteriana (Sampaio, 2000: p. 70-71).

4
Na segunda metade da década de 1950, o movimento estudantil entrou em cena, pela
“reforma profunda de todo o sistema educacional” (Idem, p. 208). Para o movimento
estudantil, o mais importante era alterar toda a estrutura existente e romper com o modelo
resultante dos compromissos com o Estado Novo.
Apesar de tudo, podemos tratar esse período como uma das primeiras experiências de
expansão do sistema. Ao contrário do crescimento do setor privado, o que se pretendia era a
ampliação das vagas nas universidades públicas e gratuitas, que associassem o ensino à
pesquisa, com foco no desenvolvimento do país, aliado às classes populares na luta contra a
desigualdade social no ensino superior.
Uma das reivindicações da União Nacional dos Estudantes, a UNE, era a substituição
de todo o setor privado. Admitiam a manutenção das PUCs, do Rio de Janeiro e de São Paulo,
a partir do direcionamento da Igreja Católica para as causas sociais, com base nas teorias da
Teologia da Libertação. Mais tarde, essas instituições de ensino superior apoiaram o
movimento estudantil, por meio da juventude católica, que se transformou num segmento
importante na luta contra o regime militar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), votada em 1961, atendeu
aos anseios dos setores privatistas e conservadores, o que acabou por legitimar e ampliar o
sistema existente. A LDB se preocupou basicamente em estabelecer mecanismos de controle
da expansão do ensino superior e do conteúdo a ser trabalho.

1.2.6. O Regime Militar e a Reforma (1964 – 1980)

O movimento estudantil foi o principal foco de resistência ao regime militar, tendo a


universidade pública como baluarte. O regime radicalizou com os estudantes, a partir de um
decreto-lei do então presidente Castelo Branco, “vetou aos órgão de representação estudantil
qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial e religioso,
bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares” (Ibidem, p.
210).
Longe de aquietar os ânimos dos estudantes, esse fato, na verdade, provocou atitudes
radicais por parte deles, culminando em grandes passeatas e embates entre os estudantes das
universidades públicas e os segmentos do setor privado que apoiavam o regime militar.
Como se sabe, o ano de 1968 foi o ápice de tudo 2 . O “maio de 1968 francês”
espalhou-se como um rastilho pelo mundo afora. No Brasil, o ano foi marcado pelas
reivindicações por mudanças sociais, políticas e culturais e terminou com a destruição do
movimento estudantil pelo governo militar. As universidades ficaram sob a vigilância do
governo por mais de 10 anos.
Depois de derrotar o movimento estudantil, o governo militar promoveu uma profunda
reforma no ensino superior. Alguns membros do governo, mesmo tendo rechaçado o
movimento estudantil, reconheciam a necessidade de mudanças e resolveram promover uma
reformulação e modernização do sistema de ensino no Brasil.
A reforma dos militares continha basicamente as seguintes mudanças: extinção da
cátedra; fim da autonomia das faculdades; criação de institutos, faculdades e/ou escolas;
introdução do sistema de créditos; ciclo básico antes da formação profissional; garantia da
representação discente e docente; ingresso contínuo por carreiras e currículos mínimos
fixados pelo MEC (não à flexibilização).
A ampliação do acesso se deu nos cursos tradicionais, na organização da rede federal;
no estímulo à pesquisa e na qualificação pela Capes e pelo CNPq; foi criado um programa
modular de apoio à pós-graduação e à pesquisa e a introdução do regime de tempo integral
para docentes.

5
Apesar da proposta, a reforma foi incompleta; não houve verdadeira reforma curricular
e a ampliação do sistema se deu simplesmente através da multiplicação da matrícula nos
mesmos cursos tradicionais. A reforma tentou organizar todo o sistema federal em
universidades e de promover a pesquisa, o que ia ao encontro das reivindicações dos
estudantes e constava do ideário modernizador desde 1930.
Na década de 1970, os resultados de um grande desenvolvimento econômico
produziram o chamado “milagre econômico”. A classe média brasileira foi, então,
diretamente beneficiada: enriquecida dentre outros hábitos de consumo, aumentou a demanda
pelo ensino superior com o aumento providencial dos recursos federais e o orçamento
destinado à educação.
Durante esse período, tanto o setor público quanto o setor privado foram beneficiados
com os resultados da política econômica do regime militar. No Brasil, ao contrário de alguns
países da América Latina, a repressão política promoveu o ensino superior, tanto público
quanto privado. O número de matrículas, em cerca de vinte anos, passou de 95.961 (em
1960), para 134.500 (em 1980). Os anos de 1968, 1970 e 1971 foram os que apresentaram as
maiores taxas de crescimento.
O aumento da demanda por ensino superior está associado ao crescimento das
camadas médias e às novas oportunidades de trabalho no setor mais moderno da economia e
da tecnoburocracia estatal. O setor público não se preparou para esse momento do ensino
superior. Já o setor privado foi capaz de absorvê-lo, porque se concentrou na oferta de cursos
de baixo custo e no estabelecimento de exigências acadêmicas menores, tanto para o ingresso
como para o prosseguimento dos estudos até a graduação.
As instituições privadas de ensino superior tornaram-se um grande negócio. Os
empresários, donos dessas instituições, não tinham nenhum comprometimento com a
educação e viam na necessidade imediata, por parte de um grande percentual da sociedade, da
obtenção de um diploma a oportunidade de ganhar muito dinheiro. Pragmaticamente, esse
fenômeno ocorreu na região mais rica do país, o Sudeste, enquanto que no Norte e no
Nordeste o ensino ficava a cargo, quase que completamente, do setor público. O setor privado
não tinha grandes preocupações com a pesquisa e nem com a qualidade do ensino.

1.2.7. A década de 1980

A década de 1980 foi de crise econômica e de transição política que culminou, com
uma nova Constituição em 1988 e, logo no início da década seguinte, a eleição direta para
presidente. No período, tanto o setor público quanto o privado foram atingidos pela
estagnação no ensino superior, porém, os reflexos da crise econômica causaram maior efeito
no setor privado.
No período, verificou-se uma expansão dos cursos noturnos, que, dentre outros
objetivos, são criados para atender a uma nova demanda. Concentra-se no setor privado e se
revela numa oportunidade “mais fácil” de ingresso em setores da sociedade já inseridos no
mercado de trabalho, impossibilitados de frequentar cursos diurnos. Em 1986, 76,5% das
matrículas no ensino superior se concentravam no setor privado. As universidades federais
resistiam à implementação de cursos noturnos, com um percentual de apenas 16% das
matrículas.
Começa uma grande competitividade entre as instituições privadas, provocadas,
principalmente, pela escassez de candidatos, no que as universidades e os grandes
estabelecimentos levam vantagem em relação às faculdades menores.
Ainda nos anos de 1980, o setor privado amplia o tamanho de seus estabelecimentos
por processos de fusão e incorporação de estabelecimentos menores, no intuito de fugir ao
controle do Conselho Federal de Educação (CFE).

6
Entre 1985 e 1990, aumenta em 145% o número de instituições privadas, passando de
20 para 49. Essa multiplicação não foi positiva para o ensino como um todo e nem para a
clientela que dela fazia uso. Destacam-se ainda nesse período, as lutas travadas no interior das
instituições, onde a organização sindical dos docentes universitários, que deu origem à
Associação Nacional dos Docentes Universitários (ANDES), assumiu um papel importante. A
ANDES, em tese, substituiu o movimento estudantil, resgatando bandeiras de lutas pela
democratização da e na educação superior. Essa entidade atuava basicamente no setor púbico
e surgiu das marcas profundas que a repressão militar deixou nos que combateram no período
autoritário. Na agenda da ANDES, os temas prioritários eram autonomia e democratização,
traduzidas em participação de docentes e de discentes na gestão da universidade, por meio de
mecanismos de representação.

1.2.8. Era FHC

A aprovação da LDB, em dezembro de 1996, incorporou inovações como, a


explicitação dos variados tipos de IES admitidos. Por universidade se definiu a instituição que
articulasse ensino e pesquisa. A nova Lei fixou a obrigatoriedade do recredenciamento das
instituições de ensino superior, precedida de avaliações, além de estabelecer a necessidade de
renovação periódica para o reconhecimento dos cursos superiores. Se para as instituições
públicas pouco ou nada afetou a implantação da nova Lei, para o setor privado representou
uma ameaça de perda de status e autonomia.
Foi neste contexto que se criou o Exame Nacional dos Cursos, o conhecido Provão,
que, a princípio, encontrou fortes resistências entre as instituições privadas e de alunos e
professores do setor público. Com os primeiros resultados, ganhou em parte a simpatia das
instituições do setor público, já que os cursos mais bem classificados a elas estavam
vinculados. O Provão foi severamente criticado pela forma propagandística como seus
resultados foram divulgados pelo MEC.
Para Cunha (2003), no octênio de FHC as principais ações voltadas para o ensino
superior foram a normatização fragmentada, conjunto de leis regulando mecanismos de
avaliação; criação do Enem, como alternativa ao tradicional vestibular criado em 1911;
ampliação do poder docente na gestão universitária, a contragosto de discentes e de técnico-
administrativos; reconfiguração do Conselho Nacional de Educação, com novas atribuições;
gestação de um sistema de avaliação da educação superior e o estabelecimento de padrões de
referência para a organização acadêmica das IES.

1.2.9. As políticas educacionais para o ensino superior no governo Lula

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, iniciado em 2003, por se


apresentar como um governo popular democrático, as expectativas da sociedade eram muitas
e ambiciosas. Oficialmente, uma das primeiras iniciativas desse governo para o setor se
revelou na edição do Decreto de 20 de outubro de 2003 que “institui Grupo de Trabalho
Interministerial – GT encarregado de analisar a situação atual e apresentar plano de ação
visando a reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições Federais de
Ensino Superior – IFES” (Brasil, 2003). O GT, deveria “analisar a situação atual e apresentar
plano de ação visando a reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições
Federais de Ensino Superior - IFES” (Idem).
O mesmo Decreto orientava que o plano a ser elaborado deveria ainda apresentar

7
“medidas visando a adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que diz respeito às
suas respectivas estruturas regimentais, bem assim sobre a eficácia da gestão, os aspectos
organizacionais, administrativos e operacionais, a melhoria da qualidade dos serviços e
instrumentos de avaliação de desempenho” (Idem).

Essa iniciativa foi alvo de muitas críticas advindas das universidades federais,
particularmente das associações de docentes, que liam no Decreto, mais uma vez na história, a
tentativa de o governo desobrigar o Estado das suas responsabilidades para com a educação
como um bem público. Para os críticos da iniciativa, o enfoque de análise, tendo como
pressuposto a “crise das IFES”, imputava nelas uma responsabilidade que não cabia a elas
somente. As mazelas de um sistema historicamente excludente e objeto de forte processo de
sucateamento em período recente não podiam ser atribuídos a quem na verdade sobreviveu a
duras penas.
Durante a existência do GT, os debates foram intensos e, em dezembro de 2003, o
grupo divulgou seu relatório no qual foi apresentado um diagnóstico do ensino superior dando
conta de que “a última década foi de desarticulação do setor público brasileiro; as
universidades federais não foram poupadas” (Grupo de Trabalho Interministerial, 2003).
Sofreram conseqüências da crise fiscal do Estado que afetaram seus recursos humanos, sua
manutenção e investimento. A prioridade ao setor privado chegou ao setor do ensino superior
ocasião em que as universidades privadas experimentaram uma expansão recorde, porém, se
encontravam ameaçadas pelo risco de uma grande inadimplência e crescente desconfiança
quanto a seus diplomas.
Naquela conjuntura, houve quem avaliasse que a iniciativa de criação do GT e a forma
como iniciaram as discussões sobre o ensino superior foi atabalhoada, conflituosa e incoerente
com as relações históricas do presidente Lula com os movimentos sociais, associações
científicas, sindicatos e centrais sindicais. Para Mancebo e Silva Júnior (2004), essas
entidades ainda buscavam

“...novas formas de organização e de posicionamento diante da hegemonia do terceiro setor, na


interlocução sociedade civil-governo (uma herança do governo FHC) e perante um presidente
que manteve relações orgânicas com tais entidades e foi personagem destacado no processo
brasileiro de redemocratização, da década de 1980, os acontecimentos de 2003, no campo da
ensino superior, revelam a dificuldade do governo para a realização de um debate democrático
sobre a Reforma Universitária e a grande possibilidade de uma continuidade, com traços de
acentuação, do processo iniciado no governo anterior...” (p. 1-2).

