Professional Documents
Culture Documents
RESUMO
O pesquisador além de fazer ciência, deve refletir sobre o seu próprio fazer. Assim, o
presente artigo centra-se em apresentar e a refletir sobre a epistemologia e as ciências
sociais. Para tanto, busca-se compreender os princípios de autores que direcionaram
seus esforço para a reflexão deste contexto, compreendendo suas percepções e suas
contribuições para a base do pensamento epistemológico. Direciona-se o olhar as
atualidades do passado epistemológico, um passado que se faz presente em cada passo
do fazer comunicacional.
Introdução
Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.
William Shakespeare
O que é epistemologia?
Segundo Japiassu (1979, p. 24-38, grifo do autor), epistemologia “significa,
etimologicamente, discurso (logos) sobre a ciência (episteme)”6. Para este autor, a
epistemologia se trata dos estudos e reflexões dos métodos científicos, realizando um
“estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências”.
Contudo, é preciso ressaltar que “o conceito de epistemologia não tem uma significação
rigorosa e unívoca, com um conteúdo definitivo e aceito por todos os que se interrogam
como se constitui uma teoria científica”. As concepções epistemológicas de lógicos,
sociólogos e psicólogos muitas vezes se chocam e não se articulam harmoniosamente.
Assim, não há uma epistemologia comum a todos, estabelecida de forma
harmônica e com definições sólidas. A epistemologia, portanto, é um conceito flexível,
que objetiva a uma “teoria geral do conhecimento [...] interrogando-se sobre a gênese e
a estrutura das ciências”, visando a uma “análise lógica da linguagem científica”,
aliada ao “exame das condições reais de produção dos conhecimentos científicos”.
Então, o papel da epistemologia é “estudar a gênese e a estrutura dos conhecimentos
científicos” com um viés interdisciplinar, pois observa a ciência sob o prisma de
diversas disciplinas.
A epistemologia divide-se em duas categorias distintas: epistemologias
genéticas e epistemologias não-genéticas, sublinha Japiassu (1979, p. 36-39, grifo do
autor). Nas epistemologias genéticas, “o conhecimento deve ser analisado de um ponto
de vista dinâmico [...] ou diacrônico”, enquanto que nas epistemologias não-genéticas,
“o conhecimento é resultado de um ponto de vista estático ou sincrônico, quer dizer, e
sua estrutura atual”. Além de se configurar como um discurso sobre a ciência, a
epistemologia também é a história desta, pois “uma teoria das ciências só é
epistemologia porque a epistemologia é histórica. Assim, a historicidade é essencial ao
6
Na Grécia antiga, Platão distinguiu as noções de doxa e episteme, onde a primeira referia-se a uma opinião, ou uma
“crenças tomadas por certas”, enquanto a última era entendida como conhecimento (NORRIS, 2007, p. 12, grifo do
autor).
objeto da ciência sobre o qual é estabelecida uma reflexão que podemos chamar de
‘filosofia das ciências’”. A história da ciência e da epistemologia estão profundamente
ligadas, completando-se. Neste aspecto, “sem referência à epistemologia, toda a teoria
do conhecimento seria uma meditação sobre o vazio. Por outro lado, sem relação à
história das ciências, a epistemologia seria uma réplica inútil da ciência que toma como
objeto de discurso”7.
7
JAPIASSU, 1979, p. 31-33, grifo do autor.
conhecimento legítimo já não era uma luta para saber quem havia de controlar o
conhecimento relativo à ciência”, mas sim, “uma luta em torno de quem havia de
controlar o conhecimento relativo ao mundo humano”.
Neste contexto, o Estado Moderno sentiu a necessidade de possuir um
conhecimento mais preciso, mais concreto, no qual “pudesse basear as suas decisões”,
fato que levou ao “surgimento de novas categorias de conhecimento já no século
XVIII”. No entanto, tais categorias “afiguravam-se ainda incertas nas suas definições e
fronteiras”. Neste contexto, a universidade passou por um “processo de revitalização e
transformação no final do século XVIII e princípio do século XIX, tornando-se o lugar
institucional preferencial para a criação de conhecimento”. Portanto, “o processo de
disciplinação e profissionalização do conhecimento” corresponde “a criação de
estruturas institucionais permanentes destinadas, simultaneamente, a produzir um novo
conhecimento e a reproduzir os produtos desse conhecimento” e marcam a “história
intelectual do século XIX”8.
Contudo, foram os classicistas, os historiadores e os estudiosos das literaturas
nacionais, os que mais trabalharam em prol da revitalização da universidade no século
XIX. Mas, apesar disso, a universidade passou a presenciar um debate contínuo sobre a
relação entre a física e a filosofia, onde a primeira é “colocada em um pedestal”,
enquanto que a última é “renegada para um canto ainda mais oculto do sistema
universitário”.
