You are on page 1of 39

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO – CE
CURSO DE PEDAGOGIA

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DIRECIONADAS AO ALUNO COM


AUTISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL

DISCENTE: Carla Caroline Silva de Melo

NATAL-RN/2016

1
CARLA CAROLINE SILVA DE MELO

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DIRECIONADAS AO ALUNO COM


AUTISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Artigo Científico apresentado ao


Curso de Pedagogia do Centro de
Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obtenção do
título de Licenciatura em Pedagogia,
sob a orientação da professora Dra.
Géssica Fabiely Fonseca.

NATAL-RN
2016

2
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DIRECIONADAS AO ALUNO COM
AUTISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Por
Carla Caroline Silva de Melo

Artigo Científico apresentado ao


Curso de Pedagogia do Centro de
Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obtenção do
título de Licenciatura em Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
Dra. Géssica Fabiely Fonseca (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_____________________________________________________
Me. Pedro Luiz dos Santos Filho
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
______________________________________________________
Me.Cláudia Roberto Soares de Macêdo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

NATAL/RN
2016

3
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DIRECIONADAS AO ALUNO COM
AUTISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL

RESUMO
O Autismo é um transtorno caracterizado por diferenciações no comportamento
do sujeito, especialmente na área da comunicação e das interações sociais
desde os primeiros anos de vida. O presente artigo tem o objetivo de analisar
as concepções e estratégias pedagógicas na escolarização de alunos com
autismo na cidade de Natal/RN. A metodologia deste trabalho se insere na
modalidade da pesquisa qualitativa e o ponto de partida para a investigação
dessa temática é a observação participante da pesquisadora enquanto
estagiária em uma instituição de ensino regular no acompanhamento de uma
criança com autismo contribuindo para a construção de uma rotina no ambiente
escolar estabelecendo percepções que se articulam aos instrumentos para a
coleta de dados. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada, na qual participaram
duas professoras que lecionam alunos com autismo, cujos relatos descrevem
como acontece o processo de ensino e aprendizagem dessas crianças em
classe comum. Os resultados mostram, de maneira geral, como são aplicadas
as estratégias utilizadas na escolarização desses alunos, suas interações com
outras crianças e com o ambiente com o qual convive, promovendo a
construção de uma rotina que contribua para o seu desenvolvimento social,
cognitivo e motor. O estudo conclui que as estratégias pedagógicas podem
favorecer ou minimizar a participação e aprendizagem de alunos com autismo.

Palavras-chave: Autismo, Inclusão, Ensino regular.

ABSTRACT
Autism is a disorder characterized by differences in the behavior of the subject,
especially in the area of communication and social interactions from the earliest
years of life. This article aims to analyze the conceptions and pedagogical
strategies in the schooling of students with autism in a regular school of
education in the city of Natal / RN. The methodology of this work is part of the
qualitative research modality and the starting point for the investigation of this
subject is the participant observation of the researcher as trainee in a regular
teaching institution in the accompaniment of a child with autism contributing to
the construction of a routine in the school environment. The instrument for the
data collection was the semi-structured interview, in which two teachers who
taught students with autism participated, whose reports describe how the
teaching and learning process of these children in common class happens. The
results show, in a general way, how the strategies used in the schooling of
these students are applied, their interactions with other children and the
environment with which they coexist, promoting the construction of a routine
contributing to their social, cognitive and motor development. The study
concludes that pedagogical strategies can favor or minimize the participation
and learning of students with autism.

Keywords: Autism. Inclusion. Regular education.

4
Sumário
1.INTRODUÇÃO........................................................................................................... 6
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O AUTISMO ................................................................ 8
3. O ALUNO COM AUTISMO NA ESCOLA REGULAR .............................................. 10
4. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS NO ENSINO DE ALUNOS COM
AUTISMO ................................................................................................................... 15
5. METODOLOGIA ..................................................................................................... 19
6. RESULTADOS ....................................................................................................... 20
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 34
8.REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 36

5
1.INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem como objetivo analisar as concepções e estratégias


pedagógicas na escolarização de alunos com autismo na cidade de Natal/RN.
Nesse sentido, apresenta as concepções das professoras que atuam com
alunos autistas em experiências distintas, a partir dos resultados obtidos em
uma experiência de estágio e nas práticas de professoras, participantes da
investigação, a fim de refletir sobre os processos de ensino e aprendizagem de
alunos com autismo.
O referido artigo está organizado da seguinte forma: expor, inicialmente,
uma concepção ampla sobre o autismo à luz da literatura, as relações que
devem ser estabelecidas desse transtorno com o ensino regular, e
posteriormente, será apresentada a descrição da vivência prática das
professoras entrevistadas, as estratégias utilizadas por elas na escolarização
da criança autista, ressaltando os desafios que encontram, bem como os
resultados satisfatórios conquistados. Além disso, busca despertar um olhar
reflexivo sobre o campo empírico no qual a criança autista está sendo incluída:
a escola regular.
A motivação para estudar os processos de escolarização de alunos com
autismo está associada às vivências no estágio como professora auxiliar de um
discente com autismo no ensino fundamental. Considerando que o estágio se
constitui como o primeiro passo no mercado de trabalho, sua vivência é de
fundamental importância para delinear os caminhos pelos quais se deseja
seguir e por consequência, o tipo de formação profissional. O estágio pode
promover a ampliação dos conhecimentos desencadeando uma formação
baseada no contexto real de atuação, viabilizando, portanto, a construção
autônoma do conhecimento didático e pedagógico a partir de uma vivência
prática relacionada aos conhecimentos das teorias que subsidiam o fazer
pedagógico, que é neste trabalho, apresentada como a inclusão de crianças
com autismo.
A temática abordada sinaliza a importância de compreender a necessidade
do esforço coletivo para que a escola possa ser vista como um ambiente de
construção do conhecimento, que favoreça o desenvolvimento global do

6
sujeito, e que os alunos inseridos nesse processo, independente das
dificuldades, sejam beneficiados com as propostas educacionais. Portanto, faz-
se necessário organizar propostas pedagógicas condizentes com as
especificidades dos alunos com vistas ao desenvolvimento de suas habilidades
e potencialidades.
Desenvolver um estudo sobre autismo e identificar maneiras de como
trabalhar esse transtorno dentro da escola regular não é tarefa fácil, mas
também não é uma prática que está fora do alcance das instituições de ensino.
Nesse sentido, é de grande relevância o estudo dessa temática,
considerando a perspectiva da inclusão e suas implicações para os processos
de ensino e aprendizagem (PEREIRA, 2006).
Para que a inclusão seja uma realidade, é preciso rever políticas
públicas e práticas pedagógicas, além de outras barreiras não só arquitetônicas
como também atitudinais. Nessa perspectiva, é importante ressaltar, caminhos
para contribuir com os alunos autistas na organização do seu dia a dia, bem
como na tarefa de se comunicar com os outros e de ingressar em qualquer
espaço social.
A inclusão escolar do autista é para escola um desafio ainda maior, uma
vez que a manifestação dos comportamentos estereotipados tem maior
proporção no âmbito social, representando uma dificuldade significativa para se
estabelecer relações comunicativas e afetivas do sujeito e seus pares.
O professor tem papel central nos processo de inclusão escolar. Faz-se
necessário que esse profissional visualize as diferentes necessidades dos
alunos e organize práticas com vistas a garantir o acesso, permanência,
participação e aprendizagem do aluno com deficiência (COSTA, 2006).
No próximo tópico serão apresentadas as concepções teóricas acerca
do autismo, a partir de uma breve retrospectiva histórica, explicitando
elementos como conceitualização e diagnóstico do transtorno do espectro do
autismo.

7
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O AUTISMO

Os primeiros estudos sobre Autismo foram realizados pelo pesquisador


Leo Kaner no ano de 1943, quando documentou suas inquietações acerca das
limitações observadas nas crianças que atendia. Dentre suas análises se
destacou no comportamento de seus pacientes, uma incapacidade em
estabelecer relações normais1 com outras pessoas desde o início de suas
vidas (BOSA, 2002).
Kaner descreveu características comuns a essas crianças e a partir de
situações observadas em seus comportamentos, destacou as seguintes
características: isolamento excessivo, movimentos repetitivos e estereotipados;
atraso ou a não utilização da linguagem enquanto recurso de comunicação
(BAPTISTA; BOSA, 2002).
Posteriormente, no ano de 1944, a concepção de Hans Asperger
apresenta registros sobre o padrão de comportamentos e habilidades notados
nas crianças que atendia. Essas crianças apresentavam atitudes como: a
dificuldade em fixar o olhar em situações sociais, gestos desprovidos de
significados, a fala com um variado vocabulário, porém, com um discurso
desordenado e, sobretudo, dificuldade em aproximar-se das pessoas.
(BAPTISTA; BOSA, 2002).
É perceptível, portanto, que os dois estudiosos citados acima (Kanner e
Asperger) apontam um comprometimento social no comportamento das
crianças diagnosticadas atualmente com Transtorno do Espectro do Autismo
(TEA), uma vez que tais sujeitos podem expressar repulsa ao contato físico,
não compreender os padrões de reciprocidade e ter dificuldade na
socialização.
A palavra autismo surgiu nas definições relacionadas à esquizofrenia em
1908, quando ainda não se compreendia o que de fato tal comportamento
sinalizava. No ano de 1943, Kanner e Asperger usaram a palavra “Autismo”
para nomear suas percepções acerca do mesmo padrão comportamental das
crianças observadas. Esses sujeitos apresentavam um discurso oral

1
O termo utilizado associa-se as ações que são desenvolvidas comumente pela maioria das crianças na
faixa etária em que se encontra os sujeitos com autismo observados nessa pesquisa.

