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A Pequena história da literatura brasileira

Provocação ao modernismo

André Botelho

Pela sua importância na vida cultural brasileira, o modernismo dos anos de


1920 vem sendo estudado sob diferentes ângulos e em diferentes aspectos há
décadas. Ao lado da produção artística a ele identificada, tem se privilegiado
também os textos programáticos, especialmente os manifestos (cf. Schwartz,
1995) e as críticas literárias praticadas por seus artífices e concorrentes (cf.
Lafetá, 2000). Esses gêneros são, em grande medida, responsáveis pela
inteligibilidade sociológica do modernismo como movimento cultural de
vanguarda. Neste estudo, retomo a Pequena história da literatura brasileira do
poeta, ensaísta e diplomata carioca Ronald de Carvalho (1893-1935); livro
de feição aparentemente pouco modernista, mas que, justamente por isso,
pode mostrar-se instigante para pensar o modernismo em suas complexas
relações com a tradição intelectual brasileira. Investigando a identidade
cognitiva desse livro em relação ao modernismo, pretendo dar continuidade
à discussão sociológica sobre movimentos culturais e interpretações do Brasil
(cf. Botelho, 2005; 2009).
Publicado em 1919 por F. Briguiet e premiado no mesmo ano pela Aca-
demia Brasileira de Letras, Pequena história da literatura brasileira tem sido
pouco consultado pelos analistas do modernismo (cf. Botelho, 2005; Abreu,
2007). Ao lado da forte identificação da crítica à perspectiva vencedora
na construção social da identidade do modernismo brasileiro – definida a
partir dos valores do movimento paulista (com o qual Ronald de Carvalho
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e outros modernistas estabelecidos na então capital federal concorriam nos


anos de 1920 e 1930) (cf. Gomes, 1999; Botelho, 2005) –, outras dificul-
dades específicas ajudam a explicar esse fato. A principal delas talvez esteja
na própria particularidade do gênero no qual o livro se inscreve. Afinal, a
“tradição” é a matéria que cabe a uma história da literatura ordenar. Escre-
ver história da literatura implica uma maneira de perceber e de ordenar o
tempo que está marcada pela busca e recuperação do passado, de modo a
reordená-lo simbolicamente em face do presente não apenas segundo um
sentido de ruptura, mas, sobretudo, de continuidade. É isso que permite
ao historiador estabelecer, de modo mais ou menos arbitrário (conforme
as convenções da época), uma cadeia evolutiva relativamente coesa para
realizações literárias diversas. Assim, obras produzidas em contextos muito
diferentes e sem relações internas necessárias entre si são qualificadas como
“nacionais”, enquanto várias outras são excluídas desse cânone (cf. Mallard,
1994; Moreira, 2003; Sussekind e Dias, 2004).
Aos olhos de alguns dos seus contemporâneos, Ronald de Carvalho apa-
rece, sobretudo, como um “rotinizador” de ideias. Para Sérgio Buarque de
Holanda e Prudente de Moraes Neto, por exemplo, ele seria o “filho família
da nossa crítica tradicional”, não havendo em suas “opiniões” sobre “nossa
nacionalidade, sobre nossas letras, sobre nossas artes”, “quase nada que já
não se tenha dito” (Holanda e Moraes Neto, 1974, p. 216). Mário de An-
drade, por sua vez, embora o tivesse como a “inteligência mais harmoniosa
que conheço”, considerava necessário Ronald fazer “qualquer coisa de mais
duradouro que vulgarizações literárias”, pois, assim, não cumpria o “destino
que Deus lhe deu espalhando-se e enfraquecendo-se com essas utilidades
de ginásio e curso secundário” (Andrade e Bandeira, 2000, pp. 135-136).
Se tais impressões procedem, é preciso lembrar, porém, um aspecto ge-
ralmente negligenciado pela crítica: os chamados “lugares comuns” – como
índice de conformidade às possibilidades receptivas do leitor – constituem
frequentemente recursos retóricos fundamentais para os intelectuais que,
acomodando seus argumentos às opiniões e aos valores médios, buscam do-
tar suas ideias de um caráter intrinsecamente persuasivo (cf. Skinner, 1999,
pp. 159-175). E contraposta às histórias da literatura que a precederam (a
de Sílvio Romero e a de José Veríssimo), a Pequena história da literatura
brasileira pareceu a outros contemporâneos muito bem pensada e escrita.
Sugerindo que a “língua portuguesa, em suas mãos [de Ronald de Carvalho],
é como argila em dedos de escultor”, Alceu Amoroso Lima soube divisar
muito bem o que estava em jogo naquela fluência da narrativa: munido de

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“um tão perfeito instrumento de expressão [Ronald] pôde dar mais relevo
às ideias e mais propriedades às apreciações” (Lima, 1948, pp. 38 e 139).
Mais do que uma idiossincrasia do autor – embora, num determinado
plano, correspondesse ao seu estilo – a narrativa fluente respondia antes aos
objetivos a que ele se propunha naquele contexto intelectual. Como afirmou
Ronald de Carvalho, seu trabalho estava “destinado a vulgarizar, nos seus
delineamentos, a fisionomia da nossa literatura” (Carvalho, [1919]* 1922, p. * A data entre colchetes refere-se
à edição original da obra. Ela é
254). De fato, o livro foi utilizado como manual para o ensino de literatura
indicada na primeira vez que a
brasileira nas escolas durante pelo menos quatro décadas (cf. Martins, 1983, obra é citada. Nas demais, indica-

p. 465), uso didático que o tornou um dos primeiros e grandes sucessos edi- se somente a edição utilizada pelo
autor (N.E.).
toriais da livraria F. Briguiet (cf. Hallewell, 2005, p. 268). Assim, bovarismo à
parte, a autorrepresentação de Ronald de Carvalho ganha sentido sociológico
quando consideramos que iniciativas desse tipo vinham então ganhando cada
vez mais espaço no contexto do incipiente mercado editorial brasileiro como
parte de uma série de mudanças em curso (cf. Lajolo e Zilberman, 2009). E
textos submetidos a usos didáticos – as tais “utilidades de ginásio e curso se-
cundário” de que reclamava Mário de Andrade – constituem meios de sociali-
zação por excelência, atuando na transmissão de representações sobre o Brasil,
por meio das quais nos formamos moral, intelectual, política e esteticamente
(cf. Botelho, 2002). Antonio Candido, por exemplo, observava no prefácio,
datado de 1957, da primeira edição da Formação da Literatura Brasileira : “Li
também muito a Pequena história, de Ronald de Carvalho, pelos tempos do
ginásio, reproduzindo-a abundantemente em provas e exames, de tal modo
1. Traços, aliás, muito bem
estava impregnado de suas páginas” (Candido, [1959] 1964, p. 3). Assim, não capturados por Vicente do Rego
parece descabido ponderar que o livro tenha desempenhado também papel Monteiro no retrato que pintou
de Ronald de Carvalho em 1921.
relevante na rotinização de ideias, valores e práticas sobre a literatura brasileira Como observou precisamente
e, mais ainda, sobre o modernismo e seu lugar estratégico na nossa história e Sergio Miceli, ao apresentar “o
então jovem escritor e diplomata
vida cultural.
de paletó verde-escuro, gravata
Disponibilidade para a missão de que se investiu parece não ter faltado vermelha com alfinete e colari-

a Ronald de Carvalho. Recursos intelectuais, sociais e institucionais tam- nho alto engomado, ocupando a
pirâmide central de uma compo-
bém não1. E, articulando essas diferentes dimensões, nenhum outro fator sição compacta cujo fundo são as
parece ter sido mais importante do que a sua carreira no Ministério das lombadas em cores pastel bem de-
finidas de duas fileiras de livros”,
Relações Exteriores – interrompida tragicamente por sua morte aos 42 o pintor “buscava surpreender
anos de idade –, como pude discutir noutra oportunidade (cf. Botelho, por meio do contraste entre a ju-
ventude e a prontidão intelectual
2005). Entreposto de ideias mobilizado segundo as diferentes estratégias transmitidas pelo semblante com
de política cultural do Estado, o Itamaraty favoreceu a importação e a a muralha de livros coloridos que
pareciam povoar-lhe a cabeça e
difusão da produção intelectual estrangeira no país e vice-versa (da produ- moldar-lhe a existência” (Miceli,
ção brasileira no exterior). Esse duplo papel foi particularmente marcante 1996, p. 51).

