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É preci-
so parar um pouco para observar as maravilhosas lições que deixou ao
longo da sua existência. É louvável a iniciativa de resgatar sua história de
vida. Ao pensar em Ângela, a primeira coisa que me vem à mente é a
mulher Samaritana no Poço. No relato, Jesus encontrou uma senhora que
fora ao poço tirar água. Jesus pediu-lhe um pouco daquela água e ali se
iniciou um diálogo que transformou a vida daquela mulher. O que pode-
mos aprender com este encontro? Aprendemos que a mulher samaritana
pôde receber dele a “Água Viva”. Certamente, Ângela passou também por
esse mesmo processo, desceu ao poço para buscar inspiração para suas
necessidades, assombrações, limites, dor, solidão e fraquezas. Daí surgiu
uma mulher forte, cujo testemunho se constitui numa verdadeira “fonte
Capa e Aquarelas
Marta Elisa Zimmermann
Ilustrações
Ilton Conte
Revisão
Cecília Fischer Dias, Eduardo Moraes
Sandra de Deus*
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P refácio
E ntre, puxe uma cadeira e sinta-se em casa. A narrativa deste livro é acon-
chego. Uma conversa leve e bem humorada sobre uma mulher, mãe, avó e
esposa, de origem italiana, criando catorze filhos no interior do Rio Grande
do Sul. Você está convidado a espiar o baú de memórias da família Conte e
conhecer alguns dos seus costumes, das suas práticas e soluções criativas para
superar dificuldades técnicas e econômicas.
Os familiares de Ângela nos contam sobre muitos aspectos a respeito da
vida simples que levavam no meio rural. A infância, por exemplo, não era
livre de responsabilidades com o trabalho. Nessa família, como em muitas
outras, as tarefas eram distribuídas conforme o gênero e a idade. Os jogos e
as brincadeiras também estavam presentes e eram uma expressão dos tempos
e dos lugares vividos. As memórias também falam sobre uma mãe e sua luta
contra as dificuldades diárias. Onde os recursos eram escassos, a criatividade
abundava: alimentação, vestuário, instrução, cuidados com a saúde, higiene,
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A Semente deste Livro
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longos pedaços de taipa cobertos com flores amarelas que ficavam no lajeado,
lá embaixo na curva da estrada, abaixo do parreiral. Pelo abandono ao longo
do tempo, ali cresceram e floresceram.
Andei um pouco mais e, como o banhado virou açude e reserva ecológica,
fui beirando a cerca em busca do possetto onde se ia pegar água fresca. Estava
camuflado debaixo de um verde florido impenetrável que cobria a área cercada.
Meus pés não chegaram, nem o zoom da máquina, mas, de alguma forma, vi a
água cristalina borbulhar silenciosa e calmamente nos pequenos buraquinhos
cercados de areia no fundo da cristalina água, enquanto meu pensamento ta-
garelava barulhento dentro do passado, presente ali. No meu imaginário, seres
reais e outros estavam preservando a verdadeira fonte das águas que ali bebemos
e que nos fizeram saudáveis. AH! Água, bela a água... (ver anexos).
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À medida que eu andava, ia reconhecendo naquele chão o território onde se
forjou o caráter, a saúde e o sucesso pelos quais sou grata, como filha e como
irmã. Lembro que se colocava carvão de nó de pinho dentro da fonte para
limpar a água depois das enxurradas, quando as águas da roça desciam pelo
potreiro, e o posseto enchia. Também se fazia isso em época de secas, quando a
água escasseava e podia contaminar. De forma semelhante, colocava-se brasa
na água da xícara antes de oferecê-la para beber, quando alguém estava doente.
Quando li isso para meus irmãos, uma disse que também se fazia isso quando
se chegava em casa muito suado. Outro disse que também se colocava brasa na
xícara com café para dar gosto bom, bem como no chá de folhas de laranjeira.
Na tarde daquele dia, o quadro de Ângela e Vitório foi retirado da parede e
levado ao local da celebração, onde o fotógrafo oficial fez uma foto individual
com cada filho junto a esse quadro, usando a técnica do reflexo. Eu ainda não
tinha visto a minha foto batida pela manhã, nem tinha conversado com o fo-
tógrafo. Eis que, quando cheguei em casa e passei as fotos para o computador,
fui olhando uma e outra e percebi nessa o reflexo da porta da sala bem no meio
deles. Lembrando-me da arte do fotógrafo, a mim desconhecida, pareceu-me
que a foto era portadora de uma mensagem. Mandei imediatamente para minha
cunhada, pois, naquele momento, foi de quem me lembrei. Deixei por encerrado
o assunto. Esqueci. Desisti. Tempo depois, recebi retorno cheio de explicações,
as quais, naquele momento, eu não considerei. Já tinha esquecido o assunto.
Passado algum tempo, achei novamente essa foto e a coloquei no compu-
tador, como protetor de tela. Assim, por alguns meses, toda vez que abria o
computador, lá estavam o pai e a mãe me olhando e aquela porta entre eles. Eu
olhava para eles, eles me olhavam, como dantes, pouco ou nada era dito, mas
bons sentimentos fluíam, uma reza, um "obrigada" e vamos ao trabalho... Um
dia, tentei decifrar. Comecei a montar e desmontar os elementos que eu via no
quadro, pois se diz que o acaso não existe; então, sendo a foto somente minha,
tento interpretá-la à luz de minhas fantasias ou inspirações.
Aqui estão a foto e as minhas elucubrações a seu respeito.
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Bem, olhe comigo. Por que será que, de todas as fotos que bati naquela
manhã, somente nessa aparece algo refletido? E que coincidência é essa do
fotógrafo, à tarde daquele dia, documentar cada filho refletido no quadro, tal
como apareceu nos meus registros matinais sem ninguém sabê-lo, pois eu
estava só? O que você vê? Quem conhece a casa vê a parte superior envidraçada
da porta da sala refletida no centro da foto do quadro pendurado na parede,
no sentido oposto à porta. Aparece a porta como estava, semiaberta, invertida,
no sentido do pai para a mãe, na altura do coração. Quando bati a foto, não
vi aquela imagem. Parece uma janela, mas sabe-se que é a porta. Ela aparece
entreaberta do pai para a mãe; entra luz, pois é um dia bonito. Eu nem sabia
que a porta tinha sete vidros, mas aí estão. Pode significar sete gerações na
árvore genealógica de Ângela. Se assim for, os cinco vidros paralelos podem,
quiçá, representar as gerações acessíveis na busca da compreensão histórica
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de quem somos e, os dois na vertical, nossas raízes e frutos, a realidade invi-
sível, a ancestralidade fecunda, significando o entorno dessa frondosa árvore
que nos fez família. Mas e o que aparece lá fora, através da abertura da porta:
a calçada, a grama e as folhas caídas? Que associação pode ter a presença da
parte envidraçada da porta na foto? Seus sete vidros, estar semiaberta no
sentido do pai para a mãe, na altura do coração de ambos? Será o centenário
do pai, porta aberta para o da mãe? Serão cinco gerações formatadas, e duas
como âncoras para o passado e para o futuro, juntando-se no incógnito? Será
apenas uma foto estragada? A parte oculta da porta refletida seria o passado
a ser deixado para trás, nos desafiando a trazê-lo à luz?
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Bem, aqui está o livro.
Essa é a porta da sala.
O dia está bonito lá fora.
Pode entrar, fique à vontade.
Sinta-se bem.
Ande por aí.
Em algum lugar, você vai encontrar boas sensações,
divertir-se,
encontrar amigos,
descobrir segredinhos,
brincar, olhar-se no espelho...
Se estiver cansado, pegue a cadeira e sente.
Vire as páginas,
revire-se no tempo,
risque,
rabisque,
pode sonhar para trás.
Olhe ao redor.
Há vida lá fora.
O estilo literário se desenvolve em zigue-zague.
A história mistura-se com estórias.
Os personagens já vivem na luz.
Então
faça a leitura a seu modo.
Ande por aí,
encontre seu lugar.
Se chover, a porta está aberta,
pode voltar.
Ângela está ali,
certamente com mais tempo agora.
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Era uma vez,
bem além do arco-íris...
Ângela
A Itália e o Brasil
na Época da Imigração
A vida parece girar em torno de um eixo chamado futuro, mas o que nos
define? O que fez nosso presente se tornar o que é? Por que nasci onde nasci?
Quais foram as estradas que nos trouxeram até aqui? Procurando a resposta,
partimos acreditando que, conhecendo e aceitando o passado, podemos pros-
seguir melhores e mais agradecidos a quem nos precedeu.
Questo livro leva um olhar em direção ao passado, pela linha do tempo de
Ângela Tonet Mônego, almejando conhecer a paisagem, revivenciar e materializar
alguns bons momentos. Tais momentos foram desenhados no tempo de Ângela,
no solo rio-grandense, com o desejo de retratar paisagens apreciadas ao longo
da estrada de quem nos deu a vida. Desenhar momentos no tempo. Momentos
históricos, individuais ou coletivos, ou apenas momentos: todos únicos.
Neste primeiro capítulo, focaremos num tempo além-memória, antes da
época da imigração italiana: fragmentos dos tempos e lugares de onde vieram
os primeiros italianos, sonhando catar la cucánha nesta Mèrica por eles so-
nhada, e o que acharam no Rio Grande do Sul, onde atracaram seu bastimento.
Tentaremos aproximar-nos dos antepassados de Ângela Tonet Mônego e de
muitos que ainda lerão este livro. Alguns capítulos retratarão questões mais
domésticas, de lugar, de vida em família, vivências e lembranças. A curiosidade
inicial é entender por que os italianos decidiram vir ao Brasil, abandonando
sua terra natal. Que influências vieram com a imigração italiana?
Por volta do ano de 1800, grande parte da Europa estava sob o poder de
Napoleão Bonaparte, líder da Revolução Francesa. Não por menos, os antigos
governantes queriam o poder de seus Estados de volta, acarretando conf li-
tos por toda a Europa. Eles venceram Napoleão, e, a fim de reestabelecer as
fronteiras entre os Estados europeus e reinstalar o absolutismo, foi firmado
o Tratado de Paris, no Congresso de Viena. Ele tratava das indenizações a
serem pagas pela França aos países vencedores e também da devolução dos
territórios às famílias reais anteriormente derrotadas por Bonaparte. Assim,
a Itália ficou dividida em inúmeros pequenos territórios – marquesados,
ducados e condados. Todos os pequenos Estados formados eram de caráter
absolutista, com exceção do reino de Piemonte-Sardenha, que era modera-
damente liberal.
A Itália, por volta dos anos 1850, estava repleta de conflitos. Os territórios
que correspondem hoje ao país estavam sob o comando de vários reinos. Eram
essencialmente diversos latifúndios e pequenos centros comerciais. A maio-
ria das terras italianas sofria influência da Áustria, da Hungria, da França e
do Vaticano. Resumidamente, a Itália, na última metade do século XIX, era
dividida em vários territórios pertencentes a muitas potências estrangeiras,
mas, dentro do Estado italiano, formara-se um sentimento de unificação, que
culminou na anexação de mais e mais territórios.
Esse sentimento, transformado em luta, traduziu-se no movimento cha-
mado Risorgimento. Iniciou-se com o reino de Piemonte-Sardenha, cujo rei
Vitor Emanuel II conquistou várias outras regiões vizinhas, como o Vêneto,
que estava sob o controle principalmente da Áustria. Esse reino também era
comandado pelo primeiro-ministro Camilo Benso di Cavour, que almejava uma
monarquia. O outro reino dominante na Itália era o Reino das Duas Sicílias,
liderado por Giuseppe Garibaldi, que almejava uma república.
Diante de uma Itaglia dividida em várias, entre tanta luta e tantos conflitos,
muitos italianos decidiram migrar ao Brasil em busca de paz e vida nova. Não
somente pelos conflitos envolvendo o país, mas também porque as relações
sociais no interior do continente ainda eram similares às da Idade Média: uma
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relação senhor feudal x camponês, que se baseava em exploração latifundiária.
A agricultura era ultrapassada e os agricultores pagavam altos impostos pela
casa onde moravam e por seus instrumentos de trabalho. Como se tudo isso
não bastasse, havia fome e enfermidades. Em suma, as condições impostas
ao povo italiano – excluindo os poderosos senhores de terras e os poucos
industriários dos pequenos centros comerciais – eram impiedosas. Embora
tivessem que abandonar sua amada terra natal, não havia expectativa de futuro
na Itália e, por isso, optaram pela migração ao Brasile.
No processo de unificação, o Reino de Piemonte-Sardenha venceu, pois
era mais industrializado, desenvolvido economicamente e tinha muito mais
poder político que o Reino das Duas Sicílias.
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e seguiu-se uma forte crise econômica, que levou à emigração em massa de
italianos em direção à América do Sul. Os vênetos não desejavam se unir ao
Reino da Itália. Essa ideia vai de encontro ao Risorgimento.
Ao juntar-se ao Reino da Itália, o Vêneto entrou em decadência. A pres-
são fiscal era maior e os serviços eram menos eficientes que os austríacos.
Assim, a esperança dos que ali viviam decaiu, fazendo com que os italianos
fossem buscar uma nova vida em outro lugar: nel Brasile.
A maioria da população de Vêneto falava, e ainda fala, a língua vêneta. Foi a
língua que eles trouxeram ao Brasil, formando os dialetos ítalo-rio-grandenses.
O uso dos dialetos italianos no Brasil começou a sucumbir no governo
nacionalista de Getúlio Vargas, que proibiu a fala e a escrita de qualquer
língua que não fosse a portuguesa. Criou-se inclusive o salvo conduto, docu-
mento que permitia temporariamente ao portador a fala e a escrita da língua
estrangeira. Apesar disso, a língua foi passada informalmente através das
gerações. Atualmente, nas regiões onde o dialeto era proibido, as escolas
empenham-se em estimular seu uso e estudar sua história.
Muitas palavras dos dialetos italianos hoje falados no Brasil resultam da
assimilação ao português. Alguns exemplos são: coraçon (coração; core em
Vêneto), garafa (garrafa; botiglia em vêneto) e verón (verão; istá em Vêneto).
Raízes de Ângela: Região do Vêneto, Província de Belluno, Cidade de
Feltre, Município de Padavena, povoado de Norcen, de onde vieram nossos
ancestrais maternos. Ouviu-se falar sobre suas raízes nobres: ela faria parte
da segunda dezena de gerações do condado de Mônaco. Porém, também
é possível que os Tonet pudessem fazer parte de “La Comunitá Montana
Feltrina”. Belluno, capital regional, Feltre cidade antiquíssima considerada
dos nobres, situada a 31 km, e Padavena, situada 2 km adiante. Próximo, fica
Norcen, povoado rural de onde veio a família Tonet, avós maternos de Ângela.
Sabe-se que hoje, entre os que lá ainda residem, a maior parte dedica-se ao
turismo de inverno, sendo que a agricultura, que, na época da imigração, era
a ocupação predominante, atualmente representa menos de 10% da atividade
econômica. Alguns habitantes locais procuram trabalho em países vizinhos,
como Áustria, Suíça e França, por lá serem bem remunerados.
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Por que ao Brasil?
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A primeira colônia italiana foi instalada num lugar que hoje corresponde à
área entre o norte de Picada Café ao Rio das Antas. Primeiramente, a colônia
foi denominada ‘Fundos de Nova Palmira’; depois, ‘Campos dos Bugres’ e,
então, ‘Colônia Caxias’. Sua ocupação iniciou-se em 1875.
- Nuova nazione, nuova vita! -
Distribuição das terras de Caxias do Sul aos imigrantes italianos. Mapa que mostra
um esquema da Colônia Caxias. Livro n° 154 da coleção imigração italiana.
Fonte: Gardelin, Mário; Costa, Rovílio. Os Povoadores da Colônia Caxias.
1. ed. Porto Alegre: Estef, 1992. 515 p. (Coleção Imigração Italiana, n. 154).
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Esta imagem é a capa do livro Os povoadores da Colônia Caxias escrito por
Mário Gardelini e Rovílio Costa, em 1992. É o no 154 da Coleção da Imigração
Italiana. Este livro faz parte da coletânea, é uma obra prima da imigração
italiana no Brasil e integra o acervo Bibliográfico da UFRGS. Da coletânea,
este foi o único número pesquisado.
Nas próximas páginas, você encontra, da vida que ficou, o que foi possível
colocar no papel, no pouco tempo dedicado a este livro. São relatos dos filhos
de Ângela, por ocasião do seu centenário de nascimento. Lembranças. O ou-
vido, o visto, o feito, o registrado.
Cada um dos filhos se apresenta com seus relatos e imagens. Assim, o
que você vai encontrar são gostosas lembranças do vivido ao longo do último
século do último milênio, na família de Ângela, que também foi chamada
de Angelina por alguns e de Angéla por outros. Aqui a chamaremos ora de
Ângela, ora de mãe. Foi a escolha possível.
Se atento, o leitor poderá encontrar momentos únicos de beleza, poder e
sonhos de uma grande família que, para tocar a canção da vida, como uma
gaita, muitas vezes esticou seu fole até o limite. Esses filhos, multiplicados em
redes de famílias, tentam, aqui, orquestrar o que de melhor foi ensaiado, ainda
sob a batuta dos troncos centenários já transformados em pó, revitalizados e
agradecidos em cada um de nós. Fique conosco. Somos do bem. Ficamos felizes
em compartilhar com você as coisas boas da vida. Tenha uma boa leitura.
Os depoimentos aqui registrados surgiram de lembranças que foram bro-
tando em encontros entre os filhos, com a intenção de contar e compartilhar
as boas lembranças da vida vivida, com a mãe, lá na colônia. Nenhum deles
tinha escrito qualquer coisa. Nenhum dos catorze tinha escrito algo sobre a
família, a vida lá fora ou sobre si mesmo. Assim, neste livro, você encontrará
uma seção de depoimentos dos filhos de Ângela. Eles f luíram como uma
suave brisa que entra furtivamente pela janela aberta para o passado vivido
em família. Uns vieram sozinhos, como folhas perdidas ao vento, outros bor-
bulharam, cruzando a memória de um e de outro, criando um alvoroço com a
defesa que cada um fazia de sua versão de fatos lembrados. Sobrava, às vezes,
apenas a emoção de relembrar histórias simples do cotidiano que pareciam
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portadoras de mensagens do além, ou do fim do mundo. Por exemplo, quan-
do, enviados pela mãe Ângela, o Nino e Gema, então crianças, foram levar a
colacion para o pai e os irmãos mais velhos lá na invernada do tio Canarim
(invernada essa onde tinha o barbacuá e vestígios das emboscadas feitas para
caçar as manadas de javalis e porcos do mato que dizimavam as plantações).
No meio do caminho, no potreiro de Lillo Piazza, sentados um pouco para
descansar, viram no céu o sinal do fim do mundo, que era apenas o rastro
de um avião. Para eles, naquele momento, a preocupação era prosseguir ou
voltar para casa, ou seja, escolher com quem iriam morrer.
O processo utilizado para coletar essas informações utilizadas neste capítulo
foi como uma bola de neve, começando por provocar momentos de partilha
de lembranças, em encontros informais entre os irmãos, ao longo de 2013
e 2014. Mas parece que foi como trançar cebolas no galpão, fazer cestas de
vime no porão ou fazer dressa em dias de chuva; enfim, foi acontecendo... A
cada encontro foram sendo trazidos elementos ímpares sobre a percepção dos
eventos vividos, no tempo e no espaço de cada um, em família, com Ângela,
a mãe de todos. Para uns, lembranças sutis; para outros, lindas emoções do
viver naquele território tão pequeno e tão grande da colônia, do Ipê e Del Paese,
dificultando a escrita, por ser “tão vida”, brotando do silêncio das memórias
de cada um, nem sempre compartilhadas.
Conforme prometido e conforme fala a mensagem xamânica do filtro
dos sonhos, só passaram para este registro as boas lembranças, sendo elas a
maior parte da infância de cada um. As mais hilárias foram materializadas
pelo jornalista Ilton Conte, neto de Ângela, em charges espalhadas ao longo
do texto. Tudo começou quando alguém lembrou e relatou, a seu modo, a
história da caça ao lagarto, que ocorreu lá na casa velha, bem antes de 1955,
em que a protagonista, claro, foi Ângela. Como outros passaram a contá-la
muito diferente e não havia a possibilidade de fazer o par ou ímpar para deci-
dir a melhor versão, a charge ficou encarregada de fazer sua parte. Esse fato,
entre tantos outros, mostra como, na mesma família, percebem-se modos
particulares de ver e de viver, mesmo que no mesmo lugar, como se houvesse
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gerações entre um filho e outro. Todos nasceram no mesmo ambiente, mas
em nenhum momento moraram todos juntos.
Este livro pode ser lido através de suas partes tão subjetivamente expres-
sas através dos olhares próprios de cada filho que registrou nuances sobre a
própria mãe no cotidiano dos distintos tempos em que cada um viveu e como
viveu. Mas, tendo a paciência e a curiosidade de lê-lo na íntegra, poderá sentir
vontade de completá-lo. É esse o desafio lançado para qualquer leitor.
Para uns, o que aqui foi registrado, são fatos banais, mas, para quem conta,
carrega um incrível significado. Cada insight que cada irmão trouxe sobre a
mãe tece uma rede que desenha a personalidade nobre dessa nossa centenária
jovem mãe, cujo caráter nos forjou, para celebrá-la em família, 100 anos depois
de seu nascimento. Se for com churrasco, maravilha! Era sonho de todos comer
churrasco; se for com menestra de fazoi e pulenta e usei parária, melhor ainda,
porque teria o cheiro da presença forte e afetuosa da mãe Ângela.
Toda esta história foi escrita à luz do arco-íris, mas ela se processou silen-
ciosamente sob a magia do arco baleno. Como a família cresceu rapidamente,
e os nascimentos dos catorze filhos tiveram intervalo médio de um ano, a
maioria dos filhos, ao chegar à idade de pensar o futuro, precisou sair de casa,
por falta de espaço e de condições para ali se estabelecer. Assim, muitas coisas
que os mais velhos vivenciaram, os mais novos desconhecem e vice-versa, pois
os que saíam, tinham que olhar para frente, buscar sobrevivência, e os que
ficavam em casa, dar conta de seus sonhos no cotidiano cheio de realidades.
Entre os catorze filhos (claramente três diferentes gerações na mesma fa-
mília, senão mais), escrevemos esse documentário mais em ritmo de frotole do
que de conversa séria, pois foi se tornando uma construção cheia de emoções,
surpreendentes e ímpares vivências entre as conversas com um irmão e com
outro sobre a vida vivida em família. E foi despertando muitas lembranças
guardadas, esquecidas, soterradas, que, pela socialização, readquiriram sig-
nificado familiar, de bem-querer, de conexões históricas dessas vivências que
ficaram para trás. Assim, aparecem textos diversos, às vezes permeados de
respeitosos silêncios.