8
automático quando desenvolviam a linguagem, mostravam-se alheios aos
processos de socialização e contato interpessoal (MACIEL; FILHO. 2009).
Mais tarde, novos estudos foram realizados nessa área. Rutter (1997),
ao estudar o assunto, define o autismo, como uma síndrome comportamental
própria de um quadro orgânico do ser. Esta análise deu outra direção aos
estudos nessa área, tendo em vista que até então, o autismo estava sendo
considerado na categoria de psicose infantil. O sujeito com esse transtorno
apresenta um déficit cognitivo que atinge a linguagem e os processos centrais
de codificação, implicando seu comportamento social (RUTTER, 1997).
Em linhas gerais, o autismo é um transtorno global do desenvolvimento
que geralmente é diagnosticado na criança por volta dos três anos de idade,
como um distúrbio neurológico que compromete a habilidade da criança nos
campos da comunicação, da interação social com outra criança na maneira de
se relacionar. Além disso, também é caracterizado por comportamentos,
atividades e interesses restritos, apresentando movimentos repetitivos e
estereotipados. Essas manifestações, a respeito do desenvolvimento da
criança com autismo, variam dependendo do nível e da idade do sujeito.
(SILVA E ALMEIDA, 2012).
No que se refere ao diagnóstico do autismo, os registros documentais
sinalizam que tem como parâmetro primordial a observação do comportamento
da criança. Essa observação tem como foco especialmente as áreas de
comunicação, socialização, movimentos focalizados e repetitivos. Caso o
sujeito apresente diferenciação na socialização, na comunicação e evidenciar
comportamentos estereotipados pode ser diagnosticado com o TEA. (MACIEL;
FILHO, 2009).
Nessa perspectiva, pela necessidade de saber lidar com pessoas
autistas nos mais diversos espaços foi-se entendendo a importância de estudar
o transtorno e assim refletir sobre estratégias de inclusão que pudessem
contribuir para o seu desenvolvimento no âmbito social, cognitivo e motor, bem
como refletir sobre os processos de escolarização do aluno com autismo.
Quanto à nomenclatura e a determinação de características próprias do
transtorno em estudo, a iniciativa foi da Associação Psiquiátrica Americana
(APA) que por intermédio de uma aplicação clínica, havia um interesse em

9
categorizar os transtornos mentais, a fim de promover um diagnóstico mais
seguro e facilitar as pesquisas empíricas realizadas. O documento remete-se a
um Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos mentais (DSM) que
contém uma lista de diagnósticos categorizados junto à descrição clínica de
cada categoria apresentada (ARAÚJO; NETO. 2014).
A mais atual publicação desse documento é a DSM-5, que objetiva a
distinção entre os transtornos, a fim de estimular uma avaliação mais completa
e detalhada do paciente. No caso do Autismo, do Transtorno Desintegrativo da
Infância e das Síndromes de Asperger e Rett foram levantadas algumas
modificações na nomenclatura, antes do DSM-5. Anteriormente, tais
transtornos eram incluídos dentro do termo “Transtornos Globais do
Desenvolvimento”. Após a mais nova publicação, esses transtornos foram
concentrados em um único diagnóstico, classificado como Transtorno do
Espectro Autista. A visão científica compreende todos esses em uma mesma
condição, com gradações dos seguintes sintomas: déficit na comunicação e
interação social; padrão de comportamentos, interesses e atividades restritos e
repetitivos (ARAÚJO; NETO, 2014).
No tópico a seguir serão apresentados elementos acerca da inclusão do
aluno com autismo na escola refletindo sobre os processos de ensino e
aprendizagem desses sujeitos.

3. O ALUNO COM AUTISMO NA ESCOLA REGULAR

No que diz respeito à escolarização, foi estabelecida, pela Constituição


de 1988, a educação como um direito social que deve ser garantido a toda e
qualquer pessoa. A partir dessa determinação, a matrícula de alunos com
necessidades educacionais especiais em escolas regulares no Brasil é visto
como direito à igualdade de condições para o acesso e para a permanência na
escola (GOMES; MENDES, 2010).

10
A Educação Especial foi contemplada dentro da legislação (LDB
9.394/96), como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades
do sistema educacional brasileiro. Esse foi um marco significativo na história da
Educação Especial, pois, foi concebida como modalidade de ensino destinada
a pessoas com deficiência em instituições de ensino regular (BAPTISTA;
BOSA, 2002).
Na atual organização das políticas públicas de educação especial, o
atendimento educacional especializado se materializa como um dos serviços
pedagógicos complementares ou suplementares a escolarização, uma vez que
estará trabalhando diretamente com as singularidades específicas de cada
criança, embora apresentem o mesmo diagnóstico, são únicas em todos os
âmbitos de suas vidas, precisando, portanto, de uma atenção diferenciada
(GOMES E MENDES, 2010; BAPTISTA, 2011).
As propostas de educação inclusiva vêm, historicamente, se
estruturando em maior proporção, convidando a escola brasileira a rever sua
organização interna a partir da avaliação de suas metas na escolarização de
pessoas com deficiências. Na perspectiva de viabilizar o acesso ao
conhecimento do aluno com o TEA, é imprescindível uma organização
pedagógica sistemática, como também a preparação de quem está à frente da
instituição de ensino, ministrando esses conhecimentos, a fim de atingir uma
grande quantidade de alunos. (BAPTISTA, 2011).
A escola enquanto instituição que contribui para o desenvolvimento
integral do sujeito teve que começar a preocupar-se com suas estruturas
internas quanto à qualidade do ensino e, sobretudo, com o seu corpo físico a
fim de dar as condições necessárias ao acesso, uma vez que as pessoas com
deficiência estariam amparadas legalmente pelo direito a educação em rede
regular de ensino.
A escola é um espaço no qual ocorrem vários relacionamentos, aluno-
professor, professor-aluno, aluno-aluno e dessa forma, pode contribuir para a
constituição de laços de afetividade e socialização. Esses aspectos são
essenciais para a construção uma rotina escolar no caso dos alunos com
autismo. A respeito dessa reflexão, alguns estudiosos já desenvolveram

11
estudos que indicam a necessidade dessas relações sociais para o pleno
desenvolvimento do ser (VYGOTSKY, 2010).
A abordagem vygotskyana ressalta a interação humana precisamente
como contribuição no desenvolvimento do sujeito. As capacidades psicológicas
se constituem a partir da interação com a cultura e com os pares. Segundo
Vygotsky (2010, p.16),

É por meio de outros, por intermédio do adulto que a criança se


envolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no
comportamento da criança está fundido, enraizado no social.
Assim, as relações da criança com a realidade são, desde o
início, relações sociais. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o
bebê é um ser social no mais elevado grau.

A concepção do autor ressalta a importância do outro no


desenvolvimento de um ser social desde o início da vida do sujeito, na
perspectiva de efetivar relações com o ambiente onde vive. Na escola, são
visíveis essas relações entre as crianças contribuindo entre tantas outras
conquistas, para a ampliação de conhecimentos, a realização autônoma de
atividades diversas, na socialização de ideias e valores com o grupo do qual é
integrante.
No trabalho com a criança autista faz-se necessário definir estratégias
de comunicação e de mediação simbólica. A apropriação da língua portuguesa
é essencial para a aprendizagem dos conteúdos curriculares. No processo de
comunicação é preciso identificar as habilidades, motivações e preferências do
aluno.
Dentre as motivações e preferências é possível identificar aspectos
lúdicos e da brincadeira como temáticas motivadoras desses sujeitos. A
interação por meio do brincar abre possibilidades para os processos de ensino
e aprendizagem (CUNHA 2002, MACIEL; FILHO, 2009).
As diversas práticas pedagógicas na escola podem contribuir para
desenvolvimento infantil no âmbito linguístico, cognitivo, social, emocional. É
válido ressaltar as diversas estratégias de mediação e suas implicações para a
constituição das funções psicológicas superiores (LEMOS; SALOMÃO e
AGRIPINO-RAMOS, 2014; VYGOTSKY, 2010)

12
Essas estratégias de mediação estão relacionadas à comunicação e
apropriação de um código linguístico. Silva e Almeida (2012) destacam que:

No contexto escolar, as estratégias de comunicação


encontram-se entrelaçadas com objetivos de proporcionar a
antecipação da rotina escolar, a ampliação progressiva da
flexibilidade da criança mediante as mudanças na rotina ou no
ambiente, além, obviamente, de ampliar a possibilidade de
acesso desse aluno à linguagem receptiva e expressiva. Assim,
podemos presumir que essas estratégias deverão estar
estruturadas em prol de situações reais a serem
experimentadas pela criança, no cotidiano escolar, provocando
o desenvolvimento cognitivo a partir da destinação de sentido
real ao seu uso. (p.72).