Ainda no ano de 2003, ocorreram duas outras iniciativas importantes em relação ao


ensino superior. Em agosto, a Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação
(SESu/MEC) organizou o Seminário “Universidade: por que e como reformar”, no qual
intelectuais fizeram palestras para as Comissões de Educação do Senado e da Câmara dos
Deputados. Nessa mesma direção, em novembro, o MEC, com a apoio da UNESCO, do
Banco Mundial e da ONG internacional ORUS (Observatoire International des Réformes
Universitaires) realizou o Seminário Internacional “Universidade XXI: novos caminhos para a
ensino superior”. Nesses dois eventos, diversos temas foram debatidos para a redefinição de
uma agenda para o ensino superior.
O conjunto das reflexões provenientes desses seminários serviu de referência para os
trabalhos do GT, que apresentou um relatório conclusivo organizado em quatro partes, em que
a inicial apontou um conjunto de ações emergenciais para o enfrentamento dos
questionamentos quanto à situação das universidades federais. Na segunda parte, o relatório
discorreu sobre a premência da efetiva implantação da autonomia das IFES. A terceira se

8
concentrou na defesa da necessidade de complementação de recursos e da garantia de
gestação de um novo modelo em relação ao atual. A última parte apontou as etapas
necessárias para a formulação e a implantação da Reforma Universitária brasileira (Grupo de
Trabalho Interministerial, 2003).
Poderíamos inferir que os debates ocorridos em 2003 reacendiam as discussões acerca
da “Reforma Universitária”. Tema antigo, recorrente e controverso, que pelo menos, desde
1968, com o advento da Lei 5.540, que reorganizou o ensino superior num contexto de
ditadura militar, mobiliza a universidade e todos aqueles que sobre ela procuram refletir. Em
se tratando de Reforma Universitária, alguns aspectos sempre se fazem presentes no debate:
gestão, autonomia acadêmica e financeira, avaliação e regulação, estrutura e organização,
democratização e acesso etc.
Neste trabalho interessa-nos mais de perto as preocupações relacionadas à questão da
democratização do ensino superior, em particular das políticas públicas destinadas à
ampliação do acesso. A esse respeito, em 2001 o Plano Nacional de Educação (PNE)
estabeleceu como meta a necessidade de ampliação das matrículas no ensino superior de
jovens entre 18 e 24 anos de 12% para 30%. Segundo o próprio PNE, os 12% de matrículas
colocavam o Brasil numa posição de desvantagem na América Latina, inclusive comparando-
o com países em situação econômica inferior, como são os casos de Argentina, Chile,
Venezuela e Bolívia, nos quais os índices de matrículas no ensino superior são,
respectivamente, 40%, 20,6%, 26% e 20,6%. Além disso, 40% das matrículas deveriam se
concentrar no setor público.
Na avaliação do Grupo Interinstitucional (2003), “para atingir os 40% de
universitários matriculados no setor público determinados pelo PNE, seria preciso chegar a
2,4 milhões de vagas no sistema público, dos quais a metade no subsistema federal.” (p.5).
Ao governo Lula, que tomou posse em janeiro de 2003, entre outras preocupações no
âmbito do ensino superior, o atingimento dessas metas ainda se colocava como um desafio. A
leitura das Sinopses Estatísticas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
“Anísio Teixeira” demonstram que se houve algum avanço, esse foi tímido.
As críticas e questionamentos quanto à função e ao relatório produzido pelo Grupo
Interistitucional de 2003 desqualificavam o produto do trabalho desenvolvido e faziam com
que o governo recuasse em relação a essa estratégia para a implementação da “Reforma
Universitária”. A própria saída do ministro Cristovão Buarque do MEC sugere uma mudança
de rumo em face de uma tática malsucedida. Dessa forma, empossado no MEC, Tarso
Fernando Herz Genro, homem forte do Presidente Lula, assumiu como tarefa prioritária
realizar a Reforma Universitária.
Em sua curta passagem, no Ministério 3 , Genro até tentou encaminhá-la na forma de
pacote. Participou de debates em conferências e seminários, realizou oitivas públicas,
consultou as instituições etc, com vistas a realizar a Reforma Universitária. Por essa via,
assim como o antecessor, também não teve êxito. De forma fragmentada, no entanto,
conseguiu alguns avanços. Aprovou a Lei que criou o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Sinaes) 4 ; apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 5 que
instituia a política de reserva de vagas para egressos de escolas públicas, negros e indígenas
nas instituições públicas de ensino superior e criou, por meio de Medida Provisória 6 , o
Programa Universidade Para Todos (Prouni).
Numa conjuntura de crise política, convocado pelo Presidente Lula, Genro saiu do
MEC para assumir a presidência do Partido dos Trabalhadores (PT). Em seu lugar, foi
empossado o então secretário executivo do MEC, professor Fernando Haddad, que deu
continuidade às ações do sucedido. Por ocasião da sua posse, Genro afirmou que o sucessor
possuia “...características técnicas e políticas importantes para exercer o cargo...” É dotado de
“...requisitos absolutamente especiais para ser ministro. Além de ser uma pessoa que tem uma

9
formação técnica e científica vinculada à Educação, ele também é um brilhante quadro
político’” (UNIVERSIA, 2005).
Haddad chegou ao MEC com Tarso no início de 2004; juntos finalizaram o
anteprojeto da Reforma Universitária. O novo ministro assumiu o MEC diante de uma agenda
de quatro itens prioritários: 1) alfabetização com inclusão, 2) reforma do ensino superior, 3)
reorganização do ensino técnico e 4) aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica (Fundeb). O início do mandato de Haddad coincidiu com a conclusão da
terceira versão do Projeto de Reforma Universitária, que foi entregue ao Presidente Lula por
Genro na cerimônia de sua posse.
A despeito de ainda não ter sido aprovada a Reforma Universitária, sob a batuta de
Haddad, além das iniciativas em curso, uma série de novas ações e/ou políticas foram e vêm
sendo empreendidas pelo MEC. O que poderíamos supor que a conta-gotas o governo vem
colocando em prática a Reforma Universitária.

2. POLÍTICAS RECENTES

2.1. Programas/ações do MEC em relação ao ensino superior

Em consulta à página eletrônica do Ministério da Educação 7 , encontramos vinte


programas/ações direcionadas ao ensino superior, levados a cabo pela SESu/MEC, que serão
apresentados em cinco categorias por necessidade meramente didática.

2.1.1 Programas/ações de diversificação acadêmica e de articulação do ensino,


pesquisa e extensão:

O Programa de Educação Tutorial (PET), criado na década de 1980, visa

“apoiar atividades acadêmicas que integram ensino, pesquisa e extensão. Propicia aos alunos
(...) a realização de atividades extracurriculares que complementem a formação acadêmica (...)
e atendam às necessidades do próprio curso de graduação. O estudante e o professor tutor
recebem apoio financeiro de acordo com a Política Nacional de Iniciação Científica”. (Idem)

O Programa de Apoio à Extensão Universitária (PROEXT) com ênfase na inclusão


social, foi criado em 2003 e objetiva “apoiar as instituições públicas de ensino superior no
desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação
de políticas públicas.” (Ibidem)
Os Hospitais Universitários, ligados às IFES, “são centros de formação de recursos
humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde.” Articulados ao Sistema
Único de Saúde (SUS) oferecem oportunidade de educação continuada e atualização técnica
aos profissionais da área médica.
Fundamentado no que determina o Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977, o
Ensino de Pós-graduação Destinada a Médicos (Residência Médica) confere ao médico
residente o título de especialista.

2.1.2 Programas/ações de avaliação e de regulação do sistema

O Sistema de Credenciamento e Recredenciamento de IES, e-MEC, trata-se de um


protocolo eletrônico por meio do qual, o MEC instrui a regulação da oferta de ensino superior
no país.

10
Parte integrante do Sinaes, o Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes
(Enade), substituiu o Provão em 2004 e se realiza pela aplicação de provas para concluintes e
ingressantes dos cursos de graduação.
Também articulado ao Sinaes, o Índice Geral de Cursos (IGC) é um indicador
gerado pelo Sistema que caracteriza um determinado curso com base na articulação de
diversos instrumentos e fontes de avaliação.

2.1.3. Programas/ações de cooperação e relações internacionais

O programa CELPE-Bras, ou Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa


para Estrangeiros, como a própria denominação, informa, certifica estrangeiros que vêm
estudar no Brasil, quanto ao domínio da Lingua Portuguesa.
O Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G), cujas origens
remontam 1917, é uma cooperação internacional do Brasil para com países dos continentes
africano, americano e asiático. Instituições de ensino superior públicas e privadas do Brasil
recebem estudantes para seus cursos de graduação e de pós-graduação.
Criado em 2005 e inspirado na figura do eminente geógrafo brasileiro, o Programa
Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promissaes) oferece bolsas de estudos para
estudantes do PEC-G, comprovadamente de baixa renda, de modo a lhes assegurar condições
materiais de realização cursar em uma das instituições brasileiras.
Na perspectiva da integração do Mercosul, o Programa de Mobilidade Acadêmica
Regional em Cursos Acreditados (MARCA) destinas-se a mobilidade entre instituições e
países com foco na melhoria da qualidade mensurada por sistemas de avaliação e de
credenciamento. Participam IES dos seguintes países membros e associados do Mercosul:
Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile.
Ainda no contexto das relações internacionais a Comissão de Língua Portuguesa
(Colip) foi criada para, junto aos países de Língua Portuguesa, definir a política de ensino-
aprendizagem, pesquisa e promoção do idioma.

2.1.4. Programas/ações de articulação da educação superior com a educação básica

Criado no ano de 2008, o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência


(PIBID) procura estreitar a interação das instituições universitárias formadoras de professores
com as unidades escolares da Educação Básica, onde esses futuros professores trabalharão.

“Oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao
estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício do
magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas
de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o PIBID faz uma articulação entre a educação
superior (por meio das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais.” (Ibidem)

Na mesma direção do PIBID, criado em 2006, o Programa de Consolidação das


Licenciaturas (Prodocência) também se preocupa com a formação inicial do docente para a
Educação Básica e se operacionaliza por meio do financiamento de

“projetos voltados para a formação e o exercício profissional dos futuros docentes, além de
implementar ações definidas nas diretrizes curriculares da formação de professores para a
educação básica. Os objetivos do programa são: contribuir para a elevação da qualidade da
educação superior, formular novas estratégias de desenvolvimento e modernização do ensino
no país, dinamizar os cursos de licenciatura das instituições federais de educação superior,
propiciar formação acadêmica, científica e técnica dos docentes e apoiar a implementação das
novas diretrizes curriculares da formação de professores da educação básica.” (Ibidem)

11
2.1.5. Programas/ações de acesso e permanência

O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), criado no


governo de Fernando Henrique Cardoso, substituiu o antigo Crédito Educativo. Objetiva
financiar a graduação de estudantes que não têm condições de arcar integralmente com as
mensalidades do seu curso.
Visando dotar as IFES de infraestrutura adequada ao ingresso e à permanência da
pessoa com deficiência, o Programa INCLUIR, de acessibilidade na educação superior,
vem, desde 2005, apoiando projetos institucionais nessa perspectiva.
Criado no ano de 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) avalia o
desempenho dos estudantes ao fim da escolaridade básica e tem sido utilizado como
mecanismo de seleção para a graduação. Em 2009, foi redimensionado, visando à sua adoção
pelas IES como etapa única ou parcial para recrutamento de novos alunos.
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni) foi lançado em 2007 e
“...busca ampliar o acesso e a permanência na educação superior. (...) Todas as universidades
federais aderiram ao programa e apresentaram ao ministério planos de reestruturação... As
ações preveem, além do aumento de vagas, medidas como a ampliação ou abertura de cursos
noturnos, o aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, a
flexibilização de currículos e o combate à evasão.” (Ibidem)

Considerando a nova clientela que chega ao ensino superior público, particularmente


nas IFES, o MEC lançou o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) demanda
antiga das IFES na perspectiva de garantia da
“...permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial
das instituições federais de ensino superior. Pretende viabilizar a igualdade de oportunidades
(...) e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir de medidas que buscam
combater situações de repetência e evasão. O Pnaes oferece assistência à moradia estudantil, à
alimentação, ao transporte, à saúde, inclusão digital, cultura, ao esporte, creche e apoio
pedagógico.” (Ibidem).

Além dos programas/ações diretamente ligados à SESu, uma outra ação mais ampla do
MEC e tão importante quanto às já descritas é o Sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB), criado em 2005. Esse sistema objetiva a expansão e interiorização da oferta de cursos
e programas de educação superior, por meio de parcerias entre as esferas federais, estaduais e
municipais do governo.

3. À GUISA DE CONCLUSÃO: respostas ao clamor de democratização?


Pelo exposto, foi possível observar que a maioria dos programas/ações do MEC para o
ensino superior no período recente procuram responder ao que Mancebo (2004, p. 3) chamou
de “necessidade de satisfazer a crescente demanda por estudos superiores, associado ao afã de
racionalizar recursos.” Trata-se de políticas públicas na perspectiva da ampliação do acesso ao
ensino superior.
Em estudo já mencionado, Mancebo (2004) apresenta dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do IBGE de 2001, publicados em 2003, que demonstram

“que 34,4% dos alunos de instituições superiores da rede pública fazem parte dos 10% mais
ricos da população. Quando se trata do sistema privado, esse percentual vai para 50%. A renda
familiar dos alunos de universidades públicas no Brasil é menor que a de universitários da rede

12
particular, pois enquanto a renda média mensal da família de estudantes das instituições
públicas é de R$ 2.433, na particular esse valor sobe para R$ 3.236. Além disso, de cada cem
universitários do setor público, 12 estão entre os mais pobres, com renda mensal de R$ 482 ou
menos. Nas instituições privadas, a proporção passa para cinco a cada cem alunos.” (Mancebo
2004, p. 3)

Examinando a política de expansão da educação superior e a proposta de reforma


universitária do governo Lula, Michelotto et al. (2006) fazem um convite para uma reflexão
sobre o sinônimo de democratização e questionam se no Brasil finalmente está ocorrendo “...
uma abertura democrática das instituições superiores de educação para a população que vem
sendo, historicamente, excluída desse direito?” As autoras buscam respostas para tal
indagação no clássico entendimento de democratização da universidade de Álvaro Vieira
Pinto, para quem
“... o aluno, ao iniciar a escola primária, e tão-somente por isso, já está habilitado a ingressar
um dia na universidade. (...) A sociedade (...) cultiva, como privilégio de classe, a
‘predestinação universitária’. A autêntica democratização do ensino consiste precisamente em
extinguir a predestinação universitária.” (PINTO, 1986, p. 99 apud: MICHELOTTO et al.,
2006: p.180).

