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ÊXODO

A Aliança e o Povo de Deus


1. OS FILHOS DE ISRAEL TORNAM-SE UM POVO

O Livro do Êxodo tem esse nome em virtude de narrar a "saída" do Egito,


ou seja, o "êxodo" do então ai formado Povo de Israel. Mas, não narra só
isso e nele se encontram várias importantes instituições que serviram de
fundamento para a estrutura da fé israelita e cristã. Quando foi composta a
Escritura os cinco primeiros livros que a compõem (a "Torah" - "os cinco
livros de Moisés") "não existiam tal como são apresentados", isto é, não
tinham a forma atual, nem títulos que os separasse uns dos outros e
formavam uma unidade, um "livro" só. Tinham a forma de "rolos" a que se
denominavam de "cânon" e, com a separação deles, uns dos outros,
conforme o uso dispondo-os em vasos distintos, acabaram por se impor
assim como nos chegaram e receberam nomes. Assim não há neles uma
disposição específica, que corresponda somente ao título que trazem, mas
se harmonizam num conjunto, e o que se narra num livro as mais das vezes
se iniciou em outro, tem referências com outros adiante ou atrás,
obedecendo uma ordem nem sempre cronológica nem mesmo lógica. A
esse conjunto inicial dos cinco primeiros "livros" deu-se o nome de
"Pentateuco".

Já foi visto como José se revelou verdadeiro sábio como administrador no


trato político, com sua parentela, com as pessoas e na forma como se
conduzia em todas as dificuldades que lhe surgiam. Conhecendo a religião
de seus familiares e também a do Egito, procurou situá-los em região
fronteiriça e afastada, onde não sofressem a influência idólatra e também
evitando desencontros, choques entre seus antagonismos e buscando
sempre a possibilidade de harmonia e conciliação:

"Depois disse José a seus irmãos, e à casa de seu pai: Eu subirei e


informarei a Faraó, e lhe direi: Meus irmãos e a casa de meu
pai, que estavam na terra de Canaã, vieram para mim. Os
homens são pastores, que se ocupam em apascentar gado;
e trouxeram os seus rebanhos, o seu gado e tudo o que
têm. Quando, pois, Faraó vos chamar e vos perguntar: Que
ocupação é a vossa? respondereis: Nós, teus servos, temos sido
pastores de gado desde a nossa mocidade até agora, tanto nós
como nossos pais. Isso direis para que habiteis na terra de
Gessen; porque todo pastor de ovelhas é abominação para
os egípcios" (Gn 46,31-34).
Com essa astuta argumentação soube se impor ao Faraó e conseguir
neutralizar qualquer reação negativa ao seu desejo, pois, sendo nômades,
até certo ponto indesejáveis mas habitando em lugar assim afastado,
deixou transparecer que não fixariam morada nem perturbariam a vida
pastoril dos egípcios. Convencido, o Faraó até recomendou que se
entregasse o seu rebanho à administração de um deles que fosse capaz
(Gn 47,5-6). Vê-se que a Tribo de Israel já se deslocava para o Egito em
situação perigosa, cercada de antagonismos:

"...Respondeu Moisés: Não convém que assim se faça,


porque é abominação aos egípcios o que havemos de
oferecer ao Senhor nosso Deus. Sacrificando nós a
abominação dos egípcios perante os seus olhos, não nos
apedrejarão eles?..." (Ex 8,21-23).

Já havia até um antagonismo entre os cultos capaz de impedir a


convivência pacífica deles e, pior que tudo, o cumprimento das exigências
monoteístas da Aliança. Mas, outro problema havia, oriundo da própria
organização econômica do Egito, impressa pelo próprio José. A fome foi
tamanha que os egípcios acabaram por trocar pelo alimento, primeiro o
rebanho e depois as propriedades, transferindo tudo ao Faraó, e o povo foi
reduzido à servidão (Gn 47,13-27). José criou então um sistema econômico
a que todos se sujeitaram com uma única exceção: os sacerdotes. Por tal
sistema todo o solo egípcio passou à propriedade soberana do Faraó, um
regime que não impedia a posse particular (Gn 47,27), e de toda a
produção entregava-se um quinto ao Faraó. Regime este que passou a
vigorar até mesmo após a crise, até o dia em que foi composta a narrativa,
muito tempo depois (cfr. "...até o dia de hoje..."), pelo que a ele os Filhos
de Israel se submeteram quando mudaram:

"José, pois, estabeleceu isto por estatuto quanto ao solo do Egito,


até o dia de hoje, que ao Faraó coubesse o quinto da produção;
somente a terra dos sacerdotes não ficou sendo de Faraó. Assim
habitou Israel na terra do Egito, na terra de Gessen; e nela
adquiriram propriedades, e foram fecundos e multiplicaram-se
muito" (Gn 47,26-27).

Já vimos que naquele tempo cada povo tinha um deus ou cada deus tinha o
seu povo. Podia se distinguir um povo pelo deus que adorava e servia.
Enquanto vivo José cuidou dos irmãos e suas famílias (Gn 47,11-12), mas:

"Morreu, pois, José, e todos os seus irmãos, e toda aquela geração.


