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CÂMARA DOS DEPUTADOS

CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER LEGISLATIVO

Nívea Flausino Vitolo

Interações entre o Legislativo e o Executivo federal do Brasil na definição de


políticas públicas:
Especificidades da política de saúde

Professor: Fábio de Barros Correia Gomes

Brasília
2018
1. INTRODUÇÃO
As conclusões acerca das formas de interação entre o Legislativo e o Executivo
Federal do Brasil e o reflexo de tais relações na capacidade dos governos em definir as
políticas públicas vêm sendo gradativamente alteradas à medida que novos achados
empíricos vão sendo apresentados.
Inicialmente, dois polos de debate podiam ser identificados: o que atestava a
paralisia decisória no âmbito do sistema político e o que considerava a plena
governabilidade, com dominância do Executivo.
Segundo Ames (2003), o sistema eleitoral, as regras de formação de partidos, a
natureza da presidência e a separação de poderes entre o governo federal, governos
estaduais e prefeituras produzem um número excessivo de veto players e geram uma
“permanente crise de governabilidade”. O autor afirma que os atores políticos são
incentivados a maximizar seus ganhos pessoais e a apoiar projetos e recursos para suas
clientelas específicas. Nessa lógica, os presidentes da República precisam “estar sempre
reconstruindo maiorias”. O resultado, segundo o autor, seria um regime paralisado,
incapaz de gerar decisões rápidas e significativas, no qual qualquer alteração no status
quo exige uma elevada contrapartida de caráter fisiológico.
Seguindo vertente oposta, outros autores (SANTOS, 1997; SANTOS, 2003;
PALERMO, 2000; SHUGART; CAREY, 1992; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999)
sustentam que existe subordinação do Legislativo à agenda presidencial de políticas
públicas, propiciada pelas regras institucionais decorrentes tanto da Constituição quanto
das normas infraconstitucionais, em particular dos regimentos internos das Casas
Legislativas. Tais regras garantem a preponderância do Executivo, tendo em vista que
determinam a centralização do processo decisório nas mãos dos líderes partidários e da
Mesa e conferem poderes legislativos especiais ao presidente, que incluem a faculdade
para requerer a tramitação de seus projetos em regime de urgência e para editar medidas
provisórias, com força de lei.
Estudos mais recentes têm demonstrado uma realidade intermediária aos dois
extremos anteriormente defendidos, uma vez que reconhecem que os governos
democráticos eleitos após a promulgação da Constituição de 1988 têm tido capacidade
para governar, com influência e participação do Poder Legislativo. Uma maior variedade
de tipos de interações entre os Poderes Executivo e Legislativo, que não somente a
liderança do Executivo, tem sido identificada, com diferenciações significativas, de
acordo com o conteúdo das proposições.
Em um estudo de revisão feito pelo próprio Limongi (2010), o autor afirma que a
formação de um governo envolve tanto a partilha dos benefícios (distribuição de
ministérios e outros postos), como também concessões em termos das políticas públicas
a serem implementadas. Desse modo, conclui que a agenda do Executivo é a do governo
de coalizão, que é formado levando em conta as preferências do Legislativo.
Uma forma de mensurar o nível de articulação entre governo e Legislativo é pela
análise da aprovação dos projetos de lei de iniciativa do Executivo e da produção
legislativa de um modo geral. Segundo Limongi (2006), os principais indicadores
envolvidos nessa análise são a taxa de sucesso das iniciativas do Executivo, que é a
proporção entre o que é aprovado sobre o total enviado por este poder, e a taxa de
dominância, que consiste na divisão das leis de iniciativa do Executivo pelo total de leis
aprovadas no período.
Nesse contexto, Gomes (2011), por meio da utilização de uma abordagem
integrada da produção legislativa brasileira em perspectivas sistêmica e estratégica,
analisou proposições legislativas relativas a todos os temas de política pública e à política
de saúde apresentadas no Congresso Nacional entre 1999 e 2006 e identificou, para as
proposições em geral, que as taxas de dominância e de sucesso do Executivo variaram
inversamente com a hierarquia da via. No caso das proposições da área da saúde, a taxa
de desempenho apresentou esse mesmo comportamento, todavia, verificou-se maior taxa
de sucesso do Executivo na via constitucional em relação à via complementar. Segundo
o autor, isso pode ser justificado pela constitucionalização dessa política e da tendência
de o Executivo liderar a coalizão numa resistência ao aumento de recursos para o SUS.
Todavia, se não forem consideradas as proposições de iniciativa exclusiva do
presidente (projetos de lei de créditos orçamentários e medidas provisórias), as taxas
relativas à via ordinária reduzem-se drasticamente, tanto no caso das proposições em geral
como das proposições da área da saúde.
Ao analisar o desempenho de toda a coalizão, que contabilizam as aprovações
das propostas de iniciativa tanto do Presidente como dos parlamentares de sua base de
sustentação, observaram-se elevadas taxas em todas as vias, o que indica que o sistema
de produção legislativa está orientado para a promoção da governabilidade.
Aprofundando-se na utilização dos recursos disponíveis pelos atores, como os de
aceleração da tramitação (requerimentos de urgência), de obstrução, de modificação dos
textos (apresentação de emendas e substitutivos) e de aposição de vetos pelo Presidente
da República, Gomes (2011) identificou variados tipos de interação entre os Poderes
Executivo e Legislativo.
Constatou haver cooperação entre os poderes na aprovação de projetos de lei de
créditos orçamentários e de projetos de lei complementar da oposição; liderança da
coalizão na aprovação de proposições em todas as vias, em especial, nas de conteúdos
com conflito distributivo e que afetam a governabilidade; e impasse, nas situações de veto
total observadas nas vias ordinárias e complementar. A liderança autônoma do
Legislativo, apesar de sugerida pela elevada taxa de dominância desse Poder, não pôde
ser afirmada, em virtude do alto desempenho da coalizão.
No que se refere ao conteúdo normativo das políticas públicas, Gomes (2011)
assinalou que o sistema legislativo está estruturado pela Constituição Federal, que orienta
a elaboração das normas segundo os princípios da governabilidade com accountability,
da equidade e da responsabilidade orçamentária. Desse modo, os atores do sistema
político, ao conformar suas agendas (propostas de políticas), devem levar em
consideração tanto as referidas diretrizes constitucionais como as preferências dos seus
redutos eleitorais e aquelas originadas do pertencimento à coalizão de governo ou à
oposição (conexão eleitoral).
A coexistência dessas influências resultou, no período analisado por Gomes
(2011), em uma agenda parlamentar que não esteve focalizada na satisfação de interesses
de grupos, mas também buscou abarcar os amplos anseios da sociedade. Ademais, não
foram encontrados sinais de demarcação da agenda entre os Poderes.
Visando a conferir maior robustez a seus achados e a detectar particularidades do
jogo político em tema de alta relevância e de elevado conflito distributivo, Gomes (2011)
uniu à análise quantitativa estudo de caso relacionado ao financiamento da saúde, por
meio do qual analisou as histórias legislativas das proposições afetas ao tema desde a
constituinte até 2009.
Nesse estudo, o autor identificou que, apesar de terem surgido propostas
adequadas no âmbito do Poder Legislativo no período estudado, o Poder Executivo foi
capaz de organizar a coalizão para impedir avanços mais significativos, sinalizando a
existência de fragmentações na sociedade e no Estado, reveladas pela falta de prioridade
da implantação do SUS, desarticulação em sua defesa, pouca firmeza ideologico-
partidária e uma supervalorização do equilíbrio fiscal.
Considerando a consistência do método empregado por Gomes (2011) e suas
importantes conclusões, o presente trabalho pretende aplicar o modelo por ele proposto
para período mais recente (2011 a 2014), para as proposições relativas tanto às políticas
em geral como às políticas de saúde iniciadas na Câmara dos Deputados, com vistas a
verificar se os seus achados relativos à fusão da agenda legislativa dos poderes, segundo
o conteúdo; às taxas de sucesso e de dominância dos atores e à utilização dos recursos
legislativos pelos atores persistem com o tempo.
Ainda, considerando-se o agravamento da situação do financiamento da saúde
observado após 2009, quando se encerra o período analisado por Gomes (2011),
prosseguir-se-á o estudo desse caso, de modo a identificar as nuances supervenientes do
jogo político entre os atores do sistema nesse tema de alta relevância e conflito
orçamentário, até a aprovação da Lei Complementar n. 141, de 2012.
A pesquisa justifica-se pelo fato de que mudanças importantes no processo
legislativo que influenciam diretamente as relações entre os poderes ocorreram em
período posterior ao analisado por Gomes (2011), o que pode trazer novas implicações às
interações entre os atores políticos.
Nesse contexto, citam-se as alterações no rito das medidas provisórias, ocorridas,
respectivamente, em 2009 e em 2012. A primeira consubstanciou-se na decisão da
Presidência da Câmara de que o sobrestamento de pauta por medidas vincendas somente
atingiria matéria passível de ser tratada por medida provisória e que estivessem em pauta
de sessões ordinárias. A segunda trata da determinação feita pelo Supremo Tribunal
Federal de que todas as medidas provisórias fossem apreciadas por Comissão Mista
específica. Em 2013, a Suprema Corte interferiu mais uma vez na prática legislativa, ao
decidir pela obrigatoriedade de apreciação dos vetos pelo Congresso Nacional, em sessão
conjunta, no prazo de 30 dias do seu recebimento.
Trata-se de alterações que afetam as possibilidades estratégicas dos atores
relativamente a todos os tipos de proposições e que podem implicar mudanças nas
interações entre os Poderes.
Ademais, importa mencionar que, em 2011, iniciou-se o primeiro mandato da
Presidente Dilma Roussef, e que, a partir de 2013, o país deparou-se frente a uma forte
crise econômica, o que propicia alterações nas definições de políticas públicas.
O presente estudo se propõe, portanto, a avaliar quantitativamente se as alterações
do contexto institucional, político e econômico afetaram indicadores como taxa de
sucesso, taxa de desempenho, tempo médio de aprovação e índice de derrubada de vetos.
No que se refere ao estudo qualitativo referente ao financiamento da saúde
realizado por Gomes (2011), que englobou o período desde a constituinte até as tentativas
de regulamentação da EC 29/2000 efetuadas no ano de 2009, destaca-se que, após o
período analisado, novas normas foram editadas, gerando um agravamento ainda maior
da situação da saúde pública do país. Desse modo, o presente estudo visa a avaliar as
circunstâncias em que a Lei Complementar 141, de 2012, foi aprovada, com vistas à
identificação das nuances das interações entre os Poderes Executivo e Legislativo na
definição dos parâmetros de direcionamento de recursos ao setor.