Associando a outros estudiosos 8 que também se debruçaram sobre o tema, Michelotto


et. al. (2006) advertem que o processo de expansão da educação superior ocorrido no Brasil a
partir da década de 1970, com mais ênfase a partir do governo de Fernando Henrique
Cardoso, ocorreu de forma muito peculiar. Estimulou o avanço do setor privado e restringiu o
setor público. Ocorreu uma expansão “...com pouco ou nenhum financiamento público...”
(Idem, 2006: p. 187). Para os autores referidos, as contraditórias orientações do Banco
Mundial e da UNESCO influenciaram de forma decisiva às reformas implantadas e em curso
nos países em desenvolvimento. É portanto, debaixo desse referencial que devem ser
analisados os programas/ações do governo Lula para a Educação Superior.
Nesse panorama, não descartando eventuais méritos das iniciativas, impõe-se o
exercício de uma crítica consistente, acerca de tais programas/ações. Eles não devem, em
hipótese alguma, anular a necessidade de um posicionamento mais agressivo por parte do
governo na perspectiva do rompimento com um modelo macroeconômico internacional que
dificulta e compromete a adoção de políticas sociais públicas universalistas que garantam
acesso e condições de permanência no ensino superior para toda a sociedade. É nesse contexto
que se justifica a adoção de determinadas ações afirmativas paliativas, focadas nos setores
mais vulneráveis.
No que diz respeito aos programas/ações de acesso e permanência no ensino superior,
salientamos que, apesar de recentes, algumas dessas políticas já foram alvos de avaliações
pela academia, mídia e pela sociedade. Assim, concluindo nossa reflexão nesse trabalho,
apresentaremos uma análise do Prouni, sobre o qual já dissemos que, desde sua criação, tem
recedido muitas críticas. A principal delas está associada ao fato de representar renúncia fiscal
para a iniciativa privada. Seus críticos consideravam que, ao incentivar o setor privado, o
MEC explicita sua falta de compromisso com o aporte de mais recursos no setor público. Há
também uma preocupação relacionada à permanência do estudante, condição essencial para a
democratização de fato. O caráter assistencialista do Prouni fez com que alguns o
considerassem uma não política pública, como é o caso de Cattani et al. (2006).
Outra crítica importante endereçada ao Prouni vem de setores aliados do governo que
não viram a mesma disposição do Estado na perspectiva de adoção de uma política de reserva
de vagas para egressos de escolas públicas, negros e indígenas nas instituições federais de
ensino superior. O Prouni foi criado por Medida Provisória (MP) e a Política de Reserva de
Vagas foi apresentada ao Congresso na forma de Projeto de Lei (PL), ambos em 2004. O

13
encaminhamento ao Congresso por meio de instrumentos jurídicos diferentes, suscitou muito
debate, visto que uma MP tem caráter de urgência e validade imediata, ao passo que um PL,
dependendo da natureza da matéria, tende a se arrastar por longo período, é o que está
ocorrendo com o 3.627 de 2004, aditado ao PL 73/99.
Numa avaliação do desempenho dos bolsistas do Prouni Gaspari (2009) escreveu em
sua coluna na Folha de São Paulo:

“A demofobia pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e
negros. Ao longo dos anos o elitismo convencional ensinou que, se um sistema de cotas levasse
estudantes negros para as universidades públicas, eles não seriam capazes de acompanhar as
aulas e acabariam fugindo das escolas” (GASPARI, 2009).

No entanto, constata o colunista, que a “lorota” não pegou; dados oficiais do INEP
informam que no ENADE 2004 “... o desempenho dos bolsistas do Prouni ficou acima da
média dos demais estudantes...” (Idem)
Do ponto de vista acadêmico, pesquisas 9 em nível de mestrado e doutorado começam
a revelar que, a despeito das críticas macroestruturais que o Prouni possa merecer, seus
resultados concretos para os individuos têm demonstrado sua parcela de contribuição ao
processo contraditório e desafiador da democratização do acesso ao ensino superior.
Por tudo que tratamos até aqui, não somos ingênuos ao ponto de ignorar os efeitos
perversos das escolhas econômicas neoliberais do país e seus reflexos na educação superior,
tão bem tratados pela literatura especializada. Entretanto, arriscamos dizer que, diante de um
sistema originariamente elitista, com as devidas ressalvas, o atual governo tem demonstrado,
ainda que contraditoriamente, um interesse e uma disposição em favorecer o acesso e a
permanência de determinados setores da sociedade até então excluídos deste nível de
escolarização.
Nessa mesma perspectiva crítica, concordamos com Santos (2009) para quem ao se
discutir democratização do ensino superior é preciso ter consciência de que “o problema mais
crônico está intimamente relacionado ao estoque de vagas disponíveis em face da sua real
demanda”, o que converge com o ponto de vista de Carvalho (2006, p. 1) para quem “o
empecilho à democratização está na escassez de vagas públicas e gratuitas”. Considere-se
ainda a contribuição de Pacheco & Risttof, segundo os quais
“para atingir índices de matrícula na educação superior, minimamente comparáveis aos índices
internacionais, ou ainda, para atingir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação
(PNE), qual seja, a de abrigar 30% da população da faixa etária apropriada na educação
superior até 2010, o Brasil não pode mais depender exclusivamente da força inercial do
mercado.”(p.8)

Em relação às políticas públicas adotadas, algumas das quais materializadas nos


programas/ações aludidos neste trabalho, é certo que por recente instauração, tornam-se
precoce conclusões absolutas. Assim, para trabalhos posteriores fica o desafio de melhor
cotejá-los com vistas a sua adequada compreensão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. República Federativa do Brasil. Decreto de 20 de outubro de 2003. Brasilia, 2003.


In: http://www.planalto.gov.br. Acesso 25/07/2009 10h29

________. República Federativa do Brasil. Anteprojeto de Lei da Educação Superior.


Brasilia, 2005.

14
CARVALHO, C. H. A. O Prouni no governo Lula e o jogo político em torno do acesso ao
ensino superior. Campinas. Educação e Sociedade. vol. 27, n. 96, p. 979-1000, out. 2006.

CASASSUS, J. A escola e a Desigualdade. Brasília: Liber Livro Editora UNESCO, 2007.

CATANI, A M. et. al. PROUNI: democratização do acesso às instituições de ensino superior?


Curitiba. Educar em Revista. n. 28, jul./dez. 2006.

CUNHA, L. A. O Ensino Superior no octênio FHC. Campinas. Educação e Sociedade. v. 24,


n. 82, abr, 2003.

____________. A Universidade Temporã - o ensino superior da Colônia à Era de


Vargas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980.

CURY, C. R. J. A educação escolar, a exclusão e seus destinatários. Belo Horizonte.


Educação em Revista, n. 48, p. 205-222, dez. 2008.

DURHAM, E. Educação superior, pública e privada (1808 – 2000). In: SCHWARTMAN,


Simon & BROCK, Colin. Os desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro. Nova
Fronteira. 2005. p.197-240.

____________. O ensino superior na América Latina: tradições e tendências, São Paulo,


Novos Estudos Cebrap, julho 1998, p. 92.

GASPARI, E. A cota de sucesso da turma do Prouni. São Paulo. Folha de São Paulo. 17 de
julho de 2009.

GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL. Bases para o enfrentamento da crise


emergencial das universidades federais e roteiro para a Reforma Universitária
brasileira. Brasília: 15 de dezembro de 2003. Disponível em:
http://www.adunesp.org.br/reformas/universitaria/GT-Interministerial.htm Acesso 25/07/2009
9h53.

LEHER, R. Expansão Privada do Ensino Superior e Heteronomia Cultural: u difícil início de


século. In: DOURADO, L. F.; CATANI, A. M.; OLIVEIRA, J. F. Políticas e gestão da
Educação Superior. São Paulo: Xamã e Goiânia: Alternativa, 2003.

MANCEBO, D. Reforma universitária: reflexões sobre a privatização e a mercantilização do


conhecimento. Educação e Sociedade. 2004, vol.25, n.88, pp. 845-866.

MANCEBO. D. A & SILVA JÚNIOR, J. R. Reforma Universitária no contexto de um


governo popular democrático: primeiras aproximações. Disponível:
http://www.adufpa.org.br/reform_univ/artigos.html Acesso 23/07/2009 21h34, s/d.

MICHELOTTO, R. M.; COELHO, R. H. ZAINKO, M. A. S. A política de expansão da


educação superior e a proposta de reforma universitária do governo Lula. Educar, Curitiba,
Editora UFPR, n. 28, p. 179-198, 2006.

15
NEVES, C. E. B. et. al. Acesso, expansão e equidade na educação superior: novos desafios
para a política educacional brasileira. Porto Alegre. Sociologias. ano 9, n. 17, jan./jun. 2007.

PACHECO, E. & RISTOFF, D. I. Educação superior: democratizando o acesso (Série


Documental. Textos para Discussão). Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, 2004.

SAMPAIO, H. Ensino Superior no Brasil – o setor privado. São Paulo, Hucitec, 2000.

SANTOS, A. P. Política de Ação Afirmativa da Universidade Federal de Ouro Preto: Análise


Preliminar dos ingressantes de 2008/2. In: I Seminário Internacional sobre Exclusão,
Inclusão e Diversidade. Universidade Federal da Paraiba, João Pessoa/PB, Mar/2009.

SAVIANI, D. et. al. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas; Autores


Associados, 2004.

SAVIANI, D. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. Campinas; Autores Associados,


2007.

SCHEINVAR, E. El derecho a la educación en Brasil. – 1ª ed. – Buenos Aires; Fundación


Laboratório de Políticas Públicas. E-Book. (Libros FLAPE; 4), 2007.

SEVERINO, A. J. O ensino superior brasileiro: novas configurações e velhos desafios.


Curitiba. Educar em Revista. n. 31, 2008.

SGUISSARDI, V. Modelo de expansão da educação superior no brasil: predomínio


privado/mercantil e desafios para a regulação e a formação universitária. Campinas.
Educação e Sociedade. vol. 29, n. 105, p. 991-1022, set./dez. 2008.

TEIXEIRA, A. Ensino Superior no Brasil - análise e interpretação de sua evolução até


1969, Rio de Janeiro. EdUFRJ, 2005.

TRINDADE, H. Saber e poder: os dilemas da universidade brasileira. São Paulo. Estudos


Avançados 14 (40), 2000.

UNIVERSIA. Fernando Haddad assumirá o MEC, diz Tarso. Portal Universia:


Tendências e debates. Disponível: http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp Acesso
25/07/2009 18h59.

WEREBE, M. J. G. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil. São Paulo, Editora Ática,


1994.
1
Neste ano foram fundadas as escolas: a) de Cirurgia e Anatomia (mais tarde: Faculdade de Medicina da
Universidade Federal da Bahia; b) a de Anatomia e Cirurgia do Rio de Janeiro (posteriormente: Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e c) Academia de Guarda da Marinha, também no Rio de
Janeiro.
2
Para Michelotto (2006) em 1968 o movimento estudantil trouxe como mote o sentido de democratização que se
espalhou como um estopim pelo mundo inteiro.
3
De 2004 a meados de 2005.
4
Lei 10.861 de 14 de abril de 2004.
5
Projeto de Lei 3.627 de 28 de abril de 2004.
6
Medida Provisória n. 213, de 10 de setembro de 2004.

16
7
http://www.mec.gov.br
8
CUNHA (2003); LEHER (2003); MANCEBO (2004); CATANI et. al. (2006); NEVES et. al. (2007);
SEVERINO (2008); SGUISSARDI (2008).
9
No Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS destacam a dissertação de Mestrado Política
Pública Para o Acesso ao Ensino Superior: o Prouni no contexto do Centro Universitário do Leste de
Minas Gerais, defendida por Edna Imaculada Inácio de Oliveira, em fevereiro de 2009 e o trabalho de
doutoramento de Marialua Linda Moog Pinto: Qualidade da Educação Superior e o Prouni: Limites e
possibilidades de uma política de inclusão.

17
A ABORDAGEM DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS PARA ALÉM DA
RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE

Magda Santos – PPGE/UFPel

Resumo: O presente artigo destaca resultados parciais do estudo bibliográfico de uma pesquisa em andamento,
na qual se investiga a categoria de Educação Integral proposta pelo Programa Mais Educação do MEC. Com o
objetivo de realizar uma análise ampla e aprofundada sobre a política educacional em questão, assumindo uma
abordagem em acordo com a perspectiva metodológica adotada ao longo da pesquisa, se realizou um resgate
histórico sobre a relação entre Estado e Sociedade no Brasil e a configuração das políticas educacionais de
diferentes épocas. A partir da análise de documentos e estudo de referenciais teóricos, se investigou ainda os
enfoques das políticas educacionais nas últimas décadas. Como resultados parciais deste estudo bibliográfico
destaca-se a importância fundamental do resgate histórico e de uma abordagem dialética das políticas
educacionais, visando compreendê-las a partir da relação entre as determinações globais da sociedade e as
especificidades históricas do contexto em que são implementadas e re-significadas.

Palavras-chave: Estado – Sociedade – Políticas Educacionais.

Introdução

O presente artigo é resultado parcial de uma pesquisa em andamento, na qual se


investiga a categoria de Educação Integral proposta pelo Programa Mais Educação do
Ministério da Educação (MEC). Pelo fato de abordar a investigação de uma política pública
educacional, se observou no decorrer da pesquisa a necessidade de uma compreensão ampla e
aprofundada sobre a relação Estado e sociedade da qual emergem estas políticas.
Desta forma, a partir de um estudo bibliográfico sobre o tema, se realizou um resgate
histórico sobre a relação entre Estado e sociedade na configuração das políticas educacionais
no Brasil. Além da revisão bibliográfica, a partir da análise documental de políticas
educacionais das últimas décadas, se investigou seus enfoques atuais e sua relação com as
determinações globais que visam um modelo hegemônico de sociedade.
Entretanto, diante da limitação de uma abordagem focada apenas nas relações amplas
que envolvem a política educacional, procurou-se investigar uma forma de abordagem que, de
acordo com a perspectiva dialética materialista histórica adotada ao longo da pesquisa,
2

apreendesse a relação entre as determinações globais da sociedade e as singularidades


históricas do contexto no qual estas políticas são implementadas (FRIGOTTO, 2000).
Desta forma, identificou-se a necessidade de uma abordagem que, além de uma
compreensão ampla das relações macrossociais que envolvem a política educacional, procure
investigar a relação destas com o movimento histórico local e as relações pelas quais são re-
significadas.
Neste sentido, o presente texto procura apresentar alguns caminhos possíveis para
que os estudos sobre as políticas educacionais possam, além de apontar as fragilidades da
relação Estado e sociedade que por vezes tornam as políticas públicas apenas instrumentos de
controle estatal, também apreender a configuração que as mesmas assumem nos diferentes
contextos em que são aplicadas e as formas pelas quais os grupos sociais envolvidos buscam
adaptar-se, transgredir ou resistir a estas ações.