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na vida cultural do Rio de Janeiro – a então capital federal –, em cujos


círculos intelectuais Ronald teve atuação central nos anos de 1920. Cir-
cunstância que ajuda a entender por que a Pequena história chegou a ser
traduzida para o francês, o italiano e o castelhano ainda durante a vida de
seu autor, figurando, então, entre os livros do gênero mais conhecidos no
exterior e funcionando, ao mesmo tempo, como uma apresentação geral
do Brasil, de sua literatura e de seus intelectuais.
Embora seu reconhecimento intelectual para além dos círculos mo-
dernistas se deva em grande medida à Pequena história, a historiografia
literária não constituiu a única modalidade de crítica praticada por Ronald
de Carvalho. Sua obra compreende ainda: ensaios de crítica cultural, como
os reunidos nas três séries dos Estudos brasileiros publicadas entre 1924 e
1931; conferências proferidas nos muitos eventos mundanos e intelectuais
de que tomou parte; e, sobretudo, artigos publicados tanto em revistas
literárias (Movimento Brasileiro, América Latina, Klaxon, Terra de Sol, Ilus-
tração Brasileira, Revue de L’Amerique Latine, entre muitas outras) como nos
principais jornais da época (Diário de Notícias, A Pátria, O Jornal e Jornal
do Brasil ). Nesses artigos – que se contam às centenas –, Ronald privilegiou
a resenha dos livros recém-publicados por seus contemporâneos. Buscava
apreendê-los, especialmente, por meio de recursos que lembram a então
conhecida técnica do “retrato” (o portrait de Sainte-Beuve), que, partindo
de certos estereótipos da representação social dos autores, delineia uma visão
simultânea da obra e do homem que a realizou. Técnica recursiva na crítica
do período e que, ademais, se casava perfeitamente com o jornalismo: em
ambos “trata-se de apresentar ao público uma figura, de entrevistar um autor
narrando passagens de sua vida, dialogando com seus livros como se estes
fossem pessoas em amável entretenimento com o entrevistador” (Lafetá,
2000, p. 54). Mesmo não tendo mobilizado o portrait tão diretamente na
Pequena história, a técnica constituiu um recurso crucial também neste livro,
pois permitiu ao autor uma aproximação mais matizada à galeria canônica
que ia repondo e constituindo. Combinava, assim, ao seu modo, exposição
histórica e juízo estético. Como observou um crítico literário posterior,
Ronald “trazia no julgamento da coisa literária (porque o seu livro é, apesar
das aparências, mais crítico do que expositivo) uma sensibilidade apurada
e esperta, até então desconhecida pelos brasileiros nesse gênero ingrato”
(Martins, 1983, p. 465).
Voltando à questão central deste estudo, não estou supondo que o per-
tencimento histórico do livro – publicado no limiar dos anos de 1920 – lhe

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garanta de antemão algo como uma identidade cognitiva modernista estável,


o que, aliás, inexiste em qualquer caso. No que se refere à Pequena história,
isso seria particularmente problemático. Afinal, não apenas o gênero “his-
tória literária” tem sido associado a um perfil mais tradicional no quadro
da crítica em geral – cujas complexas relações são objeto de recorrentes
controvérsias entre especialistas, até porque envolvem nada menos do que
as relações entre história e teoria na crítica literária2 –, como também o 2. Sobre esse aspecto, ver, por
exemplo, Perkins (1992), Jauss
próprio Ronald de Carvalho em face do modernismo paulista (cf. Prado,
(1994) e Moretti (2007).
1983), vertente que acabou por definir, no senso comum, o sentido do
modernismo brasileiro como um todo3. Mas não faz sentido descartar uma 3. Cf. Santiago (1989), Hard-
man (2000) e Botelho (2005).
possível identidade cognitiva modernista do livro em função do seu gêne-
ro intelectual ou do perfil crítico mais conservador do seu autor, mesmo
porque toda identidade é relacional e inevitavelmente instável. Importa
antes qualificar como se articulam naquele contexto intelectual a agenda
modernista de renovação estética em gestação e o até então inseparável
desafio da historiografia de definir a literatura produzida no Brasil como
“brasileira” – índice do próprio processo de nacionalização de sua sociedade.
Para tanto, realizo dois movimentos. De um lado, situo o livro na tradição
da historiografia literária que lhe lega as principais referências e convenções,
seja no que se refere aos axiomas, seja ao vocabulário; sobretudo em relação
à História da literatura brasileira: contribuições e estudos gerais para o exato co-
nhecimento da literatura brasileira (publicado em 1888), de Sílvio Romero, e 4. Emprego a categoria “contex-
à História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis to intelectual” de Quentin Skin-
ner (1999b) fundamentalmente
(1908) (publicado em 1916), de José Veríssimo. De outro, procuro explicitar como categoria metodológica de
os vínculos entre a Pequena história e a conjuntura crítica de reflexão sobre mediação entre o contexto mais
amplo e o pensamento de um
o sentido que a cultura e a sociedade brasileira estavam tomando, na qual se autor. Ao enfatizar o vocabulário
nutriram a sensibilidade e a imaginação modernistas. Minha hipótese é de normativo, os problemas comuns
e as convenções compartilhadas
que, ao atualizar a ideia – central para a historiografia – da literatura como
de uma época, essa categoria
perspectiva de conhecimento da formação nacional, o livro contribuiu para permite, inclusive, identificar

que certo elenco de questões parecesse problemático e acabasse integrando motivações concretas e uma
possível originalidade quer em
centralmente o “contexto intelectual” do modernismo4. Tomo aqui, especial- relação à tradição particular da
mente, a ideia – não isenta de ambiguidades – de “simplicidade” como cri- qual o autor faz parte, quer em
relação aos seus contemporâneos.
tério de formação da literatura brasileira e discuto como ela (1) permite uma Isso ajuda a evitar os anacronis-
crítica ao legado cultural ibérico e, em contrapartida, uma defesa da aproxi- mos tão comuns em análises
históricas, que terminam por
mação da literatura à linguagem cotidiana; e (2) apresenta, a seu modo, uma conferir aos autores intenções ou
resposta aos constrangimentos trazidos pelas influências externas à dinâmica categorias carregadas de sentidos
bastante distantes daqueles dispo-
cultural brasileira – campo problemático central no modernismo brasileiro, níveis em sua época (cf. Skinner,
e muito depois dele. 1969, pp. 6-16).

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Sociologicamente considerada, a literatura tem constituído recurso


fundamental na criação e recriação de formas de solidariedade social e de
comunidades de “sentimento” (cf. Weber, 1982) ou “imaginadas” (cf. An-
derson, 1991; Bhabha, 1990) – as mais relevantes para ligar Estado e nação
(cf. Botelho, 2005). Não surpreende, portanto, que em meio à sistematização
científica do conhecimento em geral também a literatura tenha encontrado
um gênero para discipliná-la e formalizá-la. O otimismo cientificista da época
levou, inclusive, a que se imaginasse a substituição progressiva da própria
leitura das obras pela história da literatura (cf. Lepenies, 1996, p 55).
A historiografia literária surgiu na Europa a partir do romantismo e proli-
ferou ao longo do século XIX como expressão do fortalecimento das línguas
nacionais, uma das bases dos modernos Estados-nação. Nesse sentido, ela
foi, sobretudo, um produto intelectual do historicismo, compreendido como
a ênfase na variabilidade histórica e na possibilidade, nela implicada, de se
construir grandes esquemas de desenvolvimentos sintéticos, totalizantes,
progressistas e tidos como particulares a cada cultura (cf. Coutinho, 2001).
O gênero parece estar assentado em duas premissas básicas. A primeira
refere-se ao objeto: a própria literatura. Concebida como produto cultural,
a literatura não constituiria uma mera criação do homem, mas um objeto
5. Tendo manifestado interesse
pelo tema já em 1880, quando cuja especificidade residiria na capacidade de encarnar as próprias projeções
publica Literatura brasileira e humanas, isto é, a literatura seria portadora das significações tanto indivi-
crítica moderna (que inclui alguns
artigos de 1873), Romero soube
duais como coletivas. A segunda refere-se à existência algo homogênea dessas
tirar consequências de esboços projeções humanas em tempos e espaços determinados, o que permitiria
formulados por antecessores. Par-
naso brasileiro, publicado 1829,
lastrear a história da literatura num repertório de obras e autores encadeados
do cônego Januário da Cunha cronológica, linear e cumulativamente.
Barbosa – um dos fundadores e
primeiro secretário perpétuo do
No Brasil, coube a Sílvio Romero – a exemplo do que haviam feito
Instituto Histórico e Geográfico Gervinus e Scherer, na Alemanha, De Sanctis, na Itália, e Lanson, na Fran-
Brasileiro –, bem como Scènes
ça – mostrar de modo mais sistemático a individualidade do país como
de la nature sous le tropiques  e
Résumé de l’histoire littéraire du nação por meio do encadeamento de fenômenos literários e intelectuais.
Brésil, publicados respectivamen- Em sua História da literatura brasileira, de 1888, ele relaciona um conjunto
te em 1824 e 1826, do francês
Ferndinand Denis, foram alguns de tentativas e realizações artísticas, intelectuais e folclóricas que, dispostas
dos precedentes no gênero. Sobre numa cadeia evolutiva e obedecendo a determinados critérios naturalistas,
a História da literatura brasileira
de Silvio Romero, ver Abdala
poderiam, segundo entendia, ser identificadas como nacionais 5. Romero
Junior (2001). Para uma visão propõe uma definição ampla de literatura, quase como sinônimo de cultura:
integrada da crítica de Romero,
ver Candido (2006) e Dimas
“para mim a expressão literatura tem a amplitude que lhe dão os críticos e
(2009). historiadores alemães. Compreende todas as manifestações da inteligência