Assim, “a ciência passa a ser proclamada como sendo a descoberta da realidade
objetiva através do recurso a um método que nos permitiria sair para fora da mente”,
enquanto que “aos filósofos não se reconhecia mais do que a faculdade de cogitar e
escrever sobre as suas cogitações”. Esta visão foi claramente afirmada por Auguste
Comte e John Stuart Mill, tornando a ciência, uma ciência positiva, exata; que “visava a
libertação total relativamente à teologia e à metafísica, bem como a todos os demais
modos de ‘explicação’ da realidade”. Em contraponto, os filósofos se tornariam
“especialistas em generalidades”9.
10 A escolha de tais autores se deu a partir da disciplina Epistemologia da Comunicação, ministrada pelo professor
Efendy Maldonado na Unisinos, no primeiro semestre de 2013, onde a turma de doutorandos teve a oportunidade de
conhecer e compreender as bases epistemológicas apresentadas pelo professor.
11 JAPIASSU, 1979, p. 34-35.
12JAPIASSU, 1979, p. 44-51, grifo do autor.
matemática) e das ciências empírico-formais (ciências físicas, biológicas e sociais),
deve ser necessariamente histórica”. No entanto, esta história precisa ser regressiva,
para possuir inteligibilidade, ou seja, é preciso que o pesquisador observe com as lentes
do passado, as ciências do passado.
Bachelard opõe-se à Augusto Comte e ao seu positivismo, que tinha como
pretensões “coordenar as diversas ciências e indicar-lhes os caminhos definitivos a
seguir”. Desta forma, para Comte, “o papel da filosofia ficaria reduzida a uma função de
síntese vulgarizadora e de pregação moral”. Bachelard, por sua vez, denuncia a não
apropriação deste pensamento filosófico tradicional, afirmando que a ciência necessita
tanto da força e dos poderes da razão, quanto da criatividade e da poesia. O teórico
inicia, então, seus esforços para o desenvolvimento e a valorização do campo do
imaginário, pois para ele, “o homem é ao mesmo tempo Razão e Imaginação”13.
Contudo, estes dois âmbitos, apesar de complementares, não podem ser confundidos: a
razão é o homem diurno e a poesia, o homem noturno14.
O viés científico racional de Bachelard revela que a “ciência não é
representação, mas ato”15, assim, nota-se que na epistemologia bachelardiana, não há
verdades ou realidades absolutas. Não há uma verdade correta e outras verdades
erradas: há várias verdades, pois “a verdade não é uma qualidade que pertenceria a esta
ou àquela opinião particular, mas o resultado da negação mútua das opiniões num
conflito entre os produtores de ideias”. Para o teórico, que não há um saber universal,
mas a necessidade de “compreender a relação do homem com o seu saber”.
Bachelard é um dos primeiros teóricos a defender a ideia de que a filosofia não
possui verdades e princípios intangíveis, e que o filósofo, por sua vez, não é o detentor
da razão única e absoluta, impondo suas concepções e verdades ao homem comum. O
duas Guerras Mundiais, o Círculo de Viena e, após a Segunda Guerra, a filosofia linguística ou de Oxford”. O autor
também conta-nos que, para o Círculo, Wittgenstein foi um líder, mas, ao mesmo tempo, “um membro oculto”, já que
o filósofo “nunca compareceu a uma sessão do Círculo”.
Ainda, sobre as proposições empíricas, Wittgenstein acredita que estas só
ocorrem “quando se sabe e/ou quando se pode afirmar o que a faz verdadeira, ou a faria
verdadeira”. Por exemplo, quando acreditamos que uma determinada superfície é
branca, devemos, primeiramente, saber o que é o branco. Deste modo, “o problema do
significado das frases” – aquela mesa é branca – “torna-se o tema central de uma teoria
do conhecimento empírico e deve ser diferenciado do problema de confirmar que uma
frase é verdadeira ou falsa”. Em suma, Wittgenstein afirma que a filosofia não é uma
teoria, mas “uma análise e descoberta da estrutura superficial e profunda da
linguagem”20, ou seja, crê que a verdadeira função da filosofia “não é criar uma nova
linguagem ideal, mas clarificar o uso de nossa linguagem, aquela existente”21.
Boaventura de Sousa Santos: sua contribuição é pertinente, em relação a
compreensão e distinção que realiza sobre o pensamento de raízes e o pensamento de
opções. Segundo Santos (2006, p. 49-50), este primeiro “apresenta-se como um
pensamento do passado contraposto ao pensamento das opções, o pensamento do
futuro”. Este pensamento de raízes, que se caracteriza por ser “profundo, permanente,
único, singular”, que “dá segurança e consistência”, juntamente com o pensamento das
opções, que é “variável, efêmero, substituível”, formam o caráter dual da “construção
social da identidade e da transformação na modernidade ocidental”.
