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Boece eee ee O feminismo na historia: suas ondas e desafios epistemoldgicos Magda Guadalupe dos Santos Introdugao Quando se pensa acerca da dimensio epistemoldgica do feminismo na historia, pressupde-se discutir, em diversas perspectivas, ‘9 relevo politico-social, assim como ontologico-existencial ¢ mesmo cognitivo desse movimento, assumindo-o como fator preponderante no amadurecimento da consciéncia reflexiva da cultura. Tal dimensio corresponde, pois, ac lugar do discurso acerca do tema, o qual se firma em vertentes axioldgicas e hermentuticas, Por meio delas, buscam-se determinadasconcepgdesdeconhecimento,demodosdecompreender, valorar e justificar 0 objeto de andlise, assim como meios criticos de interpretagao e reflexio sobre alguns conceitos relacionais, como os da diferenca e igualdade, universalidade e pluralidade, proprios das discussdes feministas. Ao se firmarem possibilidades de criticas & formulagdes abstratas, tidas por universais ¢ neutras, de tratamento da condicdo humana, molda-se campo epistemologico sobre 0 ‘qual versard esse capitulo, Inserindo-se como meio de correlacionar virios t6picos de abordagem do feminismo, sua dimensio histérice frisa © método de anilise temética, delimitando caminhos ¢ vertentes Interpretativas, com consciéncia de seus limites Parte-se do pressuposto de que os movimentos feminists, «que surgem ¢ se desenvolvem ao longo dos tempos, tém wr [ager de destaque no amadurecimenio politica da Inomantdede (No entendimento de Bach, a epistemologia feminista realizow 0% porte tubstancial no campo dos saberes, na medida em que Pode Fesgatar as experiéncias das mulheres, que jamais pee 7 levadas em consideracao pelas teorias tradicionais, por melo de ss “voz individual ou coletiva’! mas de mujeres. Revista del TAGH, Ana Marin Bl Rescate del conoeimienta Temas d6 eS UN" CEHIM (Centro de Estudios Historicos ters nat Filosofia: machismos fe Sem as manifestagSes dos virios e heterogeneos movi sn ie oie hag nin, amplarepercusio sociojuridicae, portanto, politica, terion eon divers certamente, em mais retraido do que hoje. Observe ue o movimento politico das mulheres nos faz questionay ae “o femintsmo segue transformando o mundo?” A resposta rod encontrada nio na organizagio ou no poder, mas nes pres tomada de consciéncia, assim como no exercicio da pains relagio, que “dio valor politico A subjetividade”, tomenda ee, uma “orga capax'de mudar a realidade’) © que tambon; om perceber que os crtérios de total objetividade e imparcialyasee de leituras do mundo merecem ser colocados sob suspeit: on «scamotelam o lugar do sujeito que pensa, questionac age” P°* so ussbes entre 08 géneros, a busca de isonomia ses ecimento das diferencas entre mulheres e homens’ é “angam sentido ¢ importancia fatica por forca dé ci ‘Meee r¢a das lutas incansdveis do eminismo na histria, Como uma vor que costurae digniies as, votes sociais e politicas, 0 feminismo surge ‘eco que modifica as for eaten Insatocen seed See reea| dever ser dos comportamentos buna 7 ade rfutando falsas posturas morais, assumidas n lo apenas manifestam o on stando apenas manifetam o latente deseo de farse poe eoT¥eRS Sto miltplas e intensas, Nesse sentido, chal obec ante Mesconar as andlises de Rodriguer Magda, @ Fars ne £000: &m apenas tint anos, se passou da segunda fatten cas ae feminismo e que o feminismo da igualdade oder rn ets pots dees, houve a desconstusto Pos 0 pensamento pon cals sas suest0es, a qual nos chegou por melo 0 ciberfeminiemss oh 40 multiculturalismo, da globalizacio "6.36 nie 2 ipo ae fovea Ra SSeS eee EEE HEEL vel em ci ri: ctp ware unt eduar/centiti/ecim/cebi ro em 2 be. 2010 7 forerinay dca aso feenca In: RUIZ, Aleta B.C. (Ong) Menta * MAGA, ge il Bator ies, 2000 p98, Sibert qh fdleue. £1 placer det simulacro; feminiao¥ OAM, Bangg EMENIAS, Marin Luisa. Perfles del feminism? es: Catilogo, 2007, p. 147. feminism na istria 1 Da perspectiva epistemolégica, recusam-se aqui quaisquer iscursos de neutralidade, que poderiam contribuir de alguma forma para a permanéncia da dominagio patriarcal, Se o feminismo se expressa por meio de movimentos de luta de mulheres pelo reconhecimento de seus direitos civis € politicos, surgem também, a partir de suas ages e das teorias que as subsidiam e que buscam nelas inspiragbes para fundamentacdo de andlises, severas criticas & cultura androcéntrica. Parte-se, assim, de um pressuposto axiolégico: 0 valor intrinseco dos movimentos feministas na fundamentagio do exercicio da razdo politica, no apenas em sociedades totaltirias e despéticas, ‘mas igualmente democraticas, acreditando-se que tal lugar, de onde se procede a presente andlise, poders reportar-se a leituras de varias éticas, sempre evidenciando o fundo pouco imparcial sobre o qual se ergue a construgao temporalizada da cultura. ‘Com o feminismo pode-se aprender que a relacio do eu e do outro ¢intrinseca a “natureza simbélica” do individue humano, como bem afirma Muraro,* e que, ao falar do outro se esta evidenciando a necessidade de dever olhar ao redor ¢ tentar ver 0 quio préximo 6 simultaneamente, 0 quéo distante se esta de si mesma enquanto Mulher no século XXI. Eis que, na historia da cultura, acompreensio do sentido do existir humano encontra expresso na proximidade © no afastamento que tal movimento produz no individuo ¢ na coletividade. De outra feita, a tematizagio teérica sobre 0s conceitos Telacionais que surgem ao longo de todo o presente livro ressalta certa moldura fundamental para 2 compreensio das expresses ¢ manifestagSes feministas, Na interagdo de teorias com as formas de 440 politica, a reflexdo das mulheres acerca da construcio politico- social das configuracées do feminino e do masculino apresenta-se sob vatiagdes paradigméticas, com diferentes sustentagdes te6ricas de equiparagio entre os géneros. Desde a problematizagao das concepsdes da natureza humana até os desafios da psicanilise estabelecidos por Kristeva, Cixous, Trigaraye outras, diversas tendénciasepistemologicas sedesenvolvem, mas sobre uma base comum, qual sej, a de reconhecimento de uma necesséria equidade no tratamento deferido # mulheres € homens, * MUWARO, 2000, p46 Po le FEE EEE Eee eee cette iE Filosofia: machismos efeminis apesar das diferencas de género. Além disso, vale sempre menc a tpaensioepistemol6gica assumida pelo discurso feminista sempre {questiona o valor do proprio conhecimento, de sua defini © obtengao social ‘Como observa Bach, os “critérios de evidéncia” 8 cpistemolégicas, defendidos por Kuhn, Quine e Longing fares “ein age defniivo que se anuncia ast mesmo” Nescachave de leitura, os paradigmas de evidéncia se apresentam historicament ‘tlatvose dinimicos: surgindo ao mesmo tempo que os procestos através dos quais se gera 0 conhecimento. De fato, a epistemologia feminista pontua o papel ativo do sujeito cognoscente, cujas crengas € cankecineatos slo gerados por sua “experiéncia interpessoal’, sens ina ouron conhecimentos € compromissos situados ___ Ao se afirmar que a ciéncia tem genero ¢ que ha, portanto visor odor de fiver ciéncis, a ideia de situapdo mostra-se fundamental para se