1 A formação social brasileira, a relação Estado e sociedade e suas influências


na configuração das políticas públicas educacionais
Compreender o sentido que as atuais políticas públicas educacionais assumem na
relação entre Estado e sociedade, implica o resgate histórico acerca da própria formação
social brasileira e da influência que exerce sobre as políticas educacionais de cada época.
Com base em uma análise histórica sobre o papel social destinado a educação em
diferentes períodos da história do Brasil, é possível evidenciar algumas das principais tensões
e contradições que marcaram a organização do sistema educacional brasileiro, bem como, as
continuidades, descontinuidades, adaptações e rupturas que caracterizaram as políticas
educacionais de diferentes períodos.
Segundo Freitag (1980) é possível observar que desde o período agroexportador –
que compreende o Período Colonial, Império e Primeira República – reproduziu-se e
consolidou-se no Brasil um modelo seletivo de educação que se articulava às necessidades do
modelo social dominante na época.
Durante o Brasil Colônia, a organização social e política fundada na grande
propriedade, mão-de-obra escrava e no sistema de poder representado pela família patriarcal,
não necessitava da educação escolar como forma de reproduzir a ordem econômica e social
vigente, uma vez que esta era desnecessária a qualificação da mão-de-obra para os trabalhos
rudimentares que eram exercidos na Colônia. Entretanto, a classe detentora do poder político
e econômico, necessitava distinguir-se da população nativa, negra e mestiça, e a importação
3

das idéias e pensamentos dominantes na cultura medieval européia, foi um instrumento


importante neste sentido.
Freitag (1980) afirma que durante o período Imperial e a Primeira República, não se
observa modificações profundas quanto à estrutura social: a economia continuava sendo
agroexportadora, a força de trabalho escrava passava a ser substituída pelo trabalho dos
imigrantes, mas a estrutura social de dominadores e dominados mantinha-se em sua
composição básica.
Contudo, com a independência política torna-se necessário o fortalecimento da
sociedade política com a formação de quadros políticos, técnicos e administrativos. Surge
assim, uma série de escolas militares e de ensino superior em todo o território nacional
delineando os primeiros traços de uma política educacional estatal no Brasil.
Xavier; Ribeiro; Noronha, (1994) destacam que a partir do período Imperial observa-
se um maior esforço no sentido de implantar o sistema de ensino superior - capaz de formar a
elite dirigente - e um descaso com a instrução elementar. A educação formal, desta maneira,
continuava sendo destinada a poucos, desvinculada do processo produtivo, o que acentuava
seu caráter classista e acadêmico.
Entretanto, conforme destaca Romanelli (1999), durante o século XIX, com o
impulso da atividade de mineração, surge no Brasil uma estratificação social mais complexa e
uma camada intermediária começa a ascender nas zonas urbanas. A ascensão desta camada da
sociedade, que apresentava afinidades com a mentalidade burguesa também em ascensão na
Europa, diversificou a demanda escolar do período. Contudo, embora duas camadas sociais
distintas passem a compor a demanda escolar – a aristocracia rural e a pequena burguesia – o
tipo de educação que almejavam era o mesmo, mantendo o caráter seletivo e classista da
educação enquanto distintivo de classe.
No contexto internacional, Xavier; Ribeiro; Noronha (1994) destacam que durante o
período agroexportador o Brasil enquanto fornecedor de bens primários contribuiu para a
transição da Idade Média para a Modernidade na Europa, ou seja, possibilitou a transição
capitalista das metrópoles internacionais. Desta forma, a sociedade brasileira nasce
duplamente explorada, pelos proprietários locais e internacionais.
Esta transição do capitalismo em nível internacional influenciou também o
pensamento social da burguesia local, gerando uma contradição em relação ao pensamento
aristocrata da época e levando a ruptura entre estas duas classes e a vitória dos ideais
burgueses, concretizando-se com a abolição da escravatura, com a proclamação da República
e mais tarde com a implantação do capitalismo industrial (ROMANELLI, 1999).
4

Xavier; Ribeiro; Noronha (1994) destacam que, por seu caráter elitista, a política
educacional brasileira concretizada na legislação do ensino até a década de 1910, revelou o
predomínio pelo ensino superior. Entretanto, é neste período que se verifica a emergência de
pressões de diferentes grupos sociais pelo ensino popular, impulsionadas também pelo
aumento da demanda escolar com a chegada dos trabalhadores imigrantes europeus em busca
de melhores condições de vida. Desta forma

A bandeira da universalização da escola era empunhada por progressistas das


camadas superior e média à cata de alianças com setores populares e embalados pelo
ideário político moderno. Era levantada ainda pelos conservadores, preocupados
com o controle das camadas populares, principalmente diante da ameaça
representada pelos imigrantes, que deveriam ser integrados aos “valores e costumes”
nacionais. E, finalmente, pelos movimentos operários do período, bastante
significativos, que exigiam a universalização dos direitos de cidadania, entre eles o
acesso à instrução (Xavier; Ribeiro; Noronha, 1994, p. 117).

Ainda na década de 1910, o modelo de escola que vinha sendo difundido, passa a ser
duramente criticado por lideranças educadas pela teoria socialista de movimentos operários da
Europa e também por participantes dos movimentos abolicionista, comunista e anarquista
(XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
Como se pode observar, diferentemente dos períodos anteriores, ao final da Primeira
República e início da República Nova, a demanda pela educação aumenta e diversifica-se
com a disputa de grupos com diferentes interesses e concepções em relação à educação
formal.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra perde sua influência enquanto
centro do capitalismo internacional e aos poucos vai sendo substituída pelos Estados Unidos,
que passa a exercer maior influência sobre os setores sociais brasileiros. É neste período que
intelectuais brasileiros, em contato com o movimento Nova Escola, fundam em 1924 a
Associação Brasileira de Educação (ABE), que propunha reformas ao sistema de ensino
(XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
De forma inversa aos movimentos operários, este grupo considerava a escola como
elemento central na reprodução das desigualdades sociais, e não reconheciam a escola, como
reflexo da sociedade desigual da época. O movimento contribuiu para a expansão dos ideais
liberais em confronto com setores conservadores da sociedade brasileira. Além disto, seu
pensamento liberal influenciou concepções pedagógicas e políticas públicas educacionais dos
períodos seguintes.
É neste contexto que, procurando a conciliação entre os setores liberais e
conservadores da sociedade brasileira, a partir da década de 1930 até a década de 1950 é
5

aplicada no Brasil uma política governamental de desenvolvimento capitalista sobre uma base
nacional (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
As transformações políticas, sociais e econômicas ocorridas a partir de 1930, tiveram
importância fundamental para a reorganização do sistema educacional brasileiro.
Como característica deste período observa-se que a sociedade política passa a atuar
de forma cada vez mais intensa na sociedade civil, submetendo-a ao seu controle a partir do
aperfeiçoamento da burocracia. Já na Constituição de 1934 apresenta-se a necessidade de
elaboração de um Plano Nacional de Educação que coordene e supervisione as atividades de
ensino em todos os níveis (FREITAG, 1980).
Entretanto, mesmo ampliando o acesso à educação formal e prevendo sua
importância na constituição do Estado nacional, manteve-se neste período o caráter dual do
sistema de ensino.
Na passagem da década de 1950 a 1960 tem-se um período que Xavier; Ribeiro;
Noronha, (1994) denominam capitalismo monopolista em que o futurismo de Juscelino
Kubitschek derruba o nacionalismo de então e prepara o terreno para a internacionalização da
economia. Neste contexto, a abertura ao capital internacional foi considerada a solução para o
crescimento econômico, porém, os investimentos do período ampliaram a dívida externa e
consequentemente a inflação, as desigualdades e conflitos sociais. Além disto, este processo
de internacionalização da economia contribuiu para o surgimento de uma burguesia
multinacional aglutinada a burguesia nacional e aos setores conservadores, reduzindo a
influência dos movimentos de resistência de cunho nacionalista e populista.
As autoras destacam que após a Segunda Guerra Mundial com a criação da
Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
expandem-se os ideais de democratização e cresce a preocupação com a expansão quantitativa
da educação. Contudo, a democratização do acesso à educação formal, estava fortemente
vinculada aos ideais de modernização e é neste sentido que passa a ser pensada como forma
de qualificar a mão-de-obra. Neste período se observa então, a radicalização das posições
ideológicas consideradas de esquerda e direita em torno das concepções que deveriam orientar
os rumos da educação, sendo que na primeira metade dos anos 60 tem-se a intensificação dos
movimentos de Educação Popular.
Procurando contemplar as necessidades do projeto de modernização do país, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, estimulou a expansão dos cursos
profissionalizantes de nível médio, embora com qualidade duvidosa devido à precariedade das
condições objetivas das instituições de ensino (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
6

Já a partir de 1964, com a intervenção Militar e a difusão da idéia de acumulação do


capital como elemento de construção do “Brasil potência”, tem-se um processo de
reorientação do sistema de ensino. A política educacional deste período se caracterizou por
uma concepção produtivista, impulsionada pela Teoria do Capital Humano (XAVIER;
RIBEIRO; NORONHA, 1994). Neste período, se realizou reformas no sentido de adequar o
sistema educacional brasileiro às exigências dos organismos internacionais.
A partir de 1968, cresce a demanda por educação, diante da política de recuperação
econômica, ampliando a crise no setor educacional. Esta crise acaba por favorecer os acordos
de cooperação internacional que ficaram conhecidos como acordos MEC/USAID. Estes
acordos tiveram importante influência na reorganização do sistema de ensino na perspectiva
economicista de educação e também na difusão ideológica deste pensamento na política
educacional dos períodos seguintes (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
Com o propósito de ajustar a política educacional aos ideais de “desenvolvimento
com segurança” em 1971, foi elaborada a lei 5.692/71, focalizando basicamente dois aspectos
fundamentais, a extensão da obrigatoriedade escolar e a generalização do ensino
profissionalizante.
Segundo Xavier; Ribeiro; Noronha, (1994), esta reforma relacionava-se diretamente
ao modelo de desenvolvimento desigual que se expandia de forma geral na sociedade
brasileira. O interesse em ampliar a obrigatoriedade escolar visava administrar as
desigualdades geradas supondo uma igualdade de oportunidades que na realidade limitava-se
ao plano formal, além disto, buscava a legitimidade social necessária para continuidade deste
projeto, de forma arbitrária e autoritária.
De acordo com Xavier; Ribeiro; Noronha, (1994) a visão de educação presente
nestas políticas era tecnicista e utilitária, visando à preparação para o mercado de trabalho.
Diante de todas as dificuldades de implementação da educação profissionalizante,
por seu alto custo e desatualização da estrutura em relação às expectativas da indústria
moderna, o Ministério da Educação (MEC) foi gradativamente alterando o caráter da
profissionalização até que sua obrigatoriedade fosse revogada, o que ocorreu em 1982.
Ao final dos anos 70 a economia e as condições sociais brasileiras se encontravam
em uma frágil situação tanto à nível interno quanto a nível internacional. Para a solução dos
problemas sociais e econômicos, a opção realizada pelas elites foi o aumento do
endividamento externo. Assim em 1982 o governo militar recorre a um empréstimo junto ao
Fundo Monetário Internacional (FMI), reafirmando a condição de dependência e
7

subserviência do Brasil ao capitalismo internacional (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA,


1994).
Frente à incapacidade dos governos militares em produzir o Brasil potência
anunciado e a distribuição de riquezas, observa-se o esgotamento do autoritarismo no Brasil a
partir deste período. O predomínio deste pensamento aliado às pressões populares
impulsionou o processo lento, gradual e controlado de abertura democrática. A partir deste
período o Estado passou a empreender um conjunto de políticas compensatórias para
administrar os conflitos e desequilíbrios gerados pelo processo de acumulação (XAVIER;
RIBEIRO; NORONHA, 1994).
Neste período, observa-se também um movimento intenso de educadores em prol do
ensino público e na reorganização do campo educacional. São criadas entidades como o
Centro de Estudos de Educação e Sociedade (CEDES), a Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e a Associação Nacional Docentes de Ensino
Superior (ANDES) (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
A Constituição de 1988 procurou reunir algumas das reivindicações da sociedade
civil apresentando alguns avanços como a ampliação das liberdades individuais e restrição ao
poder das Forças Armadas. No campo da educação, já se discutia uma nova lei de Diretrizes e
Bases para a educação Nacional (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
Segundo Xavier; Ribeiro; Noronha (1994, p.278)

Diante do quadro de profundas crises (política, econômica e social), o Estado


procura instrumentos de aproximação e de incorporação das massas populares
mostrando a “intenção” de diminuir as desigualdades e de assistir os despossuídos.
A Educação passa a representar uma das estratégias destinadas a realizar a “justiça
social.”

A partir deste período então, as políticas educacionais, de forma geral,


caracterizaram-se pelo sentido de democratização da Educação, voltando-se para ampliação
do acesso a educação básica, sendo que, no entanto, até a década de 90 apenas uma pequena
parcela da população possuía acesso aos graus mais elevados de ensino. Nesta mesma década
surgem as políticas de “educação para todos” que se estendem até os dias atuais.
Conforme é possível observar, ao longo da história da educação brasileira, as
políticas educacionais estiveram intimamente relacionadas ao contexto social, político e
econômico de cada época, procurando adequar o sistema de ensino à estrutura social vigente
ou em emergência.
8

2 O enfoque das políticas públicas educacionais nas últimas décadas: a incorporação


das demandas sociais e o falso consenso

Nas últimas décadas, observa-se que os países da América Latina de modo geral,
iniciaram reformas em seus sistemas de ensino tendo por base, em grande medida, um
processo de indução externa que articula as políticas sugeridas por organismos internacionais
à concessão de empréstimos aos países desta região.
De acordo com Krawczyk; Rosar (2001), estas reformas partem de pesquisas que
demonstraram a ineficiência de seus sistemas de ensino frente às necessidades de
reestruturação do sistema produtivo e da relação Estado e sociedade de acordo com os
padrões da nova ordem mundial. Neste sentido, para a consolidação de um cenário
globalizado, se exige de todos os países, assegurar a competitividade de seus mercados
investindo na formação de recursos humanos. Aos seus governos, cabe adequar os serviços
educacionais às demandas do mercado, garantindo o cumprimento das estratégias sugeridas
para “a melhoria da qualidade do ensino”.
Shiroma; Moraes; Evangelista (2000) destacam que no Brasil, para realizarem estas
reformas, os governos nacionais aproveitaram-se do consenso construído entre educadores
brasileiros durante a luta pela democratização nas décadas de 1970 e 1980. Destacam ainda,
que no período pós-ditadura para a consolidação de seus interesses, o Estado passa a utilizar o
convencimento com uso mínimo de ação estatal e de força, procurando através da persuasão
“construir um novo consenso”. Além disto, em parte, este consenso apoiou-se no fetichismo
do conhecimento instrumental como elemento essencial para a inserção dos países latino-
americanos no mercado mundial.
Entretanto, cabe destacar que, embora os organismos internacionais, de modo geral,
considerem o progresso técnico e o capital humano como principais elementos de assimetria
entre os países, nos últimos anos começam a recuar na ideia de que o sistema de ensino
apresente em si potencial para superação das desigualdades sociais, ideia amplamente
defendida na década de 1990.
Nos informes sobre os anos de 1999 e 2000 já não há o mesmo destaque para a
educação que anteriormente. Em contrapartida, destacam-se os “ambientes
adversos” produzidos pelas crises econômicas, o aumento do desemprego, desastres
naturais, etc. entre os setores sociais mais vulneráveis (Banco Mundial, 2000). Neste
sentido, várias questões são propostas para gerar as condições propícias para que a
educação recupere seu potencial de capital humano (KRAWCZYK, 2002, p. 57).