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de um povo: – política, economia, arte, criações populares, ciências [...]”


(Romero, [1888] 1960, p. 58).
Contudo, com a publicação em 1916 da História da literatura brasileira de
José Veríssimo, a disputa pela definição do objeto da historiografia literária
se acirra6. Contestando o conceito genérico de Romero, Veríssimo propõe 6. Sobre este livro, ver Barbosa
(2001).
outro mais específico: “Literatura é arte literária. Somente o escrito com
propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os artifícios de invenção e
de composição que a constituem é, a meu ver, literatura. Esta é neste livro
sinônimo de boas ou belas letras, conforme a vernácula noção clássica”
(Veríssimo, [1916] 1963, p. 12). Se a definição de Romero corresponde ao
predomínio das teses deterministas do cientificismo naturalista, a redefinição
de Veríssimo traduz o crescente interesse pelos fenômenos estéticos naqueles
anos. Interesse ligado a uma relativa profissionalização dos escritores e ao seu
esforço de definir a literatura como um problema mais delimitado e espe-
cializado, o que não estava no horizonte social do programa de Romero. A
redefinição de Veríssimo mantém, todavia, a autoridade – e legitimidade – da
literatura para estabelecer a especificidade da “nação”: “[a] literatura, que é
a melhor expressão de nós mesmos, claramente mostra que somos assim”
(Idem, ibidem).
Ao contrário de Romero, para Ronald de Carvalho não caberia julgar a
obra literária exclusivamente a partir de fatores externos, mas também em
função das componentes que – como Veríssimo – ele considerava intrínse-
cas. Entre uma concepção estrita e outra que acabava por reduzir literatura
a simples reflexo da sociedade, Ronald procurou constituir sua concepção
na própria figuração das sinuosas relações entre formas estéticas e contextos
sociais. Sobre os métodos dos seus predecessores, pensava:

Sílvio condenava, muitas vezes, mais os homens que os princípios, via a obra através
do autor, julgava a cultura pela raça. Seus erros de observação não lhe devem correr
por conta do raciocínio, que era de uma precisão admirável, mas, geralmente, por
mal do seu coração, que era um tanto feminino, tal a instabilidade das suas prefe-
rências (Carvalho, 1922, p. 340).

Ao contrário de Sílvio, José Veríssimo via apenas a obra e nunca homem, exaltava
ou condenava o escritor sem se importar com a sua categoria social ou mesmo
literária. O autor, para ele, era uma figura secundária, sem interesse imediato, a
não ser quando havia na sua vida um ou outro pormenor que pudesse explicar com
mais segurança certas particularidades da obra (Idem, p. 344).

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Embora manifeste seu desejo de pôr “de lado a controvérsia” – “o que


apresenta maior relevância, para a história das nossas letras, é a própria fa-
tura” das obras (Idem, p. 189) –, os juízos de Ronald de Carvalho parecem
ter por base um pragmatismo que leva em consideração a relativa escassez
de obras literárias no acervo brasileiro com condições de suportar uma
apreciação exclusivamente estética. Ao lado das idiossincrasias pessoais dos
literatos, Ronald buscava avaliar o “defeito” na fatura do texto em função
dos limites impostos pelo tempo e meio social. Tomo um exemplo aleatório:
“Se outros fossem os caminhos por ele trilhados, não seria de admirar que
Alvarenga Peixoto nos deixasse algum poema de maior fôlego. Só lhe faltou,
para isso, um ambiente menos estreito e servil, que engenho ele o tinha de
sobra” (Idem, p. 182).
Assentado o axioma da capacidade da literatura expressar o “caráter
nacional” – justificativa para os estudos historiográficos como perspectiva
de conhecimento da própria formação da sociedade como nação –, os his-
toriadores da literatura brasileira viram-se constrangidos por um problema
fundamental: como demonstrar a formação de uma literatura em termos
nacionais se ela não se baseava numa língua própria, mas herdada dos co-
lonizadores portugueses? Entendida como instrumento e portadora de um
conjunto compartilhado de práticas e valores, a língua foi um dos principais
critérios de definição da identidade nacional para uma coletividade social.
Em alguns casos, a conexão linguística chegou a ser pensada como a pró-
pria condição de expressão e cultivo do sentimento nacional, isto é, como
elemento de articulação dos valores simbólicos que permitiriam àquela
coletividade se identificar e se expressar como “nação”.
Sílvio Romero procurou resolver esse problema segundo o seu esquema
naturalista geral. Assimilada à questão da raça, a língua foi por ele concebida
como um “organismo” que “evolui” – em extensão e profundidade – em
função do ambiente mais amplo. No caso do Brasil, a miscigenação ou
caldeamento das raças seria o fator principal. Por isso, ele entendia que
a língua portuguesa falada no país poderia vir a assumir feições próprias,
propostas como “nacionais” e diferenciadas em relação a outras coletividades
falantes do mesmo idioma (cf. Romero, 1960, pp. 135-136). Assim, quando
precisou enfrentar o mesmo problema dezoito anos depois, José Veríssimo
já contava com a possibilidade de diferenciação da língua portuguesa do
Brasil, o que ajuda a entender sua ironia – numa discreta nota de rodapé,
é verdade – diante da tentativa de valorização da língua tupi ensaiada por
alguns escritores romântico-indianistas (cf. Veríssimo, 1963, p. 8, nota 2).

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Para esses historiadores literários, a partir de que momento seria legí-


timo falar em diferenciação da língua portuguesa como fundamento da
formação da literatura brasileira? A pergunta remete, na verdade, ao pro-
blema central da historiografia literária brasileira: identificar e demarcar um
momento fundador, já que esta, necessariamente, “nasceu e desenvolveu-se
[...] como rebento da portuguesa e seu reflexo” (Idem, p. 1). Ou como diria
décadas depois Antonio Candido (1964, p. 9): “A nossa literatura é galho
secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim
das Musas”.
Tal como os próprios românticos, Sílvio Romero e José Veríssimo conside-
raram o romantismo o “momento decisivo”, por assim dizer, da formação da
literatura brasileira. Para o primeiro, a “nativização, a nacionalização da poesia
e da literatura em geral foi, talvez, o maior feito do romantismo”; ou ainda:
“O romantismo brasileiro, em seu acanhado círculo, asilou os mesmos deba-
tes que o seu congênere europeu. Seu maior título, a meu ver, foi arrancar-nos
em parte da imitação portuguesa, aproximar-nos de nós mesmos e do grande
mundo” (Romero, 1960, pp. 781 e 787). O mesmo vale para Veríssimo:

[...] com os primeiros românticos, entre 1836 e 1846, a poesia brasileira, retomando
a trilha logo apagada da plêiade mineira, entra já a cantar com inspiração feita dum
consciente nacional. Atuando na expressão principiava essa inspiração a diferençá-
la da portuguesa. Desde então somente é possível descobrir traços diferenciais nas
letras brasileiras (Veríssimo, 1963, p. 6).

