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GABINETE DE ESTUDOS

A tributação do consumo em
Angola: rumo à adoção do IVA?
Parecer inevitável que Angola alinhe com os países da região e substitua o imposto de
consumo por um modelo específico de IVA. Será importante, contudo, que essa opção seja
acompanhada de um acréscimo dos produtos locais no mercado.

Por António Carlos dos Santos* | Artigo recebido em outubro de 2012

A
República de Angola (RA) últimos anos, em média, cerca de Unidade Técnica Executiva para
tem um território cerca de 80 por cento da receita fiscal e de 45 a Reforma Tributária (criada pelo
14 vezes maior que o ter- por cento do PIB. Decreto Executivo n.º 131/10, de 16
ritório da República Portuguesa e Desde novembro de 2009, a RA está de setembro de 2010) e dos órgãos
uma população estimada em cerca sujeita a um programa de ajusta- governamentais é orientada pelas
de 17 a 19 milhões de habitantes. A mento económico. Na sequência Linhas Gerais do Executivo para a
moeda nacional é o kwanza (Kz). da crise económica e financeira de Reforma Tributária (LGERT), de-
A nova Constituição da RA, de 5 de 2007-2008, um acordo (stand-by finidas pelo Decreto Presidencial
fevereiro de 2010, define o Estado arrangement) foi assinado com o n.º 55/11, de 15 de março de 2011.3
angolano como um Estado demo- FMI para obtenção de um emprés- No primeiro semestre de 2012 a re-
crático de Direito. A constituição timo no valor de aproximadamente ceita fiscal totalizou Kz 2 199,2 mil
económica angolana funda-se hoje mil milhões de euros para reconsti- milhões, dos quais cerca de 83,7
no primado da propriedade priva- tuição das suas reservas de divisas por cento são receita petrolífera,
da, do mercado e da concorrência.1 em virtude da quebra do preço do em franca recuperação relativa-
No plano internacional, Angola é, petróleo.2 mente a anos anteriores, devido ao
desde os primórdios (1979-1980) A RA tem, desde 2009, em prepa- incremento dos preços do barril do
membro fundador da Comunidade ração e execução um programa de petróleo no mercado internacional.
para o Desenvolvimento da África reforma tributária. Este programa Quanto à receita não petrolífera, ela
Austral (SADC – Southern African é atualmente dirigido por um or- tem vindo a aumentar fruto de al-
Development Community) que conta ganismo especificamente criado gumas medidas derivadas da con-
hoje com 15 Estados aderentes. para o efeito pelo Decreto Presi- cretização do PERT, mas tem ainda
A economia angolana é muito de- dencial n.º 155/10, de 16 de setem- grande potencial de crescimento.
pendente das receitas petrolíferas, bro de 2010, o Programa Executivo Basta pensar que os impostos inter-
sendo a RA o segundo maior pro- da Reforma Tributária (PERT) que nos sobre bens e serviços não repre-
dutor de petróleo de África. Os im- substituiu o anterior Comité da Re- sentam mais que cerca de dois por
postos petrolíferos representam nos forma Fiscal. A ação do PERT, da cento do PIB.

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uma forte erosão das bases tributá-


rias. A situação de guerra civil que
O imposto de consumo é um imposto indireto, se seguiu à independência num país
que desde 1961 viveu a guerra colo-
na medida em que incide não sobre a riqueza nial impediu que o aparelho fiscal
ou o rendimento, mas sim sobre a sua utilização. se instalasse com permanência e
segurança em todo o território.6
Durante esse tempo, Angola vivia
(como ainda vive) essencialmente
das receitas do petróleo, captadas
O sistema fiscal angolano industrial, o imposto de consumo por meio de um regime tributário
à data da independência dos produtos derivados do petróleo, especial das indústrias petrolífe-
Angola foi uma colónia portuguesa bem como o imposto especial de fa- ras criado em 1951 e atualizado em
que se tornou independente em 10 brico e consumo de cerveja fabrica- 1970, que nunca representou menos
de novembro de 1975. A estrutura da internamente ou importada.4 que 70 por cento das receitas arre-
jurídica do sistema fiscal em vigor Significava isto que, se na tributa- cadadas
à data da independência inspirava- ção direta Angola se aproximava do No quadro da tributação do consu-
-se largamente no sistema fiscal modelo português (e, a exemplo de mo chegou a existir um projeto de
português existente nessa época. Moçambique, em alguns domínios introdução de um imposto de circu-
A reforma tributária angolana de apresentava um sistema jurídico lação (turnover tax), como elemento
1948 acolheu muitos dos princípios mais evoluído do que o português, da política de preços, inspirado em
da reforma portuguesa de 1929 e a pois conhecia desde 1968 um Códi- modelos dos países do leste euro-
reforma do início da década de 70 go Geral Tributário), no domínio da peu (em especial, da extinta RDA).