A partir da fala dos autores pode-se constatar a relevância da


participação na escola para o desenvolvimento da criança autista, pois nesse
espaço podem se estabelecer rotinas, estratégias de comunicação, o
desenvolvimento da linguagem oral e escrita, dentre outros.
É válido salientar que mesmo diante de tantas possibilidades de
participação e aprendizagem no contexto escolar, as dificuldades de
comunicação nos alunos com TEA podem estar associadas ao desempenho
escolar. Nos casos mais graves com ausência de linguagem verbal, bem como
a ausência da utilização das estratégias de comunicação alternativa, os
sujeitos terão dificuldades de compreensão e significação, o que pode acarretar
nos aspectos psicossociais de frustração, comportamento agressivo e
ansiedade. Nesse sentido, a falta de informação e de formação de alguns
profissionais da saúde e da educação para o trabalho desses sujeitos pode
interferir nos processos de inclusão escolar e social dos discentes com TEA
(MACIEL; FILHO, 2009).
A comunicação alternativa ou ampliada é uma estratégia de grande
porte desenvolvida com a criança que não consegue estabelecer trocas
comunicativas com seus pares, bem como aquelas que precisam ampliar a
capacidade oral de comunicação que já dominam, mas que não atingem ainda
a um discurso autônomo, organizado e independente (DELIBERATO, 2008).

13
A respeito disso, Deliberato (2008) ressalta as estratégias de
comunicação alternativa e aumentativa como recursos para o desenvolvimento
da linguagem e, portanto, interfere na escolarização dos alunos com TEA.
Quanto aos recursos que podem contribuir para a comunicação de
alunos com TEA é conhecida como prancha de comunicação alternativa ou
ampliada e se propõe sua utilização na sala de aula como uma ferramenta que
auxilia a criança na tarefa de se comunicar. Esse recurso dá oportunidade de o
aluno estabelecer um viés de comunicação com outras pessoas a partir de
imagens ou objetos em miniaturas. Para a sua construção deverão ser levadas
em consideração a rotina da criança com suas necessidades básicas, bem
como os horários de atividades permanentes. O material de sua confecção
pode ser de sucata e deve reunir objetos de interesse da criança
(DELIBERATO, 2008).
Nesse sentido, a escola pode apresentar intervenções na vida da
pessoa autista tomando como base o desenvolvimento de suas
potencialidades. Dentre elas, a prioridade é entender que esse sujeito
apresenta condições para aprender, apenas reage ao mundo de maneira
diferente, não sendo esse um indicador que inviabilize a construção de uma
vida social igual a outras pessoas que edificam suas famílias, se
profissionalizam (MACIEL; FILHO, 2009).
As pessoas são seres diferentes muito embora tenham características
semelhantes em seu modo de ser, de pensar, de se expressar. Nesse
contexto, se destacam as crianças autistas que também apresentam
características distintas em seu comportamento mesmo apresentando muitas
atitudes e características do transtorno. Dessa maneira, é necessário, antes de
qualquer coisa, enxergar o autista como pessoa, que se apresenta no mundo
como um ser, que tem vontades próprias, desejos particulares que o
caracteriza no meio social como alguém diferente de outro alguém. (SILVA;
ALMEIDA, 2012).
Dessa maneira, se faz necessário que dentro da sociedade e, sobretudo,
dentro da escola, sejam consideradas as especificidades, o tempo e maneira
de desenvolver-se de cada sujeito, pois cada um tem ritmos e estilos de
aprendizagem diferenciados. No caso de algumas condições de alunos com

14
TEA, serão utilizadas estratégias especializadas com a finalidade de
desenvolver habilidades necessárias para a aprendizagem dos conhecimentos
acadêmicos da escola.
É bem verdade que o ensino regular tem competência de promover a
construção do conhecimento sobre as várias ciências, todavia, a escola precisa
moldar-se a fim de contemplar também o atendimento de crianças que não
acompanham de maneira convencional o grupo, mas que está aprendendo em
um tempo diferente dos outros.
No próximo tópico serão apresentadas estratégias pedagógicas que
podem contribuir para os processos de ensino e aprendizagem de alunos com
autismo.

4. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS NO ENSINO DE


ALUNOS COM AUTISMO

O fazer pedagógico deve propor o entrelace das relações sociais junto


às estratégias de ensino no contexto da sala de aula regular. Neste espaço
específico, se faz necessário que o professor considere as particularidades dos
alunos com TEA, uma vez que tomando conhecimento sobre isso terá
indicadores de como se planejar e materializar práticas pedagógicas a fim de
possibilitar as aprendizagens desse aluno no contexto da escola inclusiva.
A prática pedagógica com o aluno autista exige do educador uma
organização do seu trabalho. Esse profissional deve propor estratégias no seu
planejamento que possam ser alcançadas por esses alunos de maneira
especial, desenvolvendo suas habilidades e competências, buscando promover
a plena participação de todos no processo educativo. (SILVA; ALMEIDA. 2012).
Essa é uma reflexão sobre a necessidade de se ter uma organização
docente nesse processo, a cada planejamento, a cada intervenção realizada, o
educador deve buscar a auto avaliação, visto que ele precisa estar atento às
peculiaridades de cada um de seus alunos. Isso se aplica aos alunos com
deficiências mais evidentes, e perceber, acima de tudo, se as metas de
aprendizagens desses discentes estão sendo alcançadas. A partir dessa

15
percepção inicial, o professor terá condições de indicar práticas de ensino que
favoreçam a diversidade dentro de sala de aula.
A construção de propostas inclusivas deve ser condizente com a
realidade de cada criança em seu contexto escolar específico, posteriormente o
professor deve estabelecer um viés de comunicação com a família a fim de
identificar os interesses do seu aluno, como também o que o deixa mais irritado
ou insatisfeito.
Maciel e Filho (2009) destacam em sua abordagem a experiência de
uma mãe que desenvolveu com seu filho autista métodos pedagógicos
favorecendo a sua aprendizagem a partir daquilo que ele mais gostava de
fazer. O comentário abaixo retrata um pouco dessa vivência:

Desenvolvemos um método centrado em músicas, uma das


coisas que mais lhe dá prazer, visando a sua aprendizagem do
conteúdo sistemático. Atualmente, fazemos a adaptação do
conteúdo pedagógico para ser trabalhado em classe regular,
pesquisando obras que cantem os temas estudados e
montando apostilas com breves comentários e muitas figuras
ligadas às letras pesquisadas. (MACIEL; FILHO, 2009, p.229).

A citação acima descreve uma experiência pedagógica exitosa que


contribuiu para o desenvolvimento dessa criança em vários setores de sua vida.
A experiência favoreceu a capacidade de concentração, pois a criança deveria
estar centrada na canção para acompanhar o conteúdo trabalhado e por
consequência as imagens e os comentários que delas seguiam.
Outros estudos revelam o uso de estratégias dessa natureza também na
escola, ressaltando a importância desse trabalho no âmbito escolar. Lira (2004)
desenvolveu uma pesquisa sobre a escolarização de alunos com autismo. Para
esse fim, foram utilizadas ações como: o chamamento verbal, músicas, objetos
por meio de atividades, entre outros, foram permanentes. Além disso, a
organização espacial, a mobiliária foi modificada fazendo com que a aluna que
ficava somente no chão, também sentasse com o grupo.
Constata-se, portanto, que as habilidades dos alunos são diversas, pois
cada família tem uma cultura, um repertório próprio de brincadeiras que podem
e devem ser aproveitada para a comunicação da criança autista em seu seio
familiar que é o primeiro grupo social a que faz parte e, posteriormente, para a

16
vida social com outras pessoas, bem como podem ser o ponto de partida de
algumas estratégias utilizadas na sala de aula (MACIEL; FILHO, 2009).
Outros estudos realizados em escolas da rede municipal de Belo
Horizonte, indicam como a escolarização de crianças com autismo vem
ocorrendo e que a prática nessas salas de aula não tem viabilizado uma
educação inclusiva de qualidade a partir da perspectiva de professores, pois
embora se tenha uma alta porcentagem de estagiários para o
acompanhamento de alunos com autismo, alguns fatores impedem o sucesso
desse exercício. Esse fator implica diretamente na aprendizagem dos
conteúdos pelas referidas crianças, pois há uma baixa participação nas
atividades e pouca interação com os colegas (GOMES; MENDES, 2010).
Ou seja, a vinda desse “professor auxiliar” deveria dar condições do
professor “titular” da turma articular melhor o trabalho de inclusão, uma vez que
otimizaria seu tempo quando orientasse o estagiário segundo a sua proposta
de trabalho e este daria prosseguimento as atividades, auxiliando
especialmente aquelas que os alunos autistas mais sentissem dificuldades. No
entanto, o que acontece é que não dominam os conhecimentos básicos para
estarem onde estão.
Com base no estudo de Gomes e Mendes (2010), os estagiários não
tinham formação pedagógica de nível superior na atuação da prefeitura de Belo
Horizonte. A presença dos estagiários está associada ao acesso e
permanência dos alunos com autismo na escola regular. Porém, não foram
levadas em consideração as necessidades das crianças nos processos de
ensino e aprendizagem restringindo o papel do auxiliar ao mero
assistencialismo (GOMES; MENDES 2010).
A sala de aula precisa ser um espaço atrativo, inovador em que a criança
autista possa sentir-se a vontade para o estabelecimento de mínimas relações
de confiança para com o grupo do qual é integrante. Nesse ambiente, precisa
conter objetos que lhe chamem atenção e que lhe despertem o desejo de ter
um contato aproximado, possibilitando a perda do medo com a experiência com
o manuseio de objetos diferenciados. Sem dúvidas, a organização da sala de
aula, a disposição das coisas, também contribui para que sejam aplicadas pelo
professor várias possibilidades de aprendizagem.