2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada consistiu na aplicação de uma abordagem sistêmica e
estratégica, que considerou o contexto histórico, em uma combinação de métodos
quantitativos e qualitativos.
A abordagem sistêmica traduz-se na utilização do sistema de produção legislativa
descrito por Gomes (2011) como unidade de análise, considerando-se todos os seus
elementos: regras estruturantes, atores, recursos, instâncias de decisão e tipos de políticas
produzidas.
A abordagem estratégica, por sua vez, consiste em avaliar os interesses e escolhas
dos atores diante das regras, instâncias de decisão e dos recursos disponíveis.
A contextualização histórica foi empregada para situar os achados do estudo na
série de tendência histórica e evitar análises isoladas desconectadas. Para isso, foram
considerados as informações históricas e achados descritos por Gomes (2011).
A análise quantitativa baseou-se no tratamento de dados relativos às proposições
de todas as áreas de política e, em especial, da política de saúde, apresentadas na Câmara
dos Deputados entre 2011 e 2014, de modo que expressassem informações acerca da
agenda legislativa dos poderes, segundo o conteúdo; das taxas de sucesso e de dominância
dos atores; da utilização dos recursos legislativos pelos atores e dos tipos de interação
entre os poderes observáveis no sistema. A análise abrangeu as Propostas de Emenda à
Constituição (PEC), os Projetos de Lei Complementar (PLP) e os Projetos de Lei
ordinária (PL), e levou em consideração a situação das proposições em abril de 2018. A
classificação das proposições foi realizada, conforme metodologia definida pelo Grupo
de Pesquisa e Extensão sobre o Legislativo e a Política de Saúde no Brasil (GPE-
SAÚDE).
A análise qualitativa foi feita por meio do estudo de caso do financiamento da
saúde, escolhido em virtude da sua extrema relevância para a sustentabilidade da política
e das sérias restrições que vem sofrendo ao longo do tempo. Para isso, foram utilizados
os dados obtidos por Gomes (2011) para contextualização histórica do caso, delimitando-
se o caso a ser estudado aos eventos legislativos ocorridos a partir do ano de 2009 até a
edição da Lei Complementar n. 141, de 2012.