do século passado reproduziu a fi- tributação indireta o modelo ango- As Orientações Fundamentais para o
losofia da reforma da tributação dos lano era mais recuado, já que Por- Desenvolvimento Económico e Social
rendimentos operada em Portugal tugal adotou em 1966 um imposto para o período de 1978-80 atribu-
entre 1959 e 1963. A estrutura dos de transações (que vigorou até à íam a este imposto de circulação o
impostos diretos era de nature- introdução do IVA) com a natureza objetivo de facilitar a captação do
za cedular, com códigos atingindo de um imposto global sobre a des- excedente económico para o Or-
separadamente cada categoria de pesa atingindo as transações de um çamento no lugar e na forma mais
rendimentos (imposto profissional, grande número de mercadorias e adequados. Assim, este imposto
imposto industrial, imposto pre- mais tarde de um certo número de deveria ser fixado como um agra-
dial urbano, imposto de aplicação prestações de serviços.5 vamento sobre o preço de produção
de capitais, imposto sobre suces- (ou de importação), sendo prefe-
sões e doações), havendo um englo- A tributação do consumo rentemente cobrado no grossista. A
bamento parcial dos rendimentos no período imediatamente sua aplicação deveria recair de for-
efetuado por um imposto de sobre- posterior à independência ma concentrada sobre um grupo de
posição, o imposto complementar, O período que se seguiu à indepen- bens de consumo essenciais, cujos
enquanto os impostos indiretos re- dência não trouxe modificações de preços jogam um papel importante
caiam sobretudo sobre o comércio fundo neste panorama, permane- na regulação da procura solvente,
externo (direitos de importação e de cendo o subdesenvolvimento como sem que, contudo, com isso se afe-
exportação). Angola conhecia ain- traço essencial do território ango- tasse o nível de vida das camadas
da, desde 1967 (Diploma n.º 3 754, de lano. A coletivização das principais da população de menores recursos.
28 de agosto), um imposto de pro- unidades de produção comportou Razões políticas (o pedido de in-
dução e consumo (sobre um con- mudanças nas funções do siste- tervenção do FMI concretizado no
junto de mercadorias produzidas no ma fiscal e uma acrescida perda de programa de saneamento económi-
território angolano ou importadas), importância dos impostos. A falta co e financeiro em finais dos anos
além de alguns outros impostos es- de quadros da Direção Nacional de 80) e técnicas (a impreparação da
peciais como o imposto do álcool Impostos contribuiu também para máquina fiscal para assumir a ges-

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tão de um imposto que se mostra- conta certos índices (volume, peso, um conjunto vasto de mercadorias
va muito complexo) levaram a que dimensão, cilindrada, etc.). No identificadas segundo a sua posição
o projeto nunca visse a luz do dia e fundamental, este tipo de imposto pautal e consideradas como menos
que o imposto de produção e consu- era muito dependente das técnicas essenciais ou mesmo de luxo ou su-
mo permanecesse em vigor aduaneiras e a Direção Nacional de pérfluas.