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Árvore Genealógica de Ângela
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religioso). No medieval, indicava o monge que vivia nos mosteiros, o padre que
dirigia uma comunidade, o auxiliar leigo do serviço de culto, o camponês que
trabalhava nas propriedades agrícolas dos mosteiros, o cidadão que se juntava a
sociedades de caráter religioso. Atualmente, o sobrenome concentra-se nas seguin-
tes regiões: Vêneto, Friuli-Venécia Julia, Lombardia, Piemonte e Lácio, na Itália.
Tonet, forma Vêneta de Antônio é um sobrenome com várias possibilidades
de origem e se confunde, em família, com apelido de Orandél. A origem pro-
vável do nome Tonet vem da civilização Etrusca, perdendo-se na antiguidade.
Há relatos de que o Imperador Francesco I D’Austria numa resolução datada
de 28 de fevereiro de 1821 e 21 de outubro de 1829 confere nobilidade à família
Tonet. Sabe-se desses e de outros relatos relativos à nobilidade de nossas raízes,
mas, por falta de tempo, fica em aberto a pesquisa a ser aprofundada na fonte.
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Ângela, cepa centenária
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Primeira Morada: Plantando a Semente
Da casa, aqui pouco tem materializado, mas sabe-se que Ângela nasceu na
mesma localidade onde se estabeleceram seus avós, quando vieram da Itália,
onde nasceram, cresceram e casaram seus pais Manoel Mônego e Galerana Tonet.
Travessão Marquês do Erval – onde se estabeleceram os casais de imigrantes
italianos Antônio Tonet e Maria Giovana de Boni, e Giovanni Mônego e Antônia
Mezzomo, respectivamente avós de Ângela. Galerana, nascida ali naquela região,
onde, mais tarde, cresceu, casou-se com o jovem Manoel Mônego, e tiveram
uma filhinha que se chamou Ângela. Pouco se sabe sobre o tempo ali vivido. O
lugar hoje pertence ao município de Nova Pádua, próximo de Flores da Cunha,
onde ainda residem, nas casas por eles construídas, descendentes dessa Família
Tonet que veio da Itália.
Para os turistas e estudiosos são referências de época pelo que os descen-
dentes são, fazem, foram e fizeram.
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Segunda Morada: Terras do nono Manuelle
Quando Ângela era ainda pequena, seus pais, Manoel Mônego e Galerana
Tonet, compraram terras ainda virgens no interior do atual município de Ipê. Até
hoje essas terras são cultivadas e mantidas produtivas pelos descendentes.
Os registros sobre a história da povoação de Ipê começaram por volta do ano
de 1880, com o nome de Matos Particulares. Com a chegada dos italianos, entre
eles a jovem família do nosso nono Manuelle, o local passou a ser conhecido
por Formigueiro. Com a criação do 4o Distrito, pertencente ao Município de
Vacaria, passou a ser chamado por Vila Ipê, pela alta densidade de ipês-ama-
relos. O nome é mantido e consagrado até hoje. Emancipou-se de Vacaria no
ano de 1987, conforme é documentado no livro Raízes de Ipê. Hoje, Ipê ainda
é um pequeno, porém próspero, município, que, desde 2010, é considerado a
Capital Nacional da Agroecologia.
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é a maior das meninas, a primeira à direita. Este seu modo de pentear os
cabelos só mudou nos tempos em que encrespava os cabelos. Mesmo assim,
uma pequena presilha os mantinha no lugar exato. Aquela onduladinha era
o seu jeito de prender o cabelo e ela o manteve até o fim, com muito cuidado.
Oscilava apenas o comprimento dos seus cabelos: quando compridos, lisos e
presos. Quando curtos, encrespados. Mas a onduladinha permanecia. Na foto,
Canarino é o primeiro à esquerda, com cigarro na mão. Da família, foi o ho-
mem que ficou morando nas terras, e os seus filhos mantêm, até hoje, a casa
e o lugar bonitos e acolhedores. Dos doze irmãos, dois foram religiosos. Ambos,
sempre que possível, nos visitavam e nos falavam da vida, dos estudos e das
possibilidades de realizar sonhos se estudássemos. Para muitos de nós, crian-
ças, eles dois foram muito importantes. Para mim, certamente, e por isso sou
muito agradecida à Lilima e ao tio Queco. Eles nos fizeram sonhar, desde
crianças. Tem outras duas tias, irmãs da mãe, que nos acolheram: uma a mim
e outra a minha irmã, nos dando a oportunidade prosseguir os estudos e de
iniciar a vida de trabalho longe de casa. A menina que está no colo da nona é
a nenê da casa e minha madrinha.
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Um Depoimento da Ângela sobre seu avô, o nono Rondél
No livro Família Antônio Tonet e Maria Giovanna De Boni, de Gilberto
Atílio Tonet, há um depoimento de Ângela sobre o nono Toni Rondel, seu avô.
Transcrevemos o depoimento abaixo:
“Conta-nos ainda, que por ocasião da mudança de sua família para a Vila Ipê
(hoje município), nunca deixaram de receber a visita do nono Toni Rondel, ‘[...]
uma das nossas grandes alegrias era receber a visita do nono. Todos ficávamos
muito felizes quando o víamos despontar lá no fundo do potreiro, montado na sua
mulinha e tendo a cabeça enfiada num capeleto (chapeuzinho). Lembro-me, como
se fosse hoje, daquela figura com um bigodinho e com umas botas de cano curto
nos pés, vindo em nossa direção. Sempre nos trazia alguma coisa: doces, balas,
biscoitos e outras guloseimas. Brincava com a gente e ficava brabo quando nós
lhe tirávamos o chapéu e mexíamos con la sua carequeta. Tinha poucos cabelos
e os conservava cortados bem curtos. Nessas ocasiões el gue mostrea quel deo que
someieva un gancho storto e que fea paúra a tutti noantri pichinini e el dizea:
ndé via de coá si nó gue passo la stropa’. (Nessas ocasiões ele mostrava o dedo que
parecia um gancho torto e que dava medo a todos nós pequeninhos e ele dizia:
saiam daqui se não eu bato em vocês.) Continua a nos contar que 'il nono Rondél
quase sempre viajava sozinho já que a nona Marieta, sua esposa, dificilmente
ia visitá-los pois a distância era muito grande e o caminho, em lombo de burro,
seria muito cansativo para uma senhora de idade um tanto avançada. A senhora
Angelina (Ângela Antônia) conclui dizendo que sua mãe sempre contava como
foram difíceis os primeiros anos após a chegada ao Brasil. Longe dos familiares e
amigos, da pátria e da sua terra natal, os Rondéi sofreram muito. Porém, passados
os tempos das vacas magras, nossos antepassados progrediram muito e passaram
a ser conhecidos como uma das famílias mais bem aquinhoadas da região, tendo
uma posição socioeconômica privilegiada.”
Mais tarde, Ângela contava para os netos suas histórias lá vividas. Desmata-
mento, cultivo de roças, convívio com os empregados e histórias mais antigas:
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foi nesse contexto que a menina Ângela viveu até casar. Após a morte dos seus
pais, a propriedade passou a ser cuidada pela família de Canarino, irmão mais
velho de Ângela, hoje também falecido. Lá residem dois filhos de Canarino
que nasceram, cresceram e vivem até hoje cuidando da terra e das lembranças.
A foto à esquerda é a de Ângela, ao lado do rieto onde tinha um tanque
de lavar roupas, nas terras de seus pais. Aos fundos da mesma foto, vê-se a
casa. Na ocasião, Ângela levava seus netos (foto à direita) para conhecer o
lugar onde viveu a própria infância.
Ângela gostava de levar filhos e netos a andar pelas terras onde viveu e de
contar histórias de quando tudo aquilo era mato e tinha bandos de macacos
e de porcos do mato que assustavam as crianças e estragavam as plantações.
Falava das mães macacas que, ao ouvirem tiros, se atiravam de cima das árvo-
res ao chão, fazendo-se de mortas, e ensinavam isso para seus macaquinhos.
Numa conversa recente, o Irmão Francisco, marista (o tio Queco, um dos
irmãos mais novos de Ângela), contou que pouco se lembra da infância e
juventude dessa sua irmã, pois, segundo ele, quando Ângela se casou, tinha
em torno de 22 anos, e ele era pequeno; saiu de casa para a vida religiosa em
torno dos dez anos.
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Ida, filha de Ângela, lembra-se de algumas conversas que teve com duas
tias, irmãs mais novas de Ângela, sobre sua pouca convivência em família,
considerando Ângela uma ilustre desconhecida. Ela conta que, um dia, a
tia Lilima (assim chamada afetuosamente por nós, seus sobrinhos, porque,
enquanto religiosa, ela se chamava Irmã Rosa de Lima; por coincidência, seu
nome civil também é Ida) contou para ela que, quando sua irmã Ângela se
casou, ela tinha quatro anos. Então ela perguntou para seu pai o que era casar.
O pai lhe respondeu: “Casar é sair de casa.” Aí ela ficou triste, se agarrou na
perna do pai e disse: “Pai, não casa!”...
Além disso, se lembra de quando a tia Olga lhe contou que, quando ela, Olga,
era criança e a mãe Galerana pedia alguma coisa, ela sempre respondia: “Só se
a senhora me deixar brincar com as joias”. Mais tarde, soube-se que a caixa de
joias da família foi roubada por revolucionários que, certa vez, invadiram a casa,
destruindo coisas e roubando o que podiam por onde passavam. Badernaram
tudo, inclusive misturaram a farinha de trigo com a de milho, destinadas ao
pão e à polenta, respectivamente. Ficavam na cassa della farina, na cozinha, em
uma caixa de madeira, com tampa, dividida ao meio. Era algo típico da cultura
italiana, variando apenas na madeira e tamanho.
Também diz que a mãe Ângela falava da faça de óro, outro artigo roubado pelos
baderneiros da revolução. Tratava-se de uma faixa de linho bordada com fios de
ouro, que se usava para encobrir todo o corpo (com exceção da cabeça) dos recém-
-nascidos. À medida que a criança crescia, uma parte do seu corpo era, aos poucos,
dia após dia, exposta, chegando a um ponto em que a criança já não necessitava mais
da faixa, em torno de um ano de idade. Assim todos os catorze filhos de Ângela
foram criados. A foto da faixa utilizada por Ângela está na página das relíquias.
O namoro...
Como Ângela Mônego conheceu o jovem Vitorio Luiz Conte
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um pouco passeando na praça. Na volta para casa, elas saíam primeiro, à frente,
a pé, e, tempo depois, os rapazes a cavalo. Os rapazes iam atrás das moças,
com a intenção de paquerá-las. Devagar, os rapazes se aproximavam da moça
escolhida, ou pretendida. Em correspondência, a moça dava um passo para
trás. O rapaz então descia do cavalo e os dois seguiam conversando. Contou
Ângela que, um belo dia, voltando da missa dominical, ela vinha conversando
com as amigas pela estrada. A certa altura da viagem, ouviram o cavalgar, que,
como de costume, era o jeito de tentar o primeiro contato com as moças ou de
levar adiante um relacionamento, para, mais tarde, com a permissão da família,
namorar. Naquela manhã, um cavaleiro foi chegando, aproximou-se da moça
Ângela e, cumprimentando-a, perguntou se podia acompanhá-la. Entendendo
que fora aceito, ele desceu do cavalo e acompanhou a filha de seu Manoel até
o portão de sua casa. É tudo o que se sabe sobre o namoro de Ângela e Vitório.
Namoraram um tempo. Ela tinha em torno de 22 anos quando casou.
Pelo que foi possível encontrar nas poucas fontes verbais e bibliografias
consultadas, aqui terminam os dados conhecidos sobre ancestralidade do
noivo de Ângela, Vitório.
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Acima: Vitório Luiz Conte. À direita: Recorte do livro Os povoadores
da Colônia Caxias, outros Conte que foram relatados.
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Esses foram os dados obtidos sobre a família do noivo de Ângela.
Naquela época, até onde a gente sabe, geralmente o civil era realizado na
cidade, durante a semana, apenas com os padrinhos. No sábado, o religioso, na
Igreja, com todos os convidados do noivo e da noiva. Era prática convidar todos
os vizinhos e os parentes mais próximos, no mínimo dois de cada família, com
bastante antecedência. Às vezes eram convidados outros benfeitores. O café
da manhã costumava ser na casa da noiva. Daí partiam todos para a cidade
em cortejo: alguns a pé, outros a cavalo e muitos em cima da carroceria de
algum caminhão, que, bem me lembro, soltavam até rojões. Após o casamento
religioso, os convidados dirigiam-se para a casa do noivo onde havia farto al-
moço. A festa se prolongava tarde adentro, sendo até servido café da tarde. A
partir daquele momento, a noiva passava a fazer parte daquela família e com
ela morar. Assim, durante a festa, a noiva era apresentada, individualmente,
para a família e para os convidados. Ao ser apresentada, para cada um ela
dizia “Mi te acheto par zio” (eu te aceito por tio), “Mi te acheto par cusin”, (eu
te aceito por primo) e assim por diante. A partir daí, aceitava, por exemplo, a
sogra como mãe, e a chamava de madona. Assim foi com Ângela quando ca-
sou com Vitório. E assim fazia até ser acolhida por todos nessa nova realidade.
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Sobre esse rito tenho uma vaga e gostosa lembrança. No dia em que a tia Lurdes,
irmã mais nova do pai, ia casar, depois que os convidados saíram para irem al
Paese (para a cidade) para casar na Igreja, a nona mandou chamar as crianças do
Vitório (nós), para comermos os doces que sobraram da festa na casa da noiva.
Lembro-me da mesa cheia de doces e de nós todos sentados bem perto. A nona
foi dando uma colher grande, cheia de creme de laranja, para cada um, dizendo:
“podem pedir de tudo, mas uma coisa de cada vez. E não pode sobrar”.
Bem, isso foi muito depois do casamento do pai e da mãe, mas o costume
se mantinha. Esta é a única foto disponível (daquela época) do casal. Não foram
encontradas fotos do seu casamento. Mas, sobre ele, contam que, nesse dia, Ângela
ainda não tinha sido registrada. Então, o juiz disse ao pai dela: “Seu Manoel,
se eu não conhecesse o senhor, você iria preso”. Não havia sido encontrado o
registro de nascimento da noiva, talvez pelo fato de, ainda bebê, ter se mudado
do interior de Nova Pádua ao interior do Distrito de Vila Ipê (onde seus jovens
pais compraram terras e se estabeleceram). Ali a família cresceu, e Ângela teve
mais onze irmãos. Todos foram criados trabalhando com ajuda de empregados,
coisa rara nas famílias da região.
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Terceira Morada: Casa dos Sogros
Ângela, com o casamento, foi morar na casa da família de Pedro Conte, não
muito longe dali. Fica na Linha Cavour, município de Antônio Prado. Lá ela foi
bem acolhida e teve três filhos. Vitório, seu esposo, foi chamado para servir ao
exército; mesmo sendo o filho mais velho de uma pobre e grande família, não
foi dispensado. Passou um ano prestando serviço militar no batalhão de Vacaria,
no destacamento em Pelotas. Contam que ele passou a maior parte do tempo
fazendo scándole e que ajudou a construir a ponte do rio Pelotas.
Da casa, hoje, ainda há, como lembrança, paredes internas, o sótão e alguns
objetos. Vilmar, filho de Laurindo, irmão do Vitório, ficou cuidando desse lugar,
da terra e das lembranças. A casa foi reformada por fora, mantendo o telhado
de zinco, o sótão e as paredes interiores. A escada de acesso ao sótão foi refeita
e colocada em outra posição, diferente da original, que partia da sala. Com o
tempo e as necessidades, Vilmar construiu uma casa nova para morar, deixando
a casa velha como apoio para armazenamento de produtos.
Ângela, convivendo com essa família, ouviu falar de muitas coisas. Dessas
coisas, alguma certamente foi comentada, e algo, como o que segue, sobrou na
minha mente, talvez mal informada. Por isso chamo de Magia, mitos, histórias
mal ouvidas ou mal contadas.
Contam que, naquele tempo, havia pessoas muito supersticiosas. Qualquer
doença, como cobreiro ou erisipela, era considerada trabalho de Le Strie.
Ouvi dizer que os dois irmãos mais velhos do pai morreram por influência
de uma stria. Um dia, enquanto a nona foi ao moinho, e o nono foi para a roça,
suas crianças ficaram em casa sozinhas. Quando ela voltou, as duas crianças
mais velhas estavam adoentadas. A nona, sua mãe, teria perguntado para eles
o que tinha acontecido na sua ausência. Eles teriam dito que uma pessoa fora
lá e dera um cacho de uva para cada um. Em quinze dias os dois mais velhos
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morreram, não se sabe de quê. Segundo contam, essa pessoa não tinha filhos e
invejava quem tinha. Dizem que a nona chorou estes filhos até o fim de sua vida,
mesmo tendo tido um sonho um tanto consolador. Ela teria sonhado que, no dia
do casamento de um dos filhos, ao sair da igreja, um matou o outro. Quando
ela contou o sonho para o Padre, ele falou que o sonho poderia ser, talvez, um
aviso de Deus: quando eles se tornassem adultos, um mataria o outro. Assim
morreram inocentes. Com isso a nona se conformou um pouco.
Bem, nesse contexto histórico-familiar, Ângela, que fora criada em outro
contexto sociocultural, não tardou a se tornar conselheira para as cunhadas
mais novas, com quem convivia fraternalmente. Como todos, também aprontava.
Conta-se que, um dia, ela e duas tias, as moças da casa, inventaram de juntar
um monte de blocos de fezes secas de cavalo e fizeram um grande pacote, como
se fosse um presente. Colocaram-no no meio da estrada e foram se esconder
para observar quem iria juntá-lo. Alma leve e traquinas!
Essa foto pertence ao mobiliário do quarto de Ângela e Vitório enquanto moradores nessa
casa. Tanto a cômoda como o bidê ainda hoje podem ser encontrados bem preservados.
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Sua presença contribuiu positivamente para o convívio com a família de
Pedro e Ana Conte. Ainda hoje, ouvem-se comentários de gratidão e reconhe-
cimento de algumas cunhadas suas que a chamavam de mãe, por ser mais
velha e conselheira, principalmente depois da morte de dona Ana, sua sogra
e amiga, que a tratava como se fosse filha. Prova disso é que ela vendia ver-
duras, prática que se constituiu em conhecimento na produção de hortaliças,
atividade de subsistência para a família. Creio que minhas práticas acadê-
mico-comunitárias, através dos hortos, sejam herança dessa prática. Dividia
igualitariamente o dinheiro entre as filhas e ela.
Nesse território, incluindo as próximas duas moradas, Ângela comparti-
lhou toda sua vida com Vitório, filhos, vizinhos, amigos, a terra e os animais
deixando boas lembranças e bons feitos.
Certamente gostaria de ter participado mais, mas não desperdiçou oportu-
nidade de estar com os outros, compartilhando as coisas boas da vida (princi-
palmente a disponibilidade de escutar e os bons conselhos, tão procurados em
Ângela). Vindo morar nesse lugar, se solidificaram as relações com os vizinhos
e com a comunidade. Passou a fazer parte daquela que mais tarde passou a se
chamar comunidade de La Salette que, de alguma forma, passo a descrever.
49
A Comunidade de La Salette
Assim passou a ser chamada, no Ano Santo de 1950, quando foi inaugu-
rada a primeira capela nessa comunidade. A escolha do nome e do lugar foi
decisão conjunta da comunidade e do padre. O nome de la Salette foi escolhi-
do porque na paróquia de Ipê ainda não tinha nem uma capela com Nossa
Senhora como Padroeira. Na procura de um lugar para construir a capela, o
padre, ao vislumbrar o lugar alto e central da comunidade, disse: “Aqui é o
lugar”. Ali foram construídas uma nova escola e a capelinha. Nesse lugar, até
hoje, a comunidade se encontra para rezar, estudar e se divertir. A capelinha
e a escolinha, envelhecidas, foram reconstruídas: a igreja no mesmo lugar, e
a escolinha separada, ao seu lado, à direita. No espaço da escola, construíram
um grande salão, utilizado para amplas atividades sociais. Então, ao casar-se,
Ângela, em 1935, passa a conviver com esse espaço sociocultural e religioso,
um pouco mais rural e diferente do mundo de onde ela vinha. Nessa comu-
nidade, treza dos catorze filhos estudaram, iniciaram sua socialização com
a comunidade externa e fizeram catequese para a primeira comunhão. Para
alguns, esta foi a única escola além da escola da vida.
Ângela foi uma pessoa muito sociável. Herdou isso de seus avós, conforme
relata Gilberto Tonet quando descreve nosso bisavô Antônio Tonet, o Toni, em
Família Antônio Tonet e Maria Giovanna de Boni: “O Toni fazia filó com os
poucos vizinhos e não era de faltar à missa aos domingos. Também não perdia
uma festa promovida pela paróquia. Era bondoso e cordial com as pessoas,
principalmente quando estava no moinho, seu trabalho predileto. Quando os
fregueses tinham de esperar muito pela moagem, ele mandava sua filha mais
nova, Galerana, ou a esposa, buscar pão, queijo, salame e vinho para todos.
Assim a espera se tornava mais atraente”.
Nesse mesmo livro, percebe-se essa sociabilidade vinda da família de Ângela
quando se verificou que Galerana, sua mãe, tocava gaita para entreter e alegrar
a todos enquanto esperavam a farinha da moagem do trigo trazido a cavalo, às
vezes de muito longe. Essa sociabilidade e esse espírito acolhedor são descritos
por Francisco, irmão de Ângela, quando conta que os pais tinham empregados
e até acolheram um andarilho, que apareceu por lá após o término da Guerra
50
do Paraguai. Ele era alegre, saudável e tinha estranhos costumes. Entre os
tantos, o de passar a noite cantando, lá fora, enquanto, lá dentro, logicamente,
a família dormia. Por causa disso, era alvo de brincadeiras por parte dos filhos
e empregados da nona Manuella. Diziam: “Antônio Dias. Canta de noite, dorme
de dia”. Por isso, a nona construiu uma cama adaptada, lá fora, para ele dormir,
pois não queria entrar em casa. A nona tinha o bom costume de tratar bem os
gaudérios: “Fazia o bem, sem olhar a quem”, dizia-se dela. Ângela herdou essa
virtude e aplicou-a ao longo da vida. Francisco ainda lembra que havia um
vizinho chamado Raimundo Zanotto, que tinha uma serraria. Sobre ele, dizia:
“Raimundo Zanotto, quando corre, vá de troto!”. Ângela passou sua infância e
sua adolescência alimentada por esse espírito aglutinador, levando-o consigo
quando casou. Percebe-se isso no testemunho de suas cunhadas que, ainda
hoje, falam com carinho dos tempos compartilhados com ela.
Depois de casada, com a chegada dos catorze filhos, quase um por ano, dedi-
cou-se à família, à casa e ao cuidado da horta, não sobrando muito tempo para sair
e participar de eventos sociais e cultivar amizades, como era costume enquanto
morava com os pais. Assim, visitas e comadres eram coisas sagradas, desejadas
e, na medida do possível, mantidas, sempre ao longo da longa vida de Ângela.