No entanto, para o autor, se na sociedade medieval prevaleciam as raízes, na
sociedade moderna prevalecem as opções. E nessa sociedade de opções, Santos (2006,
p. 54-55) destaque que, “a partir da ciência, as boas opções são as opções legitimadas
cientificamente”, sendo que é tal fato que “implica, para Marx, a distinção entre
realidade e ideologia e, para Freud, a distinção entre fantasia e realidade”.
Contudo, o autor acredita no término desta equação raízes/opções, pois se estaria
vivendo tempos de turbulência e desestabilização, momento de perigo, onde está
bipartição dura não faria mais sentido. Nesta turbulência, haveria a presença da
“explosão das raízes” e, consequentemente, “a proliferação das diferenças”, ou seja, as
tribalizações, as guetizações e o afloramento das subjetividades.
24Para Morin (1989, p. 26-27), o mito é “um conjunto de condutas e situações imaginárias” e estas condutas podem
ser desempenhadas por “protagonistas personagens sobre-humanas, heróis ou deuses”.
Jesús Martín-Barbero: um dos mais importantes teóricos da América Latina,
dedicou-se profundamente à valorização e a constituição de uma comunicação
legitimamente latino-americana. Afirma que sua importante obra, Dos meios às
mediações (2009), buscava compreender quem era o latino-americano, para assim
compreender a sua comunicação. Por pertencer a uma região de fronteira, consegue
multiplicar a sua visão, ele vê além, vai e vem. Para o autor, o latino-americano não
aprende através de livros, mais sim, através das mídias, ou seja, através da televisão, do
rádio, do jornal. As telenovelas, deste modo, se mostram essenciais na construção de
imagem, pois o teórico percebeu que as pessoas gostam de falar sobre a telenovela,
porque através e com bases nestas, contam e refletem sobre a sua vida. Especificamente
sobre a educação, Martín-Barbero (2008) inspira-se nos preceitos de Paulo Freire, pois
também acredita que a educação é uma prática de liberdade.
Em suma, Martín-Barbero (2008) chama a atenção para o fato de que os teóricos
da América Latina embasavam-se essencialmente em teorias americanas e francesas.
Para o teórico, na década de 80, “não só tínhamos uma teoria da dependência, como
também começávamos a ver que boa parte da dependência era dependência intelectual”.
Apesar de haver teóricos e autores da América Latina, os pesquisadores insistiam em
olhar para o norte, onde “a esquerda citava os franceses, enquanto a direita citava os
norte-americanos”. Deste modo, Martín-Barbero (apud LOPES, 2009, p. 145)
objetivava a criação de “um pensamento latino-americano, de que não se tratava
simplesmente de misturar coisas que vinham da semiótica com outras do marxismo e da
teoria da dependência”. Para o teórico, era preciso utilizar teorias próximas para
compreender realidades próximas, pois teorias importadas não seriam condizentes com
objetos locais.
Considerações
O presente estudo é um esboço inicial para a compreensão da epistemologia,
pois abarcar amplamente a percepção dos teóricos aqui apresentados, demandaria uma
pesquisa grandiosa, que apenas um artigo não contemplaria. Assim, as pretensões acerca
deste estudo foram as de apresentar uma compreensão sob cada autor que apresenta uma
contribuição para o campo epistemológico.
Nesta reflexão, expõe-se a perspectiva de diferentes autores que por vezes se
assemelham ou diferem, podendo também divergir profundamente. Deste modo, o
intuito foi, justamente, apresentar e apontar a diversidade intelectual que compõe o
campo da epistemologia da comunicação.
No entanto, a descrição dos autores demonstram que o sujeitos em sua maioria
são adeptos aos pensamentos de Bachelard e de Popper, acreditando, como estes, que
não há uma verdade absoluta, única. Kuhn também auxilia a perceber que tudo depende
de perspectivas acerca de paradigmas, pois dependendo do ângulo, é possível ver um
coelho ou um pato. Boaventura, por sua vez, ressalta a importância de não cometermos
um epistemício, aniquilando um conhecimento em detrimento de outro. Obviamente,
não se encontram nesta reflexão todos os autores e preceitos que o estudo da
epistemologia abarca, mas sim, o início de uma investigação epistemológica, alicerçada
pelas teorias e autores que compõem o eixo central de tal investigação.
REFERÊNCIAS
DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. 3ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
HALLER, Rudolf. Wittgenstein e a Filosofia Austríaca: questões. São Paulo: Edusp, 1990.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2001.
LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Uma aventura epistemológica: entrevista com Jesús
Martín-Barbero. Marizes, nº 2, agosto de 2009, p. 143-162.
______. Estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
POPPER, Karl R. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1975.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Porto:
Edições Afrontamento, 2006.
WALLERSTEIN, Immanuel. Para abrir as ciências sociais. São Paulo: Cortez Editora, 1996.
______. Imprensar a Ciência Social: os limites dos paradigmas do século XIX. São Paulo:
Ideias & Letras, 2006.