No período de 1980 a 1984 os im- Alfândegas assumia um papel de As mercadorias que não constassem
postos sobre o consumo interno re- relevo na sua cobrança. dessas listas eram tributadas à taxa
presentavam em regra cerca de oito Em 1989, com o Decreto n.º 24/89, única de dez por cento que assumia
a nove por cento total das receitas de 27 de maio, que aprovou o respe- o papel de taxa normal.
fiscais (um pouco mais que o peso tivo regulamento (posteriormente
dos impostos sobre o rendimento), alterado pelo Decreto n.º 20-M/92, A primeira importante reestruturação
sendo que, no quadro destes impos- de 15 de maio), o imposto passou a do imposto de consumo
tos, o papel mais relevante em 1984 ser designado por Imposto de Con- Em 1999, o Decreto n.º 41/99, de 10
pertencia já ao imposto de produção sumo das Mercadorias Importadas de dezembro, aprovou um novo re-
e consumo. e de Produção Nacional mas, no gulamento do imposto de consumo
essencial, a sua configuração não (IC), revogando a legislação até en-
Do imposto de produção e consumo foi alterada. Note-se que, de acordo tão em vigor, e lançou as bases do
ao imposto de consumo com o art.º 3.º deste diploma, a ex- atual modelo angolano de tributa-
O imposto de produção e consumo portação de mercadorias tributadas ção do consumo8. Objetivamente,
não era um imposto geral sintético dava direito à restituição do impos- o IC incide sobre a produção (consi-
sobre a despesa. Mas era mais que to pago, se se provasse, por meio de derando-se como produtos produ-
um conjunto disperso de impostos certidão passada pelo serviço adu- zidos no país aqueles cujo processo
especiais sobre o consumo, pois aneiro competente, a saída efetiva de produção teve o seu termo em
embora incidisse sobre produtos das mercadorias. Este dispositivo, território angolano) e importação
muito variados, com taxas muito que, à semelhança do que ocorre de mercadorias, independentemen-
diferenciadas entre si, os sujeita- no IVA com a aplicação do princípio te da sua origem, a arrematação ou
va a um mesmo regime jurídico. do destino, permitia a existência venda realizadas pelos serviços
A incidência deste imposto recaía de uma isenção completa das ex- aduaneiros ou quaisquer serviços
sobre o valor de cerca de uma cen- portações, curiosamente deixou de públicos, a utilização dos bens ou
tena de mercadorias constantes de constar da reestruturação de 1999. matérias-primas fora do proces-
uma tabela, produzidas em Angola As taxas do imposto previstas nes- so produtivo e que beneficiam da
ou importadas. No caso das mer- te diploma eram múltiplas e muito desoneração do imposto e alguns
cadorias produzidas o valor era o pesadas, podendo ir de 10 a 200 por serviços. O elenco destes resumia-
preço de venda à porta do produtor, cento. Os mercados paralelos eram -se então ao consumo de água e de
enquanto no caso das mercadorias naturalmente florescentes.7 energia, aos serviços de telecomu-
importadas, o valor a ter em con- Estas taxas foram posteriormente nicações e aos serviços de hotela-
ta era o aduaneiro que era também ajustadas, primeiro pelo Decreto ria e outras atividades conexas ou
legalmente considerado no caso de n.º 70/91, de 15 de novembro, mais similares. Só no corrente ano, esta
mercadorias cuja produção não era tarde pelo Decreto n.º 13/1993, de 14 lista, como iremos ver, viria a ser
tida como local (aparelhos, má- de abril, que definiu a lista de bens substancialmente alargada.