A capela da Salette foi construída sob orientação dos padres capuchinhos,
que tinham um grande seminário de formação religiosa em Ipê. Nesse aspecto,
o lugar pertencia a Ipê, mas, no civil, o registro de nascimento, por exemplo,
era feito, em geral, em Antônio Prado.
Vindo para essa família, Ângela passou a fazer parte dessa comunidade,
composta por famílias descendentes de italianos, moradoras de pequenas
propriedades rurais, das quais provinha quase todo o sustento. A capela
foi construída pela comunidade, em 1950, e Vitório, seu esposo, foi um dos
principais trabalhadores. Também construíram uma escola. Nesse espaço se
dava grande parte da atividade social das famílias: rezas, escola, encontros,
festas e celebrações. Os padres vinham benzer a casa uma vez ao ano e rezar
missa uma vez ao mês. Quando dava, havia a festa. O meio de transporte era
cavalo; na região, tinha apenas dois caminhões e uma rádio. Pelo que se sabe,
51
e pelos dialetos falados, as famílias vieram da mesma região da Itália, mas
havia vários sotaques e modos de vida. As famílias que moravam mais perto,
e cujos descendentes ainda moram lá têm os sobrenomes de: Marim – o que
tinha rádio; Forti – o sobrenome de nossa maestra; Colombo – os mais estra-
nhos; Saúgo – os mais vizinhos eram, por isso, os que tocavam o sino das seis
horas (a Ave Maria); Mazzo – me lembro só do Miro; Rech – tinham caminhão;
Piazza – as moças bordadeiras que cantavam. Seu pai, o Pedro, era carreteiro,
tinha caminhão e trilhadeira de trigo; Lovatel – as moças bonitas, minhas co-
legas de escola. A mais velha virou professora e mais tarde sogra do Ivan; Dela
Giustina – precocemente caminhoneiros, coisa importante na época; nós, os
Conte, entre outros. Segundo lembra a Ida, tinha “La societá dei sochi dela bonna
morte”. A sociedade era organizada, verbalmente, com i fabricieri, la maestra,
quel que sonna le campane, quel que tende la bodega, quelle que tende la sacristia,
la catequista, la sochietá dei malai, entre outros. Havia duas festas por ano: a da
Salette e a de San Giuseppe, para as quais homens e mulheres tinham atividades
específicas. Ângela, sempre que podia, trabalhava na cozinha, no preparo do
almoço do dia da festa. Era boa companhia e muito caprichosa. Quando não
podia ir, mandava una dele tose, entre elas, eu (certamente com menos de onze
anos, pois aos doze saí de casa para o internato).
Havia hábitos interessantes.
Quando, numa família, nascia uma criança, as vizinhas iam visitar e
levavam uma galinha e/ou, quem pudesse, um metro de tecido para fazer as
roupinhas do nenê. Eram geralmente de chita e sempre de algodão.
Quando tinha alguém doente, com longo tempo de convalescença, a comu-
nidade era organizada para, à noite, fazer uma agenda de cuidado para que os
da família pudessem descansar. Se o doente era homem, iam homens, um
ou dois; se era mulher ou criança, mulheres.
Outro fato do cotidiano eram as visitas, raras entre os vizinhos. Só ocorriam
por necessidades: buscar emprestado um pouco disto ou daquilo, ou pegar objetos
de uso comunitário, como máquina de matar formigas ou a de plantar milho.
Aos domingos de tarde, a comunidade se reunia lá na capela para rezar o
terço, jogar e conversar. No começo, e por muito tempo, o ritual era mais ou
menos assim: depois do almoço, arrumar a casa, tratar os bichos. Então, quem
52
podia ir se enfeitava, vestia roupas de domingo e ia. Dessa rotina, Ângela pouco
participou, pois sempre tinha muitos afári e crianças pequenas para cuidar, o
que dificultada sua ida. As meninas lembram que só podiam ir se fizessem
os pequenos dormir ou se os levassem junto para a capela.
Os homens que moravam mais longe iam a cavalo. As mulheres e as crianças,
a pé. Os homens geralmente chegavam antes e tinham os parceiros de bocha
e os de cartas. As mulheres sentavam em grupos para conversar enquanto as
crianças tinham catequese ou brincavam livremente (mas não podiam se sujar).
Tinha, e ainda está lá, o campanile. O sino era tocado três vezes, com intervalos
programados: era el primo, el secondo e el último. Ouvia-se de longe. Ao som del
último, todos interrompiam o que estavam fazendo e se dirigiam para dentro da
capela. Um por um, todos faziam o sinal da cruz e uma pequena flexão, mesmo
que o santíssimo não estivesse presente. As mulheres ficavam de um lado, os
homens do outro. Os mais velhos nos bancos, os jovens de pé, atrás, e as crian-
ças na frente, perto do altar. Rezava-se o terço, cantavam-se as ladainhas, num
latim dialetizado com vozes lindas, soltas, sem censura, soando como mantras
quando ouvidas de longe. No fim, alguns recados e, depois, sinal da cruz, leve
flexão respeitosa e saída organizada. Com sensação de dever cumprido, alguns
homens voltavam a jogar bocha, e outros, cartas. As mulheres e as crianças fica-
vam um pouco mais por ali, fechando as conversas interrompidas com as rezas.
A seguir, iam tomando a estrada, pensando nas lidas domésticas de fim de tarde:
a vaquinha, o fogo, as roupas. Para as moças e rapazes, assim como pela manhã,
ao irem à missa na cidade, o ritual da paquera e do namoro se repetia. Ou não.
A escola era uma casa de madeira, ao lado da capela. Entre as duas, aos
fundos, tinha o campanile. No porão, aos domingos, funcionava a bodega.
Durante a semana, fechada, soava como mistério para as crianças.
A escola. Ah! A escola... la maestra... el fredo... le pesade... (a professora...
o frio... método de aprender matemática utilizando a produção de colheitas
agrícolas das famílias dos alunos).
A maestra foi Dona Catarina para a maioria de nós. Em média, éramos de
três a quatro irmãos entre a primeira e a quarta séries, todos na mesma sala.
As aulas eram em português, embora, em casa, cada um falasse o dialeto de
sua família, inclusive a maestra.
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A maestra, severa e boa professora, ensinava incluindo assuntos do cotidiano
das famílias em todas as matérias. Por exemplo, na época de colher e vender o
trigo, nas aulas de matemática, com os mais adiantados, eram feitas as pesadas.
Um era chamado para o quadro. No quadro de giz, colocavam os pesos e valores
da produção e da venda de cada família dos alunos envolvidos, dando, em geral,
a soma de oito a dez parcelas. Os outros, cada qual em sua tabela, com pena e
paninho molhado, faziam o mesmo. A prova era dos “novesfora”, matemática
antiga que desapareceu das salas de aula, como ocorreu com o latim e o grego.
O ensaio da celebração do dia das mães era feito no último período das aulas.
Lembro-me de minha alegria ao participar da apresentação de um jogral. Após
muitos dias de ensaio, Ângela, minha mãe, como tantas mães, estava sentada
ali. Começava o cerimonial. Quando chegou nossa vez, os três atores, um de
cada família, lá na frente, solenemente, com o coração de papel, pelo avesso,
pendurado no peito. Ao sinal de la maestra, nervosos e emocionados, começamos:
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Quarta Morada: A Casa Velha
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Casa era toda de lenho, madeira, inclusive a cobertura, feita de scandole
(pequenas tábuas).
Mesmo com as informações fragmentadas, descreve-se um pouco o ter-
ritório e os fatos do cotidiano de Ângela, mãe provedora da segurança e do
bem-estar familiar.
Assim, hoje, o que resta do lugar são memórias e lembranças aqui registra-
das. Fragmentos dos espaços e do que foi vivido, variando de um para outro,
saíram da memória de alguns dos filhos, e foi memorável reconstruí-las.
Bom foi ver ressurgir palavras já esquecidas, de muito lirismo, como l’ara,
lembrada pelo Valdo, em seu desenho, em anexo. Esse espaço era como um
“pátio”, de muito significado para nossas lembranças. Por exemplo, quando
pegávamos a vassoura do forno, agarrávamos firmemente com as pequenas
mãos, posto que éramos crianças, e, rodeando rápido, fazíamos círculos com
ela na terra, dentro dos quais brincávamos. A mesma vassoura, de noite, era
arrodeada rapidamente no ar para atrair os, para mim, babastríos, para os mais
velhos, barbastríos (morcegos). Nos divertíamos com isso.
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À esquerda, rabiscos de Ida, Valdo e Irmã Elia, na tentativa
de desenhar a casa vecchia. Acima, útlimos desenhos de Elia.
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Segundo a Elia, parece que havia três áreas construídas quando adquiriram
a terra. A construção lá de cima do parreiral, la stala, tinha três ambientes:
de um lado, ficava a estrebaria, para “fechar a vaca” e separar o terneiro (quer
dizer, trazer a vaca ao abrigo, para tirar o leite). Outro ambiente, mais aberto,
era uma cobertura, para o gado se abrigar e comer feno ou palha de milho na
restilhera, milho, succa (abóbora), bevaron (cozido de legumes para vaca), ou qual-
quer outra coisa preparada na gripia (cocho). Entre esses dois espaços, tinha um
terceiro, fechado, com assoalho. Lá eram guardados o trigo (amarrado em fardos,
antes de ser trilhado), o pasto (para os animais) e as cestas (para colher a uva).
Esse galpão, por um tempo, serviu de residência para o casal Antônio Mônego
e Alba Conte Mônego, respectivamente irmão de Ângela e irmã de Vitório, que
lá tiveram o primeiro filho. Era o ano de 1948. Hoje moram na cidade.
Logo acima da stalla situava-se a lavoura onde eram cultivados batata inglesa,
feijão, cebola, alho, tomate, abóbora, pepino, succuli (mogango), arroz, aspargo,
pimentão etc. No meio da lavoura, encontrava-se uma nogueira italiana e um
pé de nêsperas; perto da cerca, uma ameixeira coração-de-boi e duas limeiras;
no lado oposto, um pé de cidrão (tinham limões gigantes, com cuja casca a
mãe Ângela fazia deliciosos doces, para compota).
A casa tinha três quartos (entre os quais se distribuíam quatro camas, uma
cama menor e uma cuneta, berço, de balanço), uma sala, uma cozinha, uma
despensa (quartinho escuro, por situar-se no centro da casa, sem comunicação
externa) e um cecciaro. Era uma pia com mais de um metro de comprimento,
feita de tábuas. Ia se afunilando até chegar à parte externa da casa, para onde
drenava a água das lidas da cozinha. Sobre ela, eram penduradas ceccias (baldes
com água limpa). O cecciaro mudou de lugar algumas vezes, e, nos últimos anos,
foi contruída uma meia-água para ele, ao lado do pomaro e do rieto. Na sala,
tinha uma mesa comprida e dois bancos para sentar. Na cozinha, uma mesa
média com dois bancos, uma mesinha para as crianças, poucas cadeiras e um
fogolaro (espécie de fogão à lenha, com apenas uma chapa de ferro em cima de
uma estrutura de alvenaria). No quarto dos pais, um baú, um taolim (mesinha
retangular, cuja toalha consta nas relíquias de Ângela) e um guarda-roupa,
pregado na parede, para guardar o terno do pai. Tinha também uma jarra, uma
bacia e um sabonete para o banho dos nenês.
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Outra das tentativas de reconstruir a memória da casa vecchia.
Na cantina, havia tudo o que se relacionava com o vinho, além da caça del
formento. Era um grande caixote onde se guardava o trigo, já que ele só era
levado ao moinho para fazer a farinha conforme a necessidade.
A casa estava construída de costas para a estrada, para a rua pública. Era
por lá que se entrava no porão, a antiga cantina dos tropeiros viajantes. A frente
era virada para l’ara, pátio da casa, ponto de partida para todas as lidas diárias
da família. O pátio era grande e sombreado, em parte, por dois frondosos
plátanos. Logo acima, havia duas colmeias, perto de uma goiabeira da espécie
serrana. Disputávamos suas pétalas brancas, suculentas, macias e deliciosas.
O tanque situava-se à sombra de um dos plátanos. Um pouco acima do tanque
havia umas touceiras de vimes, com as quais o pai fazia as cestas e amarrava
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as parreiras. Ainda à sombra dos plátanos, não muito longe do tanque, estava
o rebolo, “la mola”, para afiar as ferramentas. Sobre o rieto que saía do tanque,
foi construído um chiqueiro. Do lado contrário do tanque, estavam o forno, o
galinheiro, a capunara e os punareti dos pintinhos.
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Nos últimos anos daquela época, a parte superior do pátio foi transformada
em jardim, antigo sonho da mãe. As begônias cultivadas em latas de querosene,
em casa, eram o colírio dos olhos de Ângela. Mesmo assim, não conseguiu
ganhar espaço na casa nova, onde ela tanto sonhou ter uma varanda para isso.
Ao lado da casa, situava-se a hortinha, onde eram cultivados temperos,
como radicci, alface, repolho, fazui de teghe e feijão de vagem. Ao fundo da
horta, junto à parede do galpão, floresciam os copodelete (copos-de-leite) con-
siderados venenosos, mas lindos.
Havia também diversas fruteiras: um pé de laranja de umbigo, duas laranjeiras
comuns, uma bergamoteira, ameixas de inverno, diversas figueiras, romãzeiras,
um pessegueiro, duas macieiras (uma de maça enferrujada e outra não), duas
pereiras e pessegueiros do mato (estes últimos no meio das capoeiras). Perto
da estrebaria, havia mais uma laranjeira e figos-da-Índia.
A casa velha ficava perto da estrada, na linha Cavour, logo abaixo de uma
encruzilhada que era referência regional. Era assim chamada em homenagem
ao italiano Cavour, pessoa de poder no contexto político Italiano, da época da
imigração.
Segundo a Elia, terceira filha de Ângela, havia um galpão que ficava ao lado
da casa, do outro lado da estrada do nono, entre a horta e a estrada da Linha
Cavour (que descia para a Escola e a capela de la Salete). O galpão era dividido
em duas partes: uma de chão batido, para carreta, enxadas, picão, serra, serrote,
arado, forca, pá e tábuas; na outra, se guardava milho, batata-doce e outras coisas.
Hilário lembra que, na casa velha, havia o lugar chamado de trapolão, usado
como o banheiro da casa, afastado dela, abaixo do parreiral. Também era uma
casa antiga e tinha até cancha de bocha. A casa nova foi construída em 1955.
Ainda falando da casa velha, Nino, décimo filho de Ângela, lembra que,
antigamente, aquilo era uma bodega. Lá, os frequentadores, geralmente tro-
peiros, sentavam à sombra das árvores e perdiam as moedas (porque naquela
época só existiam moedas). Mas a lembrança mais antiga do Nino na casa
velha é de que, quando chovia, a mãe dava panos, baldes e canecas para nós,
crianças, colocarmos embaixo das goteiras, para não molhar o chão, porque
chovia muito dentro da casa.
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O Nino se recorda de que o pátio era grande. Conta ainda que, cada vez que
ia cavar no parreiral, achava moedas e encheu um pote, que estava guardado lá
em casa, com elas. Ninguém soube dizer que fim levou aquele pote. “Alguém
tem notícia de onde foi parar aquele pote de moedas?” pergunta ele; “Seriam
de ouro?” perguntará alguém.
Valdo, sexto filho de Ângela, conta que, nesse lugar, antes de Vitório e Ângela
comprarem as terras, funcionava uma bodega, um bar, onde também tinha
cancha de bocha. Pelo abandono, foi sendo coberto por mato. O pai Vitório
fez e armou um trapolão para caçar os graxains que iam comer as galinhas.
Por um tempo, aquele era o lugar onde normalmente era nosso banheiro.
Depois, o pai fez um banheiro mais decente, facilitando a privacidade (sempre
ameaçada na hora H). Para muitos, aquele era o trapolão...
Os outros três que ainda nasceram lá não conseguiram trazer uma lem-
brança sequer. Só Valdo que lembrou que o pátio se chamava de l’ara.
Entre o mito e o mágico, nós fomos crescendo, sonhando e realizando.
Inicialmente aninhados na sobrevivência do lar, cada um a seu tempo, com as
asas que tinha, ou acreditava ter, foi em busca de seu destino, ou foi lançado
para que o encontrasse.
Quanto devem ter pensado Ângela e Vitório sobre si mesmos e o futuro dos
filhos, vendo a casa ficando cheia, as camas lotadas, com três ou quatro crianças
em cada uma, as roças pequenas e ainda muita vida reprodutiva pela frente.
Certamente muito rezaram e se aconselharam para tomar decisões em
relação ao futuro próprio e o dos filhos, a encaminhar os homens para tra-
balhar na cidade, em oficinas e marcenarias, e a permitir às mulheres irem
ao internato, em Ipê e Antônio Prado. Mesmo crianças, o maior cuidava dos
menores, do primeiro aos últimos. Assim, os mais novos viam os mais velhos,
que saíam precocemente de casa, como tios, tratando-os como visitas quando
voltavam para casa, já que não se viam com frequência. Quando saíam de casa,
passavam a buscar seu destino e sua sobrevivência, e nem sempre era possível
encontrar a família. Em 1952, foi iniciada a construção da casa nova, que só
ficou pronta em 55. Nesse tempo, os três mais velhos já tinham saído de casa.
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Quinta Morada: A Casa Nova, Lá na Colônia
Ah, essa sim! Ainda linda, mas cheia de saudades! Aqui, ainda se faz festa,
se acampa, se elaboram as perdas, as mudanças. Aqui a vida se reveza e brinca.
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e a cozineta, feita mais tarde. Na sala, junto com os santos e a foto da família,
tinha o litrato do político protetor, ainda que o voto secreto fosse sagrado. A
casa localiza-se numa área alta e bonita entre o potreiro e o parreiral, mais
próximo da encruzilhada da estrada que leva a Ipê e Antônio Prado, bem como
à Capela da Salete, seguindo para outras localidades mais distantes (Linha
Cavour). Bem cedo, o sol da manhã entra pela janela do quarto de Ângela e
Vitório, pela janela da salinha e pela porta da sala. Por esse lado da casa, vê-se
quem passa na estrada, quem entra na porteira para chegar, o gado pastando e,
do outro lado da estrada, os pomares do vizinho. Conforme os ventos sopram,
ouvem-se os sinos da igreja de Antônio Prado e o ronco dos caminhões, lá por
Ipê, onde passa a rodovia federal.
Na casa nova, fomos morar a mãe, o pai e dez dos treze filhos (porque os
outros três já haviam saído de casa). O mais novo só nasceu três anos depois.
Quando fizeram a casa, a mãe esperava ganhar uma varanda para colocar
suas flores, mas não aconteceu.
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Os vizinhos continuaram sendo os mesmos: a família de Tonni Piazza;
logo adiante, a do Piero Piazza; logo acima da nossa casa, a família de Pedro
Dela Giustina; um pouco mais adiante, em direção a Antônio Prado, a família
de Joanin Dela Beta; abaixo, em direção à capela, a família do Mario “Canopo”
e a família dos pais de Aurélio Saúgo; aos fundos, a família Pedro.
Nesse lugar aconteceu a maior parte de nossa vida em família, enquanto
ainda se falava o dialeto. Em homenagem a esse período de nossas vidas,
segue um pequeno texto de palavras, expressões, nossos modos de ser e de
viver, enquanto família de Ângela e de Vitório.
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De magnari, delle volte se fazea fritole com mazarina, ô pinça, ô qualque potáchi
quando venhea visite.
Na volta al áno, com la vendima del formento, era comprada uma peça de
bombazina, par fár niçuli e due de riscado: uma par far le camise dei hómini e i
vestiti de le tose, culaltra par le brague ô bragarole de di de stimana, Bisaque, de
riscado par ndar a la scola e par ndar caçar e pescar e tor çú i pinhuni e par ndar
a messa a la domênega camisa bianca e brague negre.
Par “ndar de corpo” e, “far i bisonhi” de note se doparava el ruvinale soto el leto.
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Quando vinha visita, às vezes se fazia bolinho de chuva com Artemísia,
ou bolo de milho, ou qualquer coisa com açúcar.
Uma vez por ano, com a venda do trigo, era comprado um fardo de pano
de algodão crú para fazer lençóis, um fardo para as camisas dos homens e
vestido das mulheres e outro para as calças de serviço dos homens e as per-
neiras para as mulheres, bem como sacola para ir à escola (hoje mochila) e
para pescar, caçar ou juntar pinhões. Para ir à missa no domingo, calça preta
e camisa branca.
Usava-se um penico debaixo da cama para fazer as necessidades fisioló-
gicas à noite.
Esses são apenas fragmentos de lembranças de alguns de nós. Certamente,
muitos mais pipocam na memória de cada um sobre a vida lá vivida, em
família. Como já dito, esses registros são apenas o começo. Espero que al-
guém leve isso adiante, nessa viagem para trás.
Bodas de Prata
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Trouxeram um panelão de bucho e, segundo o Valdo, o único filho que ficou
em casa até os 21 anos, uma caixa de guaraná, coisa rara, inédita na família.
Assim aconteceu a celebração, inesquecível, dos 25 anos de casamento de Ângela
com Vitório. Uma das poucas festas que aconteceram na época. Nesse dia, nem
todos os filhos estavam em casa, portanto, alguns ouviram falar dessa história
um bom tempo depois; outros, talvez, apenas agora, através deste livro.
Assim a vida ia acontecendo...
No meio das dificuldades, os irmãos se ajudavam. Na cidade, um irmão
abria espaço para o outro viver, sem abandoná-lo jamais. Quando o último saiu,
ou, melhor dito, os dois últimos saíram juntos, era época de colheita. Assim,
Ângela e Vitório recomeçaram a vida a dois, nas colheitas da roça e da vida.
Não tardou para o pai Vitório adoecer e falecer. Tornou-se difícil, para os
filhos, morando na cidade, dar suporte para a mãe continuar vivendo lá na
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colônia. Assim, Ângela foi morar em Ipê, com a família de Olímpio, seu filho
mais velho. Acolhendo a mãe em sua casa, ampliou sua família, já com três
filhos ainda pequenos, e os espaços de cuidado. A colônia continuou sendo
mantida por ele e a Lodo. Sua mãe transformou esse lugar de tantas lembranças
em espaço de celebrações festivas, mesmo quando a frondosa árvore começou
a perder seus frutos. Entre eles, o próprio cuidador.
No meio de tudo aquilo, começou-se a perceber o jogo da vida, comentando
lembranças do que foi vivido lá na colônia, do dialeto falado, das ausências
presentes. Reverenciando o passado e sentindo sua presença, começou-se a
perceber a necessidade de tentar materializar esse sentimento, para se manter
presente, no futuro. Parece meio estranho, mas, assim, alguns de nós, filhos
de Ângela e Vitório, começamos a retomar expressões de época, voltar a falar
o dialeto familiar, quase totalmente esquecido. Por isso, encontram-se neste
livro algumas das expressões recordadas e trazidas para o presente.