Os filhos de Israel frutificaram e aumentaram muito,
multiplicaram-se e tornaram-se sobremaneira fortes, de modo que
a terra se encheu deles. Levantou-se sobre o Egito um novo rei,
que não conhecera a José. Disse ele ao seu povo: Eis que o Povo
dos Filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós" (Ex
1,6-9).

Vale a pena repetir: "Eis o Povo dos Filhos de Israel..." - apesar do


regime econômico servil em que todos viviam no Egito, os Filhos de Israel
foram reconhecidos pelo Faraó como um POVO, pois, fecundos, tornaram-
se numerosos, permaneceram fiéis a Deus e não se converteram aos
deuses do Egito. Formaram então o Povo de Deus que se estruturou de
maneira independente até mesmo com o seu próprio Conselho de Anciãos
(Ex 3,16/ Ex 4,29) e inaugurando-se o "cumprimento" da Promessa a
Abrão:

"Eu farei de ti um grande povo..." (Gn 12,2)

"Tornar-te-ei sobremaneira fecundo e de ti farei nações, e reis


sairão de ti" (Gn 17,6).

"...mais numeroso e mais forte do que nós", tal a fecundidade já


anunciada a Abrão e impressa por Deus com vistas à Aliança, é agora
concentrada na formação do Povo de Deus. Não se tem registro oficial da
população nem foi praticado nenhum recenseamento, sendo assim o "mais
numeroso do que nós" poderia ter sido uma força de expressão usada
pelo Faraó para seduzir os egípcios à perseguição que se iniciava. Mesmo
assim, teria de se apoiar, e se apoiava, num fato incontestável, pois,
realmente era um povo "mais forte" que eles, pois não abandonaram
Iahweh, para servir aos deuses egípcios nem se deixaram abater nem se
curvaram ante à servidão imposta pelo regime inaugurado por José, pois
até mesmo adquiriram propriedades o que evidencia o seu progresso e
desenvolvimento (Gn 47,27b). Tanto é assim que foi preciso não só aplicar-
lhes mas, aumentar-lhes a opressão (Ex 1,11-14), e iniciar uma sistemática
perseguição para impedir a sua proliferação:

"Eia, usemos de astúcia para com ele, para que não se


multiplique, e aconteça que, vindo guerra, ele também se ajunte
com os nossos inimigos, e peleje contra nós e se retire da terra.
Portanto puseram sobre eles feitores, para os afligirem com suas
cargas. Assim os israelitas edificaram para Faraó cidades
armazéns, Pitom e Ramsés. Mas quanto mais os egípcios afligiam
o povo de Israel, tanto mais este se multiplicava e se espalhava;
de maneira que os egípcios se preocupavam por causa dos filhos
de Israel. Por isso os egípcios faziam os filhos de Israel servir com
dureza; assim lhes amarguravam a vida com pesados serviços em
barro e em tijolos, e com toda sorte de trabalho no campo, enfim
com todo o seu serviço, em que os faziam servir com dureza" (Ex
1,10-14).
"... os egípcios faziam os filhos de Israel servir com dureza; assim lhes
amarguravam a vida com pesados serviços em barro e em tijolos, e
com toda sorte de trabalho no campo, enfim com todo o seu serviço,
em que os faziam servir com dureza", repetindo propositadamente o final
da transcrição acima, vê-se que o regime de servidão a que foram
submetidos e agravado mais ainda com mais rigor pelo antagonismo criado
atingia toda a extensa faixa em que trabalhavam, não só nos tijolos do
exemplo escolhido pelo narrador (Ex 5,6-8). Mas, mesmo assim, temia o
Faraó que se aliassem a alguma nação estrangeira e, em virtude da sua
localização fronteiriça, lhes facilitasse a saída do país, com a evasão
daquele imposto de um quinto da produção, e do trabalho escravo a que os
submeteram na servidão do regime. Não pode ser outro o motivo de tanta
preocupação e de tanta providência estremada, cuja evasão do país
causaria sério transtorno econômico, pois apesar da opressão, os israelitas
eram bastante produtivos:

" Portanto puseram sobre eles feitores, para os afligirem com suas
cargas. Assim os israelitas edificaram para Faraó cidades
armazéns, Pitom e Ramsés" (Ex 1,11).

Mas, como acontece com um povo geralmente perseguido, quanto mais era
oprimido mais se desenvolvia e crescia nele o sentimento de unidade,
fortalecendo-lhe a resistência. Não satisfeito, o Faraó determinou o
extermínio dos meninos nascituros, não o conseguindo em virtude de uma
qualidade das "mulheres hebréias que davam à luz antes que cheguem as
parteiras" (Ex 1,19). Mesmo assim, aumentava e se tornava mais resistente
obrigando o Faraó à medidas extremas (Ex 1,20-22). Contorcendo-se no
mundo de pecado o Povo de Deus amadurecia no sofrimento e cada vez
mais tomava consciência de sua unidade na fé, e mais se fortalecia. Esta
opressão durou muito tempo, o que se comprova pelo decorrido em se
modificarem providências diversas, pela ineficácia constatada (Ex 1,11s /
1,15 / 1,22), e até mesmo suficiente para se poder reconhecer a Bênção de
Deus às parteiras que protegeram a mulher hebréia, "dando-lhes uma
posteridade" (Ex 1,15-21).

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