quinas e artefactos montados sob e serviços não essenciais e, final- Quanto à incidência subjetiva, a lei
licença de fabricantes estrangeiros mente, pelo Decreto n.º 75/97, de 24 define como sujeitos passivos as pes-
e com partes e peças importadas). de outubro. Esta lista de 1997 pre- soas singulares, coletivas ou outras
As taxas aplicáveis eram em certos via uma taxa reduzida de cinco por entidades que pratiquem operações
casos ad valorem (variando entre 5 cento, aplicável a bens considera- de produção, fabrico ou transforma-
e 80 por cento), noutros (como no dos como essenciais (bens alimen- ção de bens, quaisquer que sejam os
vinho, aguardente, vermutes, mo- tares, livros didáticos e científicos processos ou meios utilizados, que
tocicletas, etc.) específicas, igual- e equipamentos cirúrgicos) e taxas procedam a arrematação ou ven-
mente muito variáveis, tendo em de 15, 30 e 50 por cento aplicáveis a da em hasta pública de bens ou que

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reforma tributária em curso, aquele


diploma, de acordo com o seu pre-
âmbulo, pretendeu alargar o âmbito
de incidência objetiva do imposto
Há que não perder de vista que um dos principais fatores por forma a incluir novas prestações
a considerar quanto à futura adoção deste imposto (IVA) de serviços, clarificar o conceito de
sujeito passivo e as obrigações que
é o da preparação da administração tributária. sobre ele recaem. Assim, alargou-
-se a incidência de imposto, entre
outros, a certos serviços de locação,
a serviços de consultoria (jurídica,
fiscal, económica, etc…), a serviços
portuários e aeroportuários, a servi-
procedam a importação de bens (si- Nem sempre muito perfeita no pla- ços de segurança privada, a serviços
tuações que hoje se mantêm) e as que no jurídico, esta reestruturação de turismo e viagens promovidos
consumiam água e energia, utilizas- do IC não deixou de constituir um pró agências ou operadores turísti-
sem serviços de telecomunicações importante progresso. Mas o IC cos, a serviços de gestão de canti-
e serviços de hotelaria e similares continuava a deixar de fora da tri- nas, dormitórios, condomínios e ao
(situação que, como veremos, foi re- butação a maior parte dos serviços aluguer de viaturas. Note-se que fi-
centemente alterada). prestados no mercado angolano, cam também sujeitos a IC os serviços
Excluída da tributação em IC, por previa um exagerado número de contratados por entidades residen-
norma expressa, está a produção taxas e mantinha uma técnica de tes e sujeitas a imposto industrial a
de produtos agrícolas e pecuários tributação de origem aduaneira, já prestadores não residentes. Nestes
não transformados, de produtos ultrapassada, ao remeter a sujeição casos, porém, existe uma inversão
primários da silvicultura, de pro- às taxas do imposto para uma ta- do encargo (reverse charge), ou seja,
dutos de pesca não transforma- bela de mercadorias classificadas são as entidades residentes quem tem
dos e de produtos minerais não pelas suas posições pautais. competência para liquidar o impos-
transformados. A lei isenta ainda to. O diploma definiu ainda as regras
de imposto certos bens, entre os A reforma do imposto aplicáveis às prestações de serviços,
quais se salientam os bens expor- de consumo no quadro quer quanto à base de cálculo do im-
tados, quando a exportação seja da atual reforma tributária posto, à competência para a liquida-
efetuada pelo próprio produtor ou Quanto à tributação do consumo, as ção e ao momento desta quer quanto
entidade vocacionada para o efei- LGERT previam duas fases, a primei- ao pagamento do imposto.
to. A taxa normal é fixada em dez ra das quais, de natureza transitória, A técnica seguida para definir pres-
por cento, havendo contudo uma implicaria uma racionalização e uma tações de serviços é, como se vê,
taxa reduzida de dois por cento clarificação do imposto de consumo, idêntica à do imposto brasileiro
(para os bens constantes da tabe- devendo, segundo o espírito daquele sobre circulação de mercadorias e
la I), taxas agravadas de 20 ou de diploma, ser levada a cabo para que serviços (ICMS) e à do antigo im-
30 por cento (para os bens cons- facilitasse uma tributação do consu- posto de transações português,
tantes da tabela II) e uma taxa de mo mais moderna que poderia de- isto é, uma técnica de enumeração
cinco por cento aplicável apenas sembocar na adoção do IVA. taxativa das prestações sujeitas a
às prestações de serviços (tabe- Esta primeira fase cumpriu-se com imposto, e não, como no regime do
la III).9 Para além disso, define o o Decreto Legislativo Presidencial IVA europeu, uma técnica que, por
cálculo do valor do imposto, as n.º 7/11, de 30 de dezembro que en- defeito, define residualmente pres-
obrigações declarativas e de fa- trou em vigor em 1 de janeiro de 2012, tação de serviços como toda a ope-
turação, as regras de liquidação, alterando cirurgicamente em alguns ração económica que não é trans-
de pagamento, de fiscalização, as pontos-chave o regime do Decreto missão ou importação de bens.
