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Resenha de “Tensões e ambiguidades na Tragédia Grega”, in Mito e Tragédia na Grécia Antiga,

Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet

Os autores abordam as intervenções da sociologia e da psicologia no pensamento


contemporâneo acerca da tragédia grega. Consideram que não estão inerentes, mas que a tragédia,
enquanto gênero literário, é profundamente tomada pelo fenômeno trágico na vida social da Grécia
e pelo seu lugar na história psicológica do homem do Ocidente.
Apresentam a ideia “situacional” da tragédia: ela é localizada, datada, faz referência a um
certo contexto e não pode ser entendida descolada dele. Esse contexto é mental: “um universo
humano de significações que é, consequentemente, homólogo ao próprio texto ao qual o referimos:
um conjunto de instrumentos verbais e intelectuais, categorias de pensamentos, tipos de raciocínios,
sistemas de representações, de crenças, de valores, formas de sensibilidade, modalidade de ação do
agente” (p. 8).
Traz a ideia de que “a arte imita a vida”, uma vez que já haveria um lugar em que as
histórias estão dadas e o papel da tragédia seria o de “apresentar, à sua maneira, um reflexo dele” (p.
8), uma vez que não há universo fora do próprio homem. Assim, a tragédia não é apenas uma forma
de arte, “é uma instituição social que, pela fundação dos concursos trágicos, a cidade coloca ao lado
de seus órgãos políticos e judiciários” (p. 10). “A cidade se faz teatro” (p. 10).
Há duas vozes que atuam na tragédia grega: a do coro e a do protagonista (o herói). Ambas
se contrastam, uma vez que apresentam polos opostos do discurso, caracterizam-se pela
simultaneidade, “cada ação aparece na linha e na lógica de um caráter, de um ethos, no próprio
momento em que ela se revela como a manifestação de uma potência do além, de um daímon” (p.
15), enfatizando as contraposições de humano/divino, bem/mal. “A lógica da tragédia consiste em
‘jogar nos dois tabuleiros’, em deslizar de um sentido para outro, tomando, é claro, consciência de
sua oposição, mas sem jamais renunciar a nenhum deles” (p. 15) e, ao passar de um plano para o
outro, intensifica e delimita ainda mais as contradições entre ambos. Isso acontece tanto na tragédia
como um todo, quanto no “seio de uma mesma figura divina” (p. 17), embora seja sobretudo no
humano que isso seja melhor visualizado.
Nesse sentido, as palavras têm a função de marcar as barreiras, exaltar os pontos de conflito
da história, muito mais do que estabelecer a comunicação pura e simplesmente. Até mesmo porque
na troca de palavras entre os homens se percebe que há “zonas de opacidade e de
incomunicabilidade” (p. 20), nas quais os personagens se perdem e oferecem indícios para que o
expectador verifique essa mesma relação, dúbia, de dúvida. “O drama levado em cena se desenrola
simultaneamente ao nível da existência quotidiana, num tempo humano, opaco, feito de presentes
sucessivos e limitados e num além da vida terrena, num tempo divino, onipotente, que abrange a
cada instante a totalidade dos acontecimentos, ora para ocultá-los, ora para descobri-los, mas sem
que nada escape a ele, nem se perca no esquecimento” (p.20).
Por fim, vale ressaltar que “é no final do drama que os atos assumem sua verdadeira
significação e os agentes, através daquilo que realizaram sem saber, revelam sua verdadeira face”
(p. 21). Em contrapartida, quanto mais seguros do que fazem se apresentam, menos esses atores
sabem sobre seu fazer. No final da cena, onde todos os conflitos parecem amarrados, “é o tempo dos
deuses que surge na cena e que se manifesta no tempo dos homens” (p. 24).

VERNANT, J. P.; VIDAL-NAQUET, P. Tensões e Ambiguidades na Tragédia Grega. In ______.


Mito e Tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981/2005. p. 7-24.

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