Neste ponto surge uma das convergências mais importantes entre José
Veríssimo e Sílvio Romero: a precedência da independência política sobre
a literária e intelectual. Para ambos, as condições de florescimento de uma
literatura nacional e a feição por ela assumida seriam produtos da própria
evolução histórica da sociedade. Mais do que para eles, no entanto – que
tomaram a “autonomia cultural” como consequência da “autonomia política”
do país –, o axioma da feição particular (“brasileira”) da língua portuguesa
assume para Ronald de Carvalho a condição basilar da formação de uma
literatura nacional no Brasil.
Embora desde Romero essa possibilidade estivesse, em tese, assegurada,
quando Ronald publicou sua Pequena história a autonomia linguística cons-
tituía ainda objeto de acirradas polêmicas entre literatos, filólogos e histo-
riadores literários. Publicados respectivamente em 1921 e 1922, os livros A
língua nacional, de João Ribeiro – que defendia a diferenciação, a autonomia

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e a legitimidade do português falado no Brasil –, e A perpétua metrópole, de


Almáquio Diniz (que postulava o contrário), testemunham a relevância as-
sumida por esse debate. E foi justamente em face dele que Ronald precisou
se posicionar:

Apesar de não possuirmos uma língua própria, acreditamos, ao revés de alguns


pessimistas de pequena envergadura, que nos não falecem as condições necessárias
ao advento de grandes obras literárias, perfeitamente brasileiras, caracteristicamente
nacionais. A influência portuguesa, predominante até os fins do século XVIII,
entrou, no século XIX, em franco declínio e, hoje, não existe mais senão como
apagado vestígio, repontando, de raro em raro, nalguns escritores quase sem relevo.
O idioma falado por nós já apresenta singularidades notáveis; nossa prosódia tem
acentos mais delicados que a lusitana, e há na sintaxe popular muitas particularidades
interessantes. Temos, também, um extenso vocabulário essencialmente brasileiro,
cuja importância não se faz mister encarecer (Carvalho, 1922, pp. 43-44).

Tirando, também neste ponto, consequências mais de Sílvio Romero


que de José Veríssimo, Ronald enfatizou que a feição brasileira da língua
portuguesa seria produto, sobretudo, da sintaxe popular em detrimento de
obras literárias consagradas:

[...] a voz do povo já se fazia escutar com acentos e timbres diferentes, e, se no


ponto de vista puramente intelectual, ainda predominava a lição da Universidade
de Coimbra, a feição de nossa gente apresentava profundas modificações. Os dou-
tos e os eruditos estavam ainda presos a Portugal, mas a plebe, o “vulgo profano”,
de cuja “grossaria” se queixava o árcade  Cláudio Manoel da Costa, tinha os olhos
voltados para a terra natal (Idem, pp. 155-156, grifo no original).

Desse modo, a feição brasileira da língua portuguesa caracterizar-se-ia


pela ideia de “simplicidade” da linguagem, em oposição ao léxico opulento
e ao emprego ostensivo de artifícios expressivos – reunidos pelo autor no
termo “gongorismo” –, identificados à sintaxe lusitana (objeto de ataques
no âmbito do modernismo). Artifícios expressivos que, em síntese, “revelam
apenas o brilho de um espírito curioso, forrado de um ecletismo superficial
e fácil, onde os recursos de eloquência resolvem, a cada passo, os problemas
que o raciocínio deixou por insolúveis” (Idem, p. 223).
A ideia de “simplicidade” está, assim, diretamente relacionada com o
caráter instrumental atribuído pelo autor à linguagem literária e poética

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como se fossem capazes de propiciar o desvelamento da “realidade brasilei-


ra”. Sua crítica volta-se, então, para a opacidade acarretada pelo emprego
ostensivo de artifícios expressivos que acabava por ocultar a realidade na-
cional. E essa ideia de “simplicidade” da linguagem foi fundamental para
o questionamento da definição a priori dos temas considerados poéticos
e para a aproximação da poesia a um mundo mais prosaico e cotidiano.
Aspectos que, não por acaso, constituíram elementos centrais do programa
cultural assumido pelos modernistas em geral.
A partir desse critério, Ronald de Carvalho enfrenta temas polêmicos
que formavam a tradição intelectual da historiografia literária brasileira.
Por exemplo, a periodização da evolução da literatura e a definição de uma
galeria canônica em termos de textos e autores. Embora tenha considerado
a periodização proposta por Romero “mais atenta” do que a de Veríssimo,
Ronald entendia, porém, que faltava a ela “segurança e concisão”: “Aquele
seu ‘período de desenvolvimento autonômico’ é menos verdadeiro, pois
ainda sofríamos no século XVIII imediata influência portuguesa” (Idem,
p. 47). Assim, propõe uma divisão da formação da literatura brasileira em
três períodos distintos:

1º) – Período de formação, quando era absoluto o predomínio do pensamento


português (1500-1750);
2º) – Período de transformação, quando os poetas da escola mineira começaram
neutralizar, ainda que palidamente, os efeitos da influência lusitana (1750-1830);
3º) – Período autonômico, quando os românticos e os naturalistas trouxeram para
a nossa literatura novas correntes europeias (1830 em diante) (Idem, pp. 47-48).

Quanto à galeria canônica da literatura brasileira, Ronald seleciona


determinados literatos, em geral, e poetas, em particular. Parte dos estudos
realizados por seus predecessores, sem deixar de atualizá-los incluindo no
cânone autores e textos de sua preferência. A esse respeito, eu começaria su-
gerindo – para usar uma fórmula consagrada pelos historiadores da literatura
brasileira – um subtítulo que explicitasse o arco histórico da Pequena história
em termos de autores: “De Gregório de Matos a Mário Pederneiras”. De fato,
é entre o poeta barroco baiano e o poeta simbolista carioca que, segundo
Ronald, a literatura brasileira se esboçaria como expressão da nacionalidade.
Ou seja, ele considerava que as expressões legítimas da literatura nacional
já seriam perceptíveis antes mesmo do Romantismo, quando ocorre a sua
consolidação de fato.

novembro 2011 145


A Pequena história da literatura brasileira: provocação ao modernismo, pp. 135-161

Assim, as primeiras manifestações nativistas, tipo de prelúdio do senti-


mento nacionalista, remontariam ao Barroco e não aos árcades mineiros –
uma polêmica que, aliás, chega aos dias atuais, opondo Haroldo de Campos
a Antonio Candido justamente em torno do caso Gregório de Matos (cf.
Campos, 2011). Para Ronald de Carvalho, “o sentimento brasileiro só com
Gregório de Mattos é que, realmente, começa a aparecer” (Carvalho, 1922,
p. 100). E completando mais adiante: “Ele foi, para resumir, o primeiro
espírito varonil da raça brasileira” (Idem, p. 122). Mário Pederneiras, por
sua vez, é considerado o introdutor do verso livre, principal instrumento
estético modernista de reação à hegemonia poética parnasiana no Brasil:

Sua poesia é de uma simplicidade a que não estamos habituados. Usando o


metro livre com perícia, conhecendo-lhe os segredos e as dificuldades, o autor
do Ao léu do sonho e à mercê da vida, exerceu segura influência sobre grande
parte dos nossos melhores poetas modernos. [...] Pederneiras estimava as coisas
no seu ambiente natural, deslindadas de artifício, singelas e humildes, como se
apresentam aos nossos olhos. Não lhe interessavam os aspectos extraordinários do
mundo [...] ficava indiferente diante de toda essa quinquilharia de que abusaram
os parnasianos” (Idem, p. 375).