reclamações e recursos e as pena- n.º 41/99, de 10 de dezembro. Tendo Do mesmo modo, fica agora clara
lidades. em conta os desígnios inerentes à a distinção entre o sujeito passivo,

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a quem competem as obrigações


declarativas e de pagamento, e o
consumidor final, o adquirente dos
bens ou serviços. Fica ainda aber-
ta a possibilidade de o sujeito pas- A introdução do IVA deveria acompanhar um acréscimo
sivo fazer repercutir o imposto no
consumidor final. Ao contrário do
dos produtos locais no mercado, ainda hoje muito
que, em regra ocorre no IVA, em dependente das importações.
que existe uma obrigação legal de
repercussão (embora de natureza
jurídica incerta), aqui a lei limita-se
a dizer que o montante do imposto
devido pode ser adicionado ao valor
da fatura ou documento equivalen- ção das obrigações tributárias. o prestador de serviços, mas o im-
te, para efeitos da sua exigência aos De acordo com Sambo, «do ponto de posto é economicamente suportado
adquirentes de bens e serviços. Por vista técnico, o imposto de consu- pelo consumidor dos bens ou ser-
fim, o novo diploma acolhe o prin- mo apresenta diversas caracterís- viços, assim se fazendo uma dife-
cípio da equiparação das isenções, ticas que o distinguem dos demais renciação entre a pessoa que deve o
segundo o qual qualquer benefício impostos do sistema fiscal angola- imposto e que está obrigada a cum-
ou vantagem fiscal que tenha sido, no. Assim sendo, o imposto de con- prir as obrigações daí decorrentes e
ou venha a ser, concedida em sede sumo é: a) um imposto indireto, na a pessoa que, na prática, suporta o
de IC às operações de importação de medida em que incide não sobre a encargo económico do imposto.»11
bens determinado deve ser estendi- riqueza ou o rendimento, mas sim Assim sendo, o imposto de consu-
da à produção destes mesmo bens.10 sobre a sua utilização; b) inciden- mo é:
As taxas do imposto mantêm-se em te sobre o consumo, uma vez que - Um imposto indireto, na medida
relação a produtos e mercadorias. é liquidado apenas com a introdu- em que incide não sobre a riqueza
Mas o diploma altera o anexo III re- ção dos bens no consumo, quer seja ou o rendimento, mas sim sobre a
lativamente aos serviços, fixando através da produção ou fabrico de sua utilização;
duas taxas, a de cinco por cento, bens, da importação, arrematação, - Incidente sobre o consumo, uma
aplicável à generalidade dos serviços ou ainda da utilização dos bens ou vez que é liquidado apenas com a
e a de dez por cento que recai sobre matérias-primas fora do processo introdução dos bens no consumo,
os serviços de hotelaria e similares, a produtivo e que tenham beneficia- quer seja através da produção ou fa-
locação de máquinas ou outros equi- do da desoneração do imposto; c) brico de bens, da importação, arre-
pamentos, bem como os trabalhos monofásico, dado que é liquidado matação, ou ainda da utilização dos
efetuados sobre bens móveis corpó- apenas uma vez, quando o bem é bens ou matérias-primas fora do
reos, a locação de áreas preparadas introduzido no consumo, não sen- processo produtivo e que tenham
para conferências, colóquios, expo- do liquidado em qualquer outra fase beneficiado da desoneração do im-
sições, publicidade ou outros even- subsequente, embora, em alguns posto;
tos e os serviços de turismo. casos, o imposto possa, contudo, ter - Monofásico, dado que é liquidado
o chamado «efeito cascata», em que apenas uma vez, quando o bem é
Balanço das transformações é liquidado o imposto de consumo introduzido no consumo, não sen-
do imposto de consumo sobre um bem ou serviço que é com- do liquidado em qualquer outra fase
As mudanças operadas no impos- posto por outros bens ou serviços subsequente, embora, em alguns
to de consumo significaram, entre em relação aos quais também já foi casos, o imposto possa, contudo,
outras coisas, uma importante ra- liquidado imposto de consumo; d) ter o chamado «efeito cascata», em