É a partir desta perspectiva, que se apresentam as políticas públicas que partem de


ações intersetoriais, focalizando necessidades como transporte escolar, bolsa escola, etc, como
9

medidas para garantir a permanência dos estudantes na escola. Segundo Leher (2007), estas
medidas fazem parte da reorganização do capitalismo em nível mundial, conduzindo a
reprimarização dos países subdesenvolvidos de acordo com as novas demandas do capital.

Leher (2007) afirma que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é a


materialização destas medidas a nível nacional, e sob o discurso do crescimento econômico e
social, encontra o consenso para aplicar as políticas necessárias a este processo de
reprimarização agindo assim, como fator de agravamento da condição capitalista dependente
do país no contexto político e econômico mundial.
O autor destaca ainda a precariedade da política de investimentos para educação
proposta pelo PAC, uma vez que segundo as avaliações dos organismos internacionais o
problema da educação refere-se à gestão dos sistemas de ensino e não aos baixos
investimentos na educação. Desta forma, caberia ao Estado gerir um sistema de avaliação que
monitore a qualidade da educação e realize os ajustes necessários na gestão de seus recursos
(LEHER, 2007).
Neste mesmo sentido, surgem a partir da década de 1990, as políticas de Educação
Para Todos, com base no compromisso assumido na Conferência Mundial de Educação Para
Todos, financiada pela UNESCO, UNICEF, Banco Mundial e PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2000).
A Carta de Jomtien, divulgada a partir da conferência, atribuiu a educação básica não
apenas à escola, mas também às instâncias como a família, a comunidade e os meios de
comunicação. Neste documento, priorizou-se a universalização da Educação Básica, que
embora no caso do Brasil correspondesse Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Médio, resumiu-se ao Ensino Fundamental. Neste sentido, surge um primeiro problema
quanto à expressão “Para Todos”. Um segundo problema diz respeito à concepção ideológica
que indica a natureza do ensino a ser ministrado, pois prevê para estratos sociais diferentes,
ensinos diferentes, uma vez que as necessidades básicas de um e outro não poderiam ser as
mesmas (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2000, p. 58).
Sardagna (2006) destaca que o Plano Nacional de Educação de 2001 (PNE), a
Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96,
são também exemplos de ações do Estado em que a questão educacional é abordada neste
mesmo sentido, promover a equidade.
Apoiado na constatação das precárias condições da educação brasileira e na
necessidade urgente de reformas, e incorporando demandas sociais de grupos
10

economicamente desfavorecidos, o Estado nacional encontrou as bases para o consenso


necessário na implementação das políticas educacionais conjugadas aos interesses de
reestruturação do capital.
A concepção difundida pelos organismos internacionais apresentou influência
fundamental na elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PDE)
divulgado em 2007, que além de focar a democratização do acesso as instituições de ensino,
propõe programas de ensino a partir de ações intersetoriais.
Saviani (2007) destaca que o PDE, iniciativa também do Compromisso Todos Pela
Educação, veio ao encontro dos clamores da sociedade pela qualificação da Educação Básica,
frente aos alarmantes índices de fracasso escolar apontados por indicadores nacionais e
internacionais. Contudo, é importante observar que os mesmos empresários que compõem o
Compromisso Todos Pela Educação, continuam resistentes a ampliação do acesso e
qualificação dos níveis superiores de educação, colocando-se contrários ao financiamento
público do Ensino Superior, defendendo o fim de sua gratuidade e que sua gestão seja
realizada pela iniciativa privada.
Desta forma, torna-se evidente o comprometimento destes grupos com a reprodução
e manutenção do caráter dual da educação ajustando os processos formativos as novas
demandas do capital, como a formação da mão-de-obra e de perfis de consumidores
adequados às suas empresas, o que pode ser realizado pela Educação Básica apenas.
Entretanto, considera-se que as novas políticas educacionais introduzem alterações
significativas nos contextos educacionais nos quais são implementadas, uma vez que propõem
medidas que enfatizam a “importância” da instituição escola procurando a permanência dos
estudantes nesta instituição. Ainda que a concepção de educação defendida por estas
propostas não apresente alternativas de transformação da sociedade e emancipação das classes
populares, observa-se que em sua implementação assumem características diversas, de acordo
com as singularidades históricas dos grupos envolvidos com as mesmas. Neste sentido,
percebe-se a necessidade de um aprofundamento da investigação junto a estes diferentes
contextos, procurando observar a forma como, a partir das relações estabelecidas nos
contextos locais, se efetivam estas políticas.

3 A necessidade de uma abordagem dialética sobre a política educacional

De acordo com a perspectiva metodológica adotada ao longo da pesquisa da qual este


estudo bibliográfico é parte, se procurou investigar uma forma de abordagem da política
11

educacional que apreendesse o movimento dialético de articulação das dimensões micro e


macrossociais no processo histórico de configuração destas políticas.
É importante destacar que parte-se do entendimento de que a política pública
representa uma ação do Estado pautada pela correlação de forças dos diferentes grupos que
compõem o contexto do qual esta política emerge e no qual será aplicada.
Com base na concepção marxiana, Shiroma; Moraes; Evangelista (2000, p.8)
afirmam que o Estado na sociedade moderna, constitui a expressão das contradições presentes
nas relações de produção que se instalam na sociedade civil e a partir destas contradições
orienta suas ações.
O Estado, impossibilitado de superar as contradições que são constitutivas da
sociedade – e dele próprio, portanto -, administra-as, suprimindo-as no plano formal,
mantendo-as sob controle no plano real, como um poder que, procedendo da
sociedade, coloca-se acima dela, estranhando-se cada vez mais em relação a ela. As
políticas públicas emanadas do Estado anunciam-se nessa correlação de forças, e
nesse confronto abrem-se as possibilidades para implementar sua face social, em um
equilíbrio instável de compromissos, empenhos e responsabilidades.

Sob o discurso da democracia, o Estado moderno incorpora as demandas de


diferentes grupos sociais e neste processo acaba também incorporando as contradições
presentes na disputa de interesses destes grupos. Nesta relação entre Estado e sociedade, a
definição das políticas públicas acaba sendo orientada por esta disputa, sendo que o maior ou
menor grau de influência dependerá do grau de organização destes grupos.
Entretanto, cabe destacar que a definição de uma política pública não implica apenas
na imposição dos interesses de grupos com maior influência. Ainda que estes prevaleçam, o
Estado tende a agir de forma a administrar os conflitos e para isto é preciso também ações no
sentido de diminuir as pressões de grupos opostos. Nesta perspectiva, a política pública
propõe uma ação pela qual o Estado administra os conflitos entre diferentes grupos sociais
buscando um equilíbrio formal entre suas demandas, procurando manter e reproduzir o
modelo hegemônico de sociedade.
Segundo Azevedo (2004), este é um elemento chave para compreender-se o sentido
que cada política pública assume na solução de determinado problema. Para a autora, as
políticas públicas emergem de uma necessidade, problema social ou de uma questão
socialmente problematizada.
Neste sentido, as políticas de caráter social apresentam uma importância fundamental
para o Estado capitalista, uma vez que contribuem para efetivar os mecanismos de controle
social, assegurando iniciativas e estratégias que administrem os conflitos sociais e que
garantam os interesses do capital (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2000).
12

Shiroma; Moraes; Evangelista (2000) destacam que, portanto, compreender o sentido


de uma política pública requer ir além de sua esfera específica, pois é preciso compreender o
significado do projeto social do Estado como um todo e as contradições gerais do momento
histórico em que esta política se apresenta.
Para Azevedo (2001) as políticas sociais representam a materialidade da intervenção
do Estado no projeto dominante de sociedade que se pretende implantar ou reproduzir.
Segundo a autora, por assumir esta característica, a política educacional é considerada uma
política social.
Shiroma; Moraes; Evangelista (2000, p.10) afirmam que
(...) as políticas educacionais, mesmo sob semblante muitas vezes humanitário e
benfeitor, expressam sempre as contradições supra-referidas. Não por mera
casualidade. Ao longo da história, a educação redefine seu perfil
reprodutor/inovador da sociabilidade humana. Adapta-se aos modos de formação
técnica e comportamental adequados à produção e reprodução das formas
particulares de organização do trabalho e da vida. O processo educativo forma
aptidões e comportamentos que lhes são necessários, e a escola é um dos seus loci
privilegiados.

No entanto, conforme destaca Azevedo (2004), as políticas públicas refletem não


apenas as relações de poder e os conflitos que operam na sua definição, como também a
própria representação que a sociedade apresenta de si no momento histórico em que estas
emergem.
De acordo com esta perspectiva, a análise de uma política pública, precisa ir além da
denúncia das relações entre Estado e Sociedade que orientam sua proposição articulando-a ao
projeto amplo de sociedade. Compreendendo a política pública enquanto resultado da prática
social, destaca-se a necessidade de investigar as especificidades históricas e o sistema de
significações que permeiam as relações sociais e caracterizam sua implementação em
determinado contexto.
A política educacional definida como policy– programa de ação – e, portanto, no
contexto das relações sociais que plasma as assimetrias, a exclusão e as
desigualdades que se configuram na sociedade e no nosso objeto. A questão, pois, é
ter o sábio equilíbrio: manter uma postura objetiva que dote o conhecimento
produzido de um coeficiente científico, sem abdicar de um nível analítico que
contemple as condições de possibilidade da adoção de estratégias que venham a
permitir a implementação de uma política de transformação (...) (AZEVEDO, 2004,
p. 9).

Deste modo, ao investigar determinada política educacional, percebe-se a


necessidade de uma abordagem que procure compreender a forma dialética como as
determinações globais e as especificidades locais relacionam-se na implementação da mesma.
De acordo com Azevedo (2004, p.15), as orientações externas que são incorporadas
às políticas educacionais, não o são de forma mecânica e homogênea para todas as sociedades
13

em que são aplicadas, pois passam por um processo de re-contextualização com base nas
características históricas da sociedade a que se destinam.
Os padrões definidos pelos rumos da globalização são localmente re-significados,
apesar de não perderem as marcas advindas das decisões em escala mundial. Nesse
sentido, é preciso considerar que a estruturação e implementação das políticas
educativas constituem uma arquitetura em que se fazem presentes, dentre outras
dimensões: as soluções técnico-políticas escolhidas para operacionalizar
internamente os princípios ditados pelo espaço global; o conjunto de valores que
articulam as relações sociais; o nível de prioridade que se reserva à própria
educação; as práticas de acomodação ou de resistência forjadas nas instituições que
as colocam em ação, seja nos sistemas de ensino ou nas próprias escolas. Na medida
em que as orientações globalizadas se direcionam para contextos socioculturais que
não são homogêneos, resultam em processos que buscam articular a lógica do
global, do regional e do nacional, e, no interior das sociedades, as lógicas que regem
as instituições e, em particular, os espaços, locais.

Segundo a autora, neste processo, ainda que a política educacional se apresente como
um fenômeno com características comuns a nível global, localmente reveste-se das
singularidades próprias de cada contexto. Portanto, sua apreensão requer uma análise
relacional sobre a forma como estes níveis diversos se articulam, buscando-se assim, o
entendimento das contradições específicas que resultam das determinações globais.
Ainda que se considere a política educacional como parte da totalidade de um projeto
de sociedade, podendo somente ser compreendida em relação a este, cabe também considerar
que a política educacional concretiza-se no espaço escolar, sendo que
O cotidiano escolar, portanto, representa o elo final de uma complexa cadeia que se
monta para dar concretude a uma política – a uma policy – entendida aqui como um
programa de ação. Política que, nesta forma de compreensão, diferencia-se do
significado de politicsou política-domínio (LAFER, 1975). Isto não significa
desconhecer que uma policy - o programa de ação – seja construída em função de
decisões políticas – da politics ou da política-domínio - refletindo, assim, as relações
de poder e de dominação que se estabelecem na sociedade (AZEVEDO, 2004, p.
59).

Portanto, nesta abordagem, o espaço escolar torna-se elemento fundamental para a


investigação, pois é neste campo que se concretiza as ações da política educacional
articulando de forma dialética as relações de poder e dominação que se estabelecem na
sociedade e as significações e as especificidades históricas daquela realidade.
Azevedo (2004, p.68) afirma que a investigação da política educacional a partir desta
perspectiva supera a denúncia das grandes determinações e assume importância fundamental
na compreensão das contradições que resultam da relação destas determinações com as
especificidades históricas de cada contexto.
Este é, sem dúvidas, um campo importante na construção da vida cotidiana e pouco
explorado nos estudos próprios da área. Desvendá-lo, portanto, pode ser um modo
de se ir bem mais adiante dos desvelamentos que se voltam para as chamadas
“grandes determinações” e que pouco têm acrescentado em termos de respostas mais
concretas para o surgimento de um padrão mais igualitário para a política
14

educacional. Tais considerações ganham importância, sobretudo, quando se tem por


parâmetro a fase atual por que passam as sociedades, onde os rumos do
desenvolvimento vêm se apoiando na disseminação e (re-)construção de novos
sistemas valorativos, para que se mantenha a mesma ordem injusta e desigual. Neste
contexto, não se pode esquecer que se tratam de processos em que a educação, as
políticas e as (re)formas concernentes, estão sendo avocadas como elemento
fundamental (AZEVEDO, 2004).

Conforme se observa, trata-se de uma proposta não apenas de abordagem


metodológica para as pesquisas sobre políticas educacionais, mas de uma perspectiva que
vislumbra outro sentido para as pesquisas da área, avançando os limites da denúncia.