Embora presente como enunciado tanto no manuscrito da Pequena histó-


ria como em sua primeira edição de 1919, cumpre observar que o argumento
sobre o papel de Mário Pederneiras na introdução do verso livre no Brasil foi
desenvolvido com maior ênfase e documentação a partir da segunda edição,
de 1922. Sobre esse poeta, com quem conviveu na redação da revista Fon-
Fon!, anotou Ronald em 8 de fevereiro de 1915 no seu caderno de endereços
7. O manuscrito de Pequena (utilizado também como um tipo de diário): “Morreu sozinho e triste às 3 ho-
história da literatura brasileira e o
original do caderno de anotações
ras da manhã Mário Pederneiras. Dei para o seu sono muitas rosas suaves”7. A
constam do acervo do autor. valorização de Pederneiras não respondia apenas, ou principalmente, ao gosto
pessoal do autor. Está inserida num movimento mais amplo de valorização do
simbolismo como ponto de partida e perspectiva de renovação estética. E a
defesa de uma continuidade interna do modernismo em relação ao simbolis-
mo foi peça crucial, seja nos embates dos intelectuais cariocas com os paulistas
nos anos de 1920, seja para a afirmação dos primeiros como pioneiros no
combate à estética parnasiana.
Voltando à Pequena história, o ápice da formação da literatura brasileira,
no que diz respeito à prosa – sempre perseguindo a ideia de autonomia e
simplicidade da linguagem –, ter-se-ia dado com Machado de Assis: “sem

146 Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2


André Botelho

contestação, sob variados aspectos, o mais significativo dos escritores de


língua portuguesa” (Carvalho, 1922, p. 333). Assim, num tipo de redenção
do nosso mal de origem – uma literatura nacional sem base num idioma
próprio –, nosso processo de diferenciação e autonomização linguística
acabaria por dar à língua portuguesa um dos seus mais notáveis expoentes
literários. De quem, aliás, Ronald de Carvalho traduziu Dom Casmurro
para o francês.
A galeria canônica proposta por Ronald inclui ainda, com destaque, obras
como Jornal de Timon, de João Francisco Lisboa – “Inteligência universal,
queremos dizer versátil e polimorfa, Lisboa, no meio dos seus companheiros
enfáticos e atrasados, brilhou pela liberdade do caráter e pela profundeza da
capacidade de observador sagaz e astuto” (Idem, p. 283) –, e Memórias de um
sargento de milícias, de Manoel Antonio de Almeida; e autores como, por
exemplo, Joaquim Manoel de Macedo – “o verdadeiro fixador dos nossos cos-
tumes, naquela época ainda colonial na maioria dos seus aspectos [...] com-
preendeu admiravelmente as tendências da nossa alma popular, sentimental
e piegas, e fez, com pequenas intrigas ingênuas [...] a sua história íntima e
simplória” (Idem, p. 261) – e Castro Alves – “[o] sucesso do seu lirismo decla-
matório, empolado e brilhante, onde refulgem, de trecho a trecho, imagens
de uma formosura quente e nervosa, tem as raízes no caráter grandiloquente
e enfático da raça brasileira. Ele foi, e é ainda amado aqui por várias razões
de ordem moral, porquanto é, de certo, um genuíno representante do nosso
pendor para o grandioso, até para o extravagante” (Idem, p. 250); por mo-
tivos opostos, Cruz e Sousa, em cuja poesia não se verificariam “os processos
artificiosos com que os nossos versejadores hábeis, na sua maioria, procuram
iludir a sensibilidade do leitor. O brilho da rima esquiva, o recamo do vocá-
bulo cintilante, o colorido da imagem esquisita, tudo isso foi posto à margem”
(Idem, p. 358). Com Cruz e Souza, sugere Ronald, rompia-se nada menos do
que com a noção preestabelecida de eu-lírico, de modo que a partir dele “o
artista, em suma, desapareceu” (Idem, ibidem).

II

A estética parnasiana foi alvo de um intenso combate movido pelos


modernistas. A concepção de poesia como produto nobre do espírito e de
uma ideia elevada de inspiração dominou quase completamente a atividade
poética brasileira na passagem do século XIX para o XX. O vocabulário raro
e previamente escolhido favorecia o efeito pretendido pelos parnasianos

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A Pequena história da literatura brasileira: provocação ao modernismo, pp. 135-161

de desprendimento idealista em relação a qualquer referência à realidade


prosaica (cf. Arrigucci Jr., 1990, p. 102).
O combate modernista tanto ao alegado artificialismo da poética par-
nasiana – disciplinada por uma concepção rigorosa de forma dissociada de
conteúdo (tomada como uma espécie de adorno postiço) – como à visão me-
canicista da natureza e do homem associada ao ideário naturalista comporta
uma dimensão social mais ampla frequentemente negligenciada pela crítica
especializada, mas que se mostra fundamental do ponto de vista sociológico.
Se perguntarmos sobre o seu lugar social, podemos perceber que esta polê-
mica se inscreve num quadro mais amplo de ideias, no qual as linguagens em
transformação são índices do complexo diálogo que a sociedade brasileira
dos anos de 1920 travava consigo própria sobre o papel desempenhado pelo
legado cultural ibérico na sua ordenação.
Não por acaso esse é um dos temas centrais da Pequena história. Associan-
do o ideário parnasiano ao legado cultural ibérico, Ronald de Carvalho sugere
que este teria moldado não apenas a literatura, mas a sociedade brasileira
como um todo desde a colonização, e sua influência se faria sentir decisiva-
mente mesmo após a independência política de 1822. Essa percepção rela-
tivamente aguda da questão estética só foi possível porque o autor tinha em
vista um quadro de referências mais amplo, próprio ao gênero historiográfico.
A denúncia do ideário parnasiano pelo grupo paulista de 1922 esteve
inicialmente circunscrita ao domínio estético (cf. Paes, 1990, p. 68). No
âmbito dessa vertente do modernismo, o legado cultural ibérico – encarnado
na figura do bacharel – foi objeto de crítica apenas no final dos anos de 1920
e, sobretudo, ao longo da década seguinte. Sérgio Buarque de Holanda, por
exemplo, referiu-se à “praga do bacharelismo” na nossa formação cultural,
que condicionaria o móvel do conhecimento como fonte de distinção e
destaque dos seus cultores: “De onde, por vezes, certo tipo de erudição so-
bretudo formal e exterior, onde os apelidos raros, os epítetos supostamente
científicos, as citações em língua estranha se destinam a deslumbrar o leitor
como se fossem uma coleção de pedras brilhantes e preciosas” (Holanda,
1995, p. 165). Também Paulo Prado observava, em 1928, no Retrato do
Brasil : “Ciência, literatura, arte – palavras cuja significação exata escapa
a quase todos. Em tudo domina o gosto do palavreado, das belas frases
cantantes, dos discursos derramados: ainda há poetas de profissão” (Prado,
1997, pp. 203-204).
Em 1919, Ronald de Carvalho já observava que o legado ibérico havia
formado uma cultura “essencialmente idealista e aventurosa”; daí o seu por-

148 Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2


André Botelho

tador ideal: o Quixote que “luta sem saber com quem, contra um moinho
ou contra um exército, mas luta porque tem necessidade de aventuras para
viver” (Carvalho, 1922, p. 25). Contraposta à ideia de “estabilidade”, que,
segundo o autor, “é por onde se revelam os povos já velhos e constituídos”
(Idem, p. 128), a ideia de “aventura” é sistematicamente formulada ao longo
da Pequena história como definidora do “caráter brasileiro”:

Já se disse, no correr deste livro, que não possuímos a noção da estabilidade; ora,
sem essa qualidade primacial, que não se improvisa, e somente se adquire com o
trato e a experiência dos homens e do mundo, não haverá equilíbrio nos conceitos,
nem justeza nos comentários; não haverá filosofia na história, nem penetração na
crítica. Acresce, também, que os povos da península ibérica de quem descendemos
diretamente, para não mencionar o índio e o africano, cuja capacidade de obser-
vação é secundária, nunca se revelaram superiores por esse lado. Ali predomina,
igualmente, a paixão, o lirismo histórico obscurece a visão dos fatos, o culto da
imaginação perturba o conhecimento lógico das coisas. A irreverência de Cervantes
e a exaltação de Camões definem a raça hispano-lusa (Idem, p. 276).