cionalização do imposto que é vi- incide sobre o sujeito passivo, mas que é liquidado imposto de consu-
sível, por exemplo, no alargamento é suportado pelo consumidor, con- mo sobre um bem ou serviço que é
da base tributária em particular em forme definido na lei aquele sujeito composto por outros bens ou servi-
relação aos serviços e na clarifica- é tipicamente o produtor de bens ou ços em relação aos quais também já

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foi liquidado imposto de consumo; anteprojeto de diploma que criaria de instituições de defesa do con-
- Incide sobre o sujeito passivo, mas o IVA, bem como a sua divulgação sumidor quanto à eventual intro-
é suportado pelo consumidor, con- junto de funcionários e contribuin- dução do IVA. Um IVA que, como é
forme definido na lei aquele sujeito tes e a sua operacionalização através óbvio, não tem de seguir o modelo
é tipicamente o produtor de bens ou dos procedimentos administrativos europeu (e, consequentemente, o
o prestador de serviços, mas o im- necessários. A meta é, pois, clara- português), pois não é diretamente
posto é economicamente suportado mente definida, embora a definição condicionado por um modelo defi-
pelo consumidor dos bens ou ser- de uma meta não signifique neces- nido por um direito supranacional.
viços, assim se fazendo uma dife- sariamente a sua concretização. Um IVA que poderá ser implantado
renciação entre a pessoa que deve o Na prática, a introdução do IVA em por fases, deixando inicialmente de
imposto e que está obrigada a cum- Angola vai depender de vários fato- fora setores como a agricultura e os
prir as obrigações daí decorrentes e res. Em primeiro lugar, há que ver pequenos retalhistas, em especial
a pessoa que, na prática, suporta o a forma como o imposto de consu- o mercado informal, podendo este,
encargo económico do imposto. mo se irá comportar, quer no plano nesta fase, contribuir para o orça-
Decorre daqui que, embora se tra- da arrecadação das receitas quer no mento dos municípios através de
te de um imposto monofásico, nada plano da sua adaptação aos desen- taxas por emissão de licenças.
impede que possam existir efei- volvimentos da economia angola- Em quinto lugar, há que tomar em
tos de cascata, violadores de um na. Em princípio, é previsível que o consideração o previsível aprofun-
princípio de neutralidade em regra IC se traduza em menor arrecadação damento da integração económica
inerente à tributação indireta e que de receitas que a adoção do IVA. Em no quadro da SADC , em particular a
provocam distorções na atividade segundo lugar, há que ter em conta evolução desta organização regional
económica 12. a resistência à mudança por parte para uma união aduaneira e para um
de contribuintes e de funcionários. mercado comum14. Recorde-se que
Rumo ao futuro: do imposto Esta também existiu aquando, por o IVA tem vindo a ser adotado pelos
de consumo ao IVA? exemplo, da adoção do IVA em Por- Estados que integram a SADC e que
Mas o IC não é o fim da história. O tugal e na Bélgica, nomeadamente Angola pode socorrer-se de experi-
já referido preâmbulo do Decre- pelo receio de que com o novo im- ências importantes para o desenho
to n.º 7/11 diz-nos que a publicação posto houvesse um forte acréscimo do seu sistema como ocorre, em es-
deste diploma não representa a ver- nos preços (IVA significava «Isto pecial, com a experiência de Moçam-
são final sobre a evolução futura da vai Aumentar» tal como TVA, tout bique e da República Sul Africana.15
tributação indireta em Angola, de- va augmenter), facto que, no funda- Em sexto, e não menos importante,
vendo o imposto ser revisto e atua- mental, não veio a acontecer.13 Em a introdução do IVA deveria acom-
lizado de acordo com o novo quadro terceiro lugar, há que não perder de panhar um acréscimo dos produtos
económico e legal. É certo que não se vista que um dos principais fatores locais no mercado, ainda hoje muito
refere expressamente a uma futura a considerar quanto à futura adoção dependente de produtos importados.