17
Conforme Silva e Almeida (2012, p.72), as estratégias pedagógicas
direcionadas a alunos autistas devem:

Ampliar a possibilidade de acesso do aluno à linguagem


receptiva e expressiva, ampliando assim, o repertório
comunicativo do aluno por meio das atividades de vida diária e
da comunicação alternativa, visando à autonomia, partindo de
seus interesses, respeitando suas possibilidades motoras,
cognitivas e afetivas, para promover o avanço conceitual.

É possível concluir que a participação de crianças com o TEA na escola


é fundamental para o seu desenvolvimento integral, desenvolvendo a
autonomia necessária para a inclusão social e escolar. Se tratando daqueles
sujeitos que apresentam limitações cognitivas mais severas, a ida à escola fará
com que em situações diversas em contato com os colegas, possam aprender
a se relacionar, a criar de laços afetivos, tornando-se muito válido esse contato,
visto que essa é uma área bastante comprometida na vida do autista.
O que a escola espera em relação à criança é que esta possa
desenvolver habilidades, construindo a capacidade de avançar em diferentes
linguagens, aumentando seu repertório de palavras a fim de que possam ser
mais autônomas na elaboração de frases e na assimilação dos conteúdos
abordados. Assim, o sujeito atribuirá maior sentido à participação escolar,
despertando o desejo em participar das atividades propostas (SILVA;
ALMEIDA, 2012).
As estratégias e recursos direcionados aos processos de ensino de
crianças autistas da sala de aula podem contribuir para a aprendizagem de
todos os alunos. As estratégias e recursos são enfatizados na utilização de
recursos de apoio visual confeccionados pela escola. A criação desses
recursos visuais está relacionada ao cotidiano do aluno, podem ser fotos ou
objetos de locais ou do aluno em diferentes momentos e espaços do cotidiano
da turma, de objetos que indiquem necessidades básicas e a participação do
aluno no contexto da sala de aula (SILVA; ALMEIDA. 2012).
Portanto, vale salientar, que é preciso haver um compromisso de toda
equipe que compõe a instituição de ensino. Inicialmente, a escola como um
todo se reúne para o acolhimento desse aluno, fazendo com que ele sinta-se

18
confortável neste espaço, em seguida, a estrutura interna de sala de aula exige
a organização docente, ou seja, um educador sensível na identificação das
limitações e, sobretudo das potencialidades do sujeito.
Posteriormente, um preparo maior direcionados aos profissionais que
trabalharão no acompanhamento direto desses alunos, para que estes
compreendam a diferença de um atendimento especializado frente a um
atendimento assistencialista para com o referido público.
A seguir, será exposta a metodologia do trabalho. Esse tópico mostrará
as características da pesquisa, os instrumentos utilizados, bem como o
percurso pelo qual caminhou o estudo e ainda como se deu a busca dos
resultados.

5. METODOLOGIA

Esse trabalho se insere na proposta de uma pesquisa qualitativa, visto


que essa classificação adota diversos instrumentos para a investigação de um
estudo que envolve pessoas, acontecimentos e os locais que constituem os
objetos da temática abordada com ênfase para os fenômenos sociais e
educativos. Essa é uma modalidade de pesquisa que vem, historicamente,
apresentando diferentes modulações em sua estrutura, abrindo um leque de
possibilidades para que as práticas e as estratégias possam ser levantadas na
elaboração de uma abordagem. (CHIZZOTTI, 2003).
A observação da prática educativa ocorreu em uma Organização Não-
Governamental (ONG), mantenedora de uma escola que trabalha na
perspectiva da educação inclusiva, apresentada socialmente na cidade de
Natal/RN como escola de ensino regular. Essa ONG oferece atendimentos
especializados na reabilitação da pessoa com deficiência no tocante às áreas
da saúde, educação, cultura e esporte, possibilitando a comunidade um
atendimento de qualidade a partir das especificidades de seus usuários.
A observação participante ocorreu no ano de 2014 no contexto de
escolarização de uma criança com autismo no ensino fundamental de uma
escola regular.

19
A entrevista semi-estruturada (APÊNDICE 1) foi utilizada como
instrumento para coleta de dados no segundo semestre de 2016. Essa
modalidade permite uma maior flexibilidade para o alcance dos resultados, pois
não determina uma estrutura padrão, um modelo pronto e acabado que deve
ser adotado fielmente pelo pesquisador. Assim, este último tem mais
autonomia para organizar um roteiro de questionamentos mais aberto para o
entrevistado, levando em consideração, sobretudo, que outras dúvidas
pertinentes podem surgir no desenrolar da conversa. Dessa forma, o trabalho
desenvolve-se com mais naturalidade, deixando o diálogo ocorrer entre
entrevistado e entrevistador de maneira saudável e dinâmica.
Por meio da entrevista é possível identificar as percepções dos sujeitos
sobre determinado fenômeno. A partir de tal vivência, explicitam através do
discurso oral, as particularidades de suas experiências. O entrevistado
apresenta suas concepções e os significados aos processos sociais e
educativos (FRASER; GONDIM; 004).
A análise dos resultados é extremamente focalizada na fala do
entrevistado, desconhecendo a possibilidade de que esta foi elaborada por
meio de uma influência mútua e das interações que entrevistado e
entrevistador estabeleceram entre si. Nas entrevistas realizadas
individualmente, o mapeamento será obtido pela posterior análise comparativa
de cada uma das entrevistas transcritas, para os procedimentos analíticos
(FRASER; GONDIM; 2004).
Nessa perspectiva, foram entrevistadas duas professoras que trabalham
diretamente com crianças autistas na sala de aula regular. Depois de ter feito a
transcrição dos relatos, será agora realizada a análise daquilo que foi relatado
pelas educadoras acerca da sua prática.

6. RESULTADOS

Nesse tópico serão apresentados os principais resultados e as


categorias elencadas nas entrevistas com duas professoras que trabalham em
salas nas quais estão matriculados alunos com autismo.
20
Realizando uma leitura ampla e global das práticas vivenciadas e
descritas pelas professoras entrevistadas, foi perceptível observar a maneira
pela qual compreendem o mundo, pelo simples fato de acreditarem que é
possível contribuir para o desenvolvimento de crianças com autismo dentro da
escola regular. Ambos os relatos apontaram que existe um esforço coletivo
para que o trabalho aconteça nessa área, visto que todas as pessoas
envolvidas nesse processo devem apropriar-se da necessidade da inclusão e
colaborar para que esses sujeitos se sintam acolhidos no espaço educacional.
As professoras participantes da investigação têm o curso de pedagogia
completo, sendo Rosa, além de pedagoga, especialista na área de
Psicomotricidade e Educação Especial e Inclusiva. Maria, por sua vez, está
concluindo um curso de Educação Especial, após o término da graduação no
curso de Pedagogia. Ambas apresentam uma caminhada na educação, Rosa,
atua como professora há sete anos na escola onde foi realizada a entrevista, e
Maria concluiu o curso de graduação recentemente e está há quatro meses
apenas trabalhando na referida instituição.
Rosa e Maria são professoras das turmas de quarto e quinto ano do
Ensino Fundamental. As disciplinas contempladas na grade curricular
convencional das séries destacadas são distribuídas entre elas, ficando uma
com a área das ciências humanas e a outra com as ciências da natureza e as
exatas. Ministrando aulas em horários distintos, as educadoras mantêm um
contato direto com os alunos pertencentes a estes dois grupos todos os dias.
Dentre esses alunos, na turma do quinto ano, há uma criança autista do
sexo feminino, centro das experiências vivenciadas pelas duas professoras. É
uma aluna que, embora apresente as limitações caracterizadas pelas
dificuldades inerentes ao próprio TEA, especialmente quanto ao contato com
outras pessoas, consegue estabelecer um relacionamento afetivo para com os
colegas e os profissionais da escola. Participa de todos os momentos que lhe é
proposto e frequenta a instituição de maneira satisfatória.
Essa organização que hoje ela apresenta acerca do espaço que ocupa
e da maneira pela qual se relaciona com outras pessoas é reflexo de um
trabalho sistematizado de acompanhamento, e sobretudo, da parceria entre a