Considerações finais
Como resultados parciais desta etapa do estudo bibliográfico, se observa a
necessidade de uma abordagem da política educacional que contemple não apenas suas
dimensões macro ou microssociais mas, sobretudo, que apreenda o movimento histórico pelo
qual estas dimensões se articulam na definição e implementação de determinada política.
Neste sentido, percebe-se a importância de, partindo das contradições materiais
presentes no momento em que esta política é proposta, resgatar o movimento histórico pelo
qual esta se configurou. Desta forma, percebe-se ainda, que o desafio colocado à investigação
das políticas educacionais, vai além da análise das concepções e propostas apresentadas em
seus programas. Apreender suas contradições, requer também uma investigação sobre as
relações concretas pelas quais são implementadas e re-significadas em determinado contexto.
É importante que a investigação da política educacional avance para além da
evidência dos grandes imperativos globais e das limitações que estes colocam às práticas
comprometidas com a transformação da sociedade. É importante que estas pesquisas
possibilitem compreender a relação dialética em que as diversas dimensões da realidade
investigada atuam na configuração da política educacional. A partir deste entendimento, na
sequência desta pesquisa observou-se a necessidade de um estudo de campo que investigue as
contradições concretas que permeiam a implementação da Educação Integral proposta pelo
Programa Mais Educação.
Conforme é possível observar, nesta perspectiva exige-se do investigador mais do
que a ação de constatar as relações de fundo que implicam na configuração da política
educacional, mas sim apreender de forma dialética o movimento histórico - global e local -
pelo qual suas propostas reproduzem-se e/ou modificam-se. Neste sentido, tem-se a
possibilidade de ir além da denúncia, percebendo-se que as práticas sociais por não serem
15

estanques, podem apontar os caminhos que vislumbrem formas de resistência e construção do


novo.

Referências

AZEVEDO, J. L. de. A educação como política pública. 3ª Ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004.

FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 4 ed. São Paulo: Moraes, 1980.

FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa


educacional. In: FAZENDA, Ivani (org.). Metodologia da pesquisa educacional. SP, Cortez,
2000. p. 71-90.

KRAWCZYK, Nora. A sustentabilidade da reforma educacional em questão: a posição


dos organismos internacionais. Revista Brasileira de Educação, nº 19, jan / fev / mar / abr.
2002

KRAWCZYK, Nora; ROSAR, Maria de Fátima. Diferenças de homogeneidade: elementos


para o estudo da política educacional na América Latina. Dossiê Políticas Educacionais.
Educação e Sociedade, Campinas, CEDES, ano XXI, nº 75, agosto, 2001

LEHER, Roberto. Programa de Aceleração do crescimento a heteronomia cultural.


Revista de Políticas Públicas, v. 1, p. 9-102, 2007.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930/ 1973). 22ªed.


Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999.

SAVIANI, Demerval. O plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do


MEC. Educação e Sociedade. Campinas, vol.28, n. 100- Especial, p. 1231-1255, out. 2007.

SARDAGNA, Helena Venites. Educação Para Todos: uma política do mundo global.
Revista Liberato, Novo Hamburgo, v. 2, p. 7-13, 2006.

SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia M. de; EVANGELISTA, Olinda. Política
Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

XAVIER, RIBEIRO, NORONHA. História da Educação: a escola no Brasil. São Paulo,


SP: FTD. 1994.
16
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

MOACIR GADOTTI
Professor da Universidade de São Paulo e Diretor do Instituto Paulo Freire.
Autor, dentre outras obras, de Perspectivas atuais da educação.

Resumo: O conhecimento tem presença garantida em qualquer projeção que se faça do futuro. Por isso há um
consenso de que o desenvolvimento de um país está condicionado à qualidade da sua educação. Nesse contex-
to, as perspectivas para a educação são otimistas. A pergunta que se faz é: qual educação, qual escola, qual
aluno, qual professor? Este artigo busca compreender a educação no contexto da globalização e da era da
informação, tira conseqüências desse processo e aponta o que poderá permanecer da "velha" educação, indi-
cando algumas categorias fundantes da educação do futuro.
Palavras-chave: política educacional; globalização e ensino; educação e sociedade.

as últimas duas décadas do século XX assistiu- rida entre a educação e a catástrofe”. A julgar pelas duas

N se a grandes mudanças tanto no campo socio-


econômico e político quanto no da cultura, da
ciência e da tecnologia. Ocorreram grandes movimentos
grandes guerras que marcaram a “História da Humanida-
de”, na primeira metade do século XX, a catástrofe ven-
ceu. No início dos anos 50, dizia-se que só havia uma al-
sociais, como aqueles no leste europeu, no final dos anos ternativa: “socialismo ou barbárie” (Cornelius Castoriadis),
80, culminando com a queda do Muro de Berlim. Ainda mas chegou-se ao final do século com a derrocada do so-
não se tem idéia clara do que deverá representar, para todos cialismo burocrático de tipo soviético e enfraquecimento
nós, a globalização capitalista da economia, das comuni- da ética socialista. E mais: pela primeira vez na história
cações e da cultura. As transformações tecnológicas tor- da humanidade, não por efeito de armas nucleares, mas
naram possível o surgimento da era da informação. pelo descontrole da produção industrial, pode-se destruir
É um tempo de expectativas, de perplexidade e da cri- toda a vida do planeta. Mais do que a solidariedade, esta-
se de concepções e paradigmas não apenas porque inicia- mos vendo crescer a competitividade. Venceu a barbárie,
se um novo milênio – época de balanço e de reflexão, época de novo? Qual o papel da educação neste novo contexto
em que o imaginário parece ter um peso maior. O ano 2000 político? Qual é o papel da educação na era da informa-
exerceu um fascínio muito grande em muitas pessoas. Paulo ção? Que perspectivas podemos apontar para a educação
Freire dizia que queria chegar ao ano 2000 (acabou fale- nesse início do Terceiro Milênio? Para onde vamos?
cendo três anos antes). É um momento novo e rico de pos- Para iniciar, verifica-se o significado da palavra “pers-
sibilidades. Por isso, não se pode falar do futuro da edu- pectiva”. A palavra “perspectiva” vem do latim tardio
cação sem certa dose de cautela. É com essa cautela que “perspectivus”, que deriva de dois verbos: perspecto, que
serão examinadas, neste artigo, algumas das perspectivas significa “olhar até o fim, examinar atentamente”; e
atuais da teoria e da prática da educação, apoiando-se perspicio, que significa “olhar através, ver bem, olhar aten-
naqueles educadores e filósofos que tentaram, em meio a tamente, examinar com cuidado, reconhecer claramente”
essa perplexidade, apesar de tudo, apontar algum cami- (Dicionário Escolar Latino-Português, de Ernesto Faria).
nho para o futuro. A perplexidade e a crise de paradigmas A palavra “perspectiva” é rica de significações. Segundo
não podem se constituir num álibi para o imobilismo. o Dicionário de filosofia, do filósofo italiano Nicola
No início deste século, H. G. Wells dizia que “a Histó- Abbagnano, perspectiva seria “uma antecipação qualquer
ria da Humanidade é cada vez mais a disputa de uma cor- do futuro: projeto, esperança, ideal, ilusão, utopia. O ter-

3
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000

mo exprime o mesmo conceito de possibilidade mas de da educação atual, podem ser destacados alguns marcos,
um ponto de vista mais genérico e que menos compro- algumas pegadas, que persistem e poderão persistir na
mete, dado que podem aparecer como perspectivas coi- educação do futuro.
sas que não têm suficiente consistência para serem possi-
bilidades autênticas”. Para o Dicionário Aurélio, muito Educação Tradicional
conhecido entre nós, brasileiros, perspectiva é a “arte de
representar os objetos sobre um plano tais como se apre- Enraizada na sociedade de classes escravista da Idade
sentam à vista; pintura que representa paisagens e edifí- Antiga, destinada a uma pequena minoria, a educação tra-
cios a distância; aspecto dos objetos vistos de uma certa dicional iniciou seu declínio já no movimento renascentista,
distância; panorama; aparência, aspecto; aspecto sob o mas ela sobrevive até hoje, apesar da extensão média da
qual uma coisa se apresenta, ponto de vista; expectativa, escolaridade trazida pela educação burguesa. A educação
esperança”. Perspectiva significa ao mesmo tempo nova, que surge de forma mais clara a partir da obra de
enfoque, quando se fala, por exemplo, em perspectiva Rousseau, desenvolveu-se nesses últimos dois séculos e
política, e possibilidade, crença em acontecimentos con- trouxe consigo numerosas conquistas, sobretudo no cam-
siderados prováveis e bons. Falar em perspectivas é falar po das ciências da educação e das metodologias de ensi-
de esperança no futuro. no. O conceito de “aprender fazendo” de John Dewey e as
Hoje muitos educadores, perplexos diante das rápidas técnicas Freinet, por exemplo, são aquisições definitivas
mudanças na sociedade, na tecnologia e na economia, na história da pedagogia. Tanto a concepção tradicional
perguntam-se sobre o futuro de sua profissão, alguns com de educação quanto a nova, amplamente consolidadas,
medo de perdê-la sem saber o que devem fazer. Então, terão um lugar garantido na educação do futuro.
aparecem, no pensamento educacional, todas as palavras A educação tradicional e a nova têm em comum a con-
citadas por Abbagnano e Aurélio: “projeto” político-pe- cepção da educação como processo de desenvolvimento
dagógico, pedagogia da “esperança”, “ideal” pedagógi- individual. Todavia, o traço mais original da educação
co, “ilusão” e “utopia” pedagógica, o futuro como “pos- desse século é o deslocamento de enfoque do individual
sibilidade”. Fala-se muito hoje em “cenários” possíveis para o social, para o político e para o ideológico. A peda-
para a educação, portanto, em “panoramas”, representa- gogia institucional é um exemplo disso. A experiência
ção de “paisagens”. Para se desenhar uma perspectiva é de mais de meio século de educação nos países socialis-
preciso “distanciamento”. É sempre um “ponto de vista”. tas também o testemunha. A educação, no século XX,
Todas essas palavras entre aspas indicam uma certa dire- tornou-se permanente e social. É verdade, existem ainda
ção ou, pelo menos, um horizonte em direção ao qual se muitos desníveis entre regiões e países, entre o Norte e o
caminha ou se pode caminhar. Elas designam “expectati- Sul, entre países periféricos e hegemônicos, entre países
vas” e anseios que podem ser captados, capturados, siste- globalizadores e globalizados. Entretanto, há idéias uni-
matizados e colocados em evidência. versalmente difundidas, entre elas a de que não há idade
para se educar, de que a educação se estende pela vida e
UM PASSADO SEMPRE PRESENTE que ela não é neutra.

A virada do milênio é razão oportuna para um balanço Educação Internacionalizada


sobre práticas e teorias que atravessaram os tempos. Fa-
lar de “perspectivas atuais da educação” é também falar, No início da segunda metade deste século, educadores
discutir, identificar o “espírito” presente no campo das idéias, e políticos imaginaram uma educação internacionaliza-
dos valores e das práticas educacionais que as perpassa, da, confiada a uma grande organização, a Unesco. Os paí-
marcando o passado, caracterizando o presente e abrindo ses altamente desenvolvidos já haviam universalizado o en-
possibilidades para o futuro. Algumas perspectivas teóri- sino fundamental e eliminado o analfabetismo. Os sistemas
cas que orientaram muitas práticas poderão desaparecer, nacionais de educação trouxeram um grande impulso,
e outras permanecerão em sua essência. Quais teorias e desde o século passado, possibilitando numerosos planos
práticas fixaram-se no ethos educacional, criaram raízes, de educação, que diminuíram custos e elevaram os bene-
atravessaram o milênio e estão presentes hoje? Para en- fícios. A tese de uma educação internacional já existia
tender o futuro é preciso revisitar o passado. No cenário deste 1899, quando foi fundado, em Bruxelas, o Bureau In-