introdução do IVA, mas ao explicitar deste imposto é o da preparação da Balanço feito, parece-me, porém, ine-
a ligação deste diploma às LGERT, administração tributária que, se- vitável que Angola, mais tarde ou mais
abre claramente esse caminho. gundo as LGERT, deve evoluir para cedo, alinhe com os países da região e
Com efeito, as LGERT, apontavam, a fusão entre a Direção Nacional substitua o imposto de consumo por
para que, no curto prazo, se proce- de Impostos e a Direção Nacional um modelo específico de imposto so-
desse à introdução de maior simpli- das Alfândegas. O êxito desta fusão bre o valor acrescentado.
cidade e neutralidade no imposto de poderá igualmente ser favorável à
consumo, preparando o caminho passagem do Imposto de Consumo *Professor na UAL
para a adoção do IVA e, no médio para o IVA. Membro do GEOTOC e do IDEFF
prazo, à realização de estudos con- Em quarto lugar, é necessário ainda Jurisconsulto
ducentes à substituição do impos- ter em conta as posições da comu-
to de consumo por um tipo de IVA nidade empresarial, em particular Notas
adequado à estrutura socioeconó- da Associação Industrial de Ango- 1
Cf. Teixeira, Carlos, A nova constitui-
mica do país e a elaboração de um la, dos investidores estrangeiros e ção económica de Angola e as oportu-

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nidades de negócios e investimentos, ros. Peças importantes da reforma serão camentos, gases, ataduras, cadeiras de
2011, Comunicação proferida na Facul- a revisão do Código Geral Tributário e a rodas) ou à educação (livros) conside-
dade de Direito de Lisboa e editada pela criação de um Código de Processo Tri- rados como bens essenciais, mas tam-
Universidade Agostinho Neto, Luanda, butário e de um Código das Execuções bém ouro, moedas, certas máquinas e
2011, (disponível no site http//www. Fiscais, cujos anteprojetos desenvol- aparelhos, helicópteros, aviões, certos
fduan.ao). Vide ainda para a anterior vidos no quadro da reforma da Justiça barcos, etc. Exemplos de bens constan-
constituição económica, Santos, A. promovida pelo Ministério da Justiça tes da Lista II são automóveis até uma
Carlos dos, “La constitution économi- existem igualmente há vários anos. certa cilindrada, aparelhos fotográfi-
que angolaise”, Revue Internationale de 4
Para análise desse período, bem como cos, despertadores, quadros, pinturas
Droit Économique, t. V, n.º 2, 1991. do período imediatamente posterior à e desenhos (tributados a 20 por cento)
2
Sobre a economia angolana hoje, é útil independência, vide Santos, A. Carlos e artigos para jogos de salão, relógios
a consulta dos relatórios do Banco BAI dos / Santos, J. C. Gomes, Diagnóstico de pulso, câmaras e projetores cinema-
Europa, Boletim Económico Angola, 2.º do Sistema Fiscal da República Popular tográficos, artigos de joalharia, auto-
trimestre de 2012 (disponível no sítio do de Angola, relatório elaborado no âmbi- móveis acima de uma certa cilindrada,
banco) e do Banco de Portugal, Evolução to de um projeto da NOEI para a Direção etc. (tributados a 30 por cento). A Lista
das economias dos PALOP e de Timor Nacional de Impostos, Luanda, 1984. III será (foi) alterada em 30 de dezembro
Leste 2010/2011, Lisboa, 2011, pp. 17- 5
Era um imposto monofásico incidente de 2011.