21
família e a escola, as quais pôde ajudá-la a organizar uma rotina, cujo processo
é de fundamental importância na vida do sujeito com autismo.
A primeira categoria dos conhecimentos acerca da educação especial
no âmbito da formação inicial, Rosa e Maria tiveram experiências diferentes.
Maria teve a oportunidade de estudar disciplinas obrigatórias e aprofundar
algumas temáticas sobre educação inclusiva nas experiências de iniciação
científica voltadas a essa área. Rosa ressalta as lacunas na formação inicial no
que se refere ao trabalho pedagógico direcionado aos alunos com autismo, ou
outras deficiências. No discurso de Rosa percebe-se a relevância das
experiências pedagógicas direcionadas as pessoas com deficiência como
elemento de aprendizagem profissional, estas que por sua vez são de fato
adquiridas com o contato real que a prática proporciona:
Ela comenta:
Pouquíssimo, muito pouco mesmo e o pouco que eu tive não
deu pra aprender o que sei agora, eu vim aprender aqui, depois
que comecei a trabalhar, com a prática, mas na faculdade não
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA ROSA).

O trecho acima expressa as nuances da construção da trajetória


pedagógica e suas relações com as situações vivenciadas na escola. Faz-se
necessário compreender as influências da formação e da prática como
dimensões constituintes da aprendizagem da docência, bem como favorecendo
a ação docente com base nas especificidades dos discentes com deficiência,
transtorno do espetro do autismo ou necessidades educacionais especiais que
possam interferir nos processos de escolarização. Portanto, no contexto da
formação inicial os conhecimentos acerca da educação especial e inclusiva
podem contribuir para o entendimento acerca do aluno com deficiência, bem
como as experiências práticas direcionadas a tais alunos evidenciam que a
formação docente é um processo dinâmico pautado na constante reflexão
sobre a prática (RODRIGUES; LIMA-RODRIGUES, 2011).
Na segunda categoria consta a experiência profissional das
professoras quanto a socialização e processos de ensino com os alunos
autistas. As experiências profissionais das educadoras apresentam suas
vivências direcionadas aos alunos com TEA na escola. Ambas atuam no bloco

22
de sistematização das séries iniciais. A prática docente acontece de forma
coletiva entre as duas professoras e a estagiária que atua como professora
auxiliar, pois no grupo das duas turmas somente uma aluna é diagnosticada
com o TEA, portanto, ambas apresentam fatos não de uma mesma
experiência, mas com um mesmo sujeito, centro desse estudo. No decorrer da
conversa informal, a professora Rosa relatou experiências com outras crianças
com TEA, no período que está na escola, que inclusive foi a mesma criança
alvo do estágio realizado pela pesquisadora.
Os discursos a seguir apresentam a questão das interações do aluno
com TEA e seus pares, bem como a adaptação das atividades como um dos
caminhos para motivar a participação dos alunos nos processos de ensino e
aprendizagem da colega autista:
Aqui dentro da sala a gente trabalha atividades que geralmente
é em grupo e a gente já faz de propósito, a gente faz
justamente pra incluir esse aluno, porque como eles estão
trabalhando em grupo e ela (a criança autista) está dentro do
processo, então ela está aprendendo também só que de outra
maneira, o mesmo conteúdo, o mesmo assunto só que com os
amigos e aí eu sempre oriento as crianças que estão no grupo
da criança com autismo pra eles sempre se dirigirem a ela,
sempre trabalharem com ela, explicar o que ela tem que fazer,
explicar o que o grupo está fazendo e assim ela consegue
compreender a proposta. (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA ROSA).

Tem algumas atividades que nós adaptamos para que ela


participe, por exemplo, eu passo muitas aulas com vídeos
ilustrativos que ela consegue se concentrar e prestar atenção,
em outros momentos eu faço aulas com músicas, teve uma
aula que eu procurei trazer as músicas que ela gosta, então ela
está sempre atenta (...). A gente está sempre procurando
adaptar as atividades, é claro que algumas atividades, nós
fazemos específicas pra ela pra trabalhar a questão motora
dela, costumamos trabalhar segundo a necessidade do aluno.
A gente costuma falar que “se a necessidade do aluno é
aprender um número muitas vezes é pra pegar um ônibus,
discar o número de telefone da mãe numa emergência”, pra
que esses conhecimentos sirvam pra eles viverem no mundo.
Procuramos sempre incluir a aluna. (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA MARIA).

No depoimento de Rosa é possível visualizar a relevância da interação


entre os pares como uma das estratégias para o desenvolvimento de
habilidades sociais e cognitivas do aluno com autismo. Esse trecho dialoga
23
com Sanini, Sifuentes e Bosa (2013) acerca da socialização dos alunos com
TEA e suas implicações para inclusão escolar. Na perspectiva dos autores, as
propostas pedagógicas precisam motivar situações de interação do aluno com
TEA, seus pares e o professor. Essas situações poderão desencadear o
desenvolvimento de competências relacionadas à socialização e comunicação,
contribuindo para a inclusão do aluno com TEA na escola regular.
Um aspecto relevante da pesquisa, nesse contexto, está na terceira
categoria: o planejamento de ensino e a inclusão da criança com TEA. Na
análise do discurso das professoras, percebe-se o cuidado na proposta de
ensino que é elaborada para a turma. Considerando que as propostas devem
por um lado, desenvolver as competências básicas do conhecimento científico
convencional, os conteúdos que propõe o material didático para o ano em
curso de determinado o grupo, e por outro lado, atender também as
especificidades da criança com TEA que pelas suas limitações, não consegue
de forma integral, acompanhar a turma, no que se refere as exigências de
maior concentração, um exercício mais intenso na organização das ideias, por
exemplo.

As professoras explicam:
A gente tem uma parceria muito legal com a orientação da
escola, que nos orientam a como proceder no processo de
aprendizagem dos alunos, por exemplo, tem um aluno com
síndrome de Down (não entra na sua pesquisa, mas é só pra
dá um exemplo) que gosta muito de comida, então nós
procuramos elaborar suas atividades de acordo com o seu
interesse, no caso, palavras e imagens de comida pra que ele
possa associar. Pra que tenha sucesso, buscamos sempre
trazer o planejamento de acordo com o interesse do aluno.
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA MARIA).

Dependendo do assunto dá pra incluir e aí a gente faz sempre


dessa maneira, em grupo, ou a turma toda a gente faz um
trabalho em conjunto, mas tem outros assuntos que não dá, aí
a gente tem que pensar algo extra, algo específico pra ela.
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA ROSA).

Se entende que o procedimento realizado no planejamento se organiza


frente a heterogeneidade do grupo, atendendo as necessidades de todos,
envolvendo a criança autista na metodologia adotada para as aulas. É válido

24
salientar que o trabalho vai sendo estruturado a partir do interesse do aluno,
segundo as professoras foi o caminho encontrado para a participação dos
alunos nas práticas até agora vivenciadas. Mas, em determinados momentos, é
necessário trabalhar a dificuldade específica da criança, nesse caso, são
propostas atividades individualizadas para o aluno com TEA.
Quanto ao acompanhamento pedagógico da aluna com TEA em sala de
aula, destaca-se no discurso oral das professoras a quarta categoria
denominada: relevância da professora auxiliar, uma vez que, como já foi
mencionado anteriormente, o planejamento deve comportar todas essas
realidades do grupo, portanto, para o cumprimento das propostas de ensino
planejadas e no desenvolvimento destas, a referida aluna precisará de mais
atenção, pois apresenta limitações no campo cognitivo, as quais solicitam
constantemente a mediação do adulto em fazer coisas diversas. Os
comentários das educadoras esclarecem tal necessidade.

A professora auxiliar é essencial. Ela é muito comprometida e a


gente tem visto muitos avanços, acho interessante que ela não
trata a aluna autista como a coitada, pois já vi situações assim,
diz “não pode”; “não é assim”. A professora é bem firme com
ela no sentido de dar educação e de impor limites. Ela participa
muito das aulas e do planejamento, estamos sempre trocando
ideias, quando chega no início da aula combinamos como
vamos fazer com a aluna. Teve uma vez que estávamos
trabalhando o corpo humano e fiquei pensando como íamos
trabalhar com a criança autista, vamos pensar! Pegamos um
esqueleto, o concreto e começamos a perguntar as partes do
corpo a ela e do jeitinho dela foi respondendo: mão, pé, perna,
braço, etc. A auxiliar ajuda muito nesse trabalho e como ela
tem a facilidade de desenhar, ela desenha muito pra facilitar o
entendimento da aluna. A professora é maravilhosa.
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA MARIA).