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Sexta Morada de Ângela: Na Casa de Olímpio e Lodovina
Não sei onde começou esta história. Talvez quando a Elia morava no Colégio
Regina Coeli, em Veranópolis, onde ficava a fábrica. O que importa lembrar
AGORA é que esses peixinhos, há muito tempo e para sempre, são a imagem
doce, inocente e colorida de uma nona que usava a singeleza para criar vínculos
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e cultivar as coisas boas da vida com as crianças pequenas e, certamente, com
a eterna criança em cada um de nós, seus filhos.
Com a chegada de Ângela, a casa de Olímpio passou a ser também utilizada
como a casa da mãe, modificando sensivelmente a rotina de todos.
Sempre que podia e tinha saúde, a mãe pegava sua malinha, colocava
umas roupas, seus crochês, um pacotinho de piciti e lá se ia a nona para a
casa de algum filho e, muitas vezes, mais demoradamente, em Caxias com
a filha Ida. Quando convidada a ficar mais tempo ou morar, ela dizia: “Meu
lugar é lá”, referindo-se à sua nova morada na cidade, sua casa, por ela e nós
considerada, por todo aquele tempo e, enfim, para sempre, a casa da tia Lodo.
A família ainda morava em uma casa simples, de madeira, que já existia
quando compraram o lote para morar. Inicialmente eram Olímpio e sua esposa;
depois, seus três filhos. Ele era referência entre os irmãos na cidade, por ser o
mais velho, o primeiro a sair de casa. Acolhendo a mãe em sua casa, ampliou
sua família, já com os três filhos pequenos.
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Já moravam em Ipê mais quatro dos filhos de Ângela quando ela chegou
para ficar na casa de Olímpio. Desde então a casa está sob os cuidados de Ivan,
filho mais velho, que a mantém impecável. Disponibiliza seu acesso para todos
os familiares, onde com frequência se fazem encontros de comemoração, de
festas ou celebrações, como a dos oitenta anos de Ângela, a dos cem anos de
nascimento do seu esposo, em 2012. Nessa ocasião, já havia mais de dez bisnetos
presentes, o que mostra viva a árvore que não cessa de dar frutos e sementes.
O casal atendia com zelo os interesses da mãe. Sabendo do bom relaciona-
mento e do afeto que cultivava com as pessoas, quando a agência bancária de
Vacaria, onde sua mãe recebia a aposentadoria, abriu uma filial em Antônio
Prado, imediatamente foi transferida sua conta para essa agência, facilitando
visitas mensais às amigas e a inteiração das notícias da grande família.
Na casa do filho, a mãe tinha seu espaço e participava, na medida em que sua
saúde permitia, ajudando na cozinha e nas lidas da casa, sem que faltasse tempo
para seus crochês. Mais tarde, com a construção da nova casa, grande e linda, foi
reservado nela um espaço especial para nona Ângela. Olímpio pouco desfrutou
deste sonho tão sonhado. Partiu deixando-a novinha em folha, forrada de saudades.
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Ângela, ao lado da casa da tia Lodo.
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Sétima Morada: Memorial da Família de Ângela e Vitório
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Koru, em maori, significa "ciclo". É representado pelo broto da folha de uma
samambaia, conhecida na Nova Zelândia como silver fern, símbolo do país.
O povo nativo atribuía ao koru a qualidade do recomeço e da criação.
Sua forma circular dá ideia de movimento perpétuo, enquanto
a bobina central sugere o retorno às origens.
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... o arco baleno...
A Família
Onde é a raiz da gente?
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Mesmo sem voz treinada, o desejo profundo é poder cantar as raízes que
nos fizeram árvore e, cantando, de alguma forma reverenciá-las.
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° Raízes estranguladoras: algumas plantas desenvolvem suas raízes a partir
de ramos do caule. Ao atingirem o solo, elas começam a se desenvolver e
originar estruturas muito parecidas com troncos e que podem até substituir
o caule na sustentação da planta. Por vezes essas raízes acabam abraçando o
tronco da árvore que lhe serviu de suporte, matando-a por estrangulamento.
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Relicário da Ângela
Neste espaço você encontra imagens de objetos que no rol das lembranças
foram adquirindo importância, agregando valor em si, na lembrança de cada
um de nós sobre Ângela Mônego Conte, nossa mãe.
Colar de noivado
A foto ao lado é do colar que Vitório Luiz Conte deu para sua noiva Ângela
Mônego, refeito por Elia mais tarde, pois, com o tempo, tinha rebentado. O ori-
ginal está adornando Ângela na foto com o esposo no capítulo de seu casamento.
Hoje ele está ainda sendo usado pelas filhas, assim lindo.
Máquina de costura
Máquina manual de costura. Serviu para costurar a maior parte de toda
roupa de toda família, durante o tempo em que moravam em casa, e ajudou
também a confeccionar os pequenos enxovais dos catorze filhos quando saí-
ram, saímos, de casa. Décadas de noites de serão solitário na sala onde ela, a
máquina e a tesoura se revezavam na confecção de camisas, calças, aventais,
toalhas, lençóis, fronhas e outras necessidades de uso pessoal, como bragone,
(perna de calça do joelho até o pé), braguete (calcinhas) e mudánde (cuecas)
quando não era tacar sú peçe sôra peçe in te le robe, de di de laoro (remendar as
roupas de trabalho).
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Vestido de casamento
Vestido usado no casamento religioso de Ângela e Vitório, ou o que sobrou
dele após a retirada das rendas, que foram utilizadas para enfeitar os vestidi-
nhos das filhas meninas. Relíquia, sim, de quando, embora ausentes, compar-
tilhamos, como frutos, aquele momento que, por juramento, fidelidade, amor,
dedicação, nos fez família, momento em que nos tornamos catorze irmãos.
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La faça
Faixa de algodão utilizada para envol-
ver compressiva e confortavelmente os
filhos desde recém-nascidos, até certa
idade de desenvolvimento. Do primei-
ro ao 14°. Era prática de segurança
com a criança e facilitava o manejo
e o cuidado pelos irmãozinhos um
pouco maiores. Com o passar dos primeiros meses, ao enfaixar as crianças
após o banho ou a higienização, ia-se deixando livres os pés, depois os pés e
os bracinhos, até dispensar a faixa e começar a sentá-lo no caregóto (cadeira
de balanço) ou no moisés.
La traversa
Para quem conheceu Ângela, este aven-
tal pode ser considerado seu autorretra-
to. Na cor, discreta, nem rosa nem ver-
melha; na forma, no capricho. Observe
o crochê no bolsinho, as tiras milime-
tricamente calculadas... Lembranças
boas, mais de abundância, de acolhi-
mento do que de trabalho e proteção.
Quantas traverseiradas de limas, de ovos, de nusele (amendoim), de pumidóri
(tomate), de tegue (vagem). Quantas vezes, às pressas, enxugou as mãos
para socorrer alguma das muitas crianças que sempre andavam grudadas
na mãe, ou quando chegava alguém, alguma visita ou os homens da roça,
para atendê-los. Geralmente muitos afazeres ao mesmo tempo, o que exigia
lavar as mãos e, nele, às pressas, enxugá-las.
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A Caixa de Costura
Era o laboratório da criatividade da arte do crochê. Os crochês eram fei-
tos em sacos de farinha, de açúcar ou de sal, desfeitos, alvejados, anilados e
costurados. Eram emendados para fazer colchas ou toalhas de mesa; para
toalhas de mãos, de louça e paninhos de secar a pia, eram cortados conforme
a integridade ou os defeitos do saco.
Assim foram encontradas, no roupeiro de Ângela (em si um relicário),
amostras de pontas le capete e pontos de crochê, agulhas já sem pontas, de
tantos pontos feitos, tão desgastadas que lembram os pés da estátua de bronze
de São Pedro, no Vaticano, quase sem dedos, de tantos peregrinos que passam
as mãos. Quantas toalhas enfeitadas, quantos tremeios de colchas, de fronhas,
de toalhas de mesa. Em cada ponto, quiçá quanti pensieri, preocupações que
ficaram transmutadas em lindos e caprichosos desenhos espalhados nas
cozinhas, camas e salas de todos nós...
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Stanholeto
Na parede da cabeceira da cama do casal, Ângela e Vitório tinham pendura-
do: um quadro grande do Sagrado Coração de Jesus, o certificado de batizado
e um stanholeto do lado do pai e um quadro do; mesmo tamanho de Sagrado
Coração de Maria, certificado de batismo e um stanholeto, na parede do lado
da Ângela. Stanholeto é esse objeto de vidro que tinha a finalidade de receber
água benta e/ou outros objetos de ritos de rezas católicos.
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Relicário da Família
Pilão
Soca de pestar el café, foi feito e entalhado pelo esposo Vitório. Nesse lenho
utilizado desde a casa velha até a saída do último filho de casa, na casa nova,
muitas virtudes se forjaram no caráter de cada filho. Era tarefa difícil, exigente
e cansativa pestar el café comprado com a venda dos produtos da horta; inicial-
mente, também se utilizava esse processo para descascar o arroz. Envolvia
tempo, técnica, paciência, habilidades, zelo. Hoje, encontra-se guardado lá no
sótão para os netos e bisnetos conhecerem e criarem suas conexões com seu
passado. Quanta cenoura Ângela semeou, regou, cuidou, colheu e vendeu al
paese para comprar grãos de café, para processá-los em casa, torrar na panela
de ferro, queimar o açúcar, misturar os dois, mexer até esfriar e, depois, sentar
na soca e pestá-lo até a última migalha.
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Ferale
Mais parece uma casinha feita de ara-
me com paredes de vidro, com porta e
alça para carregá-lo, onde mora uma
lanterninha de alumínio com a tampa
furada, por onde se coloca uma tira de
pano de algodão. Ela fica bem com-
primida e tem sua outra extremidade
mergulhada no combustível quero-
sene. O recipiente fica bem fechado
e, para acendê-la, se coloca fogo na
extremidade do pano que fica de fora,
embebida no combustível. Esta foto
está col ciareto smorça. Quando queria
acender, a mãe dizia “impiça la lume”. Foi a lanterna da família, certamente por
décadas. Foi utilizada para deslocamentos noturnos, para ndar in cantina, in
te le stale, al filó, para velórios, enfim, serviu a família e tem muitas histórias
para contar. Foi utilizada para iluminar os caminhos em noites do tempo em
que, lá, não havia luz elétrica (que foram muitas, quase todas).
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Bilha
Também chamada de moringa por alguns, essa vasilha de alumínio foi
utilizada, por décadas, como jarra para pegar água fresca e potável no posseto,
fonte da água localizada ao largo do potreiro, considerado muito longe pelas
crianças que diariamente tinham que ir buscar a água para beber. Havia reve-
zamento diário nessa tarefa. Certamente cada filho tem muitas histórias para
contar, seja sobre as dificuldades de caminhar de pés descalços nas rosetas
espinhentas, seja pelo peso de carregá-la cheia, embora não comportasse nem
dois litros, ou pela distância.
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A vida era mais ou menos assim
Para tentar escrever algo sobre a história de Ângela, foi pensado, entre
tantas outras coisas, em provocar encontros entre seus filhos, para recordar
fatos da vida com a mãe. Reviver juntos, encontrar-se para lembrar das coisas
boas, o recordar tomando o gosto de pám bom (cuca de dia de festa).
Através de encontros familiares na colônia, regados por comidas e falas
que nos remetem à época da nossa infância, engendrou-se uma busca de
lembranças de cada um nos tempos lá vividos. O que ficou marcado em cada
um? Percebeu-se que a lembrança de um filho nem sempre corresponde à de
outros. Mesmo assim, além de tudo o que já foi escrito nas páginas anteriores,
aqui tem mais um pouco de nós, nos três turnos do dia a dia. São algumas
rotinas e práticas do nosso cotidiano em família, na colônia.
A la matina*
Após o galo cantar, alguém, anteriormente escolhido, levantava para acen-
der o fogo no fogão a lenha usando grinfa de pinheiro e gravetos. Uma vez o
chá pronto, levava uma xícara para o pai na cama. A partir daí, todos teriam
que levantar, ir para a cozineta (cozinha) tomar seu chá e, em seguida, para
seu trabalho, guernar i porchi, dague de manhar a le galine (dar comida para os
porcos e para as galinhas). Quem ficava em casa tomava conta do fogo, das
crianças e das lidas da casa, a começar por arrumar os quartos. As camas
eram de casal, e os colchões, de palha de milho; as cobertas eram feitas com
lã de ovelha, e os travesseiros e o colchonete, de penas de galinha. No dialeto
era dito assim: far sú i letti, smiciar bem i sacartoci in teu paiuni, querti com la
straponta de lána de piegora, el coçim e el piumim de pene de galine. Era preciso
colocar sempre uma lenha grossa no fogo para não apagar. Mantinha-se o fogo
aceso durante todo dia, até depois da janta, pois caixa de fósforos era raro, e
tinha que economizar. Estava escrito na caixinha “média 45 palitos”, então
devia durar, em média, 45 dias.
* Pela manhã.
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Quando tinha batatas-doces para cozinhar, elas eram postas na panelona, que
ia para o fogão e ficava sob os cuidados de alguém até ficarem cozidas. Muitas
vezes, essa pessoa acabava pescando i piri (quase dormindo) e pegando no sono
sentado, deixando o fogo apagar sem que as batatas estivessem tão cozidas, conta
a Elia. No café da manhã, por causa disso, comiam-se as batatas, nem tão moles,
ou fatiavam-nas e cozinhavam-nas na chapa, de tal modo que ficavam bem gos-
tosas. As crianças tomavam chá de casca de cacau e os adultos tomava café preto.
Quando tinha melancia, em vez do chá na cozineta, comia-se na mesa da
sala uma fatia da fruta com uma fatia de pão. Uma festa! Segundo a orientação
do pai, a melhor fatia devia ser guardada para a mãe.
Depois, cada um ia para o seu destino. A horta era cultivada com a ajuda dos
filhos menores, pois os maiores tinham que ir para a roça com o pai. Assim,
todos os filhos tiveram sua fase de participação ativa nas lidas do cotidiano,
tanto em casa como na horta e, por fim, na roça. Quem ia para a roça recebia,
horas depois, a colacion (primeira refeição): geralmente a fortaia (omelete) com
polenta na chapa com queijo ou salame, vinho e, às vezes, pão. Normalmente,
era uma criança maior que levava; se era longe, a mãe mandava duas.
Ali pelas dez horas, o canto do galo e a sombra da casa na calçada da porta
da cozinha indicavam a hora de iniciar os preparativos para o almoço: colocar
o brondo (tacho de ferro) no fogão para fazer a polenta, tor sú i radichi, ndar tore
la acua fresca, prontar la tolla, meter sú la farçora par conçar, ndar tor sú el vim
fresco in cantina (colher radichi, buscar água fresca, arrumar a mesa, colocar
a frigideira com os temperos para a salada, pegar vinho fresco no porão). Aos
poucos, chegavam os trabalhadores da roça, as crianças da escola, enfim...
Era hora de lavar as mãos e almoçar. O almoço tinha sempre polenta e qual
cossa (qualquer coisa). Às vezes, molho de passarinhada, carne in banha (carne
na banha), fortaia, queijo, salame. Quando tinha feijoada, era com salada e
pronto. Quando era tortei, era tortei conçai com salame pestá (temperado com
salame moído). Sempre tinha salada, que variava muito e provinha toda da
horta. Tinha até artichoqui (alcachofra) e aspargo. Não tinha sobremesa, nem
sucos. Era vinho ou água.
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Dopo menodi**
Ajeitar a cozinha, lavar a louça e ir descansar um pouco, sem esquecer de
manter o fogo do fogão aceso e encaminhar a menestra dei fazoi (sopa de feijão)
para a janta.
Descansar, mas não muito. Nada de futebol ou barulho. A sesta do pai era
de mais ou menos meia hora, tempo de silêncio na casa e no entorno. Quando
terminava o serviço na cozinha, a mãe também dava uma deitadinha. Então as
crianças iam fazer bichinhos de barro lá debaixo do parreiral. Aqueles que es-
tudavam de manhã iam fazer os temas, ou brincar no galpão. Depois, cada um
para seu trabalho: roça, horta, escola, al paese (para a cidade). Quando chovia, o
serviço era no galpão, ou no porão da casa. Escartoçar (tirar a palha da espiga do
milho) ou debulhar milho, separar palhas de trigo para la dressa (trança), fazer
tranças de cebolas e alho para pendurar, empilhar lenha. Sempre tinha algo para
todos. A merenda era, normalmente, polenta fria com mieleta (resíduos da extração
manual do mel, que era aquecido e tinha a cera retirada) ou mel. Quem ficava
em casa cuidava dela, da lenha, guernar i porchi, dague de manhar a le galine, tor
sú le palmete par la vaca (alimentar os animais), cuidava das crianças e da janta.
Pensando na janta, o ritual era água, vinho e radichi frescos, conçar la menestra
com coece, strucar i fazui, far le taiadele, tor sú le robe, empienar le seche com l’ácua
dela ríndola e la caça de la lenha (temperar a sopa com couro de porco defumado,
amassar os feijões, fazer a massa, recolher a roupa, encher os baldes e a caixa da
lenha) com lenha grossa, fina e grinfa de pinheiro, para acender o fogo na manhã
seguinte. Então, novamente, arrumar a mesa e esperar a chegada dos homens da
roça, das crianças da escola ou de quem vinha da cidade.
A la sêra***
Quando era inverno e o tempo anunciava a possibilidade de geada, antes
de anoitecer e antes da janta, levavam-se para dentro todos os vasos de bigonhe
** Depois do meio-dia.
*** À noite.
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(folhagem), que não eram poucos, nem pequenos, nem, muito menos, leves, mas
que eram lindos. Durante o ano, tinham rotinas de época e outras permanentes.
À noite, depois de tirada a panela da sopa do fogão e colocada na mesa,
colocava-se, no lugar, a panelona cheia de batatas-doces para cozinhar. No
verão, a mãe fazia a bira, cerveja para tomar em dias especiais.
A rotina era mais ou menos assim: comprava-se o lúpulo e o fermento. Ao
longo do dia marcado, queimava-se o açúcar, fervia-se o lúpulo, lavavam-se e
colocavam-se para secar as garrafas. Preparavam-se as tampinhas, o martelo
e o tampador de garrafas. Aquele que a ajudava, tinha o direito de escolher a
mirinda, que era uma garrafinha bonita, cobiçada por todos. Engarrafava-se
de noite, depois do serviço e da reza do terço. Colocavam-se na panela, com a
mistura pronta e fria, três grãos de fermento para cada garrafa e mexia-se muito,
até desmanchar bem. Colocava-se a tampinha com a máquina própria para isso
e guardavam-se todas as garrafas no porão debaixo da escada. Esperavam-se os
dias necessários para fermentar e tomava-se em momentos especiais de festa.
94
O Éware
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Há outra questão sobre as coisas da vida, pouco faladas. Elia conta que
um dia viu a nona Buzinela perguntar à mãe se ela já tinha explicado à filha
o que era “ficar mocinha”, vánti que la chapa um sapurão (antes que ganhe
um susto). Com toda essa não fala, não escuta, não leitura, não televisão,
por não serem acessíveis, comparando com as mil formas e possibilidades
que se tem hoje, os ritos de passagem de criança para gente grande eram
assim: para os meninos era trocar brague curte com tiraque por brague longue
com mudande (calça curta com suspensório por calça comprida com cueca)
e para as meninas: doparar i corpinhi e i panesei (usar top e paninhos higiê-
nicos). Preparou Gema para o internato, assim como fizera com Ida e com
Elia antes: ensinou-a como utilizar os paninhos higiênicos. Aproveitou para
fazer isso num momento em que o resto da família estava trabalhando, na
roça. Imagine esse rito de passagem de todos os catorze irmãos comparado
com o viver do mundo de agora. Como se projetará no futuro essa velocidade
de mudanças?
Outra memória relacionada é a do dia em que Ângela estava com hemor-
ragia. Seu esposo acordou a pequena filha e pediu a ela que ficasse no quarto
com a mãe, enquanto ele ia acender o fogo para fazer um chá (que ela lembra
ser de semente de uva). Após dar o chá para Ângela, o pai perguntou à filha
se ela sabia o que era hemorragia (falando no dialeto, molesia). Ela respondeu
que não. O pai então disse “Doverissi savelo” (deveria saber).
Este espaço foi sendo construído à medida que os relatos das lembranças
e das curiosidades foram suscitados por um e outro sobre a saúde de todos
nós enquanto família de Ângela. O que se achou é como quase tudo neste
ensaio de livro: apenas fragmentos das práticas de Ângela, nossa mãe, no
cuidado com a saúde da família, aqui postos como começo, para que fiquem
registrados, e, oportunamente, alguém, quiçá, arqueologicamente, consiga
ampliar e completar.
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Plantas: ervas, cascas e óleos
Certamente não foi com apenas os seis meses de alfabetização formal que
Ângela aprendeu a fazer tudo o que era necessário para criar os catorze filhos.
A maioria das doenças que tivemos ela tratava em casa, a não ser tifo, difteria
e apendicite. Seguem algumas das inúmeras práticas de uso:
Radicci coti, principalmente com as raízes e folhas dos piça cán, conhecido
como Dente de leão, e registrado com o nome de Tanacetum vulgare, nada se
perde. É considerado santo remédio. Até as crianças o comem brincando de
fazer caracol na boca com o ‘canudo’, o caule. Você nunca fez? Experimente.
Vai gostar da brincadeira, do gosto um pouco amargo e da arte competitiva e
divertida. Funcho, para aliviar dor de barriga das crianças, ou também óleo
de madurana, quer dizer manjerona, amornado e usado como emplastro na
barriguinha de crianças, em seguida enfaixadas. Linhaça para fazer chá, ou
uma colher das sementes, num copo, após uma noite na água, tomado em
jejum. Utilizava-se como primeiro socorro para retirar corpos estranhos dos
olhos e colocar no bevaron para a vaca dar mais leite.
O chá da casca de romã era utilizado para cura da disenteria. Se usava
chá de sementes de uva para estancar hemorragias uterinas. Chá de catinga
de mulata para problemas de fígado em adultos. A parte suculenta da folha
do figo da índia era colocada sobre machucado e furúnculos. Se tomava chá
da Sálvia pela manhã ou para problemas de digestão. Fazia-se lícia, chá das
cinzas da boa lenha do fogão, para lavar cabeça, limpar as mesas e a louça.