A ação do legado ibérico seria de tal modo contundente que desprender-


se das formas fixas, da proporção e das medidas estipuladas nos manuais
parnasianos não se afigurava desafio modesto para o autor. Segundo Ronald
de Carvalho, existiriam afinidades de tal modo efetivas entre ideário estético
parnasiano e o que chama “sensibilidade” ou “caráter” nacional brasileiro –
moldados pelo legado ibérico – que a própria historiografia literária se encon-
trava prejudicada: “Os brasileiros somos, geralmente, historiadores de curto
vôo e críticos de pouca profundidade. Na história, confundimos a eloquência
com a verdade, na crítica, o elogio ou a verrina com o senso da exatidão. O
mal não é tão nosso como das condições étnicas, morais e sociais do país”
(Idem, p. 275). A poesia, no entanto, constituía o seu grande “paradigma” e o
caso de Olavo Bilac era exemplar:

O que, porém, define melhor as suas íntimas ligações com a alma brasileira e a
influência considerável que ele exerceu, e ainda exerce, em nossas letras, é a sua
concepção essencialmente epicurista e voluptuosa da vida. Os povos em formação
que, à semelhança do nosso, estão em conflito permanente de tendências e direções,
marcham por entre uma exaltação de egoísmos que só lhes deixa entrever, como fins
realizáveis e imediatos, o prazer e o gozo, na fortuna vária. As grandes abstrações
não os comovem, os sistemas transcendentes da inteligência pura não chegam a

novembro 2011 149


A Pequena história da literatura brasileira: provocação ao modernismo, pp. 135-161

prender-lhes a atenção, pois eles preferem a representação exterior das coisas, o


pitoresco das formas e o brilho dos coloridos (Idem, p. 322).

Assim, na passagem do século XIX ao XX, a prática do soneto parnasiano


permanecia como uma espécie de pendor cultural ou tributo obrigatório não
apenas para os homens de letras, mas para os brasileiros em geral. No melhor
espírito irreverente que caracterizou a época – mas não a sua narrativa em
particular –, Ronald ironiza: “O soneto era o veículo fatal de todas as coisas,
a medida da inspiração amorosa e da inspiração industrial. Dependurava-se
dos bondes, esgueirava-se da carteira dos amanuenses e pulava das balas de
estalo. Passaporte para o casamento, para o suicídio ou para a celebridade
suburbana, era sempre a chave mágica da fama” (Idem, p. 107).
Para o autor, combater o ideário parnasiano implicava, portanto, uma
avaliação crítica mais ampla do papel do legado ibérico na formação da so-
ciedade brasileira, bem como uma mobilização constante dos intelectuais. Tal
combate apresenta-se na Pequena história como a base de um programa de
renovação cultural mais amplo voltado para a reforma moral da sociedade.
Programa que, tendo sido iniciado pelos simbolistas, caberia à geração do
próprio Ronald completar:

É contra esse eterno soneto que reagimos presentemente. De fato, quem estudasse
a nossa literatura poética, durante a última metade do século XIX e o primeiro
quartel do século XX, ficaria embaraçado se quisesse atenuar a venenosa ironia
do mencionado conceito [...]. De tal modo se inveterou em nossos costumes,
que ficamos, insensivelmente, à margem de toda a evolução literária do universo
(Idem, ibidem).

Embora na Pequena história a condição de formação da literatura bra-


sileira em termos nacionais seja dada pela ruptura com o pensamento, o
sentimento e as formas de expressão lusitanas – consagrados na estética
parnasiana –, esse processo não seria linear. Comportaria determinados
avanços e recuos característicos de uma concepção cíclica do tempo, uma
vez que tudo “quanto fizera a delícia dos tempos passados” sempre voltaria
“à superfície” (Idem, p. 171). Tudo se passa como se, para Ronald, a sucessão
temporal das escolas literárias – que, nas suas palavras, “são, quase sempre,
invenções das épocas de decadência, ou, melhor, dos períodos de transição”
(Idem, ibidem) – não exprimisse o aperfeiçoamento progressivo e linear do
sentimento nacional de modo unívoco.

150 Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2


André Botelho

Vejamos dois exemplos da releitura que essa concepção de tempo cíclico


permite. O primeiro, do árcade Cláudio Manoel da Costa, como um caso
“negativo”. Isto é, de um poeta que, preocupado apenas com os artifícios
de linguagem na montagem de um jogo estético complexo, não pôde ex-
primir a “realidade brasileira” e, desse modo, pouco teria contribuído para
a formação da literatura em termos nacionais:

Sua ingenuidade é postiça, não nos comove; seus pastores são, geralmente, vazios, sem
alma, são talvez, como aquela cigarra da ode anacreôntica, iguais aos deuses intangí-
veis do Olimpo, pois o que lhes falta justamente é sangue vermelho, sangue humano.
Cláudio tinha, sem favor, um admirável gosto para vestir e compor os seus bonecos,
à francesa ou à italiana, conforme as exigências da hora. Sabia também, e com apre-
ciável talento, corrigir a natureza, aparar-lhe as arestas, arredondar-lhe os contornos
ásperos, mas fazia-o tão cuidadosamente que, afinal, não era mais a natureza que
se apresentava nas suas éclogas ou nos seus sonetos, mas um painel decorativo,
digno de Fragonard e dos pintores galantes do século XVIII, em França. Quer em
Alvarenga Peixoto, quer em Silva Alvarenga havia muito mais larga compreensão
da terra, muito mais verdade nativista, se assim podemos dizer (Idem, p. 173).

O segundo caso, por oposição, “positivo”, seria o poeta parnasiano Al-


berto de Oliveira, que expressaria de modo quase inigualável a “fisionomia
da nossa terra natal” (Idem, p. 319). Ele mostra bem como a questão das
escolas literárias aparece relativizada na Pequena história:

Se é verdade que o Sr. Alberto de Oliveira sofreu a influência dos parnasianos fran-
ceses, não é menos certo que, há muito, dela se libertou, ganhando maior amplitude
os seus temas e mais simplicidade a sua poesia, sempre elegante, aliás, e sempre
correta. Demais, um grande poeta impassível é um jogo de palavras sem sentido,
uma refinada monstruosidade que só a logomaquia habitual se compraz em repisar.
O autor das “Meridionais” continua a ser, nas suas múltiplas tendências clássicas,
românticas ou parnasianas, sobretudo um lirista sensível, colorido e imaginoso.
Sua imaginação é mesmo, como expressão literária, uma das mais consideráveis de
quantas tem aparecido no Brasil (Idem, ibidem).

Haveria, em suma, no barroco, bem como entre os românticos e mesmo


parnasianos, determinados literatos e poetas que permitiriam a Ronald de
Carvalho entrever, em diferentes graus, a constituição de uma literatura na-
cional. Para o autor, todo o problema estaria na falta de elos de coesão entre

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A Pequena história da literatura brasileira: provocação ao modernismo, pp. 135-161

esses homens de letras. Pois, como ele mesmo afirma: “Ficamos, apenas, com
alguns nomes e datas na memória, mas sem poder ligá-los” (Idem, p. 282).
Radicalizando o axioma da literatura como expressão da nacionalidade,
Ronald toma a possibilidade de uma feição brasileira da língua portuguesa
não apenas como base de uma literatura brasileira nacional, mas também
como critério de avaliação das obras que justificariam tal formação. A “lin-
guagem brasileira” é perseguida na temática, bem como na dicção, sintaxe
e vocabulário das obras. A característica fundamental dessa “linguagem
brasileira” seria, como vimos, a “simplicidade” em detrimento dos artifícios
formais identificados à tradição cultural lusitana. Artifícios cultivados e
atualizados pelo ideário estético e ideológico parnasiano, mas não necessa-
riamente por todos os seus poetas. Vemos assim, portanto, como estava em
jogo um debate não apenas sobre a literatura, mas também sobre a própria
formação de um “léxico” para o Brasil moderno.
E a ideia de “simplicidade” está diretamente associada à definição do
papel atribuído à literatura de desvelar a “realidade”. Segundo Ronald, na
busca pela perfeição da forma, o modo parnasiano de versificação cristalizado
em regras acadêmicas acabou por levar inevitavelmente ao alheamento da
literatura da “realidade” tangível. Este, então, o “sentido” apontado na Pe-
quena história para a renovação estética e intelectual brasileira: aproximar a
literatura produzida no país da sua “realidade” própria – tema que integrou
de modo controverso o debate intelectual mais amplo nos anos de 1920 e
1930, sendo fundamental também no ensaísmo de interpretação do país
contemporâneo (cf. Botelho, 2010). É nesse quadro que a valorização dos
elementos tidos como “locais” e “populares” adquire sentido: “A verdadei-
ra poesia”, afirma Ronald, “nasce da boca do povo como a planta do solo
agreste e virgem. É ele o grande criador, sincero e espontâneo, das epopeias
nacionais, aquele que inspira os artistas, anima os guerreiros e dirige os
destinos da pátria” (Idem, p. 51).
A valorização da língua portuguesa falada no Brasil e sua transposição
para a escrita, ou, noutras palavras, a aproximação da língua escrita à falada,
constitui tema central do modernismo. Ele está presente de modos e com
sentidos diversos em ensaístas, literatos e poetas do período. Sua adoção
programática é central em Mário de Andrade, por exemplo. Em carta datada
de 18 de fevereiro de 1925 a Carlos Drummond de Andrade, Mário refere-se
a essa questão como a aproximação do “como falamos” ao “como somos”,
uma verdadeira “aventura que me meti de estilizar o brasileiro vulgar”. Uma
aventura, porém, “muito pensada e repensada”, já que se trataria de uma