No planejamento ela é super importante porque durante o


desenrolar das atividades quem tá mais junto da aluna é ela
que acompanha diretamente. Então ela é quem vai me dá um
norte pra saber se a gente permanece naquele tipo de atividade
ou se a gente já pode avançar, ir pra algo mais difícil, outros
estágios mais avançados. (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA ROSA).

Esses relatos concordam com o pensamento de Gomes e Mendes


(2010), quando ressaltam a importância desses profissionais no

25
acompanhamento das crianças com TEA mediando às relações sociais no
meio escolar, no desenvolvimento de sua autonomia e aprendizagem.
É importante compreender como são estabelecidas as relações com os
colegas, a aceitação do espaço e de outras vivências que a escola propõe e
como a criança autista administra essas experiências. A esse respeito as
professoras relatam que a aluna com TEA apresenta boa aceitação e
compreensão acerca do comportamento que deve ter frente a esses momentos
coletivos.
Os discursos das docentes exemplificam a participação da aluna nas
atividades desenvolvidas fora de sala, manifestando o desejo que a aluna
desenvolveu de estar em grupo, participando de atividades extraclasse junto
aos colegas.
Ela adora a Educação Física, participa muito bem, entende muito
bem as regrinhas do jogo, espera na fila, no jogo de basquete
entende que é pra jogar a bola na cesta e joga e muitas vezes
até acerta, os alunos até questionam: ela acertou e eu não
acertei? É uma criança que participa muito. Na sexta feira, no
momento do intervalo, nós temos aqui a Zumba e ela dança
perfeitamente. Ela está sempre interagindo com os colegas,
sempre está perto deles e eles também perto dela. Ela interage
tranquilamente com os alunos da escola. Ela já apresentou
comportamento agressivo, mas hoje em dia é mais a questão de
ficar perto, de querer carinho, mas não presenciei nenhum
momento como esse. Estou na instituição apenas há três meses.
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA MARIA).

Ela participa, só não gosta de atividades que a pessoa tenha que


ficar pegando ela direto, ela não gosta muito desse contato
físico, mas ela adora as outras atividades extras, da Educação
Física ela participa, do jeitinho dela né cada um tem o seu, nas
festinhas que a gente faz, semana da criança, ela participa bem.
Ela interage com tudo que está acontecendo, pronto agora está
tendo zumba se você for lá ela está no meio da roda aí ela
presta atenção nos passos e tem uns que ela até consegue fazer
parecido. Quando ela vê que a turma dela está na quadra, ela
corre pra lá. (ENTREVISTA COM A PROFESSORA ROSA).

A quinta categoria caracteriza-se pela exposição das estratégias de


comunicação utilizada durante as aulas com os alunos autistas, é relatado
na entrevista pelas professoras que acriança faz uso de gestos indicando o que
deseja, além disso, pronuncia algumas palavras que mesmo sem serem

26
empregadas numa frase conseguem comunicar o que quer. Enfatizam,
portanto, a importância de uma atenção especial do professor às ações
permanentes da criança a fim de perceber a sinalização que faz para se
fazerem entendidas.
Maria diz que:

A aluna não oraliza bem, pronuncia algumas palavras, mas não


fala direito ainda, mesmo assim conseguimos entender o que
ela está pedindo, por exemplo, quando quer ir ao banheiro ela
fala “xixi”, ou seja, ela não formula a frase, mas dá indicadores
pra que seja entendida. Então não são usadas estratégias
como a prancha de comunicação alternativa, pois nós
entendemos o que ela quer dizer. (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA MARIA).

O trecho acima chama atenção para as características do autismo já


citados no trabalho. Os alunos com TEA podem ter dificuldades na linguagem
oral para comunicação. Maria fala que na sua prática ainda não teve um aluno
autista não verbal.
Rosa, porém, apresenta uma experiência diferente da colega, quando
diz:
Já tive sim. Teve um aluno que a gente sabia das coisas dele
por causa da maneira dele mostrar, apontar, olhar, às vezes
ele pegava na mão e direcionava a gente em uma direção.
Tem que prestar muita atenção no que o aluno tem pra mostrar
pra gente, no que ele tem pra oferecer porque a gente mesmo
não tem muitos recursos favoráveis a isso. A gente tem que
esperar a sinalização deles (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA ROSA).

As manifestações de alguns movimentos podem revelar intenções


comunicativas do aluno- professor. No caso mencionado o gesto da criança
direciona a professora. Isso exige do professor muita atenção voltada para a
criança. Nesse processo de compreensão do que o educando quer comunicar,
é imprescindível o estabelecimento de trocas entre escola e família, uma vez
que esta última é conhecedora da maneira como é percebida com mais
frequência essas sinalizações por parte da criança.

A sexta categoria é reservada a avaliação das professoras quanto a


atuação pedagógica direcionada a crianças com TEA, que elencam os
desafios encontrados, bem como os pontos positivos no exercício da prática
27
com a aluna com TEA. Em linhas gerais, é possível perceber que ambas são
muito satisfeitas e realmente se esforçam para conquistar bons resultados na
vida da educanda.
Maria apresenta um maior desafio para essa área como um todo
caracterizado pela ausência de profissionais preparados e compromissados
com o processo de escolarização da criança com deficiência. Ressalta as
lacunas na formação docente enquanto ponto forte para a não qualificação
desses profissionais. E quanto a isso comenta:

Eu acho que os desafios, não só com os alunos autistas, mas


com todos os outros alunos é a questão de formação mesmo,
de ter profissionais que sejam empenhados e que queiram
fazer parte desse processo de inclusão e escolarização. Então
acho que o maior desafio que nós enfrentamos é realmente
encontrar profissionais qualificados que possam se
comprometer com a causa de dizer: “é o meu aluno, tenho que
fazer alguma coisa por ele, tenho que fazer algum trabalho
pedagógico nele”. Eu tenho dificuldades em ver profissionais
que realmente queiram se debruçar (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA MARIA).

Rosa, por sua vez destaca enquanto um desafio a participação da


família, pois tendo o grupo familiar mais tempo com a criança, deve estabelecer
um viés de comunicação constante com a escola a fim de realizar um trabalho
contínuo contribuindo para a aprendizagem e desenvolvimento desse sujeito. A
esse respeito, diz que:

O desafio que eu acho é que nem sempre a gente encontra o


apoio da família e isso atrapalha muito mesmo porque se a
gente não tiver o apoio da família aí desanda tudo, as quatro
horas que a gente passa aqui com o aluno não dá pra competir
com o resto das vinte aí a gente faz aqui e em casa não faz ou
então faz o contrário desmancha tudo. (ENTREVISTA COM A
PROFESSORA ROSA).

Uma criança com TEA que apresenta facilidade em se comunicar, por


exemplo, é reflexo de uma efetiva participação na vida de sua família por meio
dos estímulos dos seus familiares. Portanto, é de grande relevância, o
envolvimento da família com as práticas desenvolvidas na escola (MACIEL;
FILHO, 2009).

28
Quanto aos pontos positivos das experiências das educadoras que
lecionam a criança com TEA, Rosa relata que fica muito feliz quando tem
sucesso no planejamento, quando percebe que suas ideias se materializam
nas práticas pedagógicas:

Ponto positivo é quando a gente planeja alguma coisa pra ele e


a gente conseguir, ter material, ter aquele suporte bem legal e
a variação de materiais pra poder utilizar com eles.
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA ROSA).

Maria expressa sua alegria refletindo sobre a importância do aluno com


deficiência em sala de aula, no efeito de mudança que causa o contato com ele
no professor, nos outros alunos. Ressalta o quanto práticas como essa
contribuem para a formação da pessoa, a promoção do respeito às
particularidades do outro. Ela explana:

Os pontos positivos é a questão da aprendizagem, acho que


quando você trabalha com alunos com deficiência, você
aprende muito, reflete muito sobre a sua prática, fica
incomodado com a situação pensando: “poxa, hoje eu podia ter
feito isso e não fiz”. Então você tá sempre exercendo a auto
reflexão sobre sua prática. E a questão da interação com os
outros colegas, estava conversando com as meninas que é tão
importante ter um aluno com deficiência na sala de aula porque
promove a questão do respeito com os colegas, a interação,
promove até a própria formação do aluno enquanto pessoa.
(ENTREVISTA COM A PROFESSORA MARIA).