2.1 Hipóteses:
As seguintes hipóteses de pesquisa foram definidas, com base nos achados de
Gomes (2011):
1- As taxas de dominância do Executivo indicam não haver preponderância desse
Poder na via ordinária, se desconsiderarmos as proposições de iniciativa exclusiva do
Presidente (medidas provisórias e projetos de lei de do Congresso Nacional), e na via
constitucional. A taxa de dominância da coalizão, todavia, é expressiva e majoritária em
todas as vias. A taxa de sucesso do Executivo é bem superior à dos demais atores em
todas as vias. No caso das políticas de saúde, a taxa de sucesso do Executivo na via
constitucional supera a obtida para as demais vias, haja vista a constitucionalização da
política de saúde, inclusive do seu financiamento.
2- O tempo médio de tramitação das proposições do Executivo é mais curto do
que o do Legislativo.
3 – O Executivo utilizou-se do recurso do veto total, indicando haver situações de
impasse entre os Poderes.
4 - As agendas dos Poderes são compartilhadas e abrangem todas as áreas da
política de saúde.
5 - O sistema de produção legislativa relacionado à saúde funciona com
regularidades quanto à utilização das vias estratégicas, segundo temas de interesses dos
atores, bem como quanto aos conteúdos e quantitativos de produção em cada via.
Esperam-se novas regularidades em função do amadurecimento do sistema.
6 – Os conteúdos temáticos associados a um maior conflito distributivo
(marcadamente o envolvimento do orçamento federal) e à governabilidade são a base dos
variados tipos de interação entre os Poderes. Interações conflituosas são verificadas
quando há envolvimento orçamentário.
3. RESULTADOS

3.1 Taxas de Sucesso e de Dominância


Nas Tabelas 1 a 3, foram compilados os achados obtidos neste estudo e os
descritos por Gomes (2011) relativos às taxas de sucesso e de dominância, no que se
refere tanto às políticas em geral como às políticas em saúde.
No caso das proposições em geral (Tabela 1), comparando-se as taxas de sucesso
dos diferentes atores no período analisado por Gomes (2011), que abrange o segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) e o primeiro mandato de Luís
Inácio Lula da Silva (2003-2006), com as obtidas para o primeiro mandato de Dilma
Roussef (2011-2014), observa-se um aumento significativo do desempenho do Senado
Federal no Governo Dilma.
Todavia, isso não implicou uma redução do sucesso do Executivo, que se manteve
com bons rendimentos nas vias complementar e ordinária (considerados apenas os
Projetos de Lei – PL), chegando a 100% de sucesso na via constitucional.

Tabela1 – Comparativo da distribuição de taxas de sucesso, segundo as vias legislativas, de


proposições em todos os temas de política, com ingresso na Câmara entre 1999 e 2006 e
entre 2011-2014

Deputados Senadores Executivo Todos os autores


Via 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011-
2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014
Constitucional 0,3 1,4 2,2 29,4 36,8 100,0 1,3 2,9
Complementar 0,7 0,7 2,3 18,8 53,8 40,0 2,6 1,8
Ordinária (PL) 1,5 1,4 4,5 14,3 46,6 58,3 3,3 3,4
Fonte: Banco de Dados do Estudo e (*) achados de Gomes (2011)

No tocante à política de saúde (Tabela 2), o sucesso do Senado Federal também


foi bastante expressivo no primeiro mandato do Governo Dilma, chegando a 100% no
nível constitucional. Os deputados não obtiveram qualquer aprovação nas vias de maior
hierarquia (constitucional e complementar). O Poder Executivo, por outro lado, nem
sequer apresentou proposições nesse campo da política nessas vias no período. Na via
ordinária (PL), em que participou, manteve taxa de sucesso semelhante à alcançada no
período de 1999 a 2006.
Tabela 2 - Comparativo da distribuição de taxas de sucesso, segundo as vias legislativas, de
proposições nos temas relacionados à saúde, com ingresso na Câmara entre 1999 e 2006 e
entre 2011-2014