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André Botelho

“estilização culta da linguagem popular da roça como da cidade, do passado


e do presente. É uma trabalheira danada diante de mim”. E assevera adiante
sobre os usos populares brasileiros da língua portuguesa:

O povo não é estúpido quando diz “vou na escola”, “me deixe”, “carneirada”,
“mapear”, “besta ruana”, “farra”, “vagão”, “futebol”. É antes inteligentíssimo nessa
aparente ignorância porque sofrendo as influências da terra, do clima, das ligações
e contatos com outras raças, das necessidades do momento e da adaptação, e da
pronúncia, do caráter, da psicologia racial modifica aos poucos uma língua que
já não lhe serve de expressão porque não expressa ou sofre essas influências e a
transforma afinal numa outra língua que se adapta a essas influências (Andrade e
Andrade, 2002, p. 100).

Nessa aproximação, Mário de Andrade contrapunha-se e, na verdade,


esvaziava a distinção clássica entre norma culta – a língua portuguesa escrita
de acordo com as regras gramaticais estabelecidas a partir de Portugal – e
a língua portuguesa falada, adaptada e recriada no cotidiano brasileiro. Foi
com a concorrência de Mário de Andrade que essa, certamente, se tornou
uma das maiores conquistas do modernismo. Ao seu lado se alinhava mais
uma vez o amigo Manuel Bandeira, que em 1925 tomou posição firme em
relação à “língua-mãe”. Como Mário, Bandeira escolhe a língua “errada”
do povo brasileiro ao português castiço de Portugal, mas manteve restri-
ções ao uso excessivo da fala popular em poesia – verdadeira obsessão do
amigo paulista –, questão que seria, inclusive, objeto de controvérsia entre
romancistas e críticos da década de 1930 (cf. Bueno, 2006). Lembrando
a sua experiência com a língua portuguesa no belo poema “Evocação do
Recife”, de 1925, Bandeira escreve:

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros


Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
Bandeira (1974, p. 213).

novembro 2011 153


A Pequena história da literatura brasileira: provocação ao modernismo, pp. 135-161

Essa conquista modernista não é apenas estética, mas também social


e política. O reconhecimento da língua cotidiana e popular implicou re-
novação radical do código literário, bem como uma aproximação ao povo
que procurava dar voz própria ao homem brasileiro. Nem sempre ingênua,
essa valorização do “popular” tem sentidos diversos e dificilmente pode
ser generalizada. No que diz respeito a Mário de Andrade, por exemplo,
a aproximação do “como falamos” ao “como somos” remete a um aspecto
central do seu pensamento e da sua atuação, presente também na sua valo-
rização do folclore e das práticas culturais populares como meio estratégico
de abrasileiramento da cultura erudita produzida no Brasil (especialmente
a música). Assim, é crucial observar que, embora tenha especificidades lin-
guísticas próprias, a diluição da oposição língua escrita (culta) e língua falada
(popular) – e sua ressignificação mútua – implica a diluição mais ampla
entre cultura erudita e cultura popular, tal como realizado magistralmente
em seu Macunaíma, de 1928.
Em Mário de Andrade, o sentido dessa diluição implica reconhecimento
social e aproximação em relação ao povo, dando-lhes voz própria (cf. Lopez,
1972). No caso da Pequena história, por sua vez, a valorização do “popular”
se faz acompanhar por certa desqualificação dos próprios portadores sociais
da ideia. O “povo”, visto como ainda “virgem”, é proposto antes como um
“manancial” de “novas forças” para o homem de letras que, embora cultiva-
do, se mostraria incapaz de renovar-se por si mesmo. Como afirma Ronald
de Carvalho, se quem “fez a Revolução Francesa não foi Voltaire, com as
suas sátiras, nem Rousseau, com os seus romances: foi a fome, com as suas
dores e misérias” (Idem, pp. 156-157), aos escritores caberia, no entanto,
“representar com mais justeza essas invisíveis afinidades que existem entre
as lutas da alma e as do ambiente circunstante” (Idem, p. 316).

III

Com Pequena história da literatura brasileira, Ronald de Carvalho atuali-


zou o axioma da literatura como expressão da nacionalidade que herdou de
seus predecessores no gênero, notadamente Silvio Romero e José Veríssimo.
Mas ao lançar mão desse legado historicista ele tinha em vista as questões
próprias do seu tempo. É nesse sentido que a questão da renovação estética
se constitui em motivo central, como aquilo que põe o argumento do livro
em movimento. Como assinalamos, a definição programática de uma feição
brasileira da nossa língua, especialmente na poesia, informa o sentido da

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André Botelho

renovação proposta no livro. Ela não era, porém, desafio único ou isolado. Se-
gundo Ronald, várias causas concorreriam para a formação de uma literatura,
sendo algumas peculiares ao próprio povo e outras exteriores, que seguiriam
“como que um processo de lenta infiltração, de caldeamento intelectual
e moral” (Idem, p. 42). E embora as “causas internas” se lhe afigurassem
como as fundamentais, ele adverte que as “causas exteriores” não devem
ser desprezadas “como qualquer elemento perigoso de desnacionalização”:
“Não! As literaturas são como os seixos ao fundo quieto dos rios: precisam
de muitas e diferentes águas para se tornarem polidas. E se, por um lado,
podem ficar menores, perdem, por outro, certas arestas duras e agressivas,
infinitamente mais nocivas à sua perfeição” (Idem, p. 43; grifo no original).
As “causas externas” são entendidas na Pequena história, sobretudo,
como as influências europeias constitutivas da estrutura e da dinâmica da
nossa vida cultural como um todo. A principal decorrência prática dessa
posição – que também se mostra original em relação aos precedentes no
gênero – foi a tentativa de associar os movimentos e escolas literárias bra-
sileiras às correntes estéticas europeias, de modo a oferecer uma visão de
conjunto mais integrada dessas interdependências. Proposta como condição
da formação da literatura brasileira em termos nacionais, o declínio da in-
fluência lusitana não implicava, portanto, a negação de outras influências
exógenas, mas lhe seria contemporânea8. 8. A questão aparece na própria
periodização da literatura brasilei-
Como Sílvio Romero e José Veríssimo, Ronald de Carvalho também
ra proposta por Ronald de Car-
concebeu os processos de formação da literatura e da sociedade brasileiras valho: podemos perceber que o
sentido da formação do “período
como inteiramente congruentes, de modo que os dilemas formativos da
autonômico” é dado não apenas
literatura corresponderiam aos próprios dilemas formativos mais amplos pela decisiva decadência da in-

da sociedade brasileira. Para eles, o processo de formação da literatura fluência lusitana, como também
pela emergência da influência de
apresentava-se problemático no plano intelectual, sobretudo em função da novas correntes europeias como
questão da importação das ideias como mecanismo próprio de uma sociedade o romantismo e o naturalismo.
Como observou a propósito Lú-
formada a partir da experiência colonial. Presos mais aos efeitos do que às cia Miguel-Pereira, o período an-
causas desse mecanismo social, no entanto, esses autores compartilham do terior ao “autonômico” – chama-
do de “transformação” em função
“sentimento acabrunhador da posição em falso de tudo o que concerne à das tentativas nativistas de “neu-
cultura brasileira”, que “a bem dizer tem a idade de nossa vida mental e com tralização” da influência lusitana
(entre 1750 e 1830) – “parece ter
ela se confunde – bem como as metamorfoses do desejo sempre renovado de
sido o mais independente, por-
corrigi-la mediante alguma sublimação descalibrada” (Arantes, 1997, p. 14). que, depois dessa curta tentativa
de reação, logo surge, não mais a
Romero abordou o tema de modo bastante explícito: “Bem como na
exclusiva influência lusitana, mas
ordem social tivemos a escravidão, na esfera da literatura temos sido um a europeia, muito mais forte”

povo de servos. Os nossos mais ousados talentos, se nos aconselham o (Miguel-Pereira, 1936, p. 55).