A sétima e última categoria vai tratar da observação participante: a


experiência da pesquisadora enquanto estagiária no acompanhamento de
uma criança autista que ocorreu em uma escola regular de ensino, mantida
pela ONG já mencionada neste trabalho que inclusive, é o campo empírico
onde também acontece a prática das professoras entrevistadas nesse estudo.
Essa observação foi desenvolvida no âmbito do estágio. O estágio foi
desenvolvido respeitando a algumas etapas que favorecem o ritmo de
aprendizagem do educando diagnosticado com o TEA, considerando em todos
os momentos propostos suas limitações articulando junto a essas, suas
potencialidades. A partir de uma leitura inicial e permanente do comportamento
da criança, foram desenvolvidas atividades sequenciadas na perspectiva de

29
uma evolução contínua e processual no seu desenvolvimento social, cognitivo
e motor.
O autista apresenta uma maneira de ser e viver diferenciada
transcendendo seu incomodo diante de situações diversas ao seu redor. Essas
foram, entre muitas outras, características observadas nas atitudes do aluno
acompanhado na observação participante, destacadas principalmente sua
maneira de se isolar do grupo, de evitar o contato com outras pessoas, bem
como sua satisfação em estar distante do barulho e permanecer na presença
daqueles a quem confiava um contato mais aproximado.
A sociedade costuma se direcionar as pessoas autistas como aqueles
que vivem no mundo de forma ausente, pelo fato de ficarem desatentos as
acontecimentos em sua volta e com o pensamento distante. No entanto, não há
condições desses sujeitos apresentar um comportamento modelo e padrão
para a maioria das pessoas, uma vez que sentem dificuldades em se relacionar
e para se comunicar. As habilidades que permitiriam essas relações “normais”
ainda não foram desenvolvidas fazendo-as reagir de maneira diferente dentro
do contexto social em que estão inseridos. Os autistas estão presentes no
mundo e se sensibilizam a ele correspondendo como podem, conforme
diferenciações cognitivas e motoras. (MACIEL; FILHO, 2009).
No período correspondente a um ano e cinco meses, foi adotada uma
metodologia que atendeu a três grandes momentos, estes imprescindíveis para
a obtenção de resultados satisfatórios na construção da rotina do aluno com
TEA, enfatizando sua maturação motora, cognitiva e, sobretudo, social,
descritos a seguir.
O primeiro momento remete-se a observação do comportamento do
aluno, pela necessidade de conhecer suas características peculiares, suas
estratégias de comunicação e os contextos que o levam a manifestação de
comportamentos estereotipados ou a sinais visíveis a pessoas autistas. Essa
afinidade criada inicialmente com a criança é de suma importância, pois
garante o sucesso de todo o processo a ser desenvolvido, visto que o contato
físico não poderá ser evitado nos encontros entre professor e aluno.
Esse pensamento dialoga com Lemos, Salomão e Agripino Ramos
(2014), quando abordam a importância de estabelecer as relações de

30
confiança com a criança autista em um primeiro momento, se efetivando um
relacionamento que possibilitará uma participação mais efetiva acerca da rotina
escolar, bem como das interações com os colegas. A professora deve observar
nesse primeiro contato com a criança o seu comportamento, a fim de
possibilitar, posteriormente, situações em que o autista possa ensaiar
processos mais autônomos diante das necessidades que lhe forem
apresentadas.
Em seguida, foi necessário fazer uma avaliação quanto ao
comportamento observado diante dos estímulos pedagógicos apresentados,
por meio de registros escritos, tendo como finalidade primordial traçar metas a
curto, médio e longo prazo. A cada encontro, era possível identificar aspectos
relevantes na aprendizagem do aluno, pelas análises das anotações, fazia-se o
levantamento das áreas em que ele precisava ampliar o conhecimento tendo
sempre como ponto de partida o potencial que o aluno expunha. Por parte da
professora existia sempre a iniciativa de buscar estabelecer uma relação de
confiança para que o trabalho continuasse.
Posteriormente, foram realizadas intervenções com ações pedagógicas
que permitiram estabelecer vínculos afetivos, adquirir a confiança e
desenvolver a autonomia do educando. Essas atividades correspondem ao
trabalho com texturas e encaixes nas quais o foco era desenvolver sua
coordenação motora fina, a concentração em diversas situações e as
sensações táteis, fazendo-o distinguir texturas a partir do contato com as
propostas apresentadas, ampliando sua capacidade de comunicação. A
utilização de instrumentos lúdicos é muito válida nesse processo, pois além do
desenvolvimento de várias habilidades de grande relevância para o autista, lhe
é apresentado muitas sugestões de cores e tamanhos distintos que por meio
do manuseio, a criança terá possibilidades de aprender brincando.
Conforme Fantacini e Daguano (2011, p.114):

O lúdico quando presente no processo educacional da criança


contribui, de maneira prazerosa e mais eficaz, para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento de habilidades motoras e
do conhecimento da pessoa. As brincadeiras, jogos e
brinquedos quando presentes no cotidiano da criança faz com
que a aprendizagem seja mais descontraída e eficiente,

31
contribuindo para desenvolvimento e aperfeiçoamento de
habilidades físicas, intelectuais e morais do indivíduo.

Essa foi uma estratégia que mostrou ótima repercussão durante a


aplicação dos estímulos, pois o lúdico tem a capacidade de envolver a criança
na proposta e nessa experiência era compreendido que as cores chamavam a
atenção do aluno, fazendo com que ele se aproximasse de forma independente
para a manipulação das peças de encaixe, cores e tintas.
As atividades se caracterizavam pelo convite estendido ao aluno para
encaixar peças pequenas dentro das maiores, a professora iniciava o
procedimento, mostrando o passo a passo e depois que o aluno compreendia,
realizava sozinho. Quando, porventura, não acertava, entendendo não estava
correto, ficava nervoso e se irritava pois desejava logo concluir. Em outros
momentos, a estagiária lhe apresentava várias texturas, dentre elas uma lixa
áspera e o algodão, ambas tinham grande discrepância táteis. O aluno teria
que responder ao questionamento “Qual é a melhor?”, sobrepondo sua mão
naquela que lhe causasse mais conforto, que no caso era a lã de algodão,
mostrando repulsa a lixa.
Quando notada a sua grande dificuldade de segurar objetos de
espessura muito fina, foi realizado um trabalho que promovesse o contato com
objetos muito finos. Nessa proposta, a criança teria que direcionar palitos até o
local apropriado para o encaixe. Sentiu muitas dificuldades inicialmente, porém,
alcançou de pouco a pouco, as expectativas desejadas. Essa etapa foi o ponto
alto do estágio, uma vez que o aluno foi superando seus medos enfrentando os
desafios e acima de tudo, construindo aprendizagem.
O aluno sentia-se sempre muito desafiado no cumprimento daquilo que
lhe era proposto. À medida que as atividades requeriam mais a sua atenção se
tornava muito difícil atender aos comandos, pois era algo que lhe causava
muito desconforto e conflitos consigo mesmo.
As estratégias comunicativas a fim de dar indicadores daquilo que
almejava eram marcadas pela sinalização do olhar direcionado às coisas ou às
pessoas na tentativa de se fazer compreendido por todos. Tratava-se de uma
criança não verbal, portanto, não utilizava a linguagem oral enquanto recurso

32
de comunicação. Geralmente, pegava na mão da professora e a conduzia
conforme o local onde desejava chegar.
Nas palavras de Lemos, Salomão e Agripino Ramos (2014), o educador
deve estar atento as ações comunicativas que o aluno autista realiza quando
está em grupo, cercado de outras crianças. Observar como fazem para ser
entendidas e quais foram os estímulos que as levaram a isso é imprescindível
na busca sistematizar o seu acompanhamento dentro de sala de aula.
Dentro desse espaço, o aluno não apresentava interesse em estabelecer
relações normais de afetividade para com os colegas, sendo indiferente a eles.
As manifestações dos comportamentos estereotipados aconteciam com
muita frequência, especialmente quando o aluno ficava ocioso ou quando se
sentia contrariado. Eram utilizados por ele, instrumentos que provocassem
sons repetitivos e esses barulhos lhe dava satisfação, pois se acalmava
apenas para escutar.
A revelação de tais movimentos repetitivos é constante no
comportamento da criança autista e muitas vezes estão associadas à mudança
na rotina escolar. As principais características apresentadas por esses sujeitos
nesses momentos é o choro intenso, a ausência de senilidade à tentativa de
ajuda, a afeição a determinados locais da escola e a resistência em deslocar-
se quando lhe é orientado. (FILHO, 2010).
No desenrolar dos encontros, o comportamento do aluno foi se
adaptando as regras de rotina da escola quando estas não lhe exigiam muito,
como por exemplo, organizar o que havia desorganizado e compreender que
precisava aguardar sua vez, não agredir fisicamente aos colegas e a outras
pessoas, estas entre outras foram ações que começaram a serem realizadas
pelo educando dentro da escola.
Após os investimentos pedagógicos realizados na prática com esse aluno
dentro da sala de aula, foi possível perceber que o discente desenvolveu a sua
capacidade de escuta na medida em que atendia aos comandos, bem como
obteve sucesso no desenvolvimento de suas habilidades motoras, passando a
manusear objetos menores e mais finos, cujo processo era difícil para ele.
Além disso, passou a permitir o contato mais aproximado das pessoas que o
circundava.