Deputados Senadores Executivo Todos os autores


Via 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011-
2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014
Constitucional 0,8 0,0 40,0 100,0 66,7 NA 6,1 3,7
Complementar 0,9 0,0 0,0 14,3 33,3 NA 1,8 1,2
Ordinária (PL) 1,0 0,6 23,6 16,4 48,7 45,0 2,6 1,9

Fonte: Banco de Dados do Estudo e (*) achados de Gomes (2011)


NA: Não foram apresentadas proposições no período

Já as taxas de dominância do Poder Executivo no período de 2011-2014, relativas


às políticas em geral, que refletem o nível de participação desse ator na produção
legislativa, apresentaram drásticas reduções em relação aos valores obtidos para o período
de 1999-2006. Essas reduções alcançaram o percentual de 53,8% para a via
constitucional; de 55,4% para a via complementar e de 48,2% para a via ordinária (PL).
Até mesmo ao se considerar toda a coalizão (Tabela 3), nas vias complementar e
ordinária (PL), houve redução das taxas de dominância no percentual de 13,2% e de
39,5%, respectivamente. Na via ordinária (PL), a coalizão passa a não ter mais
participação majoritária na definição de políticas.
Na via constitucional, por outro lado, o governo e sua base parlamentar atingiram
a expressiva taxa de dominância de 92,3%.
No caso das políticas de saúde, como não houve atividade propositiva do
Executivo nos níveis constitucional e complementar no primeiro mandato do Governo
Dilma, as taxas de dominância relativas a essas vias naturalmente foram nulas. Já no nível
ordinário (PL), houve uma redução de 39,4% de sua participação na produção legislativa
em relação ao período avaliado por Gomes (2011). A coalizão também obteve menor
participação em todos os níveis (43,8% menor no nível constitucional e 1,6% menor no
nível ordinário - PL), que chegou a ser nula na via complementar.
Tabela 3 - Comparativo da distribuição de taxas de dominância, segundo as vias legislativas,
de proposições nos temas relacionados à saúde, com ingresso na Câmara entre 1999 e 2006
e entre 2011-2014
Políticas em Geral Política de Saúde
Executivo Coalizão Executivo Coalizão
Via
1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011-
2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014
Constitucional 33,3 15,4 90,5 92,3 44,4 0,0 88,9 50,0
Complementar 56,0 25,0 72,0 62,5 50,0 0,0 50,0 0,0
Ordinária (PL) 32,8 17,0 76,9 46,5 33,0 20,0 67,8 66,7

Fonte: Banco de Dados do Estudo e (*) achados de Gomes (2011)

Esses dados indicam não haver predominância do Executivo em nenhuma das vias
estratégicas, tanto no que se refere às políticas em geral como às políticas de saúde. Por
outro lado, para as políticas em geral, foi possível constatar a predominância da coalizão
nas vias constitucional e complementar, e, para as políticas de saúde, a predominância
ocorreu na via ordinária (PL).

3.2 Tempos Médios de Tramitação


Comparando-se os tempos médios de tramitação das proposições de todos os
campos da política que foram convertidas em norma (Tabela 4), observa-se que o Poder
Executivo conseguiu manter, no período de 2011 a 2014, em todas as vias, maior
celeridade de tramitação em relação aos demais autores.
Os integrantes da coalizão aparecem em segundo lugar, revelando uma boa
eficiência, quando se trata de autores da base do governo.
Tabela 4 - Comparativo da distribuição de tempos médios de tramitação, segundo as vias
legislativas, de proposições convertidas em norma em todos os temas de política, com
ingresso entre 1999 e 2006 e entre 2011-2014

Deputados Senadores Executivo Coalizão


Via 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011-
2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014
Constitucional 985,0 780,0 1323,0 764,8 315,0 577,0 892,0 757,8
Complementar 1093,0 1321,0 656,0 758,3 520,0 389,0 553,0 678,0
Ordinária (PL) 1064,0 1395,4 1129,0 1482,1 451,0 365,9 788,0 1080,2

Fonte: Banco de Dados do Estudo e (*) achados de Gomes (2011)

No caso das políticas de saúde (Tabela 5), a conversão em norma dos projetos de
lei ordinários do Poder Executivo foi mais rápida do que a observada para os demais
autores. Nas demais vias, como já mencionado, não houve atividade propositiva desse
Poder.
A coalizão, por sua vez, obteve melhores tempos do que os alcançados pelos
demais autores na via ordinária (PL). Na via constitucional, os senadores apresentaram
uma pequena vantagem.
Tabela 5 - Comparativo da distribuição de tempos médios de tramitação, segundo as vias
legislativas, de proposições convertidas em norma nas políticas relacionadas à saúde, com
ingresso entre 1999 e 2006 e entre 2011-2014
Deputados Senadores Executivo Coalizão
Via 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011- 1999- 2011-
2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014 2006* 2014
Constitucional 1070,0 NA 575,0 677,5 225,0 NA 402,0 790,0
Complementar 155,0 NA NA 725,0 385,0 NA 385,0 NA
Ordinária (PL) 1241,0 1223,0 1193,0 1665,7 393,0 207,0 785,0 1114,4

Fonte: Banco de Dados do Estudo e (*) achados de Gomes (2011)


NA: Não houve proposições convertidas em norma no período

Esses dados indicam que o Executivo mantém sua habilidade em acelerar as


tramitações de suas proposições. Isso pode ser feito por meio da utilização de recursos
legislativos, tais como os requerimentos de urgência, que não foram objeto de análise no
presente estudo.

Os resultados obtidos revelam também uma grande eficiência na tramitação dos


projetos apresentados pelos integrantes do governo e de sua base de apoio (coalizão), e
uma vantagem temporal do Senado Federal na aprovação de políticas de saúde na via
constitucional, relativamente à coalizão.