As limas eram colhidas e guardadas numa cesta para serem usadas como
remédio, tanto o suco como a casca, fresca ou mumificada. Da casca fazia-se
chá ou suco; a fruta, para comer. Da maçã e do marmelo fazia-se parseque e
então fazia-se chá para tratar de disenteria e/ou alimentar os doentes. Do nó
de pinho se usava o carvão na água para purificá-la, ou a brasa para tratar
dor de barriga; colocar na xícara da água fria para purificar, bem como para
oferecê-la aos doentes ou a quem chegava em casa muito suado, e ainda colo-
car no café quente para dar gosto bom – sem esquecer de colocar também no
chá de folhas de laranjeira. Da camomila fazia-se chá e/ou compressas para
cólicas de nenê, compressas em inflamações.
97
Para verminose havia alguns ritos. Usava-se hortelã, aquela peluda, chá
de sene ou de losna, óleo dei vermi, óleo de rícino, chá de arruda, tudo em
jejum. Tinha ritos específicos para as crianças menores e crianças maiores. O
salamargo era periodicamente tomado pelos adultos para purificar o sangue.
Esses cuidados eram sempre acompanhados de dieta e relativo repouso. Fazia
parte, às vezes, caldo de galinha e pão, sopa e panada, como era costume, para
nutrir doentes e enfraquecidos. Para os mais fracos, era comprado Emulsão
de Sccott, Biotônico ou Sadol para fortificar.
98
Para curar sapinho, monilíase, levava-se a criança de manhã cedinho na
fonte para lavar a sua boca, usando um paninho branco enrolado no dedo e
mergulhado em água corrente. O cuidado era repetido no dia seguinte.
Na ameaça de desmaio, embebia-se em vinagre um paninho, que era co-
locado perto do nariz, para que fosse inalado.
Para tirar cansaço das pernas: deixar os pés mergulhados na água morna
com vinagre e sal grosso.
Gota de cachaça era posta no café preto, para aquecer quem estivesse com frio.
Sal grosso era posto no bolso da calça para curar íngua.
Tijolo aquecido no forno do fogão a lenha, enrolar em panos e colocar sob
os lençóis, para mantê-los aquecidos.
Ouviu-se falar no mal del smioto. Dizem que é mal de reza, mas esse nunca
atacou ninguém na nossa família.
Tempestade: Quando havia ameaça de temporal se faziam três coisas:
acendia-se uma vela benta, sobre o taolim, na salinha onde tinha o quadro de
Santa Bárbara, que é protetora contra as tempestades; espalhava-se água benta
pela janela de onde o temporal era visto; queimava-se ramo bento, no fogo,
para proteger dos raios. Os mais antigos dizem que a mãe também colocava
na janela uma camisinha do nenê, para aumentar a proteção.
Todos nós, os filhos de Ângela, um por um, cada um a seu tempo, fomos
introduzidos e conduzidos às práticas religiosas da Igreja Católica, sem dúvidas
nem questionamentos. Era a única religião. Ela se fazia presente de todas as
maneiras, em todos os setores. Era o único caminho para a salvação. Com o
tempo, cada um foi compreendendo, de seu modo, os ritos e a espiritualidade.
Havia muitas vocações e várias pessoas da família se tornaram religiosas.
A Igreja era muito respeitada, assim como tudo o que advinha dela. Na
Religião Católica, o processo de entrada, os ritos, e a sequência do recebimen-
to dos sacramentos eram mais ou menos assim para todos: batismo, crisma,
99
primeira comunhão, confissão e comunhão, missa e ritual de confissão e
comunhão nas nove primeiras sextas-feiras do mês, sem interromper. As
privações, desrespeitá-las era pecado.
Siqueris
Era uma das rezas que a mãe fazia e resolvia, mas a gente nunca tentou
entender. Funciona. É só botar fé. Era uma oração rezada pela mãe quando
se perdia algum objeto.
Quarentina
É o período de quarenta dias, a partir do nascimento de um filho, quando
a mãe permanecia em recolhimento (tanto quanto fosse possível). Alguns
dos costumes nesse período eram de não se lavar a cabeça e de abster-se de
alguns alimentos. A mãe usava o terço no pescoço para proteção. Tão logo
pudesse, nesse período, ela ia à igreja. Ficava lá atrás, no fundo da igreja, e
mandava chamar o padre para receber a bênção de purificação (qual seria o
significado?) e, assim, se liberar para receber os sacramentos, a confissão, a
comunhão e assistir à missa.
Batizado
Era dever dos pais levar a criança recém-nascida para ser batizada, pois,
assim, deixava de ser pagã e passava a ser membro da Igreja. O gesto de der-
ramar água sobre a testa da criança e traçar sinal da cruz era o sinal visível
do sacramento. Morando lá na colônia, por muito tempo, pela Igreja, ora se
pertencia a Ipê, ora a Antônio Prado; os mais antigos, a Vacaria, quando Ipê
ainda não era emancipado. Prova disso é que alguns dos filhos de Ângela,
meus irmãos, estão com registro de batismo na paróquia de Antônio Prado,
outros na Igreja de Ipê e alguns em Vacaria. Para batizar as crianças, às vezes
ia a mãe, outras vezes, um irmão mais velho. Elia conta de ter levado o Luiz
para a Igreja de Antônio Prado, para batizá-lo. Ela lembra que, após batizado,
ao chegar em casa, a mãe fez o sinal da cruz sobre a criança. Antes não podia,
porque era considerado pagão, sem alma. Tinha um ritual de acolhimento
100
dos padrinhos, de quem não me lembro bem. Para o batizado, a criança era
vestida com uma longa túnica de cetim, que foi a mesma para todos.
Crisma
Era uma ocasião muito especial, pois era o bispo quem comparecia para
realizar o cerimonial. Ficava marcado na lembrança o tapinha dado pelo bispo
no rosto do crismando.
Primeira comunhão
Para a primeira comunhão era preciso se confessar, estar em jejum de
24 horas e passar no exame que o padre fazia interrogando a criança, que,
para isso, tinha aula de catequese, geralmente lá na capela da Salete. Eram
escolhidos padrinhos, homem para menino e mulher para menina. A roupa
tinha que ser toda branca para a menina e, para o menino, calça comprida
preta e camisa branca. Para nós, meninas, a primeira sandalinha e, para os
meninos, o primeiro sapato. A gente se vestia na casa de uma família, perto
da igreja, e, depois, na volta para casa, parava em algum lugar para comer o
pám bom que a mãe preparava para celebrar, pois todos estariam em jejum. A
volta para casa, com raras exceções, era feita a pé, bem como a ida.
Missa
Sempre que podia, a mãe Ângela ia à missa, e sempre conduziu os filhos,
após a primeira comunhão, a irem à missa nos domingos e nas festas de guarda,
como reza o catecismo. Ia-se con le scarpe in man e le metea sú in paese! Na entrada
da cidade, numa casa de família, lavavam-se os pés e colocava-se o calçado, para
então ir à Igreja, repetindo o rito na volta. Nós, crianças, nem sempre compre-
endíamos os ritos, seja o de economizar, seja o de rezar, mas, para ela, acredito
que sempre foi muito claro, seja na obrigação, seja na espiritualidade. Lembro-
me bem de quando vinha me visitar, em Porto Alegre. Ela ficava contente por
poder ir à missa, pois a Igreja era perto e de fácil e seguro acesso. Participando
da missa de HOJE (27/04/2014), escutando bem o sermão do celebrante, me
parece que dá para dizer que, como Jesus é o CRISTO, Ângela é MÃE.
101
Semana Santa
Quinta-feira, era dia de ir à cerimônia do lava pés. Era longa. Voltava-
se para casa tarde da noite. Na sexta-feira, levantava-se cedo para colher
a marcela antes do sol nascer, para ficar benta****. Às nove horas, laváva-
mos os olhos em silêncio e, de tarde, íamos para a igreja para a via sacra
e a procissão de Jesus morto, Al vendre santo se comia el bacalá com pán
grata. No sábado íamos na igreja para o rito da bênção do fogo e da água.
No Domingo de Páscoa, íamos à missa. Mais tarde, depois do Concílio
Ecumênico Vaticano Segundo, a missa do sábado de tarde passou a valer
para o domingo, então tinha a missa do ALELUIA no sábado de noite. Dopo
Vaticano II, que gá fato valer la messa de sábo de sera, tutti i ndea a messa sabo
par domenega de matina ndar caçar de schopo o de fionda. Bom mesmo era
o domenega guera el unico di che se manhea pan de matina; la mai derfea dô
una tchopa de pan tel cadin, butava sú un bule de café e late, metea in mezo
la cozina e tré a quatro ,e dele volte, depi, putei in torno com gutcharo in man,
maghea fin de crepar la pança.
**** Na Semana Santa, aqui no Rio Grande do Sul, tem o ritual da colheita da mar-
cela. Marcela: seu nome científico é Acyrocline satureioides. Planta medicinal nativa no
Rio Grande do Sul. A flor tem princípio ativo biológico com poder medicinal, muito
utilizado no contexto familiar como digestivo. A Tradição manda colhê-la na Sexta-
-Feira Santa pela manhã cedo, para que fique benta. Interessante lembrar porque
a Páscoa não tem data fixa como o Natal, por exemplo. E o que a marcela tem a ver
com isso? Anualmente, o Carnaval é programado em função de calcular os próximos
quarenta dias, da Quaresma, para a Páscoa, de modo que, na noite da Quinta-Feira
Santa, tenha lua grande no céu. Sabendo-se que a lua tem ciclo de 28 dias e, que as
plantas também têm o seu ciclo e seu momento de plenitude, percebe-se que o período
de maturação da marcela nativa no sul do Brasil coincide com a lua de março-abril.
Assim, no calendário da religião católica, contabiliza-se a necessidade de lua cheia no
céu que coincida com o texto bíblico da iluminação pela lua, no Horto das Oliveiras
que facilitou a identificação de Jesus para que os soldados cumprissem a ordem de
prendê-lo. É o que sei. Observei em minha família que a variação da data da Páscoa
variou de 26 de março em 1989, aniversário de meu filho, a 20 de abril em 2014,
aniversário de Adroaldo. Assim, a marcela, seguindo seu ritmo biológico, sem religião,
neste ano amadureceu antes da Sexta-Feira Santa. Resta aos usuários e aos devotos
adequar suas crenças e práticas de colheita e de uso para que nada se perca.
102
Siriola
Dia dois de fevereiro é dia do Sírio de Nazaré – por isso Siriola. As pessoas
vão à igreja para benzer as velas e alimentos não perecíveis. Lá em casa, a mãe
costumava comprar as pastilhas, que eram doces, em rodelinhas pequenas,
baratas, coloridas e secas. No dia do nascimento de cada filho, acendia-se uma
dessas velas bentas e deixava-se que elas se consumissem por inteiro. Mediante
alguma ameaça, era dado de comer um pedacinho dessas pastilhas.
Natal
No Natal ia-se à missa do galo e deixava-se algum alimento para o burrinho
que traria o menino Jesus com os presentes. Sobre o natal, nós crianças tínhamos
muitos sonhos e fantasias. Na pobreza, confiava-se, através de rezas, os pedidos
ao menino Jesus, que incrível e raramente atendia, mas, milagrosamente, não
decepcionava. Para cada um de nós, a desmitificação foi de maneira diferente.
Não sei dos outros. Lembro-me da minha, da do Alcides e da do Hilário. Comigo
foi assim: já morando na casa nova, lembro-me de que estava na horta limpando
os canteiros de cenouras quando a mãe apareceu com uma sacola de coisinhas
compradas, algo raro na época. Ângela abriu o pacote e mostrou-me um tecido
verde que havia comprado para me fazer um vestidinho, dizendo que Papai Noel
e Jesus, na verdade, não trazem presentes, e que eram ela e o pai que faziam
tudo aquilo no Natal. Aí fui correndo contar o feito para meu irmão mais velho
que eu, que estava na cozinha e ainda não sabia dessas coisas. O outro irmão
contou que lembra que era 24 de dezembro quando ele foi buscar pasto para
o burrinho, que traria o menino Jesus e também os presentes de Natal, e que
Elia apareceu e lhe disse: “Deixa pra lá! Não existe Papai Noel. São só o pai e
a mãe, e esse ano não vai ter nada porque deu problema com a colheita”. Até
então, com nove anos, ele diz que não sabia de nada.
Para os adultos, que não ganhavam nada no natal, a esperança de ganhar
presente era na Pifania, dia da chegada dos reis magos em Belém, colocavam
um calçeto picá sú, pé de meia pendurado, para ver se ganhavam alguma coisa.
Se bem comportados, ganhavam algumas moedas, se nem tanto, ganhavam
algo relativo ao esperado. Lembro que uma vez alguém achou, dentro da sua
meia, um sabugo e um pedaço de sabão.
103
Come se parlava: do que era, o que ficou do que veio.
104
Despertou o interesse em saber como viviam nossos ancestrais, como
nasciam, de que morriam, quais eram seus sonhos. Se, vindo para o Brasil,
fortaleceram--se ou enfraqueceram-se. O que temos ainda em comum: o nome,
o sobrenome, as feições, os vícios, as virtudes? As raízes que nos alimentam,
onde estão?
A maioria dos possíveis informantes já não está entre nós, mas, mesmo
assim, do que se sonhava, foi possível montar uma amostra da modulação da
cultura e da língua italiana no movimento migratório e histórico abordado
nesses escritos. Modulação representada pelo dialeto vêneto falado pela nossa
família (por ser origem das famílias de Ângela e também da de Vitório), o
dialeto vêneto lá na Itália, a língua italiana e a tradução à língua portuguesa.
O dialeto da família de Ângela e o da família de seu esposo Vitório, nossos
pais, misturados pela convivência, é o que nós, os filhos, aprendemos em casa.
Ele não possui registros escritos, a não ser esses que tento rabiscar.
Por isso a escrita das palavras e ou expressões lembradas do tempo de con-
vívio em família, abaixo relacionadas, tomam este formato escrito. Percebe-se
que não corresponde à dos dialetos do Vêneto, que também não tinha registros
escritos. Esses foram apresentados por Piazza (1998), em Cussi' i se ciamava,
livro sobre o dialeto vêneto: “Il dialeto vêneto, come tutti i dialetti, è una lingua
parlata e non scritta, né codificata in grammatiche e in regole sintattiche e responde
essenzialmente al bisogno di comunicazione verbale”.
A cultura italiana dos imigrantes da família de Ângela e seu eco, na quarta
geração reverberando nas memórias e nas conversas em família: o que pude-
mos trazer a esse livro.
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Dialeto Dialeto da família Lingua portuguesa
Língua Italiana (Piazza,
Vêneto Geral Ângela e Vitório no Brasil
1998)
(Piazza, 1998) Conte (Gema, 2014) (Gema, 1998)
Ajo Aglio Aio Alho
Ajo de Can Colchico Aio de Can Alho-Poró
Ànara Ànatra Anaremute Pato
Articiòco Carciofo Articioque Alcachofra
Àșeno Asino Burro Burro
Àva Ape Ava Abelha
Bacaļà Baccalà Bacalá Bacalhau
Barbastrìgo/ Pipistrello Babastrio Morcego
Barbastrejo
Bașilicò Basilico Basaricó Manjericão
Bissa Biscia Bissa Cobra
Bò Bue Boi Boi
Bonbaìstro Assenzio Masarina Artemísia/Losna
Brèspa Vespa Brespa Vespa
Brùgna Prugna selvática Brunha Ameixa silvestre
Bùtoļa/But Lombrico Minhoca Minhoca
Can Cane Can Cão
Cantarèļa Cicala Cigala Cigarra
Cassia Acacia Cassia Acácia
Cavàl Cavallo Cavalo Cavalo
Cavaļèta/ Saltarela/
Cavalletta/Locusta Gafanhoto
Cavaéta Cavaleta
Ciaréto Lucciola Ciareto, Usarole Vaga-Lume
Cròta/Cròte Rospo Rospo Sapo
Drìo Vicino Darente Perto
Fenòcio Finocchio Finoccio Funcho
Formento Frumento Formento Trigo
Galìna Gallina Galina Galinha
Poļàstro Gallina non ovaiola Polastra Galinha jovem
Gànbaro Gampero Gambro Caranguejo
Gàto/Gat Gatto Gato Gato
Insàlvia Salvia Salvia Sálvia
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Dialeto Dialeto da família Lingua portuguesa
Língua Italiana (Piazza,
Vêneto Geral Ângela e Vitório no Brasil
1998)
(Piazza, 1998) Conte (Gema, 2014) (Gema, 1998)
Lièvero/Lièvaro Lepre Lebre Lebre
Lin Lino Lin Linho
Lumèga/Lumàga Lumaca/Limaccia Rumega Lesma
Magnàr Mangiare Manhare Comer
Méjo Miglio Milho Milho
Mi Io Mi Eu
Narànsa Arancia Narança Laranja
Nèspoļa Nespola Nespola Araçá
Nogàra Noce Nogara Nogueira
Oràro Alloro Oraro Louro
Oxèllo Uccello Uzelo Pássaro
Peràro Pero Peraro Pereira
Pevarón/Pearón Peperone Pevaron Pimentão
Pin Pino Pin Pinheiro
Pomàro Melo Pomaro Macieira
Pómo ingranà Melograno Pomo ingraná Romã
Porseļeto risso Porcospino Porcospin Ouriço
Porsèļo/Porsèo Maiale/Porco Porquinho Porquinho
Radìcio de can Tarassaco Pissacan Dente-de-Leão
Ràna Rana Rana Rã
Ranabùto/ Girino Ovo de Rospo Girino
Ranabùtoļo
Rùa/Rùda Ruta Erba Ruda Arruda
Sardèla/Sardèa Sarda/Sardina Sardela Sardinha
Ségoļa/Séola Cipolla Ciola Cebola
Stropèr Salice viminario Stroparo Vime
Sùca Zucca Suca Abóbora
Sucòļo Zucchina Suculo Mogango
Ua Uva Ua Uva
Uncuò Oggi Oncô Hoje
Vàca Mucca/Vacca Vaca Vaca
Vedéļo/Vedèo Vitello Vedeleto Terneiro
107
Recordando um pouco mais: o pão nosso de cada dia.
Falando em pão
Lá na colônia, ao lado da casa, ainda está o forno, exalando em nossas
lembranças aromas da vassoura verde, do cheiro do pão assado, das batatas-
doces, dos amendoins e, com muita doçura, d’el pám bom (cuca) do Natal. Era
mais ou menos assim: uma vez por mês, alguém pegava a mula e levava o
trigo para o moinho. Semanal ou quinzenalmente se fazia o pão. No primeiro
dia, preparava-se o forno e botava-se lenha seca nele; de noite, preparava-se o
fermento da garrafa e os escartocis (as palhas da espiga de milho sobre as quais
se colocava os pães para assar). No segundo dia, empastava-se o pão, dentro da
mesa, que era uma caixa de madeira feita só para essa finalidade. Amassava-
se bem, cobria-se e deixava-se levar (fermentar). Quando bem fermentado,
108
faziam-se as chópas de pám (os pães), que eram colocadas sobre os escartocis
e cobertas com pano leve para fermentar, novamente.
No tempo de uva madura, a mãe fazia, além dos pães, as colombete, pãezinhos
recheados de grãos de uva, para as crianças. Feito isso, acendia-se logo o forno,
deixava-se o fogo até todos os tijolos do forno ficarem da cor branca. Dali, então,
retiravam-se as brasas e varriam-se as cinzas com vassourinha verde, que deixa
cheiro de capoeira, pela ciência chamada de Baccharis dracunculifolia DC. Além
de aromática, ela tem princípios ativos medicinais. Uma vez limpo, testava-se
a temperatura atirando dentro um scartoço, fechando um instante o forno para
ver se está na temperatura certa de colocar o pão. Se não pegasse fogo, estava
no ponto. Trazia-se logo a tábua com os pães, que eram descobertos e postos,
um ou dois de cada, vez sobre a paleta e, então, dentro do forno. Fechava-se
bem a porta, na frente, e o respiro, atrás. Controlando o tempo e o cheiro que
saía pelas frestas do forno, abria-se o respiro e espiava-se a cor do pão. Estando
colorido, abria-se a porta e retiravam-se o os pães, da mesma forma como foram
colocados. Eram postos na cesta, cobertos e guardados pendurados in cantina
(porão). No forno, para aproveitar o calor restante, quando tinha, botavam, ime-
diatamente, batatas-doces para assar ou amendoim para torrar. O pão era coisa
quase sagrada. Comê-lo era prêmio ou comida de doentes. Às vezes, escolhia-se
a segunda opção para ganhar a primeira.
Os caminhos do leite
A lida com a vaca de leite e derivados era com a mãe, com raras exceções.
A começar pelo começo: Ângela ganhou, de herança de seus pais, uma vaca.
Pelo que se sabe, dessa vaquinha foi tirado o leite que ajudou a criar alguns
de nós enquanto crianças. Talvez tenha sido a primeira vaca da nossa família.
Era tarefa dos pequenos prover o pasto fresco para alimentar a vaca enquanto
ela dava leite para o bezerro. A mãe tirava o resto do leite para nos alimentar,
para fazer queijo, o butiro (manteiga), e a puína (requeijão). O soro, às vezes,
era tomado para aliviar constipação intestinal e, outras vezes, utilizado para
fazer o bevaron, alimento para animais.
109
Bem, mas havia uma certa rotina nessas lidas. De manhã e de tardezi-
nha o ritual se repetia. Parecia complicado, mas era mais ou menos assim
no ciclo de um dia, todos os dias da semana, a começar por “de noite”. De
tardezinha, era preciso separar o terneirinho da vaca; pela manhã, cedinho,
a mãe ia tirar o leite da vaca. Para isso, tinha que dar pasto fresquinho ou
bevaron. Só então o filhote era solto para mamar um pouquinho, até a vaca
soltar o leite. Quando ele começava a babar, era sinal de que o leite já estava
sendo liberado. Então era necessário separá-los imediatamente, amarrar as
pernas traseiras da vaca, lavar bem as tetas e fazer a ordenha manual, acoco-
rada. Após tirado o leite necessário, as pernas eram desamarradas, as tetas
devolvidas para o filhote, e ambos eram soltos no potreiro, onde ele corria,
pulava e brincava muito, enquanto a vaca pastava. Umas horas depois, nós,
as crianças, tínhamos que, com muita arte, separar o terneirinho, levá-lo na
estrebaria, dar-lhe comida e, à noitinha, recomeçar. Para nós, crianças, essa
tarefa era motivo de diversão.
Bem, o leite no balde também tinha seu ritual. Ele era posto num pano
branco, de saco de farinha ou de sal bem limpinho, só utilizado para esse
fim. Depois era despejado numa bacia, amornado e deixado serenar. Depois
de dormido e serenado na janela do quarto, a nata era tirada e eram feitos o
queijo e, com o soro, a puína. Com a nata fazia o butiro, para vender e comprar
mantimentos para a casa, assim como se fazia com as hortaliças.
110
aprendendo as lidas e o manejo correto em todas as etapas. A primeira colheita da
uva era para o vinho de consumo, a segunda, para vender, e a última, para vinho
novamente. O dia de fazer vinho era muito esperado por nós, crianças, pois, além
do vinho doce, se fazia o súgulo, que é feito com o mosto (o suco da uva exprimida).