abandono da imitação dos portugueses, instigam-nos, por outro lado, à

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macaqueação francesa; se nos bradam contra franceses, é para nos atirarem


a ingleses ou alemães!” (Romero, 1960, p. 755). A esse respeito, também
Veríssimo, curiosamente, não mediu palavras:

[...] por inópia da tradição intelectual o nosso pensamento, de si mofino e incerto,


obedece servil e canhestramente a todos os ventos que nele vêm soprar, e não assu-
me jamais modalidade formal e distinta. Sob o aspecto filosófico o que é possível
notar no pensamento brasileiro, quanto é lícito deste falar, é, mais talvez que a sua
pobreza, a sua informidade. Esta é também a mais saliente feição da nossa literatura
(Veríssimo, 1963, p. 11).

No limiar da década de 1920, no entanto, os dilemas formativos da


literatura e da sociedade brasileiras pareciam assumir, para Ronald de Car-
valho, e para o modernismo em geral, feições mais dramáticas do que o
naturalismo de Romero ou o esteticismo de Veríssimo haviam permitido.
Embora concordasse que, do ponto de vista dos fatores raciais e estéticos, a
possibilidade de constituição de uma “civilização” estaria assegurada, restava
para o modernista carioca a questão da existência de uma “cultura brasilei-
ra” – da qual a literatura seria a expressão mais definida – que permitisse à
sociedade (bem como às suas letras) identificar-se em termos propriamente
“nacionais”. O Brasil, afirma Ronald,

[...] representa, sem dúvida, uma força nova da humanidade, e é lógico que possua,
como de fato possui, uma civilização mais ou menos definida, onde predominam,
é certo, as influências europeias, mas onde já se vislumbram vários indícios de uma
próxima autonomia intelectual, de que a sua literatura, já considerável e brilhante,
constitui a melhor e a mais decisiva prova (Carvalho, 1922, p. 37).

Após esse enunciado e muitas páginas de grande empenho – sobretudo


para um jovem de 26 anos de idade – para demonstrar a “fisionomia da nossa
literatura”, Ronald constata algo acanhado: ela “é produto do esforço isolado
de alguns escritores de real merecimento” (Idem, p. 386). Completando a
citação, explicita-se que à literatura brasileira ainda “falta espírito coletivo
justamente porque carecemos de um ambiente de verdadeira cultura”, ou
seja, “uma organização social que se recomendasse pela cultura” (Idem, ibi-
dem). A apontada ausência de organicidade – nos termos de uma tradição
contínua de autores, obras, estilos e temas – da literatura brasileira devia-
se, em suma, ao fato de a própria sociedade brasileira não constituir ainda

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André Botelho

uma “nação” fundada num conjunto de valores culturais próprios que lhe
conferisse identidade e coesão social.
Curiosas essas histórias da literatura que parecem sempre incompletas,
mas, mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, insistentemente atraem novos
decifradores. É que, como muitos outros autores anteriores e posteriores,
Ronald não estava preocupado com a literatura apenas em termos das suas
características estéticas. Interessava-se também pelas respostas que estas po-
deriam dar às suas perguntas sobre a construção nacional do Brasil. Como
“meio onde nos encontramos e nos conhecemos a nós mesmos”, a literatura
resolveria, para o autor, “o antigo adágio grego, porquanto ‘reúne todas as
coisas que estão separadas, e vive separadamente em cada uma das coisas’”
(Idem, p. 322).
Embora não tenha desaparecido de todo após a Pequena história, a crença
historicista na congruência entre os processos formativos da literatura e da
sociedade ficaria, no entanto, deslocada a partir da década de 1950. Nesse
momento, as convicções da unidade nacional e da dependência cultural
que tanto animaram o modernismo dos anos de 1920 – em suas mais di-
ferentes vertentes – passaram a conviver e disputar definições do moderno
com perspectivas mais universalistas (cf. Botelho, 2009). Perspectivas que
se voltavam às formas de integração do país no capitalismo mundial, à re-
flexão sobre os impasses da sociedade de classes, bem como à realização de
uma ordem social democrática, secularizada e competitiva entre nós. Era
sobretudo a sociedade tal como se constituía – em seus movimentos, grupos
sociais, velhos e novos atores engajados no enfrentamento dos problemas
econômicos, sociais, políticos e culturais – que estava em questão na década
de 1950. Era, então, a parte igual da sociedade moderna que importava
instituir: homens, mulheres, negros, brancos, patrões, empregados, alfa-
betizados e analfabetos que sentem, pensam, agem, interagem, entram em
conflito, constroem o Brasil moderno.
Talvez por isso, quando se voltou novamente ao gênero em 1957,
Antonio Candido já tenha definido o seu estudo Formação da literatura
brasileira como – parafraseando um título de Julien Benda – uma “história
dos brasileiros no seu desejo de ter uma literatura” (Candido, 1964, p. 27).
Redefinição que provocou um deslocamento sutil, mas profundo, na abor-
dagem tradicional da literatura como expressão “da realidade local e, ao mes-
mo tempo, elemento positivo na construção nacional” (Idem, ibidem). Tal
deslocamento teria permitido ao autor compreender não apenas o percurso
da literatura brasileira, mas também como esse processo formativo poderia

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se completar até mesmo de modo notável: sem que por isso o conjunto da
sociedade estivesse em vias de se integrar (cf. Schwarz, 1999). Problema e
perspectiva que, a despeito das mudanças em processo na sociedade brasi-
leira das últimas décadas, permanecem nos interpelando sociologicamente
e mobilizando parte da nossa mais instigante crítica da cultura.

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Resumo

A Pequena história da literatura brasileira: provocação ao modernismo

O texto analisa a Pequena história da literatura brasileira, de Ronald de Carvalho, pro-


curando explicitar seu contexto intelectual: de um lado, a tradição da historiografia
literária que lhe lega as principais referências e convenções; de outro, a conjuntura crítica
de reflexão sobre o sentido que a cultura e a sociedade brasileira estavam tomando, na
qual se nutriram a sensibilidade e a imaginação modernistas. Esse recurso metodológico
permite discutir como, a partir da defesa da “simplicidade” da linguagem literária –
cujo sentido particular também é qualificado neste artigo –, o livro contribuiu para a
rotinização de uma agenda de renovação estética e cultural.
Palavras-chave: Modernismo; Historiografia literária; Renovação estética; Construção
nacional; Cultura e sociedade no Brasil.

Abstract

The Small history of Brazilian literature: provoking modernism

The text analyzes the Small history of Brazilian literature, by Ronald de Carvalho,
looking to explicate its intellectual context: on one hand, the tradition of literary his-
toriography from which the book inherits its main references and conventions; on the
other, the contemporary critical reflection on the direction in which Brazilian culture
and society were heading and on which the modernist sensibility and imagination
fed. This methodological strategy enables a discussion in how, based on the defence
of the “simplicity” of literary language – whose particular meaning is also described
in this article – the book contributed to making an agenda of aesthetic and cultural
renewal routine. Texto recebido e aprovado em
30/7/2011.
Keywords: Modernism; Literary historiography; Aesthetic renewal; National construc-
André Botelho é professor do
tion; Culture and society in Brazil. Departamento de Sociologia e
do Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia
do IFCS/UFRJ, e pesquisador
do CNPq e da Faperj. É autor,
entre outros, de O Brasil e os dias
(Edusc, 2005) e co-organizador
de Um enigma chamado Brasil
(Companhia das Letras, 2009).
E-mail: andrebotelho@digirotas.
com.br>.

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