3.3 Agenda da Saúde


Observando-se a distribuição dos temas de saúde abordados pelos diferentes
autores no período de 2011 a 2014 (Tabela 6), foi possível constatar que o grupo temático
Gestão, Recursos e Pesquisa em Saúde (GRP) foi relevante tanto na agenda de iniciação
como de aprovação da via constitucional.
Na via complementar, apesar de a atividade propositiva da Câmara também ter
sido relevante nesse grupo temático, o grupo Direitos e Responsabilidades (DIR) foi mais
abordado pelos projetos apresentados pelos senadores. Esse também foi o tema de todos
os projetos convertidos em Lei Complementar
Na via ordinária (PL), observou-se atividade propositiva em todos os grupos
temáticos, inclusive pelo Poder Executivo. Destaca-se o maior interesse da Presidente
pelo tema Gestão, Recursos e Pesquisa em Saúde (GRP) e dos parlamentares pelo tema
da Promoção da Saúde, Prevenção e Controle de Doenças e Agravos (PPC). A agenda
aprovada nessa via apresentou maior concentração no tema PPC.
No caso da análise afeta à agenda legislativa, não foi possível fazer uma
comparação quantitativa com os achados de Gomes (2011), em virtude da diferença de
metodologia de classificação das proposições. Todavia, como as categorias temáticas
empregadas nos dois estudos são semelhantes, é interessante mencionar que esse autor
identificou, que, no período de 1999-2006, os grupos de ações e serviços de saúde e de
benefícios foram os mais frequentes em todas as vias, o que não foi percebido no presente
estudo. Isso pode ser explicado pela segregação, na nova tipologia, dos benefícios no
grupo temático DIR. Gomes (2011) constatou também que o tema relativo à redução de
risco de doença se destacou na via ordinária (PL), o que também foi identificado no
presente estudo, tendo em vista os elevados percentuais do tema PPC nessa via.
Os dados obtidos indicam não haver delimitação de agenda por autor, uma vez
que os diversos autores apresentam proposições em todos os temas da política de saúde.
O que ocorre é uma especialização, de acordo com as características de cada via. Há uma
concentração de temas econômicos e relacionados a direitos nas vias de maior hierarquia
(GRP e DIR), por serem temas afetos a tais vias.
Tabela 6 - Proporção de grupos temáticos da saúde das proposições apresentadas na
Câmara dos Deputados entre 2011 e 2014 e aprovadas até abril de 2018, nas diferentes vias
legislativas

VIA CONSTITUCIONAL
FASES EDITOR ASA DIR GRP PPC OUT
Câmara 14,00 26,00 52,00 8,00 0,00
INICIAÇÃO
Senado 0,00 0,00 100,00 0,00 0,00
APROVAÇÃO Senado 0,00 0,00 100,00 0,00 0,00
VIA COMPLEMENTAR
Câmara 2,50 25,00 52,50 16,25 5,00
INICIAÇÃO
Senado 0,00 71,43 28,57 0,00 0,00
APROVAÇÃO Senado 0,00 100,00 0,00 0,00 0,00
VIA ORDINÁRIA (PL)
Câmara 12,39 21,65 12,11 53,53 0,32
Senado 14,29 26,43 12,86 45,00 1,43
INICIAÇÃO
Poder Executivo 10,00 10,00 50,00 30,00 0,00
Outros 0,00 0,00 66,67 33,33 0,00
Câmara 15,38 7,69 7,69 69,23 0,00
APROVAÇÃO Senado 21,74 17,39 8,70 52,17 0,00
Poder Executivo 11,11 22,22 33,33 33,33 0,00

Legenda: ASA – Assistência à Saúde; DIR – Direitos e Responsabilidades; GRP – Gestão, Recursos
e Pesquisa em Saúde; PPC – Promoção da Saúde, Prevenção e Controle de Doenças e Agravos; OUT
– Demais temas relacionados à saúde

3.4 Vetos Totais


Comparando-se as proporções de vetos totais apostos nas vias ordinária (PL) e
complementar nos períodos de 1999-2006 e de 2011-2014 (Tabela 7), observa-se um
aumento considerável da utilização dessa ferramenta pelo Poder Executivo no primeiro
mandato do Governo Dilma. Para as políticas em geral, o aumento foi de 600% na via
complementar. Na via ordinária (PL), a taxa manteve-se constante. Para as políticas de
saúde, houve aumento de 1200% na via complementar e de 100% na via ordinária (PL).

Tabela 7 - Comparativo da proporção de vetos totais em relação ao total de projetos


apresentados nas vias ordinária (PL) e complementar nos períodos de 1999 a 2006 e de 2011
a 2014
Políticas em Geral Políticas de Saúde
Via 1999- 2011- 1999- 2011-
2006* 2014 2006* 2014
Complementar 0,1 0,7 0,0 1,2
Ordinária (PL) 0,2 0,2 0,1 0,2

Fonte: Banco de Dados do Estudo e (*) achados de Gomes (2011)


Considerando que o veto é forte indicativo do conflito entre Executivo e
Legislativo, pois sinaliza incapacidade de construção de consenso na arena legislativa, os
dados indicam ter havido, no primeiro mandato do governo Dilma, um aumento do
número de impasses entre os Poderes. O fato de todos os vetos terem sido mantidos pelo
Congresso Nacional, com exceção de dois ainda pendentes de análise, sinaliza que as
questões abordadas não possuíam amplo consenso nem mesmo no âmbito do Legislativo.

3.5 ESTUDO DE CASO SOBRE O FINANCIAMENTO DA SAÚDE


O caso objeto do presente estudo restringiu-se à aprovação da Lei Complementar
141, de 2012. Foram utilizados os dados obtidos por Gomes (2011) para a
contextualização histórica e foram analisados os eventos legislativos ocorridos a partir do
ano de 2009 até a edição da Lei.