Se fazia como se fosse a polenta, só que, no lugar da água, se coloca o mosto e, no
lugar da farinha de milho, se coloca farinha de trigo. Uma vez cozido, era posto
em bacias, guardado, e comíamos em fatias, como merenda.
O ritual era mais ou menos assim:
Tinha uma bote, tipo de pipa em que se armazenava o vinho e vários bi-
guncci, vasilhames utilizados para transportar a uva para vendê-la na cidade
ou, quando longe, levá-la até in cantina, strucá-la (para fazer o vinho doce e
depois o vinho, a pérola do pai) e, com as graspe, fazer o vinagre. Parte se ven-
dia para fazer a cachaça, chamada de graspa. Tinha também uma bordalesa,
que era o lugar onde se coletava o vinho depois de fermentado; um quinto, ou
seja, um tinasso, o vasilhame grande de madeira, onde era fermentada a uva
depois de ser strucada; uma sotospina, utilizada para stravazar o vinho, feito
dentro de uma rotina e em dias de temporais, quando os trovões faziam tremer
o vinho nas pipas. Tão logo o tempo melhorasse, todo vinho era stravazado,
para assegurar a qualidade.
No porão, perto da sotospina, sempre ficava el goto, copo de vidro grosso
para quando vinha visita de homens. Eles eram recebidos no porão e lá era
servido vinho diretamente da pipa. Era o prazer do pai oferecer o bom vinho
que fazia; considerava-se o local o melhor da região.
111
cozinhava os sarvei rosti (cérebro frito), acompanhados com polenta. Para os
adultos, serviam a metade da cabeça assada. Com o lardo, se fazia a banha,
e, com o couro, as coece, para temperar a sopa de feijão da janta. Com o que
sobrava, confeccionava-se o sabão. As carnes e os ossos que sobrassem vi-
ravam carne in banha (carne armazenada na própria banha do porco, como
forma de conservá-la, pois não havia geladeira) e eram guardados no armá-
rio próprio da cozinha, chamado de scardença. A mãe tinha participação
especial na produção dos salames e codeguins (salames feitos com uma
mistura de couro, carne de porco e muitos temperos). Desde a compra de le
tripe (tripas secas para fazer os embutidos) ao preparo na véspera: moía-se
a carne, picava-se alho, moía-se pimenta e misturava-se a carne com um
pouco de carne de gado comprada na véspera. Quando compradas as tripas,
embutidos eram feitos, amarrados, pendurados e defumados. Enfim, dia de
matar o porco, trabalho para toda família, inclusive para lavar le buelle (as
tripas para fazer o sabão).
112
Lazer, estudo e ócio criativo
113
17. Balanço com corda pendurada nos galhos de árvores;
18. Subir pelo tronco das pitangueiras, ou cerejeiras, e descer pelas
pontas dos galhos;
19. De noite caçar i foguete e le usarole, os vagalumes;
20. Fazer e andar de pernas de pau;
21. Fazer scarpe de scartocis, sapatos de palha de milho;
22. Jogar joão bobo;
23. Colecionar bichinhos de resina de acácias;
24. Jogar cartas, jogo com o baralho;
25. Jogar com bolete de barro ou bolinha de gude;
26. Brincar de peteca, feita com sabugo de milho e três penas de galinha;
27. Brincar de bola, futebol com diferentes tipos de bolas;
28. Brincar de schopeta feita de taquara ou de madeira com balas de encaixe;
29. De balánço, balanço com a soga do arado;
30. Brincar com a funda, feita com borracha de câmara de bicicleta;
31. Brincadeiras de roda (mais na escola);
32. Pega-pega;
33. Carrinho de lomba;
34. Sbriciar com la canoa dele palmare (escorregar sentado na canoa do
cacho de coquinhos da palmeira);
35. Su e zõ in tel barranco (Olha o Mário!);
36. Stricion de fogo (arrodear rapidamente no ar, nas noites escuras para
fazer círculos de fogo);
37. Esconder-se no paiaro;
38. Desenhar na terra;
39. Adivinha;
40. Cinco marias;
41. Pular corda;
42. Pular distância;
43. Cobra cega.
114
Incrível! Quase cinquenta brincadeiras, ou ocupações prazerosas, para quem,
às vezes, pensa que não teve infância. Maravilha. E isso que não foram contabi-
lizadas aquelas como birô birô biro, que se fazia com os nenês, mexendo com o
dedo indicador no lábio inferior, fazendo os nenês rirem muito. Naturalmente,
a gente, criança um pouco maior, também se divertia. Fora outras situações
em que carregávamos os nenês nas costas, segurando-os pelas pernas, eles
agarrados no nosso pescoço e passeávamos daqui e dali. Ah, e o ioiô feito
com o carretel de linha: colocávamos barbante encerado num botão grande e
puxávamos, fazendo ele rodopiar com velocidade, fazendo um zum-zum. Na
malandragem, se aproximava aos ouvidos dos outros para puxar os cabelos.
Que mais? Hum, os bichinhos de rasa, que se faziam lá nas acácias com a
resina dos troncos das árvores velhas? E aquelas brincadeiras que às vezes
acabavam em brigas, quando a gente pegava carrapichos no potreiro ou na
roça e se atirava, um contra o outro, ou, discretamente, colocava nas roupas
do outro? E o burro que carrega não sabe o que leva?
115
cartas, as mulheres e as crianças liam esse livro, escrito no dialeto regional
dos imigrantes, que tratava do cotidiano dessas famílias assentadas na região
de Caxias do Sul, nossos ancestrais. A expressão “Eia morena, rega bragado...”
faz recordar o início da primavera, quando vozes de comando dos homens
da roça, com as mãos firmes no arado, no final do inverno, compunham a
sinfonia da roça, conduzindo as duplas de animais que o tracionavam naquela
terra cheia de tocos ainda encarvoados pelas queimas das árvores derrubadas,
para o plantio e o cultivo de sobrevivência nas novas terras. “Arco zio... Arco
madóia!” e outros arcos sagrados cruzavam seus ecos com os vizinhos dis-
tantes, nas mesmas lidas, nas montanhas sem fim. As lidas com os animais
no preparo da terra para os cultivos da próxima estação eram trabalho duro,
tanto para o condutor do arado como para a dupla que o tracionava (com raras
exceções, como o burro, lá na colônia, que, por estar só, era conduzido por
um dos meninos que o puxava por uma corda). Era preciso deixar a terra
preparada para quando chegasse a lua nova de setembro, quando definia-se o
que plantar, orientados pelos ancestrais, que diziam: “La luna setembrina,sete
lune la indivina”( a lua de setembro define as próximas sete luas).Era o que
sabiam, foi o que aprenderam de seus pais. Foi o que fizeram, enriquecendo
os confessionários nas missas dominicais, pelos santos nomes profanados,
quiçá nem sempre em vão.
Mas Ângela e Vitório sabiam também que o estudar poderia ampliar o
arco da vida, da esperança e do futuro de seus filhos, que eram tantos e a
terra tão pouca. Para levá-los mais longe, a sonhar com uma vida melhor, à
medida do possível (ou quase do impossível), alguns, a começar pelas meni-
nas, foram sendo liberados para estudar no internato e seguir sua vocação.
O estudar levou-nos a conhecer novos arcos, que oportunizaram abrir
novos horizontes, horizontes, esses, que permitiram enxergar melhor as cores
dos novos arcos da vida. Ler levou-nos a alimentar mais sonhos. Os estudos
levaram-nos a outra dimensão do conhecimento e a perceber a importância
do registro desta História arqueada em torno de Ângela, ref letindo as cores
de cada descendente, que, aqui, se expressou diretamente, ou através de seus
respectivos familiares presentes, nessa construção centenária.
116
Vida feita, sementes semeadas no inconcebível do tempo dos pés descalços,
outros arcos se forjaram na coletânea da vida de cada um de nós. Para mim,
aquele Arco zio foi se distanciando como o eco nas montanhas, retumbando lá
adiante em arco e flecha, Arco do Triunfo, Arco de Constantino... Arcos esses
e outros, incrivelmente desencontrados no tempo, mas que levam a lugares
onde o coração palpita com emoções contidas num passado alimentado por
sonhos e duras realidades, trazidas até aqui pela escrita, pela história oral e
pelas vivências que deram suporte à caminhada da vida de Ângela, à nossa
e às dos descendentes, de alguma forma aqui apenas iniciado o seu registro.
O sonhar nos trouxe até aqui. Aqui onde se pode olhar para trás e ver de
quantos arcos somos feitos, quanto se andou, quanto se viveu nesta pátria
amada Brasil, mesmo antes de nós, nos sonhos de nossos ancestrais. Arco
após arco, se íris ou baleno, do triunfo ou do Constantino. Se besteme, (peca-
dos) confessaram. Se sonhos, alimentaram. Aqui nos arqueamos agradecidos
sobre nossos ancestrais e lançamos essa bênção para nossos descendentes.
A criação deste livro guiou-nos às nossas raízes, fortalecendo-nos como
família intercontinental através dos nossos ancestrais e de nossa ciência. Na
curva deste arco nos permitimos escrever festivamente esse livro, misturando
ciência e pancháne (conversas), como se fosse um encontro de filó (serão), ou
um piquenique, lá no mé (morrinho de grama existente no potreiro, além do
açude, ao qual a mãe nos liberava para ir, nós crianças. Como se fôssemos
montar num burrinho imaginário, íamos felizes sentar para cavalgar sonhos
nas tardes ensolaradas de domingo).
Vale dizer agora que escrever um livro sobre a imigração italiana no recorte
de uma pessoa, a Ângela, parecia simples. Não foi simples, mas foi suavemente
terapêutico. Montar a árvore genealógica, um fluxograma de eventos, encontrar
cada filho, cada irmão, deu a sensação de que nos tornamos mais fraternos.
Na verdade, não foi uma história contada; a proposta não era resgatar fatos
perdidos no tempo. O desejo era de encontrar, no vivido, sinais, marcas, práti-
cas e lembranças boas, com significados subjetivos e objetivos, enraizados na
ancestralidade, a que pudéssemos associar a longevidade de Ângela e a longa
e saudável vida de seus catorze filhos criados, atribuindo-lhes importância.
117
Assim, o processo foi como quando, diariamente, no início da tarde, pe-
gava-se um punhado de feijões para cura-li, quer dizer, retirar as sujidades,
para, dia após dia, fazer a menestra (sopa), para o jantar. Eram muitos tipos,
cores e formas de feijões. Muitos elementos misturados. Potencial incógnito
como num baú velho, deixado num canto do quarto, no sótão ou no porão,
em que se podem encontrar retalhos, roupas velhas, retratos, relíquias, teias
de aranha, fantasmas, lembranças e outros, porque, nele, por muito tempo,
muitas coisas foram silenciosamente colocadas pelas contingências da vida
da família e de cada um.
Quem se lembra, por exemplo, do Moisés, que foi feito com calça velha de
adulto enchida de feno, costurada na parte de cima, com as pernas amarradas,
para, em conforto e segurança, acondicionar os filhos? Assim, enquanto acorda-
dos, podiam ensaiar ficar sentados. Era colocado no chão, e, entre essas pernas
estofadas com feno, o bebê, ainda sem muitos controles, ora deixava a cabeça
cair para um lado, ora pro outro, em segurança e confortável. Quem lembra
disso? Como é hoje na tua família? Tu sabes como fostes cuidado enquanto nenê?
118
Depreendeu-se, com isso, que é bom saber-se desperto, ciente de pertencer
à vida em ciclos sem fim, interligados e ativos. Desperto e atento sobre a neces-
sidade urgente de vivificar as práticas ancestrais, não só nessa família, recorte
dessa pesquisa, mas estimulando todos a buscarem conhecer seu passado,
compartilhando suas ideias, oportunizando a expressão de suas lembranças
e ajudando-os a compreender a força vital que vem da raiz.
É possível que, nesse livro, a ciência possa ser considerada o pote de ouro
onde nasce o arco-íris, mas no outro lado está o pote das tradições ancestrais
onde surge o arco baleno, caminhos pelos quais navegamos para a constru-
ção desse centenário documento familiar, memória viva de um tempo em
que não se usava a escrita. Mesmo assim, a vida compartilhava seus ciclos,
enquanto a natureza se alimentava, sustentável, prevalecendo o trabalho e
as silenciadas práticas culturais.
As famílias viviam a esperança de um futuro melhor, de um porto seguro
no qual todos nós desejamos atracar um dia, avançando com a consciência
de que está acertando o passo no compasso do que está posto há milênios.
Algo disso tudo está aqui, apenas como ponto de referência de uma família
do além-mar enraizada nas terras novas da América, que cresceu sob a luz da
silenciada sabedoria ancestral no despertar da ciência.
Acredita-se que arcos de experiências estão se formando um após outro
em ciclos sem fim, interligados. Partimos dos ancestrais Alpinos Dolomíticos
de Ângela, gerando novo ciclo quando decidiram deixar a Itália para virem ao
Brasil. Novamente, com Ângela, ao se casar e criar catorze filhos (como esse
momento, celebramos, com alegria e gratidão, seu centenário, seus feitos e
lembranças, de algum modo materializados neste livro). Quem sabe, novo
ciclo, nova porta que se abre, novo movimento, novo arco, nova ciência, nova
onda, enfim... Vivos, visíveis ou invisíveis, agradecidos, ressignificando, no
ciclo de cada um, o passado de Ângela no presente.
A transversalidade de Ângela nos fatos e registros deste livro mostra-nos
do quanto somos capazes quando empreendemos com sabedoria, energia e,
acima de tudo, com afeto.
119
... nem tão distante.
Vamos ver ?
As Lembranças
Ângela na Lembrança
de seus Catorze Filhos
Ari Hildo
22/10/1954 01/05/1957
Heredogramas
125
Olímpio
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servir de aquecedor, embaixo dos lençóis, nas noites de inverno. De fato, aquele
tijolo quente era enrolado em um pano e mantinha a cama e a nona aquecidas.
Era muito religiosa. Quando a saúde ajudava, ia à missa. Seu capricho com a
aparência para sair de casa também era destaque. Possuía uma vaidade singela.
Sem exageros. Próprio para uma senhora. Cabelos presos. Vestidos sóbrios.
Meu irmão, Ivan, tem a lembrança de uma expressão, usada com muita
frequência pela nona Ângela, quando alguém fazia algo errado: “Tem que dar
o desconto”. Significava, na prática, relevar. A virtude da tolerância foi, sem
dúvida, um legado dela.
A nona Ângela era, também, solidária. Marta, minha irmã, recorda da
época em que, ao sair do trabalho, às pressas para ir para a escola, tomava
banho enquanto a nona preparava seu jantar. Aquecia o leite para o café e até
passava figada no pão para não haver atrasos.
Poderíamos contar tantos outros casos como que ela não gostava muito
de doces, apreciava alho e crem como temperos, não via televisão (inclusive
sentava-se junto ao fogão dando às costas à TV), era muito discreta, falava só
o necessário e recomendava “fazer polito” (fazer bem feito)...
Todavia, encerro dizendo que ter ela em nossa casa foi um privilégio. Por
causa de sua presença, nossa residência sempre foi o ponto de referência de
todos meus tios e tias filhos da nona, que voltavam para “nossa casa” para visi-
tá-la. Essa casa, de fato, virou residência de todos, por causa dela, a nona Ângela.
E assim é até hoje, mesmo após seu falecimento.
Santo
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Santo, com a palavra, tua esposa e teus filhos para trazer aqui boas lembranças
e vivências com Ângela.
Os ensinamentos sempre vieram do exemplo, e o que a nona Ângela legou
aos filhos foi muito bem absorvido pelo Pai, que, também com suas atitudes
e virtudes, nos ensinou o mais importante: a simplicidade de bem viver, a
bondade para com o próximo e a força para não desistir.
A nona sempre era lembrada com respeito e amor, ficando na recordação
o quanto ela enfrentou as dificuldades para criar os filhos. O pai contava que,
quando era pequeno, a nona fazia a sopa, colocava num grande recipiente e
fazia os filhos sentarem ao redor dele, entregando uma colher a cada um...
Com esse gesto, colocava os irmãos lado a lado, mostrava a grandeza do seu
amor e ensinava a importância de dividir o pão, assim como Jesus ensinou.
Noutra memória, recordamos o olhar sempre atencioso, a palavra de conforto,
a alegria do encontro... A nona sempre representou a força singela de quem
amou corajosamente, apesar dos dias cinzas, além de seu grandioso coração.
Obrigada pela vida!
Com todo o nosso amor.
Elia
128
os vestidos das meninas... A mãe se desfez de duas mantas, uma amarelinha
e outra azul clara, para fazer vestidinhos.
E a comida? Como a mãe teria gostado de nos oferecer algo mais, porque
nós tínhamos tanta vontade de comer! Felizmente, tínhamos o necessário e nos
criamos fortes. Imagino a luta para alimentar diariamente uma turma faminta!
Às vezes, alguém aprontava uma arte para conseguir o que queria, como
fingir que não tinha fome e que estava doente para conseguir um pedaço de
pão. Para a mãe sempre estava muito claro a causa da “falta de fome”. Ela não
dizia nada, mas o pedaço de pão aparecia.
Uma vez, a mãe foi capinar na horta e fiquei com vontade de comer um ovo.
Não tive dúvidas, peguei um ovo e o coloquei na panela de sopa. Só que me
esqueci do ovo e quando a mãe foi tirar o feijão para esmagá-lo, aconteceu um
milagre... Veio um ovo junto! A mãe só olhou triste para mim e fez “hummmm”
e nada mais. Como deve ter doído seu coração. Um ovo era um tesouro.
E o saco de açúcar mascavo e mel... Que tentação.
E quando o pai ficou doente. Tinha oito anos. O médico disse que ele
só tinha seis meses de vida. Lembro-me da mãe sentada na banca da sala,
chorando, sozinha. Ela foi guerreira, não desanimou. O Hilário e eu íamos
fazer a primeira comunhão. A mãe tinha oito cruzeiros para vestir ambos.
Me lembro do vestidinho branco, o tecido mais barato que conseguiu. Mas
ficou bonito. O véu e a grinalda a tia Albertina empestou. A vela foi moldada
com cera caseira espetada numa madeira para ficar maior e aparecer entre as
flores... Quanta criatividade!
Lembro-me da mãe como uma autêntica descendente dos pioneiros ita-
lianos: guerreira, equilibrada, protetora, mas exigente, ativa, positiva, orgu-
lhosa de seus filhos, sincera sensata, conselheira, de paz, batalhadora para
dar o melhor possível aos filhos – alimentação, saúde, educação, respeito,
honradez. Ela tinha muita garra, era forte e suave ao mesmo tempo. Firme,
de bom senso, muito atenta às necessidades de cada um, corajosa, de bons
sentimentos, afetuosa com os amigos e parentes, religiosa e econômica –
sempre tinha alguma coisa para vender e, com o ganho, comprar o mais
necessário para a família.
129
Também lembro que a mãe costurava e remendava todas as roupas da
família. Fazia dressa para os chapéus e sportas e ensinava os filhos a fazerem
também. Adorava crochê, muitas vezes iniciou e reiniciou a confecção de uma
colcha, um sonho antigo, mas nunca conseguiu concluí-la, por falta de tempo.
Hilário
130
Outra vez, ele, intrigado com os seios grandes da mesma tia, disse a um
irmão mais novo “Vai apalpar!”. Ele o fez, e depois saiu correndo. Divertida
e sagrada obediência...
Lembra-se de que, certa vez, ele e Santo estavam brincando de passar
pauzinhos por uma fresta do porão perto do fogolare. Chegou num momento
que um passou algo diferente: um ferro aquecido no fogolare, o outro pegou,
queimando suas mãos...
Hilário conta que, um dia, estando no trapolão, ouviu um tiro e saiu assus-
tado, correndo, com as calças na mão, e viu a mãe, faceira, voltando pela estrada
com uma espingarda na mão. Ela, vendo-o daquele jeito, riu e disse “Atirei no
lagarto!”, porque ele comia os ovos.
Lembra que um dia, sonambulando, ele foi buscar os arreios no quartinho
escuro (a despensa sem janelas da casa velha), para ir atrás da mula preta.
Levou um susto quando cruzou com o pai no canto da porta. A mãe, sempre
alerta, tinha ouvido o barulho e pediu para o marido ir dar uma olhada.
Hilário buscava leite lá na nona quando a vaca lá em casa não rendia. Havia
uma vaca só. Lembra que, uma vez, a mãe voltou com o balde vazio, chorando
porque achou a vaca morta.
Hilário diz que se lembra de quando tinha em torno de dois anos e que,
um dia, estava acocorado (ainda não tinha o banheiro lá no trapolão) quando
viu a tia Lurdes vindo na estrada do nono, com um litro de leite. Saiu com a
calça na mão, correndo para se esconder.
Ele conta que, uma vez, viu o nono Manuelle, pai de Ângela, chegar chucco
(bêbado) a cavalo. O pai disse: “Vem, sogro, bever um bicher de vim!” (tomar
um copo de vinho). Aí, Hilário, então criança, lembra que o nono respondeu:
“Mi son chucc...” (eu estou bêbad...).
Lembra-se de que, um dia, o nono o pegou no colo, pegou a tampa do co-
naio, colocou dentro três grãos de pipoca, sentou no lado do fogolare, colocou
a tampa sobre a chapa e apostou com Hilário: “as que pularem pra lá são tuas,
e as que pularem pra cá são minhas!”. Elia conta que ele fazia isto também
com o Olímpio e o Santo.
131
Nesta charge, vê-se o nono Manoelle disputando le moneguete
com os netos no fogolare.
Valdir
132
Mateus era muito jovem, mas lembrou-se de que sempre ia fazer uma
visitinha. Sentava na caixa de lenha do lado do fogão e ficava alguns minutos
só cuidando o movimento, muitas vezes sem falar nada. De repente, saía:
“acho que já vou indo”.
Rodrigo descreve não apenas a nona, mas tambem a casa antiga em que
morava com tio Olímpio e sua família. Casa bordô, de madeira, com a cozinha ao
fundo. Na cozinha, havia uma janela que já possuía uma pedra sob ela, formando
um degrau, pois ali era o local onde muitos chegavam e ficavam conversando
através dela, mesmo sem entrar na casa. A nona gostava de ficar em volta do
fogão à lenha, por vezes, preparando pinhão. Mas o que marca como imagem são
seus vestidos com motivos florais, acetinados em tons pastéis, seu lenço sempre
na cabeça e o fato de estar sempre envolvida com as galinhas e com a lavoura!
“Vejo ela perfeitamente na minha frente, com lenço marrom na cabeça, um
vestido acetinado com estampa, sentada ao lado do fogão, comendo pinhão
cozido, tomando mate e sorrindo!”