36 (disponível no sítio do banco www. apenas sobre produtores e grossistas e, 10
Corrige-se, deste modo um tratamen-
bportugal.pt). de forma muito limitada, sobre algumas to desigual que operava em desfavor da
3
As LGERT foram preparadas, há vários prestações de serviços. Operava com produção angolana e que favorecia as
anos, no quadro do extinto Comité para base numa técnica de suspensão de im- importações. Deste modo, é possível
a Reforma Fiscal, tendo o autor a honra posto que se mostrou ser uma fonte de manter os preços dos bens nacionais em
de nelas ter ativamente colaborado. As evasão e fraude fiscal. níveis mais baixos e, simultaneamente,
LGERT procuram criar, num prazo de 6
Cf. Santos, A. Carlos dos/ Cruz, Rui, «A dinamizar o setor produtivo.
cinco anos, um sistema fiscal adaptado fiscalidade angolana entre os constran- 11
Assim, Sambo, Luís, «O Imposto de
à nova realidade socioeconómica, num gimentos do subdesenvolvimento e as Consumo e a proteção da produção nacio-
tempo de globalização, de consolida- exigências do desenvolvimento», Fisco, nal» in Angola 24horas online, 27 de julho
ção da paz e de abertura ao comércio n.º 61, 1994, p. 31 e ss. Para a comparação de 2012 (disponível in www.angola24.net)
internacional e aos objetivos da Cons- com Moçambique, ver Santos, A. Carlos 12
Vide Sanches, J. L. S. / GAMA, J. T.,
tituição para o sistema fiscal (satisfação dos, «Sistemas fiscais: Conceitos e tipo- Manual de Direito Fiscal Angolano,
das necessidades financeiras do Esta- logias à luz das experiências angolana e Coimbra: Wolters Kluwer/ Coimbra
do, vinculação à realização da políti- moçambicana», Ciência e Técnica Fis- Editora, 2010, p.368.
ca económica e social, justa repartição cal, n.º 356, CEF/ DGCI, Lisboa, 1989. 13
A "ameaça" do IVA na reforma fiscal
dos rendimentos e da riqueza nacional) 7
Para uma panorâmica das transforma- angolana é sintomaticamente o título de
e dos princípios constitucionais que se ções em curso na fiscalidade angolana um artigo de Francisco de Andrade pu-
projetam no sistema fiscal (legalidade, nesta época, vide Santos, A. Carlos dos, blicado no Diário Económico da capital
igualdade, capacidade contributiva, não Direito Fiscal e Aduaneiro, Manual para angolana em 5 de março de 2012.
retroatividade dos impostos). A moder- o III Curso de Análise Macroeconómica 14
Note-se que os 14 Estados que inte-
nização do aparelho administrativo, no destinado a quadros angolanos, Lisboa: gram a SADC acordaram em 2002 (ver
plano da qualificação dos recursos hu- CESO / Ministério do Planeamento e o art.º 6.º do Memorando de Entendi-
manos e do recurso às novas tecnologias da Coordenação Económica de Angola/ mento sobre a cooperação em questões
de informação e comunicação e, no pla- ISCTE, maio de 1995. de impostos e matéria relacionadas)
no legislativo, um desenho do sistema 8
Este diploma sofreu em matéria de na necessidade de coordenação e har-
fiscal mais consentâneo com as novas isenções pequenas alterações introdu- monização dos impostos indiretos e no
exigências do desenvolvimento são pre- zidas pelo Decreto n.º 29/02, de maio. alargamento da sua base tributária.
ocupações centrais das LGERT. Um dos 9
Da Lista I constam não apenas bens 15
Sobre o IVA em Moçambique, ver, por
grandes objetivos da Reforma Tributária alimentares (carnes, leite, legumes, fa- todos, Palma, Clotilde C., Introdução ao
é o da redução da dependência do Esta- rinhas, óleos, açúcares, etc.) ou ligados Imposto sobre o Valor Acrescentado Mo-
do das receitas dos impostos petrolífe- à saúde (antibióticos, sangue, medi- çambicano, Coimbra: Almedina, 2012.

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