3.5.1 Contexto Histórico


Gomes (2011) realizou um estudo detalhado acerca dos impasses relativos ao
financiamento da saúde desde a Constituinte de 1988 até as tentativas de regulamentação
da Emenda Constitucional 29/00 que tramitaram no Congresso Nacional até o ano de
2009.
Em seu estudo, o autor identificou que, para a definição do sistema de saúde,
havia, na Constituinte, interesses conflitantes: público e privado, trabalho e capital,
estatização e liberalismo. Os segmentos contrários à estatização abrangiam os setores
hospitalar privado, de medicina de grupo, de cooperativas médicas e o setor liberal de
medicina. Como resultado da interação dessas forças, foi criado um sistema único
público, porém com a permissão de atuação do setor privado (GOMES, 2011).
No tocante ao financiamento da saúde, não foi estabelecida solução duradoura,
conquanto destinou-se, por meio do Ato das Disposições Transitórias, um percentual
mínimo de 30% do orçamento da Seguridade Social, excluído o seguro-desemprego, até
que a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO dispusesse sobre a questão. A LDO
reproduziu tal percentual até o ano de 1994, quando o presidente Itamar Franco vetou o
dispositivo que tratava do piso (GOMES, 2011).
Destaca-se que a edição das Lei n. 8.080 e 8.142, ambas em 1990, regulamentaram
o SUS, todavia não trouxeram a definição dos recursos para fazer frente à instituição do
sistema único ainda em construção (GOMES, 2011).
Diante da indefinição de um montante estável para o custeio do sistema, surgiram
determinadas propostas no âmbito legislativo para mitigar o problema (GOMES, 2011).
Nesse contexto, instituiu-se, em 1996, a Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF), por meio da Emenda Constitucional n. 12, com
destinação exclusiva ao Fundo Nacional de Saúde, cuja cobrança não excederia dois anos.
Todavia, houve sucessivas prorrogações por meio das Emendas 21/1999, 37/2002 e
42/2003, e a contribuição somente veio a ser extinta em 2007 (GOMES, 2011).
A CPMF não se constituiu efetivamente em reforço de caixa para a saúde, uma
vez que o percentual de 20% já era diretamente abatido pela Desvinculação de Receitas
da União (DRU), o que também acontecia com outras fontes de recursos da Seguridade
Social, como a Contribuição para o financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) (GOMES, 2011).
Em 1993, foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 169, que
pretendia destinar à saúde 30% das receitas das contribuições e 10% da receita dos
impostos. Essa proposta não chegou a ser votada em plenário e, em 1999, foi apensada à
PEC 82, de 1995, que propunha a destinação de todos os recursos das contribuições sobre
o lucro e sobre o faturamento para a saúde. O relator da proposta alterou substancialmente
o conteúdo das propostas originais o que culminou com a aprovação da Emenda
Constitucional n. 29, de 2000, que passaria a destinar à saúde cerca de 50% a menos do
que pretendia a PEC 169/1993 (GOMES, 2011).
A EC 29 estabeleceu que a aplicaçaõ miń ima da Uniaõ em ações e serviços
públicos de saúde (ASPS) seria o montante aplicado no ano anterior corrigido pela
variaçaõ nominal do Produto Interno Bruto (PIB) e, no caso dos estados e dos municiṕ ios,
de 12% e 15%, respectivamente, da receita de impostos e transferências constitucionais e
legais. Regras de transiçaõ foram estabelecidas, de forma que a Uniaõ passasse a cumprir
este mínimo a partir de 2000 e os demais entes a partir de 2004, com percentuais
escalonados da receita que iniciavam em 7% em 2000.
A partir de então, o movimento sanitário passou a defender um piso mínimo para
gastos em saúde pela União de 10% das receitas correntes brutas, consubstanciado no
Projeto de Lei Complementar (PLP) 01-2003. Tratava-se de um recuo frente ao proposto
pela PEC 169/1993, todavia, um avanço frente ao disposto na EC 29/2000 (GOMES,
2011).
Apesar de aprovada pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), houve
grande resistência da coalizão para aprovação da matéria em plenário, inclusive de
membros da Frente Parlamentar da Saúde, que acabaram cedendo à intenção do governo
e colaborando para a aprovação de um texto totalmente descaracterizado, que
contemplava apenas recursos da CPMF para o setor. Considerando que essa contribuição
foi extinta em 2007, a tramitação do projeto no Senado (sob a designação de PLC
89/2007) acabou por perder o sentido (GOMES, 2011).
Em março de 2007, o Senador Tião Viana do PT/AC apresentou o PLS 121/2007,
que visava a regulamentar a EC 29/2000, estabelecendo que a União deveria aplicar em
ações e serviços de saúde o percentual de 10% da sua Receita Corrente Bruta (GOMES,
2011).
No Senado, o projeto foi apreciado pelas Comissões de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS). Na CCJ,
foi distribuído ao Senador Antonio Carlos Valadares (PSB/SE) e aprovado, no que se
refere aos aspectos de constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa. Na CAE,
sob a relatoria da Senadora Patrícia Saboya, do PDT-CE, recebeu 25 emendas, uma das
quais suprimia o dispositivo que estabelecia, como piso de gastos da União com saúde, o
montante de 10% da Receita Corrente Bruta e retomava o texto da EC 29, que
determinava a correção pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Na CAS,
sob relatoria do Senador Augusto Botelho (sem partido), o projeto recebeu 13 emendas e
3 subemendas, e acabou sendo retomado o critério anterior do cálculo do piso da União
com base na Receita Bruta (GOMES, 2011).
Em abril de 2008, a matéria foi plenário, onde recebeu 16 emendas. Essas emendas
foram rejeitadas pelo relator Senador Augusto Botelho, que apresentou uma subemenda
a uma delas. O texto do projeto e todas as emendas e subemendas foram submetidos a
voto, e foi então mantido o texto de uma das emendas da CAS que propunha o piso com
base na Receita Bruta, com adesão de 100% dos votantes (GOMES, 2011).
Em maio de 2008, o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados, sob a
denominação de PLP 306/2008. Na CSSF, sob relatoria do Deputado Rafael Guerra
(PSDB-MG), recebeu parecer pela aprovação do texto do Senado. Em seguida, foi
aprovado requerimento de urgência solicitado pelos líderes e a matéria foi a plenário
(GOMES, 2011).
O Deputado Pepe Vargas (PT/RS) relatou o projeto pela CFT, e apresentou
substitutivo, que eliminava o piso de 10% da receita Corrente Bruta, sob o argumento de
falta de demonstração de origem dos recursos, e, alternativamente, retomava o critério de
atualização pela variação do PIB, com um adicional proporcionado pela arrecadação da
Contribuição Social para a Saúde (CSS), com as mesmas características de incidência
tributária da extinta Contribuição Provisório sobre Movimentação Financeira - CPMF,
com a diferença que sua arrecadação estaria totalmente vinculada ao custeio das despesas
na área da saúde (GOMES, 2011).
A bancada de oposição iniciou então um forte processo de obstrução à matéria e
apresentou emendas para retornar o texto do Senado. O relator da CSSF acata as emendas
que retomam texto do Senado, apresentando uma subemenda substitutiva global. Já o
relator da CFT as rejeita, apresentando uma subemenda substitutiva global, que mantem
a regra do PIB e da CSS, com outros ajustes, incluindo um que deixa claro que os recursos
da CSS seriam recursos adicionais. O relator da CCJ aprova emendas e subemendas, com
exceção de uma que ratava de imposto extraordinário (GOMES, 2011).
Sob intensa obstrução, foram rejeitadas as preferências pelo projeto e pelo
substitutivo da CSSF, e aprovada a Subemenda Substitutiva da CFT. Passou-se então à
análise dos destaques do PSDB, DEM e PPS, que tratavam, respectivamente, da CSS e
do piso da União para gastos em saúde. Todos foram rejeitados, com a ampla adesão da
coalizão, com exceção de um, cuja votação não foi finalizada, por falta de quórum
(GOMES, 2011).
Após 4 dias de votação, a apreciação da matéria ficou pendente de conclusão, pela
falta de votação de um único destaque. Ficou assim caracterizado o impasse. Gomes
(2011) ponderou que, além das discordâncias sobre o mérito da proposta, fatores como a
crise econômica mundial, a aproximação das eleições presidenciais e as ameaças de veto
pelo presidente, caso o Congresso aprovasse aumento de recursos para a saúde, sem
indicação de nova fonte, impediram a conclusão da votação.