estabelecer © critério de objetividade a que smulheres € homens, em diferentes épocas ¢ lugares, ¢ sob variadas cries terco-epistemologicas,ousam produit conbecimento, Leiba Sonia Kruks que ese termo, tal como fol utilizado por feauvoir, denota o peso da construgdo social, incluindo a questio de género na formacéo do eu e “s oe formaco do eu e “a recusa de redugao do eu ae de situagao € © que, de forma provocativa, vem “iss precisa objeividade epistemologica das ciéncias € stata. Esse suposigdo ou pretensio muito se evidencia 90% ae hermenéuticas masculinas, sustentando certa epeeaees a en distanciamento ¢ araaile cure abordagem intelectual e emocional- Nas variagee Ge nai so século XIX, podem ser confrontadas varias posicoet ©, entre ee eee como na polémica das antigos ¢ moderno® morais ¢ polite dos iluministas. Observa Valeércel que a6 ideias fae condealics do tuminismo deveriamn conduzit até ‘onde de imvocrantia0 ertor, j& que menhum dos prinelpios ave am mesmo resistir a uma andlise ~ € isso poraue [ae BACH. 2010, pax *_KRUKS, Sonia Ge feminist Getde and subjectivity: Simone de Beauvoir and contemPore? 9.15.92, Auton, 1992, ynisme na histéria fem iss sy humanidade nao é um conjunto homogéneo, a sociedade ndo € ‘um contrato, 0 individuo nao é auténomo € a yazio nao ¢ racional””? Contudo, no campo das discussdes sociais, sempre mergu- thadas nas transformagées das sociedades ¢, pois, no imaginario cultural, o pressuposto de imparcialidade nas formas de tratamento tépico se mostra hoje bastante vazio de significacdo, no podendo ser confundido, entretanto, com falta de critérios para métodos de abordagens tematicas. Com proposigdes metodologicas sem registro de intengdo e de situacdo, 0 que se conseguiu, ao longo dos tempos, foi a imposicdo dos ditames masculinos ao poder do discurso, ‘om explicita exclusio das mulheres do campo epistemolsgico de ressignificagao de direitos, deveres sociais e, pois, politicos. ‘Nesse sentido, vale ressaltar 0s apontamentos de Pateman, ao tratar do contrato sexual como uma hist6ria da sujeicdo. No entendimento de Femenias, Pateman mostra com severidade que as felagdes contratuais, em que se assentam certas anélisesfilosofico- politicas, simbalizam, simultaneamente, liberdade ¢ dominasio. }i que buscam liberdades pitlicas, mas ampliam as submissO¢s privadas e domésticas.* No entanto, também os apontamentos de Pateman, ao versar sobre a relago homem e mulher, estdo sujeitos a critican se analisados de uma Perspectiva epistemologica distinta, Como a da feminista argentina M. Luisa Femenias, que entende ser possivel, hoje, “conjecturar modelos sistemicos estruturais mats Profundos” que geram “agdes mediadas de modo mais abstrato ¢ Tmpestoattais como 0 comércio da prostituicio ¢ da maternidade subsopada em forma de barriga de aluguel, alémm de outras Que Gemstam a complexidade € heterogeneidade préprias das sociedades contemporineas. Defronta.se, pois, com um nitido exemplo da complexidads epistemolégica das andlises feministas da historia, De wm lado, pode se evidenciar as mulheres ¢ sua luta pela igualdade enquanto Sbjeto de vonhecimento: € de outro, ha o reconhecimento do ponte de vista da ética feminista, em suas complexas variagdes, como Sujeltos femaninos da cigncia. Tal perspectiva se demonstra nat J VRIGARGEL Anda Del miedo la gualdad, Barcelona: Cxca, 1995 P. SP + REMENIAS, Maria Lulsa, Lecturas sobre contactaalisme: Pateman y is 37% SAREMENIAS, Maria (Ong) Mende femenina » discurce jariico Buenos Aires: Bibles, 2000 P. 97 eae EEL

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