4
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

ternacional de Novas Escolas, por iniciativa do educador nos debates educacionais. Nesta perspectiva, pode-se in-
Adolphe Ferrière. Como resultado, tem-se hoje uma gran- cluir as reflexões de Edgar Morin, que critica a razão
de uniformidade nos sistemas de ensino. Pode-se dizer que produtivista e a racionalização modernas, propondo uma
hoje todos os sistemas educacionais contam com uma estru- lógica do vivente. Esses paradigmas sustentam um prin-
tura básica muito parecida. No final do século XX, o fenô- cípio unificador do saber, do conhecimento, em torno do
meno da globalização deu novo impulso à idéia de uma edu- ser humano, valorizando o seu cotidiano, o seu vivido, o
cação igual para todos, agora não como princípio de justiça pessoal, a singularidade, o entorno, o acaso e outras cate-
social, mas apenas como parâmetro curricular comum. gorias como: decisão, projeto, ruído, ambigüidade,
finitude, escolha, síntese, vínculo e totalidade.
Novas Tecnologias Essas seriam algumas das categorias dos paradigmas
chamados holonômicos. Etimologicamente, holos, em gre-
As conseqüências da evolução das novas tecnologias, go, significa todo e os novos paradigmas procuram centrar-
centradas na comunicação de massa, na difusão do co- se na totalidade. Mais do que a ideologia, seria a utopia
nhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente no que teria essa força para resgatar a totalidade do real, tota-
ensino – como previra McLuhan já em 1969 –, pelo me- lidade perdida. Para os defensores desses novos para-
nos na maioria das nações, mas a aprendizagem a distân- digmas, os paradigmas clássicos – identificados no
cia, sobretudo a baseada na Internet, parece ser a grande positivismo e no marxismo – seriam marcados pela ideo-
novidade educacional neste início de novo milênio. A edu- logia e lidariam com categorias redutoras da totalidade.
cação opera com a linguagem escrita e a nossa cultura Ao contrário, os paradigmas holonômicos pretendem res-
atual dominante vive impregnada por uma nova lingua- taurar a totalidade do sujeito, valorizando a sua iniciativa
gem, a da televisão e a da informática, particularmente a e a sua criatividade, valorizando o micro, a complementa-
linguagem da Internet. A cultura do papel representa tal- ridade, a convergência e a complexidade. Para eles, os
vez o maior obstáculo ao uso intensivo da Internet, em paradigmas clássicos sustentam o sonho milenarista de uma
particular da educação a distância com base na Internet. sociedade plena, sem arestas, em que nada perturbaria um
Por isso, os jovens que ainda não internalizaram inteira- consenso sem fricções. Ao aceitar como fundamento da
mente essa cultura adaptam-se com mais facilidade do que educação uma antropologia que concebe o homem como
os adultos ao uso do computador. Eles já estão nascendo um ser essencialmente contraditorial, os paradigmas
com essa nova cultura, a cultura digital. holonômicos pretendem manter, sem pretender superar,
Os sistemas educacionais ainda não conseguiram ava- todos os elementos da complexidade da vida.
liar suficientemente o impacto da comunicação audio- Os holistas sustentam que o imaginário e a utopia são
visual e da informática, seja para informar, seja para bi- os grandes fatores instituintes da sociedade e recusam uma
tolar ou controlar as mentes. Ainda trabalha-se muito com ordem que aniquila o desejo, a paixão, o olhar e a escuta.
recursos tradicionais que não têm apelo para as crianças Os enfoques clássicos, segundo eles, banalizam essas di-
e jovens. Os que defendem a informatização da educação mensões da vida porque sobrevalorizam o macro-estru-
sustentam que é preciso mudar profundamente os méto- tural, o sistema, em que tudo é função ou efeito das supe-
dos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe restruturas socioeconômicas ou epistêmicas, lingüísticas
é peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvol- e psíquicas. Para os novos paradigmas, a história é
ver a memória. Para ele, a função da escola será, cada essencialmente possibilidade, em que o que vale é o ima-
vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso é ginário (Gilbert Durand, Cornelius Castoriadis), o proje-
preciso dominar mais metodologias e linguagens, inclu- to. Existem tantos mundos quanto nossa capacidade de
sive a linguagem eletrônica. imaginar. Para eles, “a imaginação está no poder”, como
queriam os estudantes em maio de 1968.
Paradigmas Holonômicos Na verdade, essas categorias não são novas na teoria da
educação, mas hoje são lidas e analisadas com mais simpa-
Entre as novas teorias surgidas nesses últimos anos, tia do que no passado. Sob diversas formas e com diferentes
despertaram interesse dos educadores os chamados significados, essas categorias são encontradas em muitos in-
paradigmas holonômicos, ainda pouco consistentes. Com- telectuais, filósofos e educadores, de ontem e de hoje: o “sen-
plexidade e holismo são palavras cada vez mais ouvidas tido do outro”, a “curiosidade” (Paulo Freire), a “tolerân-

5
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000

cia” (Karl Jaspers), a “estrutura de acolhida” (Paul Ricoeur), temunha o Fórum Paulo Freire, que se realiza de dois em
o “diálogo” (Martin Buber), a “autogestão” (Celestin Freinet, dois anos, reunindo educadores de muitos países.
Michel Lobrot), a “desordem” (Edgar Morin), a “ação co- As práticas de educação popular também constituem-
municativa”, o “mundo vivido” (Jürgen Habermas), a se em mecanismos de democratização, em que se refletem
“radicalidade” (Agnes Heller), a “empatia” (Carl Rogers), a os valores de solidariedade e de reciprocidade e novas
“questão de gênero” (Moema Viezzer, Nelly Stromquist), o formas alternativas de produção e de consumo, sobretu-
“cuidado” (Leonardo Boff), a “esperança” (Ernest Bloch), a do as práticas de educação popular comunitária, muitas
“alegria” (Georges Snyders), a unidade do homem contra as delas voluntárias. O Terceiro Setor está crescendo não
“unidimensionalizações” (Herbert Marcuse), etc. apenas como alternativa entre o Estado burocrático e o
Evidentemente, nem todos esses autores aceitariam mercado insolidário, mas também como espaço de novas
enquadrar-se nos paradigmas holonômicos. Todas as clas- vivências sociais e políticas hoje consolidadas com as
sificações e tipologias, no campo das idéias, são necessa- organizações não-governamentais (ONGs) e as organiza-
riamente reducionistas. Não se pode negar as divergên- ções de base comunitária (OBCs). Este está sendo hoje o
cias existentes entre eles. Contudo, as categorias apontadas campo mais fértil da educação popular.
anteriormente indicam uma certa tendência, ou melhor, Diante desse quadro, a educação popular, como mo-
uma perspectiva da educação. Os que sustentam os pa- delo teórico reconceituado, tem oferecido grandes alter-
radigmas holonômicos procuram buscar na unidade dos nativas. Dentre elas, está a reforma dos sistemas de
contrários e na cultura contemporânea um sinal dos tem- escolarização pública. A vinculação da educação popu-
pos, uma direção do futuro, que eles chamam de pedago- lar com o poder local e a economia popular abre, tam-
gia da unidade. bém, novas e inéditas possibilidades para a prática da edu-
cação. O modelo teórico da educação popular, elaborado
Educação Popular na reflexão sobre a prática da educação durante várias dé-
cadas, tornou-se, sem dúvida, uma das grandes contri-
O paradigma da educação popular, inspirado original- buições da América Latina à teoria e à prática educativa
mente no trabalho de Paulo Freire nos anos 60, encontra- em âmbito internacional. A noção de aprender a partir do
va na conscientização sua categoria fundamental. A prá- conhecimento do sujeito, a noção de ensinar a partir de
tica e a reflexão sobre a prática levaram a incorporar outra palavras e temas geradores, a educação como ato de
categoria não menos importante: a da organização. Afi- conhecimento e de transformação social e a politicidade
nal, não basta estar consciente, é preciso organizar-se para da educação são apenas alguns dos legados da educação
poder transformar. Nos últimos anos, os educadores que popular à pedagogia crítica universal.
permaneceram fiéis aos princípios da educação popular
atuaram principalmente em duas direções: na educação Universalização da Educação Básica e
pública popular – no espaço conquistado no interior do Novas Matrizes Teóricas
Estado –; e na educação popular comunitária e na edu-
cação ambiental ou sustentável, predominantemente não- Neste começo de um novo milênio, a educação apresen-
governamentais. Durante os regimes autoritários da Amé- ta-se numa dupla encruzilhada: de um lado, o desempenho
rica Latina, a educação popular manteve sua unidade, do sistema escolar não tem dado conta da universalização
combatendo as ditaduras e apresentando projetos “alter- da educação básica de qualidade; de outro, as novas matri-
nativos”. Com as conquistas democráticas, ocorreu com zes teóricas não apresentam ainda a consistência global ne-
a educação popular uma grande fragmentação em dois sen- cessária para indicar caminhos realmente seguros numa época
tidos: de um lado ela ganhou uma nova vitalidade no in- de profundas e rápidas transformações. Essa é uma das preo-
terior do Estado, diluindo-se em suas políticas públicas; cupações do Instituto Paulo Freire, buscando, a partir do le-
e, de outro, continuou como educação não-formal, dis- gado de Paulo Freire, consolidar o seu “Projeto da Escola
persando-se em milhares de pequenas experiências. Per- Cidadã”, como resposta à crise de paradigmas. A concep-
deu em unidade, ganhou em diversidade e conseguiu atra- ção teórica e as práticas desenvolvidas a partir do conceito
vessar numerosas fronteiras. Hoje ela incorporou-se ao de Escola Cidadã podem constituir-se numa alternativa vi-
pensamento pedagógico universal e orienta a atuação de ável, de um lado, ao projeto neoliberal de educação, ampla-
muitos educadores espalhados pelo mundo, como o tes- mente hegemônico, baseado na ética do mercado, e, de ou-

6
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

tro lado, à teoria e à prática de uma educação burocrática, uma área ou especialidade para se tornar uma dimensão
sustentada na “estadolatria” (Antonio Gramsci). É uma es- de tudo, transformando profundamente a forma como a
cola que busca fortalecer autonomamente o seu projeto po- sociedade se organiza. Pode-se dizer que está em anda-
lítico-pedagógico, relacionando-se dialeticamente – não mento uma Revolução da Informação, como ocorreram no
mecânica e subordinadamente – com o mercado, o Estado e passado a Revolução Agrícola e a Revolução Industrial.
a sociedade. Ela visa formar o cidadão para controlar o mer- Ladislau Dowbor (1998), após descrever as facilidades
cado e o Estado, sendo, ao mesmo tempo, pública quanto ao que as novas tecnologias oferecem ao professor, se pergun-
seu destino – isto é, para todos – estatal quanto ao financia- ta: o que eu tenho a ver com tudo isso, se na minha escola
mento e democrática e comunitária quanto à sua gestão. não tem nem biblioteca e com o meu salário eu não posso
Seja qual for a perspectiva que a educação contempo- comprar um computador? Ele mesmo responde que será pre-
rânea tomar, uma educação voltada para o futuro será ciso trabalhar em dois tempos: o tempo do passado e o tem-
sempre uma educação contestadora, superadora dos limi- po do futuro. Fazer tudo hoje para superar as condições do
tes impostos pelo Estado e pelo mercado, portanto, uma atraso e, ao mesmo tempo, criar as condições para aprovei-
educação muito mais voltada para a transformação so- tar amanhã as possibilidades das novas tecnologias.
cial do que para a transmissão cultural. Por isso, acredi- As novas tecnologias criaram novos espaços do conhe-
ta-se que a pedagogia da práxis, como uma pedagogia cimento. Agora, além da escola, também a empresa, o es-
transformadora, em suas várias manifestações, pode ofe- paço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos.
recer um referencial geral mais seguro do que as pedago- Cada dia mais pessoas estudam em casa, pois podem, de
gias centradas na transmissão cultural, neste momento de casa, acessar o ciberespaço da formação e da aprendiza-
perplexidade. gem a distância, buscar “fora” – a informação disponível
nas redes de computadores interligados – serviços que res-
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO pondem às suas demandas de conhecimento. Por outro lado,
a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas,
Costuma-se definir nossa era como a era do conheci- etc.) está se fortalecendo não apenas como espaço de tra-
mento. Se for pela importância dada hoje ao conhecimento, balho, em muitos casos, voluntário, mas também como
em todos os setores, pode-se dizer que se vive mesmo na espaço de difusão de conhecimentos e de formação conti-
era do conhecimento, na sociedade do conhecimento, so- nuada. É um espaço potencializado pelas novas tecnolo-
bretudo em conseqüência da informatização e do proces- gias, inovando constantemente nas metodologias. Novas
so de globalização das telecomunicações a ela associa- oportunidades parecem abrir-se para os educadores. Es-
do. Pode ser que, de fato, já se tenha ingressado na era do ses espaços de formação têm tudo para permitir maior
conhecimento, mesmo admitindo que grandes massas da democratização da informação e do conhecimento, por-
população estejam excluídas dele. Todavia, o que se cons- tanto, menos distorção e menos manipulação, menos con-
tata é a predominância da difusão de dados e informa- trole e mais liberdade. É uma questão de tempo, de políti-
ções e não de conhecimentos. Isso está sendo possível cas públicas adequadas e de iniciativa da sociedade. A
graças às novas tecnologias que estocam o conhecimen- tecnologia não basta. É preciso a participação mais inten-
to, de forma prática e acessível, em gigantescos volumes sa e organizada da sociedade. O acesso à informação não
de informações, que são armazenadas inteligentemente, é apenas um direito. É um direito fundamental, um direito
permitindo a pesquisa e o acesso de maneira muito sim- primário, o primeiro de todos os direitos, pois sem ele não
ples, amigável e flexível. É o que já acontece com a se tem acesso aos outros direitos.
Internet: para ser “usuário”, basta dispor de uma linha Na formação continuada necessita-se de maior inte-
telefônica e um computador. “Usuário” não significa aqui gração entre os espaços sociais (domiciliar, escolar, em-
apenas receptor de informações, mas também emissor de presarial, etc.), visando equipar o aluno para viver me-
informações. Pela Internet, a partir de qualquer sala de lhor na sociedade do conhecimento. Como previa Herbert
aula do planeta, pode-se acessar inúmeras bibliotecas em McLuhan, o planeta tornou-se a nossa sala de aula e o
muitas partes do mundo. As novas tecnologias permitem nosso endereço. O ciberespaço não está em lugar nenhum,
acessar conhecimentos transmitidos não apenas por pala- pois está em todo o lugar o tempo todo. Estar num lugar
vras, mas também por imagens, sons, fotos, vídeos (hiper- significaria estar determinado pelo tempo (hoje, ontem,
mídia), etc. Nos últimos anos, a informação deixou de ser amanhã). No ciberespaço, a informação está sempre e per-