“Ah, sim, os dias de polenta eram ótimos. Ao ficar pronta, a nona me alcan-
çava uma colherada da borda da polenta que sobrara na panela. Recomendava
ter cuidado, que estava quente... Me entretinha com aquela colherada de polenta
até a panela esfriar e finalmente poder raspar a panela com uma faca, retirando
lascas da polenta queimada e comendo como se fosse salgadinho! MUITO BOM!”
Vitor, por sua vez, já teve uma convivência maior, e o que vem à sua me-
mória é a capacidade da nona de estar em um ambiente qualquer com grande
capacidade de ser a atração principal e, ao mesmo tempo, passar despercebida.
Ou seja, uma capacidade de presença de espírito inigualável, sem ter a neces-
sidade de estar sendo o centro das atenções. Uma qualidade, nos dias de hoje,
quase em extinção.
O almoço continua e, inevitavelmente, a lembrança de Valdir nos acom-
panha neste momento.
Creio que um bom depoimento sobre quem é a nona é olhar seus filhos,
ver que pessoas ela deixou para o mundo. Essas pessoas trazem-na perma-
nentemente para a vida, com seus valores e sua educação. Isso, sem dúvidas,
é a personificação dos momentos bons e alegres da nona Ângela.
133
Osvaldo
Ida
134
família, por perto. Ida lembra que era bem pequeninha e franzina e a mãe
disse-lhe: “Sente-te bem encostá em te la parede, ondete bem i brassi e tendi sto
tatim” (Te senta bem encostado na parede, passa óleo nos braços [quer dizer
fortalecer os braços] e cuida deste bebê) e colocou-lhe nos braços um nenê para
cuidar. Embora necessária em casa, foi sempre estimulada por Ângela a sair
para estudar. Isso lhe dava força nas dificuldades. Ida também se lembra
de uma caixa de bolachas que a mãe ganhou do Olímpio, filho mais velho,
quando ele morava em Lages. Ela guardava a caixa em seu quarto e, de vez
em quando, pegava uma bolacha e lhe dava um pedacinho.
Ida lembra-se de uma situação hilária em que o Hildo, pequeninho, estava
olhando para dois gatinhos brincando. Ria tanto, mas tanto, que a mãe, preocupada
que ele se sufocasse de tanto rir, espantou os gatinhos para que fossem embora.
Da horta, lembra-se de dois fatos interessantes com a mãe. O primeiro é
que, nas lidas de venda de verduras, ela ganhou sementes de beterrabas de
uma cliente. Ângela semeou, cuidou e colheu lindas beterrabas. Como não
conhecia, deu para as galinhas, que não comeram; deu para os porcos que
também não comeram; cozinhou, e ninguém comeu. O outro é que, um dia,
a mãe, plantando uma nogueira, certamente daquelas que o Osvaldo trazia
dos cursos dele, disse: “vou plantá-la; sei que não comerei, mas alguém vai
comer”. No entanto, viveu tempo para comer muitas nozes desse pé.
Ângela, depois que criou os filhos e foi morar em Vila Ipê, quando estava
saudável, gostava de sair e passear. Ida conta que a mãe Ângela conviveu
bastante com a sua família. Ajudava a cuidar de seus filhos, principalmen-
te quando ela ficava sem empregada. Ensinava as meninas a fazer crochê.
Começavam fazendo a “corrente” e, depois, trabalho em toalhas. Ida conta
que, em uma roda de conversa à mesa, junto com seus filhos, sua mãe estava
contando um fato e falou bem alto: “Go chapá um cagaço!” (levei um susto).
As crianças se entreolharam, espantadas, pois pensaram que a nona tivesse
dito um palavrão. Aí ela explicou a expressão e elas suspiraram, aliviadas.
Foi apenas um susto, pois não era costume da nona dizer besteiras.
Ângela tinha no sangue a estirpe de nobreza e finura. Tinha bom gosto e
ideias próprias. Quando ela queria fazer compras, ia a Caxias, na casa da Ida.
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A mãe era muito exigente. As roupas tinham que ser do seu gosto e a um preço
razoável. Se não encontrassem o que lhe agradava, voltavam sem nada para
casa, ou visitavam outras lojas, em outro dia, até encontrarem algo do gosto.
Muitas vezes, compravam tecido para fazer avental e juntas costuravam.
Caso a costura não ficasse reta, perfeita, Ângela mandava Ida desmanchar
e fazê-la toda de novo. Era muito caprichosa.
Como Ângela conviveu bastante tempo com essa família, suas netas
quiseram deixar seus depoimentos.
Carla: “Certo dia, Ida, minha mãe, me contou sobre a ideia de escrevermos
boas lembranças sobre minha avó, mãe da minha mãe. Na hora, achei a ideia
bacana, mas não me ocorria o que escrever. Assim passou um tempo, até o dia
em que, olhando o Tobias e a Joana, meus dois filhos, brincando lindamente
na sala, me ocorreu: seria ótimo eles terem boas histórias para ler sobre a bisa,
a minha nona Conte. Isso ficou martelando meus pensamentos e escolhi dois
episódios que marcaram minha infância e que vou contar para vocês.
A nona Conte foi uma avó bem presente em minha infância. Lembro que
ela vinha nos visitar com certa frequência e sempre era um sopro... um sopro
de novidade, de alívio, de apoio... Na época eu não tinha claro, mas hoje, vendo
a ajuda que a minha mãe me dá cuidando de meus filhos, imagino que fosse a
mesma coisa. Éramos quatro irmãos, e as visitas da nona estavam diretamente
ligadas a auxiliar minha mãe a cuidar de nós. Ela aparecia quando um irmão
nascia, quando não tínhamos empregada, quando havia situações difíceis... E
a nona dizia que vinha ficar um tempo. Hoje sei que era o tempo necessário
de ajuda e apoio de que precisávamos.
Nestas visitas, um tempo importante era dedicado ao crochê. Lembro da nona
Conte, encurvadinha, com agulhas, linhas e panos de prato, crochetando, e eu
do seu lado crochetando junto. Ela dizia que era necessário fazer um enxoval.
Até aí, o esperado para uma nona da sua época. Mas ela fazia questão de com-
pletar: ‘Seja porque vai casar, ou porque vai morar sozinha, precisa ter enxoval.’
Então passávamos tardes fazendo crochê, e um dia ouvi dela um elogio
que guardo até hoje. Eu estava mostrando alguns trabalhos que eu havia
136
feito, quando ela olhou e disse: ‘o bom aluno é aquele que supera seu mestre’.
Eu pensei: ‘Como assim? Supera o mestre? Sou capaz disso?!’ Hoje eu digo
que sei fazer crochê, e meu enxoval ficou lindo, o retrato de uma época!”
Marcia: “Guardo nos meus olhos a lembrança da minha infância. Nas
férias de inverno, todos os anos, ficávamos sentados, eu e meus irmãos, ao
redor do fogão a lenha, que era o lugar mais quente da casa. A nona nos
ensinava pontos de crochê em toalhas de saco de algodão, caprichosamente
alvejados no sol. No meu enxoval, tenho um acervo de mais de cinquenta
pontos de crochê. Lembro-me de acordar e ver a nona já voltando da horta,
saboreando um pepino com casca recém colhido. Lembro-me da polenta
cortada com linha e de raspar a panela. Vou me lembrar sempre da solidez
com que viveu e da suavidade com que se despediu. Onde quer que esteja,
creio que esteja bem e repleta de luz. Obrigada por tudo.”
Alcides
137
Gema
138
e eu ia trabalhar, ela aproveitava para ensinar a Tata (empregada) a fazer po-
lenta com le groste e bifes acebolados. Quanto mais vivo, mais percebo o jeito
leve com que a Ângela levou a dura vida, deixando, para mim, a gratidão por
me ter lançado ao mundo e dado corda para vivê-lo da melhor maneira que
eu achasse, pois, à distância, confiou, certamente com muita reza. Obrigada,
mãe Ângela, fique bem e continue nos abençoando.
Maurílio
139
Um dia os pais estavam contando para adultos que, por orientação médica, eles
foram se aconselhar com o padre a não terem mais filhos. As crianças estavam
por perto e o pai disse: “As crianças não capiçem mia!”. Nino era criança, se lembra
muito bem. Naquela época, evitar filhos era motivo de excomunhão na igreja.
Na primeira vez que o Olímpio voltou para casa, era o dia de Nino lavar a
louça. Ele queria mais era ouvir as histórias contadas pelo irmão, mas o dever
ficava acima de tudo: primeiro, teve que lavar a louça, que era muita, depois foi
lá escutar as histórias da cidade trazidas pelo irmão mais velho. Lembra que
o domingo era o dia da bacia de pão. Pão com café com leite, só no domingo.
A turma das crianças ficava sentada no chão ao redor da bacia comendo de
colherinha, como fazem os gatinhos na tijela.
Tinha que ser bom porque tinha que ser bom. Essa era a norma de conduta
para os filhos de Ângela e de Vitório. Não tinham nada, mas tinham tudo.
Todos tinham que trabalhar e fazer polito. Ele lembra que, como os outros,
a seu tempo, acompanhava a mãe nas vendas na cidade. Suas freguesas o
convidavam para tomar café na cozinha com elas – “o reconhecimento e o
respeito com a mãe era incrível”.
Quando a mãe ficou doente, com tifo, ela foi levada ao hospital do doutor
Hampe. As vizinhas vieram tomar conta das crianças e fazer os serviços da
casa. Sabendo que a mãe poderia morrer, elas nos prepararam para o pior.
Uma delas disse: “São pequenos, eles não capiçem mia (não entendem). Nós
capiçemo”. As crianças entendem sim.
A mãe sempre economizava para ajudar na família. Sempre. E alguma coisa
a gente só entendeu no fim. Morando em Ipê, quando interpelada por alguém
dizendo “Mãe, compra isso, gasta naquilo...”, ela respondia: “Comprar por quê,
se tenho tudo o que quero e mais ainda?”, fazendo alusão aos cuidados da tia
Lodo e do Olímpio, junto aos quais viveu seus últimos quase trinta anos, a partir
da sua viuvez. Nas questões financeiras, Nino era o filho que a acompanhava no
banco e ajudava a administrar as economias de sua aposentadoria. Nos últimos
tempos de vida, um dia a mãe lhe disse: “Nino, com o dinheiro que fica, divide
igual entre os filhos. Isso é para cada um comprar o que quer para compensar
aquilo que não pude dar quando saíram de casa”, e foi o que ele fez. Nino conta
140
que, quando tinha codeguim e polenta, ele convidava a mãe a ir à sua casa comer
e jogar conversa fora, pois ela gostava muito. Houve uma época em que ia todas
as tardes a sua casa, para fazer companhia a sua esposa acamada, com problemas
de gravidez. Enquanto isso, fazia seu crochê e conversavam. Certamente isso
foi bom para todos e lembrado com carinho. Sua alegria foi poder ter ajudado
a cuidar da mãe enquanto doente; uma forma de devolver.
Manoel
141
Passada uma semana de confinamento diário, eu, a mãe e o Alcides fomos,
debaixo de chuva, de pé no chão, atravessando cercas de arame farpado, potrei-
ros, matos, barro, sôl com na ombrella par tré. Depois de quase duas horas de
caminhada, chegamos à igreja todos molhados, e lá estava o padre nos espe-
rando. Depois de uma sabatina de horas, ele disse: “tu não mereceria passar,
mas te passo ‘POR MISERICÓRDIA’”. Pois bem, isto é o bom da história; o
pior ainda estava por acontecer. Saímos de Ipê debaixo de temporal (sjantizi
e saete que fim i morti del cemitério se spaurava tuti) e voltamos pelo mesmo
caminho do tio Canarin e do Pedro Piazza. Descendo o morro debaixo daquela
chuva, de repente, a mãe escorregou e caiu do barranco no meio das capoeiras,
apagando o feraleto. O Alcides, que estava do lado da mãe, foi tentar socorrê
-la e também escorregou, caindo com o joelho nas costelas dela, fraturando
algumas. Até chegarmos em casa, tivemos sorte, porque fomos iluminados
pelos relâmpagos e, apesar de costelas quebradas, pernas machucadas, roupas
molhadas, conseguimos chegar em casa. Depois disso tudo, certamente todos
estão pensando que a mãe me estrangularia, mas, em toda esta “aventura”,
nunca reclamou de nada, sempre se manteve serena e tranquila.
Outra lembrança, ou melhor, minha reflexão sobre o ser da mãe: imagi-
nando o que a nossa Mãe foi capaz de fazer, não tem como não acreditar que
algo superior ao nosso entendimento agia para fazer com que ela conseguisse
fazer tudo o que era necessário para a família. Com toda a sabedoria que a
mãe tinha, lembro-me todos os dias das três coisas que ela me disse, não como
conselhos, mas como forma de convivência, extremamente necessárias para
a vida de qualquer pessoa:
“Aceitar as pessoas como elas são”;
“Nunca brincar com os sentimentos dos outros”;
“Nunca discutir quando a outra pessoa está alterada”.
Outra coisa muito importante, que ela não disse, mas deu exemplo a vida
toda é: nunca gritar com os outros, procurar sempre falar com calma. Mesmo
que a gente aprontasse, jamais ouvi a Mãe gritar com alguém.
Também, durante toda a vida, a Mãe deixou bem claro que não existe nin-
guém melhor nem pior: cada um é o que é e dificilmente vai mudar.
142
Luiz
143
Ari
144
Hildo
Memórias da Mãe
Clima – Gostava do frio e detestava calor. Tinha preferên-
cia por Vacaria, pelo clima mais fresco. Assim resumiu: Antônio Prado é o
inferno, Ipê é o purgatório e Vacaria é o céu.
Comida – Gostava de tudo, mas tinha preferências. Adorava uma sopa
com caldo de galinha, a panada, puina, polenta fria com ovo cozido na água, e,
sobretudo suas hortaliças. Tinha uma adoração particular por pepinos, tomate,
vagem, cenoura e alcachofra. Não ia pra roça, mas sua horta era sempre a
melhor da redondeza. Plantava de tudo, inclusive aspargo. Toda semana pre-
parava a “mala” cheia de verduras e ia vender na cidade, batendo de porta em
porta, encontrando sua freguesia e suas amigas. Com o dinheiro, comprava
mantimentos para a casa, como café e temperos.
Doenças – O órgão que incomodava a mãe era o pulmão (pontadas, pneu-
monia etc). Quando doente, ficava acamada por vários dias, com gemidos de
dor que perturbavam as crianças. O pai sempre cuidava bem dela, levando-a
ao hospital quando era preciso.
Esposa – O pai nunca falou mal da mãe. Raras vezes discutiam, trancados no
quarto. Sua função de doméstica era rigorosamente cumprida, papel esperado e
em nada contestado. Certa vez, sentindo-me contrariado com uma atitude do pai,
a mãe falou: “Há trinta anos que estamos casados e ainda não entendi teu pai”.
Humor – Apesar da seriedade do pai, a mãe, disfarçadamente, cultivava
o bom humor. Havia um lagarto que comia os pintinhos. A mãe pegou a es-
pingarda do pai e bum! Mas o lagarto fugiu. Interrogada por que não matou
o lagarto, justificou: “E alguém tinha me dito que era para esmirar (apontar)
o cano na direção dele?”.
Certa vez, na velha casa do Olímpio, estavam reunidos os irmãos e sobrinhos.
Após o almoço, fez-se uma roda de conversa, enquanto a mãe foi tirar a sesta.
Tempo depois, acordou e foi pra calçada, onde estavam todos sentados, contando
causos. A mãe olhou, procurando uma cadeira para sentar, mas todas estavam
ocupadas. Então foi ao banheiro, pegou uma toalha, aproximou-se do Alexandre
145
(filho da Gema e do Adroaldo), que estava sentado num banquinho, e, de repente,
começou a bater com a toalha no banquinho dizendo: “Olha a aranha; olha a
aranha”. O Alexandre, assustado, correu, e a mãe, sem ninguém desconfiar de
nada, serenamente sentou-se no banquinho e integrou-se na roda de conversa.
A mãe estava doente, muito mal, em casa, quando o Valdir sugeriu chamar
um Frei para dar-lhe a Unção dos enfermos. Delicadamente o Valdir perguntou
a ela qual seria o Frei de sua preferência para receber o sacramento da Unção. Ao
que a mãe respondeu: “Par mi tanto me fá; pol éssere anca quel que spussa de vin”
(para mim é indiferente; pode até ser aquele que cheira vinho) – referindo-se
a um frei que gostava de tomar vinho!
Religião – Zelosa com seus deveres religiosos, ia à missa sempre que podia.
Tinha muita fé, confiança em Deus e Nossa Senhora. Sempre que o tempo
ameaçava um temporal, a mãe gritava: “fora olivo e áqua santa” (busquem ra-
mos bentos de oliveira e água benta), corria e colocava na porta de entrada da
casa, dento da farçora, umas brasas, onde queimava folhas de oliveiras bentas
em dia de ramos, e água benta, para afastar o temporal. Contudo, não deixava
de ser crítica e ter sua postura pessoal e independente. Por exemplo, todas
146
suas colegas de vizinhança aceitaram o convite de fazer parte do Apostolado
da Oração. A mãe simplesmente não quis e não foi.
A mãe contava que, antes do pecado da desobediência a Deus, o pé de trigo
tinha espiga de cima até o chão. Com o pecado, Deus vingou-se: pôs a mão
na base, no chão da espiga, apertou entre os dedos e foi puxando para cima,
desfazendo a espiga, deixando apenas o caule. Mas eis que ainda faltava um
pouco para chegar ao fim e acabar com a produção de trigo para a humanidade.
Subitamente interveio a mão de Maria e segurou a mão de Deus, impedindo que
fosse até a ponta do caule, salvando assim aquela parte que é a espiga de hoje.
Certa vez, deu uma chuva de pedra, que arrasou com a única roça de trigo
e com as uvas do parreiral. Conformada e confiante, citou Jó: “Deus deu; Deus
tirou. Bendito seja Deus”.
O Natal era muito especial. Era o próprio menino Jesus que trazia os
presentes. Cada um colocava seu prato sobre a grande mesa que atravessava
toda a sala para receber os presentes. Cedinho, a gente levantava, e lá estavam
no prato balas, gomas, algum brinquedinho. Mas, dependurado do teto, um
cacho de bananas! Dizia a mãe que Jesus trazia tudo dentro de sacos, que um
burrinho carregava. Então a gente preparava um pasto fresco, uma espiga
de milho, com a intenção de deixar o burrinho com o morbin, uma situação
eufórica do bicho que, pelo corcoveio, fazia transbordar o saco de balas. De
manhã cedo íamos pelo suposto caminho do menino Jesus com o burrinho. Lá,
incrivelmente, achávamos balas, pra cá, prá lá. Era tudo tão fantástico, que um
dia tive uma ideia: que tal levantar à meia-noite para ver como tudo acontecia
e, sobretudo, conhecer o menino Jesus?!!! Aí que a mãe interveio e disse que
Jesus não podia ser visto. Quem quisesse vê-lo só ia encontrar uma stria, uma
bruxa. E confirmou que ela também havia tentado. E, quando achou que ia
ver o menino Jesus, disse a mãe que só viu a saia da bruxa esvoaçando, saindo
pela porta. E isto desestimulou qualquer tentativa de conhecer o menino Jesus,
que trazia os presentes de natal.
Era fiel amiga das vizinhas, a quem visitava regularmente, sempre que
podia, ocasião em que trocava mudas e folhagens. Era extremamente gene-
rosa. Toda roupa que não se usava, ou pedaços de pano, costurava e levava
pra quem precisasse mais.
147
Histórias
Boneco – Quando ia com a mãe vender verduras, após horas de exaustas ten-
tativas de vendas, íamos lá no “Joaquin Banana” comprar três bananas. Um dia,
vi na vitrine uns bonequinhos de plástico. Achei interessante e disse pra mãe: “Sei
que isto é pra menina, mas eu gostaria de ter um”. Mais que depressa, a mãe foi
e comprou. Voltando às bananas: lembro, uma vez, a mãe comprou três bananas,
sendo uma para ela, uma para mim e outra para levar para casa e ser repartida
entre as crianças. Não lembro se éramos três ou quatro, só sei que a mãe autorizou
o mais velho – não lembro se foi o Luis ou o Manoel – a fazer a repartição. Partidos
e distribuídos os quatro pedaços da única banana, começou a choradeira: um
reclamava que seu pedaço era mais curto que o outro; outro reclamava que o dele
era mais fino, e o acordo não foi possível. Aí a mãe interveio e cortou uma rodela
do pedaço maior, deu ao que tinha o pedaço menor, e foi ajeitando tudo, até que
ninguém mais se sentiu injustiçado. A partir disso, começaram as negociações:
metade do pedaço por um pedaço de lápis; uma fatia do pedaço por uma folha de
caderno; a casca do pedaço por uma bolinha, e assim por diante!
Copa – Em 1970, decidi assistir a todos os jogos do Brasil na Copa do Mundo
no México. Aos domingos, todos íamos lá no José Lovatel assistir. O problema
foi numa quarta-feira, inverno gelado, jogo tarde da noite e, é claro, o “Giusepin”
Lovatel era longe; à noite, o pai não deixaria. Minha chance era a mãe. Procurei
convencê-la de que seria importante que ela fizesse uma visita à mulher do
Otavinho Zacani, a meio caminho de Antônio Prado, ela, que era freguesa das
verduras da mãe. Para minha surpresa, a mãe aceitou. Ainda faltava a autoriza-
ção do Pai, muito improvável! Contudo, com a decisão da mãe, o pai concordou,
e lá fomos nós. Enquanto a mãe conversava na cozinha, vimos o Brasil ganhar
do Uruguai por 2 x 1.
Bolo – Lá pelas tantas, todo aniversariante começou a ganhar um bolo que
a mãe fazia. E quem o ganhava, fazia o que queria: podia comê-lo todo sozi-
nho ou dar parte para os outros irmãos, coisa que, de algum modo, sempre
acontecia. Bolo era uma coisa extraordinária. Um dia fiquei em casa sozinho.
A mãe foi para Antônio Prado. Pensei: é agora que vou tentar! Repeti todos
148
os movimentos que havia memorizado quando a mãe fazia o bolo: pega ovo,
farinha, abre a scardensa e tira uma colherada de um pote, mais outra coisa
de outro pote, mais não sei o que... mexe tudo e bota no forninho do fogão a
lenha. Após algum tempo, tirei e provei. Parecia mais ou menos um chinelo
de dedo... Mas, vá lá, era doce e, por isso, comestível! Aí fiquei num conflito
mortal: contar ou não contar pra mãe? Se contasse, precisava provar; se provasse,
me entregava e podia apanhar... Que fazer? Afinal, uma tal façanha tinha que
ser conhecida, apesar do risco de apanhar... Resolvi guardar um pedaço pra
provar que fiz. O resto, comi tudo, sozinho. Quando a mãe chegou, revelei
tudo. A mãe, surpreendentemente, provou, disse que estava bom e continuou
fazendo o que devia fazer.