3.5.2 Histórico Legislativo da Lei Complementar n. 141, de 2012


Considerando todo o exposto, observa-se que, até 2009, as tentativas de
regulamentação da EC 29 foram frustradas.
A continuação da apreciação do PLP 121/2007 somente veio a ocorrer 3 anos
depois, em setembro de 2011, em outra legislatura, diante da forte demanda da sociedade.
Passou-se então à apreciação do último destaque remanescente, de autoria do
DEM, que visava à supressão de dispositivo que tratava da base de cálculo da CSS. O PT
foi o único partido que orientou a favor da manutenção do texto. O líder do Governo
liberou a coalizão, e o destaque foi aprovado.
Em dezembro de 2011, a matéria foi a votação pelo plenário do Senado Federal,
sob relatoria do Senador Humberto Costa (PT/PE), que concluiu favoravelmente ao
substitutivo da Câmara dos Deputados e pela rejeição dos §§ 2º e 3º do art.6° (que excluía
da base de cálculo do piso de gastos em saúde dos estados o valor destinado ao Fundeb).
Foram apresentados, pelos Senadores Álvaro Dias (PSDB/PR) e Demóstenes Torres
(DEM/GO), requerimentos de destaque dos dispositivos que tratavam do piso da saúde
da União (atualização pela variação do PIB) e da CSS. Após as votações, a regra da
atualização pela variação do PIB foi mantida e a CSS acabou sendo suprimida do texto.
Somente alguns senadores da coalizão votaram pela manutenção da CSS.
Observando-se a Tabela 8, que sumariza dados das principais votações nominais
ocorridas durante a tramitação da proposição, constata-se forte coesão da base do governo
quando o tema votado se referia ao piso de gastos da União. Por outro lado, nas votações
relativas à CSS ocorridas em 2011, apesar de ter havido votos favoráveis da coalizão, a
liderança do Governo libera a bancada e, consequentemente, não se verificou apoio
consistente da base governista à contribuição.
Tabela 8 – Votações Nominais importantes durante a apreciação do PLS 121/2007