33
Em linhas gerais, foi possível acompanhar o desenvolvimento da referida
criança, o suficiente para acreditar na escolarização de pessoas autistas. Na
caminhada, houve momentos que trouxeram inicialmente, sentimento de
impotência, pois a pesquisadora se percebeu frente a uma experiência
intrigante que lhe apresentava inúmeras inquietações. Todavia, a persistência
em buscar melhor conhecer as atribuições desse transtorno foi o que mais
motivou a permanência na área em busca de resultados significativos, além de
ter sido a causa da superação de suas fragilidades nesse fazer docente.
A vivência nessa experiência de pesquisa permitiu ampliar os
conhecimentos e compreender ainda mais a heterogeneidade que está
presente em um grupo de alunos. A escolarização é para todos, mesmo
quando não é possível acompanhar precisamente os padrões convencionais
que a sociedade sugere, pois, esta instituição possibilita trajetórias para além
de aprender a ler e escrever, possibilitando ao indivíduo que não consegue
desenvolver tais competências, desfrute de outros aprendizados que a ela
oferece.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados dessa pesquisa apontam para uma escolarização que


promove a inclusão de pessoas com deficiência mostrando, de maneira geral, a
capacidade docente em atingir as expectativas de aprendizagem de alunos
com TEA, contribuindo para o seu desenvolvimento pleno.

O trabalho foi realizado na perspectiva de compreender como ocorre a


escolarização de crianças com o Transtorno do Espectro Autista dentro da
escola regular por meio das análises das concepções de professoras que
lecionam esses alunos. A partir das práticas relevantes desenvolvidas nessa
área, descritas pelas educadoras, foi possível constatar as estratégias
pedagógicas que favorecem ou minimizam a participação e aprendizagem de
alunos com autismo.

34
O ponto de partida dessas estratégias é a mediação no processo de
ensino e aprendizagem e o desenvolvimento do senso crítico e criatividade no
planejamento e práticas pedagógicas.
Em linhas gerais, constata-se que as escolas ainda possuem muitas
fragilidades no que diz respeito as práticas pedagógicas direcionadas as
crianças com TEA.
Quanto aos limites da pesquisa, outros estudos podem apresentar
instrumentos diversos diferente do aplicado na nossa pesquisa (entrevista e
observação participante), contribuindo para enriquecer ainda mais a
compreensão da temática de tamanha relevância tanto no âmbito escolar
quanto no social como um todo.
A partir dessa realidade, sugerem-se investigações de natureza
interventiva acerca dos processos de ensino e aprendizagem de alunos com
TEA.
Estudar essa temática foi um momento de grande aprendizado nesse
período de formação, pois despertou uma grande inquietação por conhecer a
necessidade de maior atenção voltada as pessoas com autismo da nossa
sociedade. Ainda há muito a ser pensado, especialmente no que diz respeito
ao verdadeiro papel do professor para um trabalho de qualidade com alunos
autistas.
Existem muitas possibilidades da permanência de estudos nessa área
com vistas a desencadear outras descobertas e trazer muitas contribuições que
possam dar ainda mais visibilidade a esse trabalho.

35
8.REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Álvaro Cabral; LOTUFO NETO, Francisco. A nova classificação


Americana para os Transtornos Mentais: o DSM-5. Rev. bras. ter. comport.
cogn. São Paulo, v. 16, n. 1, p. 67-82, abr. 2014 .
BAPTISTA Claudio Roberto; BOSA, Cleonice at al. Autismo e educação:
reflexões e propostas de intervenções. Porto Alegre: Artmed, 2002.
BAPTISTA, Claudio Roberto. Ação Pedagógica e Educação Especial: A Sala
de Recursos como prioridade na Oferta de Serviços Especializados. Rev. Bras.
Ed. Esp., Marília, v.17, p.59-76, Maio-Ago., 2011. Edição Especial.
BOSA, C. A. Autismo: atuais interpretações para antigas observações. In C. R.
Baptista & C. A. Bosa (Orgs.), Autismo e educação: reflexões e propostas de
intervenção. Porto Alegre: Artmed,2002
COSTA, Bénard da. Promoção da educação inclusiva em Portugal.
Fundamentos e sugestões. Lisboa, (2006).
DELIBERATO, D. Comunicação alternativa: informações básicas para o
professor. In: Anna Augusta Sampaio de Oliveira; Sadao Omote; Claudia
Regina Mosca Giroto. (Org.). Inclusão Escolar: as contribuições da Educação
Especial. 1ed.São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2008,
FANTACINI, R. A. F.; DAGUANO, L. Q. O lúdico no universo autista. Revista
Linguagem Acadêmica, v. 1, p. 109-122, 2011.
FILHO, José Ferreira Belizário. MEC- Coleção A Educação Especial na
Perspectiva da Inclusão Escolar: transtornos globais do desenvolvimento.
Volume 9. Fortaleza: UFC, 2010.
GOMES, Camila Graciella Santos; MENDES, Enicéia Gonçalves.
Escolarização Inclusiva de Alunos com Autismo na Rede Municipal de
Ensino de Belo Horizonte. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v.16, n.3, p.375-396,
Set.-Dez., 2010.
LEMOS, Emellyne Lima de Medeiros Dias; SALOMÃO, Nádia Maria Ribeiro;
AGRIPINO-RAMOS, Cibele Shírley. Inclusão de crianças autistas: um
estudo sobre Interações sociais no contexto escolar. Rev. Bras. Ed. Esp.,
Marília, v. 20, n. 1, p. 117-130, 2014.
LIRA, Solange Maria de. Escolarização de alunos autistas: histórias de sala
de aula. Rio de Janeiro, 2004.
MACIEL, Mariene Martins; FILHO, Argemiro de Paula Garcia. Atendimento
educacional específico Autismo: uma abordagem tamanho família. In:
DÍAZ, F., et alorgs. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões
contemporâneas [online]. Salvador: EDUFBA, 2009.

36
PEREIRA, Marilu Mourão. A inclusão de alunos com necessidades
educativas especiais no ensino superior. UNIrevista - Vol. 1, n° 2: 2006.
RODRIGUES, David; LIMA-RODRIGUES, Luzia. Formação de professores e
inclusão: como se reformam os reformadores? Educ. rev., Curitiba, n. 41, p.
41-60, Set. 2011 .
RUTTER, M. Autismo infantil. Em C. Gauderer (Org.), Autismo e outros
atrasos do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Revinter, 1997.
SANINI, CLÁUDIA; SIFUENTES, MAÚCHA; BOSA, CLEONICE ALVES.
Competência social e autismo: o papel do contexto da brincadeira com
pares. Psicologia: Teoria e Pesquisa (UnB. Impresso), v. 29, p. 99-105,
2013.
SANTOS. Susana Batista. Perturbações do Espectro do Autismo:
estratégias inclusivas na sala regular do 1º CEB. Lisboa, 2012.
SILVA, Francisca da Silva. ALMEIDA, Amélia Leite de. Atendimento
educacional especializado para aluno com autismo: Desafios e
possibilidades. Intl. J. of Knowl. Eng., Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 62 – 88,
2012.
VYGOTSKY, Lev Simionovich. Coleção educadores – MEC. Massagana. 2010.
CUNHA, N. H. S. Distúrbios do comportamento. In: CAMARGOS Jr., W. (Org.).
Transtornos invasivos do desenvolvimento: 3° Milênio. Brasília: CORDE,
2002. p. 122-127.
FRASER, Márcia Tourinho Dantas. GONDIM, Sônia Maria Guedes.
Discussões sobre a entrevista na pesquisa qualitativa. Paidéia, 2004, 14
(28), 139 -152.
CHIZZOTTI, Antônio. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e
sociais: evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação. Vol. 16,
Braga, Portugal, 2003.
LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 22 nov.
2016

37
9. APÊNDICE 1- ROTEIRO DE ENTREVISTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CURSO DE

PEDAGOGIA

Caríssimo(a) professor(a) colaborador(a), o presente roteiro de entrevista é um


dos instrumentos de coleta de dados de pesquisa realizada para o trabalho de
conclusão de curso de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Informamos que sua identidade será mantida em sigilo.
Agradecemos antecipadamente sua colaboração.

10. ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO

1) Na sua formação inicial teve contato com os conhecimentos da educação


especial?

2) Descreva sua prática na escola direcionada aos alunos com autismo

3) O aluno (a) participa das atividades com os demais alunos? Como ocorre
essa participação

4) Como você organiza o planejamento das aulas para a turma tendo em vista
a presença desse aluno na sala?

5) Qual a função da professora auxiliar no planejamento e prática pedagógica


com a turma?

38
6) Quais as atribuições da professora e da professora auxiliar no processo de
escolarização de alunos com autismo

7) Como você avalia (quais os instrumentos de avaliação) a aprendizagem do


aluno com autismo?

8) Descreve a participação do aluno na educação física e em outros espaços e


atividades da escola

9) Nas suas experiências já teve contato com alunos autistas não-verbais?


Quais estratégias de comunicação utilizaram?

10) Quais os pontos positivos e os desafios na atuação pedagógica


direcionadas aos alunos autistas

39

You might also like