7
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000

manentemente presente e em renovação constante. O entar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na busca
ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a de uma informação que os faça crescer e não embrutecer.
aprendizagem. Não há tempo e espaço próprios para a Hoje vale tudo para aprender. Isso vai além da “reci-
aprendizagem. Como ele está todo o tempo em todo lu- clagem” e da atualização de conhecimentos e muito mais
gar, o espaço da aprendizagem é aqui – em qualquer lugar – além da “assimilação” de conhecimentos. A sociedade do
e o tempo de aprender é hoje e sempre. A sociedade do co- conhecimento possui múltiplas oportunidades de apren-
nhecimento se traduz por redes, “teias” (Ivan Illich), “árvo- dizagem: parcerias entre o público e o privado (família,
res do conhecimento” (Humberto Maturana), sem hierarqui- empresa, associações, etc.); avaliações permanentes; de-
as, em unidades dinâmicas e criativas, favorecendo a bate público; autonomia da escola; generalização da ino-
conectividade, o intercâmbio, consultas entre instituições e vação. As conseqüências para a escola e para a educação
pessoas, articulação, contatos e vínculos, interatividade. A em geral são enormes: ensinar a pensar; saber comuni-
conectividade é a principal característica da Internet. car-se; saber pesquisar; ter raciocínio lógico; fazer sínte-
O conhecimento é o grande capital da humanidade. Não ses e elaborações teóricas; saber organizar o seu próprio
é apenas o capital da transnacional que precisa dele para trabalho; ter disciplina para o trabalho; ser independente
a inovação tecnológica. Ele é básico para a sobrevivên- e autônomo; saber articular o conhecimento com a práti-
cia de todos e, por isso, não deve ser vendido ou compra- ca; ser aprendiz autônomo e a distância.
do, mas sim disponibilizado a todos. Esta é a função de Neste contexto de impregnação do conhecimento, cabe
instituições que se dedicam ao conhecimento apoiado nos à escola: amar o conhecimento como espaço de realiza-
avanços tecnológicos. Espera-se que a educação do futu- ção humana, de alegria e de contentamento cultural; se-
ro seja mais democrática, menos excludente. Essa é ao lecionar e rever criticamente a informação; formular hi-
mesmo tempo nossa causa e nosso desafio. Infelizmente, póteses; ser criativa e inventiva (inovar); ser provocadora
diante da falta de políticas públicas no setor, acabaram de mensagens e não pura receptora; produzir, construir e
surgindo “indústrias do conhecimento”, prejudicando uma reconstruir conhecimento elaborado. E mais: numa pers-
possível visão humanista, tornando-o instrumento de lu- pectiva emancipadora da educação, a escola tem que fa-
cro e de poder econômico. zer tudo isso em favor dos excluídos, não discriminando
A educação, em particular a educação a distância, é o pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode cons-
um bem coletivo e, por isso, não deve ser regulada pelo truir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder.
jogo do mercado, nem pelos interesses políticos ou pelo Numa perspectiva emancipadora da educação, a tecnologia
furor legiferante de regulamentar, credenciar, autorizar, contribui muito pouco para a emancipação dos excluídos
reconhecer, avaliar, etc. de muitos tecnoburocratas. Quem se não for associada ao exercício da cidadania.
deve decidir sobre a qualidade dos seus certificados não Como diz Ladislau Dowbor (1998:259), a escola dei-
é nem o Estado e nem o mercado, mas sim a sociedade e xará de ser “lecionadora” para ser “gestora do conhecimen-
o sujeito aprendente. Na era da informação generalizada, to”. Segundo o autor, “pela primeira vez a educação tem a
existirá ainda necessidade de diplomas? possibilidade de ser determinante sobre o desenvolvimen-
O que cabe à escola na sociedade informacional? Cabe to”. A educação tornou-se estratégica para o desenvolvi-
a ela organizar um movimento global de renovação cul- mento, mas, para isso, não basta “modernizá-la”, como
tural, aproveitando-se de toda essa riqueza de informa- querem alguns. Será preciso transformá-la profundamente.
ções. Hoje é a empresa que está assumindo esse papel ino- A escola precisa ter projeto, precisa de dados, precisa
vador. A escola não pode ficar a reboque das inovações fazer sua própria inovação, planejar-se a médio e a longo
tecnológicas. Ela precisa ser um centro de inovação. Te- prazos, fazer sua própria reestruturação curricular, ela-
mos uma tradição de dar pouca importância à educação borar seus parâmetros curriculares, enfim, ser cidadã. As
tecnológica, a qual deveria começar já na educação infantil. mudanças que vêm de dentro das escolas são mais dura-
Na sociedade da informação, a escola deve servir de douras. Da sua capacidade de inovar, registrar, sistemati-
bússola para navegar nesse mar do conhecimento, supe- zar a sua prática/experiência, dependerá o seu futuro. Nes-
rando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis” se contexto, o educador é um mediador do conhecimento,
para a competitividade, para obter resultados. Deve ofe- diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação.
recer uma formação geral na direção de uma educação Ele precisa construir conhecimento a partir do que faz e,
integral. O que significa servir de bússola? Significa ori- para isso, também precisa ser curioso, buscar sentido para

8
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

o que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dos longo de toda a vida (Lifelong Learning) fundada em
seus alunos. quatro pilares que são ao mesmo tempo pilares do co-
Em geral, temos a tendência de desvalorizar o que fa- nhecimento e da formação continuada. Esses pilares po-
zemos na escola e de buscar receitas fora dela quando é dem ser tomados também como bússola para nos orientar
ela mesma que deveria governar-se. É dever dela ser ci- rumo ao futuro da educação.
dadã e desenvolver na sociedade a capacidade de gover-
nar e controlar o desenvolvimento econômico e o merca- Aprender a conhecer – Prazer de compreender, desco-
do. A cidadania precisa controlar o Estado e o mercado, brir, construir e reconstruir o conhecimento, curiosidade,
verdadeira alternativa ao capitalismo neoliberal e ao so- autonomia, atenção. Inútil tentar conhecer tudo. Isso su-
cialismo burocrático e autoritário. A escola precisa dar o põe uma cultura geral, o que não prejudica o domínio de
exemplo, ousar construir o futuro. Inovar é mais impor- certos assuntos especializados. Aprender a conhecer é mais
tante do que reproduzir com qualidade o que existe. A do que aprender a aprender. Aprender mais linguagens e
matéria-prima da escola é sua visão do futuro. metodologias do que conteúdos, pois estes envelhecem
A escola está desafiada a mudar a lógica da constru- rapidamente. Não basta aprender a conhecer. É preciso
ção do conhecimento, pois a aprendizagem agora ocupa aprender a pensar, a pensar a realidade e não apenas “pen-
toda a nossa vida. E porque passamos todo o tempo de sar pensamentos”, pensar o já dito, o já feito, reproduzir
nossas vidas na escola – não só nós, professores – deve- o pensamento. É preciso pensar também o novo, reinventar
mos ser felizes nela. A felicidade na escola não é uma o pensar, pensar e reinventar o futuro.
questão de opção metodológica ou ideológica, mas sim
uma obrigação essencial dela. Como diz Georges Snyders Aprender a fazer – É indissociável do aprender a conhe-
(1998) no livro A alegria na escola, precisamos de uma cer. A substituição de certas atividades humanas por má-
nova “cultura da satisfação”, precisamos da “alegria cul- quinas acentuou o caráter cognitivo do fazer. O fazer dei-
tural”. O mundo de hoje é “favorável à satisfação” e a xou de ser puramente instrumental. Nesse sentido, vale
escola também pode sê-lo. mais hoje a competência pessoal que torna a pessoa apta
O que é ser professor hoje? Ser professor hoje é vi- a enfrentar novas situações de emprego, mas apta a tra-
ver intensamente o seu tempo, conviver; é ter consciên- balhar em equipe, do que a pura qualificação profissio-
cia e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro nal. Hoje, o importante na formação do trabalhador, tam-
para a humanidade sem educadores, assim como não bém do trabalhador em educação, é saber trabalhar
se pode pensar num futuro sem poetas e filósofos. Os coletivamente, ter iniciativa, gostar do risco, ter intuição,
educadores, numa visão emancipadora, não só trans- saber comunicar-se, saber resolver conflitos, ter estabili-
formam a informação em conhecimento e em consci- dade emocional. Essas são, acima de tudo, qualidades
ência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos humanas que se manifestam nas relações interpessoais
falsos pregadores da palavra, dos marketeiros, eles são mantidas no trabalho. A flexibilidade é essencial. Existem
os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de hoje perto de 11 mil funções na sociedade contra aproxima-
que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber (não damente 60 profissões oferecidas pelas universidades. Como
o dado, a informação e o puro conhecimento), porque as profissões evoluem muito rapidamente, não basta prepa-
constróem sentido para a vida das pessoas e para a rar-se profissionalmente para um trabalho.
humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo,
mas produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles Aprender a viver juntos – a viver com os outros. Compre-
são imprescindíveis. ender o outro, desenvolver a percepção da interdependência,
da não-violência, administrar conflitos. Descobrir o outro,
PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO FUTURO participar em projetos comuns. Ter prazer no esforço co-
mum. Participar de projetos de cooperação. Essa é a tendên-
Jacques Delors (1998), coordenador do “Relatório para cia. No Brasil, como exemplo desta tendência, pode-se citar
a Unesco da Comissão Internacional Sobre Educação para a inclusão de temas/eixos transversais (ética, ecologia, cida-
o Século XXI”, no livro Educação: um tesouro a desco- dania, saúde, diversidade cultural) nos Parâmetros Curricu-
brir, aponta como principal conseqüência da sociedade lares Nacionais, que exigem equipes interdisciplinares e tra-
do conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao balho em projetos comuns.

9
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000

Aprender a ser – Desenvolvimento integral da pessoa: única nação?” Que conseqüências podemos tirar para alu-
inteligência, sensibilidade, sentido ético e estético, res- nos, professores e currículos?
ponsabilidade pessoal, espiritualidade, pensamento autô-
nomo e crítico, imaginação, criatividade, iniciativa. Para Sustentabilidade – O tema da sustentabilidade originou-se
isso não se deve negligenciar nenhuma das potencialidades na economia (“desenvolvimento sustentável”) e na ecolo-
de cada indivíduo. A aprendizagem não pode ser apenas gia, para se inserir definitivamente no campo da educação,
lógico-matemática e lingüística. Precisa ser integral. sintetizada no lema “uma educação sustentável para a so-
Iniciou-se este texto procurando situar o que significa brevivência do planeta”. O que seria uma cultura da susten-
“perspectiva”. Sem pretender fazer qualquer exercício de tabilidade? Esse tema deverá dominar muitos debates edu-
futurologia e muito mais no sentido de estabelecer pontos cativos das próximas décadas. O que estamos estudando nas
para o debate, serão apontados aqui algumas categorias em escolas? Não estaremos construindo uma ciência e uma cul-
torno da educação do futuro, que indicam o surgimento de tura que servem para a degradação/deterioração do planeta?
temas com importantes conseqüências para a educação.
As categorias “contradição”, “determinação”, “repro- Virtualidade – Esse tema implica toda a discussão atual
dução”, “mudança”, “trabalho”, “práxis”, “necessidade”, sobre a educação a distância e o uso dos computadores
“possibilidade” aparecem freqüentemente na literatura nas escolas (Internet). A informática, associada à telefo-
pedagógica contemporânea, sinalizando já uma perspec- nia, nos inseriu definitivamente na era da informação.
tiva da educação, a perspectiva da pedagogia da práxis. Quais as conseqüências para a educação, para a escola,
Essas categorias tornaram-se clássicas na explicação do para a formação do professor e para a aprendizagem? Con-
fenômeno da educação, principalmente a partir de Hegel seqüências da obsolescência do conhecimento. Como fica
e de Marx. A dialética constitui-se, até hoje, no paradig- a escola diante da pluralidade dos meios de comunica-
ma mais consistente para analisar o fenômeno da educa- ção? Eles abrem os novos espaços da formação ou irão
ção. Pode-se e deve-se estudá-la e estudar todas as cate- substituir a escola?
gorias anteriormente apontadas. Elas não podem ser
negadas, pois ajudarão muito na leitura do mundo da edu- Globalização – O processo da globalização está mudando a
cação atual. Elas não podem ser negadas ou desprezadas política, a economia, a cultura, a história e, portanto, tam-
como categorias “ultrapassadas”. Porém, também pode- bém a educação. É um tema que deve ser enfocado sob vá-
mos nos ocupar mais especificamente de outras, ao pen- rios prismas. A globalização remete também ao poder local
sar a educação do futuro, categorias nascidas ao mesmo e às conseqüências locais da nossa dívida externa global (e
tempo da prática da educação e da reflexão sobre ela. Eis dívida interna também, a ela associada). O global e o local
algumas delas a título de exemplo. se fundem numa nova realidade: o “glocal”. O estudo desta
categoria remete à necessária discussão do papel dos muni-
Cidadania – O que implica também tratar do tema da au- cípios e do “regime de colaboração” entre União, estados,
tonomia da escola, de seu projeto político-pedagógico, municípios e comunidade, nas perspectivas atuais da educa-
da questão da participação, da educação para a cidada- ção básica. Para pensar a educação do futuro, é necessário
nia. Dentro desta categoria, pode-se discutir particular- refletir sobre o processo de globalização da economia, da
mente o significado da concepção de escola cidadã e de cultura e das comunicações.
suas diferentes práticas. Educar para a cidadania ativa
tornou-se hoje projeto e programa de muitas escolas e de Transdisciplinaridade – Embora com significados dis-
sistemas educacionais. tintos, certas categorias como transculturalidade,
transversalidade, multiculturalidade e outras como com-
Planetaridade – A Terra é um “novo paradigma” (Leo- plexidade e holismo também indicam uma nova tendên-
nardo Boff). Que implicações tem essa visão de mundo cia na educação que será preciso analisar. Como cons-
sobre a educação? O que seria uma ecopedagogia (Fran- truir interdisciplinarmente o projeto pedagógico da escola?
cisco Gutiérrez) e uma ecoformação (Gaston Pineau)? O Como relacionar multiculturalidade e currículo? É neces-
tema da cidadania planetária pode ser discutido a partir sário realizar o debate dos PCN. Como trabalhar com os
desta categoria. Podemos nos perguntar como Milton Nas- “temas transversais”? O desafio de uma educação sem
cimento: “para que passaporte se fazemos parte de uma discriminação étnica, cultural, de gênero.

10
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

Dialogicidade, dialeticidade – Não se pode negar a atu- ção de, com isso, encerrá-lo. Existem muitos outros desa-
alidade de certas categorias freireanas e marxistas, a va- fios para a educação. A reflexão crítica não basta, como
lidade de uma pedagogia dialógica ou da práxis. Marx, também não basta a prática sem a reflexão sobre ela. Aqui,
em O capital, privilegiou as categorias hegelianas “de- são indicadas apenas algumas pistas, dentro de uma visão
terminação”, “contradição”, “necessidade” e “possibili- otimista e crítica – não pessimista e ingênua – para uma
dade”. A fenomenologia hegeliana continua inspirando análise em profundidade daqueles que se interessam por
nossa educação e deverá atravessar o milênio. A educa- uma “educação voltada para o futuro”, como dizia o gran-
ção popular e a pedagogia da práxis deverão continuar de educador polonês, o marxista Bogdan Suchodolski.
como paradigmas válidos para além do ano 2000.
A análise dessas categorias e a identificação da sua pre-
sença na pedagogia contemporânea podem constituir-se, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sem dúvida, num grande programa a ser desenvolvido hoje
em torno das “perspectivas atuais da educação”. Não se DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo, Cortez, 1998.
DOWBOR, L. A reprodução social. São Paulo, Vozes, 1998.
pretende aqui dar respostas definitivas. Com esse peque-
GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre, Ed. Artes Médi-
no texto introdutório, procurou-se apenas iniciar um de- cas, 2000.
bate sobre as perspetivas atuais da educação, sem a inten- SNYDERS, G. A alegria na escola. São Paulo, Ed. Manole, 1988.

11

You might also like