A corruíra – Ainda era menino pequeno. Todos os homens e a gurizada
caçavam. Ainda não tinha idade pra isso, mas um dia resolvi ingressar na
atividade dos maiores: decidi matar um passarinho. Peguei a funda, enchi a
bissaca de pedrinhas e fui lá na cerca do potreiro do Toni Piazza, até que loca-
lizei uma tchirola (corruíra). Sabia que não se podia matar corruíra, tal como
o quero-quero, joão-de-barro, etc. Contudo, era o pássaro mais manso, podia
chegar perto. Depois de centenas de tentativas, acertei a corruíra, que caiu fe-
rida, debatendo-se. Aí começou o drama: seria minha chance de dar um salto
de qualidade aos olhos da família... Mas para isso tinha que matá-la. Apesar de
tudo, tinha pena dela! Até tentei salvá-la, dando-lhe saliva... Mas a façanha era
enorme e não poderia perder a ocasião. Então encontrei uma solução e tomei a
decisão. Matei a coruíra e arranquei todas, sim, todas as penas, para que pudesse
apresentar meu primeiro passarinho caçado sem ninguém soubesse que fosse
uma corruíra. Cheguei pra mãe com meu troféu. De primeira reconheceu que
era uma corruíra! Contudo, contrariando meus temores, sorriu e, com certeza,
sentiu orgulho do filho, continuando seus afazeres sem drama.
Seminário – No final de 1973, cheguei em casa e havia de informar a mãe
que iria entrar no seminário. Ela achou graça e deu uma gargalhada, toman-
do-me de surpresa, pois esta seria a última reação esperada.
149
Tia Vicenza – Nem o pai, nem a mãe jamais blasfemavam. Contudo, a mãe,
aparentemente, tinha uma exceção. Ela era extremamente amiga da tia Vicenza
(esposa do tio Tarcílio, irmão do pai). Ela morava a mais de quinze quilômetros
de distância. Assim, a visita era a cada ano ou mais. Lembro-me da cena: a mãe
enxerga a tia a cavalo, lá na porteira, perto da estrada, e sai correndo. A tia, por
sua vez, amarra o cavalo lá na portela e também sai correndo. Mãe e tia indo ao
encontro uma da outra, no meio do potreiro. E, de longe, começa a cerimônia
inédita: uma gesticula e grita para a outra, com um estilo literário original...
Cada uma procurava xingar mais que a outra, utilizando nomes, palavrões, leves
blasfêmias.... Até que se encontravam, se tapeavam e, finalmente, chorando, se
abraçavam e ficavam abraçadas e se beijando.
Passar pano na casa – Certa vez, os irmãos de Ipê trouxeram uma pia com
balcão que substituiu o antigo setcharo. Foi um ingresso na modernidade,
pois, com torneira e o balcão, a água jorrava na pia, sobretudo quando a mãe
lavava louça. Curioso e interessado pelo fenômeno, pedi pra mãe para ajudar
a lavar a louça. Coloquei um banquinho pra subir e alcançar a pia. A mãe
lavava e eu “resentava”, enxaguava. Era divertido brincar com água! A mãe,
percebendo meu gosto por água, avançou na proposta e me atribuiu a tarefa
de passar pano na casa aos sábados. Era uma tarefa gigantesca, pois eu era
muito pequeno, e a casa me parecia um latifúndio. O ritual se repetia todo
sábado à tarde: passar pano na casa; às vezes só da sala pra fora, outras vezes
toda a casa; às vezes dois panos, às vezes um. Aquilo já não era divertido e
não foi minha opção. Não gostava, até porque os outros irmãos brincavam no
sábado à tarde, iam caçar, jogar bola ou ficar com os irmãos que vinham de
bicicleta de Ipê. Perguntei as razões da minha tarefa, e a mãe explicou que
seus problemas de pulmão não permitiam ficar muito tempo trabalhando
com água. Certo dia, desconfiado, perguntei por que lavar roupa no tanque
não lhe fazia mal. Não me lembro do que ela disse, mas foi o suficiente para
me manter no serviço.
A maternidade – Alguém, certo dia, comentou que a mãe teria sofrido
muito por ter sido mãe de catorze filhos, ao que ela respondeu dizendo que
sofreu menos do que aquelas mulheres de hoje que só tem um filho.
150
Caráter – Tinha um caráter muito pessoal. Serena, tranquila, humilde, sim-
ples, mas muito astuta, com espírito crítico, independência de posicionamentos,
extremamente liberal quando se tratava de questões dos filhos, uma fineza de
modos e nobre de estilo. Uma mulher à frente do seu tempo, que, embora se
enquadrasse perfeitamente nos padrões da época enquanto mulher, filha, esposa
e mãe, nos padrões sociais, familiares e religiosos, sempre soube abrir seu espaço
para posturas diferentes, críticas e inovadoras. Muitas vezes tinha que agir com
muita habilidade para equilibrar o estilo conservador do pai com a “rebeldia” dos
filhos, que deixaram, um a um, uma a uma, as tradições rurais e se aventuraram
para o incerto futuro urbano, com coragem e ousadia. Sempre apoiou as boas
iniciativas dos filhos, o desejo de estudar, de buscar coisas novas. Muitas vezes,
claramente assumia o papel e a função esperados apenas exteriormente, pois não
havia como fazer diferente, mas, interiormente, tinha a ousadia de pensar e ser
diferente. Jamais foi uma pessoa alienada ou manipulada. Viveu intensamente
o que acreditou ser melhor. Profundamente amante e cuidadora da vida, não só
dos filhos, mas dos bichinhos (a paixão que tinha pelas galinhas, sobretudo pelas
chocas com os pintinhos, pelos perus, pelas vacas de leite, pelas marrequinhas
e, particularmente, pelas plantas, hortaliças e folhagens, sempre as mais lindas,
sobretudo as begônias e os gerânios). Questionada pelas vizinhas sobre como
ela conseguia folhagens tão bonitas, disse que talvez fosse a água, com a qual
lavava a casa, posta a seguir nos vasos das folhagens. Assim, tornou-se uma
pessoa profundamente sábia e familiar com os segredos que a vida lhe revelou.
Tinha uma noção clara da essência das grandes questões acadêmicas, científicas
e culturais da atualidade, mesmo sendo semianalfabeta. Não fugia de nenhum
questionamento e, sobre qualquer assunto, tinha uma opinião bem formada,
dando a impressão que tinha acesso a misteriosas e não convencionais fontes
de conhecimento e sabedoria.
Mais alguns fatos do cotidiano de Ângela. Ainda recordo com detalhes,
quando, embora pequeno, inventei a MESCOLA de smiciar a marmelada.
Lembro-me de observar o ritual de sacrifício e de risco que era fazer a mar-
melada. Via a mãe mexendo a panela perto do fogo, respirando a fumaça e se
queimando com o calor. Era preciso mexer, e, para isso, usava uma mescolona
151
tipo a paleta del pán, de colocar pão no forno, para mexer. Aí, com pena da mãe,
inventei um método de mexer à distância e no conforto. Ei-lo:
Criei uma pá, tipo sapa, com cabo longo. Lá fora, perto da CAONA, coloquei
três tijolos entre os quais fazia o fogo e, sobre eles, a panela. A mãe, sentada
à sua sombra, podia mexer confortavelmente a marmelada.
A mãe me contou que, quando ela era pequena, seus pais mandaram ela
plantar abóboras. Ela foi. Colocou todas as sementes numa toca de tatu, cobriu
e voltou para casa (imaginem no que deu).
Te recomando figlia
La tenera bambina
Fim que la sia viecchina
No sta l’abandonar
152
cada um encaminhando-se a sua vocação, recebendo o apoio, de perto, do pai
Vitório e da mãe Angelina. Angelina não se queixava da vida. Dava graças a
Deus pela saúde dos filhos e por ter o que comer, embora frugalmente. Ela
poderia fazer sua a frase de João XXIII: “Na minha mesa, faltava, algumas
vezes, pão; polenta, porém, nunca!” Os catorze filhos sempre foram muito
agarrados à mãe e a recíproca também é verdadeira.
Francisco Mônego, 88 anos, Viamão, 20 de dezembro de 2014.
E, para fechar...
153
para brincadeiras. Na Europa, encontra-se nativo nos Alpes, no norte da Itália,
nas montanhas Dolomíticas, solo pátrio dos ancestrais de Ângela e de seu
esposo, de onde veio o hábito de colhê-los e gulosamente comê-los. Ângela
gostava muito dos feraliti e ensinou-nos a colhê-los. Perguntando para a mãe
sobre como eles eram chamados em sua casa paterna, Ângela dizia “kéfini”,
surpreendendo com sua espontânea cultura, atenção aguçada e capacidade
de adaptação aos costumes de onde foi morar após seu casamento, bastante
diferentes dos seus.
Assim, a incursão pelos últimos cem anos da raiz da família Mônego Conte,
tendo por base o nascimento de Ângela, foi se construindo com conexões ma-
terializadas nesse livro de caráter puro, em que Ciência e Vida se misturam
sem regras, sem conflito, sem censura... Cores, formas literárias, emoções,
fragmentos de fatos históricos, às vezes desconexos, mas postos aqui porque
foram lembrados, lembranças em família que voltaram para ficar. É livro. É
vida. É cultura. É descoberta. É encontro. É cura.
Impossível uma única palavra comportar seu conteúdo ou descrever a
terapêutica experiência de escrevê-lo. Uma viagem no tempo, um olhar-se
no espelho, um encontro com o passado. Um replay da vida em família, des-
dobrada em muitas.
Um filtro dos sonhos construído a partir de uma acidental foto estragada.
Este livro foi como uma colcha feita de retalhos selecionados no baú das lem-
branças dos filhos de Ângela, ou de sua imaginação criativa. Ele foi escrito
sob a luz do arco baleno (arco-íris) como um rabiscar seletivo com pedaços
de pena em la tabela (pequena lousa de uso individual, como se fosse hoje o
tablet), no tempo em que a fôrma de gelatina foi a impressora das provas e do
material de aula utilizados bem antes do mimeógrafo, da máquina de escrever,
Lorenzetti ou Remington (nas quais alguns tiraram diploma de datilógrafos,
de muito significado na época). Também foi escrito no conforto do tablet, sob
a luz do arco-íris, permeando dois milênios, duas culturas, dois continentes,
duas vidas: a de Ângela e a de cada um de nós multiplicadas.
154
Tudo o que for considerado erro neste livro é de inteira responsabilidade
de la Gémma, la bianqueta, que, de tanta ânsia de viver, certamente deixou
preocupações entre os mais sérios da família. Mas, acreditem, teve vontade
de contribuir, trazendo para a família, com muita gratidão, Adroaldo, seu
esposo. Juntos plantaram muitas árvores, construíram uma casa, acolheram
três lindos filhos, e, agora, com seu apoio, este livro, cumprindo o ditado do
ciclo da vida humana.
Espera-se que esses escritos possam ter o sentido de ponte entre os ascen-
dentes de Ângela, seus descendentes próximos e os futuros, para que, talvez,
alguém desses últimos se sinta inspirado a prosseguir o registro dessa história
familiar, aqui apenas rabiscada. Asseguro que quem o fizer se encantará com
sua caminhada entre gerações que em cem anos passaram da tabella ao tablet,
da Europa à América, da colônia à cidade, do carro de bois ao avião a jato. Nessa
velocidade, possam lembrar-se da cultura e dos costumes de seus ancestrais
como as próprias raízes, por onde se alimentam de alguma forma e mantêm
o DNA de suas origens na trajetória de suas vidas, com saúde e gratidão.
155
Obrigada, Ângela, árvore de nossas vidas
Reingraciamenti/Agradecimentos
Questo libro le come i tatini a sti áni. Le capitá. Na stria log gá portá. Ma,
par cavá-lo fora i ajuti i zê venhesto de tute le bande. Som segura que del chello
na trópa i gá vardá dô a tender-me par no sbalhar tánto. Dopo de leder-lo, cosita
pronto, i gavará dito trá de luri, a scumiciar del pi vecho: “lo gó sempre dito que pi
que i studia, pi baúchi i deventa”. Pár próprio vero, pai. Aromai son drio a capirla
ánca mi cossita, dopo de tanto studiar, la vita ensenha depí do que la scôla e le due
arromai le ze longue e piena de companádego. Ingrassio al Senhore, a la vita e a
vu e á la mai que ensieme me gué dato la vita e ánca la strada. Par questa strada
son rivá à la Universitá e a êla ánca reingrácio par che la me gá achetá comme sóm,
com la marca de la gente de la colônia, de su stória e de su conhecimenti. Piena
de sonhi, quá tento fár polito, ma gue né quei que ána quá no capiche le diference.
162
Dopo fenhio sto libro lo digo nántra volta que lê tuto indontassú e domando
l'escuse a quei que spetava meio de mi, parque, enfáti doutora. Són ndá fim que
gó bio gámbe e cosita lê restá.
163
realidade única tuas palavras, teus gestos e umas pedras cobertas de raízes
de velhas árvores, ruínas da taipa que ficava ao lado da casa na beira da velha
estrada que passava ao lado.
Obrigada, Ida, a segunda filha, guardiã de relíquias de Ângela, por cuida-
res em tua casa de objetos e lembranças dela, e por atenderes prontamente às
necessidades de fotos, informações e escutas.
Agradeço-te, Alcides, por me precederes no caminho da existência e, para
fins deste livro, além de contares muitas histórias, enviares a foto da bilha,
relíquia de memórias de nossa infância.
Agradeço-te, bianqueta (eu), por fazeres tudo isso acontecer.
Obrigada, Nino, o décimo, meu filósofo predileto, por compartilhares
comigo tua sabedoria de vida.
Obrigada, Manoel, o mano, pelo teu testemunho, pela tua presença e pela
tua partilha generosa projetada na família. À tua esposa, Odete, pelos docu-
mentos cedidos para iniciar a construção do livro.
Obrigada, Luiz, o décimo segundo, o cabral , o dídio, o cara que me per-
mitiu aproveitar suas falas, seu depoimento, tão família, tão terceira geração.
Obrigada, Ari, por participares das primeiras conversas, comigo e com
a Elia, sobre a construção do livro, quando, em minha casa, tu nos fizeste
perceber os diferentes modos de vida em família. Enquanto Élia lembrava de
um fato, eu de outro e tu de outro, te deste conta das três diferentes gerações
constatadas nos depoimentos de cada um dos catorze irmãos.
Hildo, o último, mas não o menor, o escritor, obrigada, não só pelo texto
e pelo apoio, mas por tolerares essa construção nada ortodoxa de uma obra
que ousa se dizer livro.
À minha dileta família, Adroaldo Piccinini, Alexandre Piccinini, Gustavo
Piccinini e Camila Piccinini, com quem tenho o privilégio de ser feliz como
esposa e mãe; tesouro melhor não há. Este livro, vocês sabem, foi construído,
a maior parte, no tempo teoricamente destinado a vocês. Além do tempo,
recebi inspiração, apoio e liberdade para fazê-lo. Por tudo isso e muito mais,
amo intensamente cada um de vocês, por onde circula a ceiva desta e de outra
vigorosa árvore.
164
Obrigada à UFRGS, por me acolher precocemente no mestrado, em 1975,
na docência, em 1996, e no doutorado, em 2004, me dando a oportunidade
de compartilhar e acolher academicamente as coisas boas da vida com o saber
e o sabor dos povos das periferias. À PROREXT, pelo incentivo e patrocínio, e
à Gráfica da UFRGS, que ousou acolher e editar esta publicação.
Gratidão a uma rede de acadêmicos desta universidade que, cada um a seu
modo, contribuiu para a construção plural desta singular produção literária
(iniciada em 2013), a começar pelo bixo da biologia, Jeferson Delgado. Filho
único, dezessete anos, vindo do interior, beneficiário de bolsa SAE, encontrou
tempo para vivenciar a extensão no horto junto com outros acadêmicos e a
comunidade e contribuir na criação desta obra. Aluno como esse é promessa
e esperança em ação para a universidade do futuro.
Marcela Migliavada, bolsista CAPES, da Enfermagem, com uma incrível
história de superação.
Camila Niches Padilha, da Odontologia, gênio da organização e da percepção.
Viviane Brixner Jost, pela prontidão.
Caroline Almeida dos Santos, com beneficio SAE, acadêmica de Agronomia,
parceira na escrita e na arte desta construção, é exemplo de quem aproveita todas
as oportunidades para se construir e honrar a universidade que a todos acolhe.
Pâmela Oliveira da Silva, acadêmica de Relações Públicas, que, acreditando
que o livro estivesse acabado, aceitou contribuir com uma leitura crítica,
pensando ser fácil. Ledo engano, pois teve que mergulhar na compreensão
do contexto histórico-cultural do livro e na sua formatação nada ortodoxa,
ganhando um grande aprendizado.
Carmen Janete Rekowsky, acadêmica de geografia, beneficiária de auxílio
SAE, pela amizade, pela presença e pelo comprometimento parceiro em mo-
mentos decisivos, tanto na finalização da Tese de Doutorado, do livro A Praça
Dos Bobos (ainda não publicado), quanto na finalização deste Pela Porta que se
Abriu, sobre o qual sonhou bem antes de ter sido pensado.
São Artistas construindo seu destino, aos quais agradeço a oportunidade de
estarmos juntos. Desejo a cada um que essa experiência sirva como tijolinho
na sua formação. Se o que fez, o que viu e o que compartilhou foi diferente
165
de tudo o que está programado em seu currículo, guarde. A universidade está
se expandindo. Lá adiante, tudo pode se encaixar, porque a vida organiza o
aprendizado e a academia viabiliza sua compreensão, pois sabe-se que matéria
e energia são a mesma coisa, divergindo apenas no nível vibratório e no jeito
como são ensinadas. Assim, aqui ficam registrados os nomes desses alunos
de diferentes cursos, que, como o primeiro, fizeram por um tempo, dessas
páginas seu laboratório de aprendizagem e deixaram sua marca.
Gratidão ao Deus do universo, por incluir suas mãos entre as tantas que
escreveram esta história.
Este livro é apenas o início do que poderá se tornar uma grande obra. Fiz o
que foi possível nesse tempo, no meio de tantos afazeres acadêmicos e outros.
Se alguém sentir o chamado, siga, pesquisando e escrevendo, pois aqui tem
elementos que envolvem uma grande família, muitos sonhadores e, certamente,
um futuro promissor, enraizado num distante além-mar.
Referências
166
Anexos
167
Centenário de Ângela
168
Roteiro da cerimônia de celebração
do centenário de nascimento de Nona Ângela
Obrigado, Mulher!
Obrigado a ti, mulher mãe,
Que te fazes ventre na alegria
E no sofrimento de uma experiência única;
Que te tornas o sorriso de Deus
Pela criatura que é dada à luz;
Que te fazes guia de seus primeiros passos,
Amparo do seu crescimento,
Ponto de referência por todo o caminho da vida.
169
Obrigado a ti, mulher-esposa,
Que unes irrevogavelmente
O teu destino ao de um homem,
Numa relação de um recíproco dom,
A serviço da comunhão da vida.
170
4. Pedimos a licença e a colaboração de todos para trazer à memória a vida
de uma mulher muito especial, que há poucos dias celebramos o centenário
de seu nascimento: Ângela Mônego Conte. Graças a ela, nós nos encontramos
aqui hoje, por laços de sangue ou por uma livre escolha, formando uma grande
família à qual nos orgulhamos de pertencer.
171
Quando se senta com os anciãos da terra.
Tece linho e o vende,
Fornece cintos ao mercador.
Fortaleza e graça lhe servem de ornamentos,
Ri-se do dia de amanhã.
Abre a boca com sabedoria,
Amáveis instruções surgem de sua língua.
Vigia o andamento de sua casa
E não come o pão da ociosidade.
Seus filhos se levantam para proclamá-la bem-aventurada
E seu marido, para elogiá-la.
A graça é falaz e a beleza é vã,
A mulher inteligente é a que se deve louvar.
Dai-lhe o fruto de suas mãos
E que suas obras a louvem nas portas da cidade.
(Prov 31, 10-21)
5. Este texto dos provérbios nos relata como era a mulher ideal naquele
tempo, com seus usos, costumes e tradições.
172
Bênção
Que o caminho seja brando a teus pés;
O vento sopre em teus ombros;
Que o sol brilhe cálido sobre a tua face;
Que as chuvas caiam serenas em teus campos;
Que a amizade reine no teu lar e no trabalho;
Que a harmonia inunde teu ser como o sangue irriga teu corpo;
Que o desejo de perdão estabeleça morada no teu coração
E a paz te conduza em todos os teus atos.
E, até que eu de novo te veja,
Que Deus te proteja e guarde
Na palma de tua mão.
Roteiro
01. Participação de uma Missa em memória de Nona Ângela, na paróquia
de Ipê.
02. Visita ao jazigo da família, no cemitério de Ipê. Colocação de um
vaso de flores.
03. Homenagem à Nona Conte, na Colônia, com a participação de todos
os presentes.
04. Churrasco de confraternização, lembrando o desejo de Nona Ângela,
que sempre sonhou com uma família unida.
05. Homenagem às mulheres, pela passagem do dia da Mulher, destacando
a grande homenageada. As mulheres-mães foram brindadas com um
mimo, confeccionado por Ida, com conchas da Praia Recreio, litoral
norte gaúcho.
06. Por iniciativa de Ilton, neto de Nona Ângela, fomos presenteados com
duas músicas, muito significativas para o momento, relacionadas à
família.
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Mèrica, Mèrica
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América, América
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A delicadeza de Ângela em sua arte
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A delicadeza de Ângela em sua arte
178
Água, fonte de vida, a água
Homens invadiram
O planeta gritou
A procura de socorro.
Anos se passaram
Os homens não observaram
Mais a água, poluída, a água.
Quando nascerem
Os nossos filhos
Que destino vão ter?
A água, sumida a água
Vai desaparecer.
Camila Piccinini
Vencedora da categoria "Poesia" no IV Concurso Literário
do Colégio Marista Champagnat (2004).
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Onze filhos homens, um time completo de futebol.
Em pé: Valdir, Olímpio, Hilário, Ângela, Vitório, Osvaldo, Alcides, Maurílio.
Agachados: Hildo, Santo, Ivan (neto), Luiz, Manoel, Ari.
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Ângela, visitando a filha Irmã Elia em Rio Grande.
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Álbum de Ângela, com os retratos de todos os filhos,
relíquia de família guardada e protegida pela filha Ida.
182
Quem diria!... Depois de tudo isso, um livro para Ângela!
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Ângela, em seu aniversário de oitenta anos, 1995.
184
Casamento do Santo. Da esquerda para a direita: o noivo, Olímpio, Hilário, Hildo,
Vitório, Ângela, Osvaldo, Ari, Ida, Valdir, Elia, Alcides, Luiz, Manoel, Gema, Maurílio.
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Nesta obra foram utilizadas as fontes Scala e Great Vibes.
Páginas internas em papel offset 75 g/m2
e capa em papel supremo 250 g/m2.
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