Adesão
Coalizão
Casa Data Dispositivos Votados
Orientação (% dos
Governo presentes)
Senado 09/04/2008 Emendas 26-CAS - Piso 10% RB Sim 100,0
(DEM) Preferência para a Subemenda substituiva da CSSF-
11/06/2008
Piso 10% RB Não 90,4
11/06/2008 Subemenda Substituiva da CFT (PIB + CSS) Sim 92,3
11/06/2008 (PSDB) Inciso II do Art. 1° - Criação da CSS Sim 86,1
18/06/2008 (DEM) Art. 5° da Subemenda Substituiva da CFT - PIB Sim 95,2
Câmara
(PSDB) §4º do Art. 5º da Subemenda Substituiva da CFT -
18/06/2008
CSS recurso adicional Sim 95,2
(PPS) Substituição do Art. 5° da Subemenda da CFT (PIB)
18/06/2008
pelo Art. 2° do PLP (10% RB) Não 91,6
21/09/2011 (DEM) - Art. 16 da Subemenda Substituiva da CFT (BC CSS) Libera 27,57 - Sim
(DEM e PSDB) Destaque Inciso II do Art. 1° do Substitutivo da
Libera
07/12/2011 Câmara - Criação da CSS 18,0
07/12/2011 (PSDB) Destaque Art. 5° do Substitutivo da Câmara - PIB Não 78,0
Senado
07/12/2011 Substitutivo da Câmara Sim 98,0
(DEM e PSDB) Inciso II do Art. 1° do Substitutivo da Câmara -
07/12/2011 Criação da CSS Libera 8,0 - Sim

3.5.3 Consequências para o Financiamento da Saúde


Apesar do desinteresse do governo no PLS 121/2007, o projeto acabou sendo
aprovado no órgão iniciador. Todavia, durante a tramitação na Câmara dos Deputados
(sob a denominação de PLP 306/2008), a coalizão foi determinante para eliminar o
critério da RCB e incorporar previsão de reajuste do montante a ser investido em saúde
pela variação do PIB, acrescido de um adicional advindo de uma Contribuição Social para
a Saúde (CSS).
A previsão dessa contribuição gerou grande impasse na Câmara, atrasando a
deliberação da matéria, que só veio a ocorrer em 2011, diante da forte demanda da
sociedade, resultando na Lei Complementar n. 141, de 2012, que trouxe apenas o critério
da variação do PIB, sem qualquer adicional. Acabou que a tão esperada regulamentação
da EC 29 foi realizada, sem trazer grandes alterações ao status quo.

4. DISCUSSÃO
Os dados obtidos reforçam os argumentos contrários à tese da paralisia decisória,
da segmentação de agenda dos poderes e do domínio absoluto do Executivo no processo
legislativo.
As taxas de dominância indicam ter havido um aumento da participação do
Legislativo na produção de normas no primeiro mandato do Governo Dilma,
relativamente ao período de 1999 a 2006, com predominância desse Poder em todas as
vias estratégicas.
No caso da área de saúde, como não houve atuação propositiva do Poder
Executivo nas vias constitucional e complementar, não é possível abordar a questão da
predominância nessas vias. Na via ordinária (PL), verificou-se também dominância dos
parlamentares, com uma redução na participação da Presidente em relação ao período
estudado por Gomes (2011).
A coalizão não predominou amplamente em todas as vias, como constatado no
período analisado por Gomes (2011).
Para as políticas em geral, a predominância da base do governo foi restrita às vias
constitucional e complementar. Todavia, é provável que a liderança da coalização na via
ordinária seja verificada, se consideradas as matérias de iniciativa exclusiva do
Presidente, como as medidas provisórias e os projetos de crédito orçamentário. Como a
análise dessa via, no presente estudo, foi restrita aos Projetos de Lei (PL), não há como
tirar conclusões acerca da atuação sistêmica do Poder Executivo.
Para as políticas de saúde, a predominância da coalizão foi observada somente na
via ordinária (PL), todavia os pequenos números de proposições aprovadas nas vias de
maior hierarquia impedem a obtenção de conclusões mais precisas.
A ausência de proposições do governo na área de saúde nas vias de maior
hierarquia no período estudado pode ser explicada por vários motivos, que carecem de
maior aprofundamento, e não necessariamente revela desinteresse pela política. Questões
como as fases do ciclo da política em que não há necessidade de mudanças legislativas
ou união de esforços para aprovação de propostas iniciadas pelos parlamentares devem
ser consideradas.
As elevadas taxas de sucesso do Executivo e a maior celeridade na aprovação de
suas matérias revelam que as propostas de política feitas pelo Presidente tendem a ter
andamento facilitado e maior probabilidade de aprovação. No tocante à taxa de sucesso,
há de se destacar o aumento do desempenho do Senado Federal, que merece avaliações
futuras.
Ressalta-se que não foram encontrados sinais de demarcação da agenda entre os
Poderes nas políticas de saúde nas três vias legislativas. Houve, sim, uma especialização,
conforme particularidades de cada via.
A maior utilização de vetos totais no período indica um aumento das situações de
impasse na arena legislativa, que tiveram que ser resolvidas no gabinete da Presidente. A
não derrubada desses vetos sinaliza que as questões envolvidas não eram consensuais
nem mesmo no âmbito do Poder Legislativo.
Feitas essas considerações, é possível admitir que o Poder Executivo manteve, no
período de 2011 a 2014, a sua habilidade para a aprovação de suas proposições. Assim, é
possível admitir que o sistema de produção legislativa funcionou com regularidades e
esteve orientado para a governabilidade.
Os dados qualitativos sugerem alto nível de envolvimento do Executivo e da sua
base de apoio quando a proposição traz conteúdo de comprometimento orçamentário. No
caso estudado, observou-se uma forte atuação da coalizão no sentido de não alterar o piso
de gastos com saúde da União e uma atuação bem mais branda para aprovação da criação
da CSS, fonte adicional de recursos para a saúde.

5. REFERÊNCIAS
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2003.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo
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GOMES, Fábio de Barros Correia. Interações entre o Legislativo e o Executivo


Federal do Brasil na Definição de Políticas de Interesse Amplo: Uma Abordagem
Sistêmica, com Aplicação na Saúde. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. 2011. Disponível
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LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão


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