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Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto

Da Penumbra – Do Desenho E Da Escuridão


Mariana Sales Teixeira

Relatório de Projeto
Mestrado em Desenho e Técnicas de Impressão
2015 – 2017

Orientação: Prof. Dr. Jorge Marques


Coorientação: Prof. Dra. Graciela Machado

1
Ao Rui e à Gabriela.

Com agradecimentos muito especiais a todas as pessoas que partilharam comigo estas noites e
escuridões.
A cada um dos meus professores, professoras e colegas que partilharam comigo o desenho e a
aprendizagem.
E à família, sempre e por tudo.

2
Da Penumbra – Do Desenho E Da Escuridão

Resumo:
A escuridão, como o lugar da falta ou da distância e assim também do medo e do desejo na vontade de desenhar é o que
motiva este trabalho.
Que desenhos? Que escuridões? Que condições para um desenho no escuro, ou um desenho sobre o escuro?
Desenhar no escuro, às cegas, ver no escuro, o desenho cego, o que vê quem não vê — são algumas expressões que
remetem para as condições do corpo e do desenho submetidos ao território da sua própria visibilidade enquanto objeto e
assunto do desenho. São também a condição para uma experiência do desenho que força o corpo a concentrar-se naquilo
que, para além da visão, compreende a realidade — na experiência do tempo, do tato, da memória e da imaginação.
Interessa, portanto, compreender, para além desta motivação inicial, o que constitui fundamento para um desenho que
encena a sua visualidade na interrupção da cadeia percetiva entre o ver e o fazer.
Nesta procura, ensaiam-se processos, experiências, sob diferentes luzes, numa travessia de aproximação ao invisível,
intangível, ou impercetível que visa refletir sobre o corpo, os sentidos, o medo e o desejo. Em deambulações análogas ao
universo do desenho e da gravura, resultaram diferentes séries que simultânea e sequencialmente revelam desenhos para
uma escuridão anterior.

Palavras-chave: Escuridão; Visão; Olho; Desenho; Processo

3
“Temia que as sombras de súbito se extraviassem, animando-se – e monstros, monstros de bruma, corressem
sobre mim aos esgares, arrepanhando-me (…) às escuras … Ainda hoje não sei entrar nelas tranquilo (...)
de mais a minha inteligência sabe coisa alguma de espectral existir aí – mágicas vibrações, indícios nenhuns
de sortilégio ondular ao redor (...) E lembram-se fantasmas... triângulos frios... espadas nuas... listas de fogo
doutras cores... (…) e percebo agora que o meu receio era apenas de o ficar conhecendo realmente, e assim
perder aos meus olhos todo o seu encanto.”
“Que cenário de quimeras! ... Na noite, entre a escuridão, ao longe, os lugares bem conhecidos – os pomares,
os vinhedos, os eirados, os jardins – surgiram apavorantes, noutros contornos... As ruas, ladeavam-nas os
monstros de bruma verde em que o buxo se convertera -... Tudo sombra, sombra vacilante, enfim, ao meu
redor, a modificar subtilmente, constantemente, a paisagem noturna (...)
Depois nunca me tornei a enganar...”
(Sá-Carneiro, 2007, pp. 64 - 67)

“(...)guia desta técnica são a luz do sol, a luz do teu olho e a tua mão, pois a razão nada pode ajudar sem a
ajuda de estas (...)”
(Cennino Cennini)

“Fecha os olhos e vê”


(J. Joyce)

“In the Dark, eyes wide open!”


(André Breton)

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Índice

Introdução: 6–9

I – Escuridão: Medo E Desejo. 10–15

II – Navegação: Desenho, Cafeína E Fosforescência. 15–28


II.i – Desenhos para uma escuridão anterior: O primeiro exercício. 21–28

III – Penumbra 29–57


– Da Noite: 30–37
– Do Sono: 38–41
– Da Cegueira: 42–47
– Da Saudade: 48–51
– Da Transparência: 52–57

Considerações Finais 58-60


Bibliografia 60–61
Índice De Figuras 63–67
(Anexos) Livro de Projeto 70–

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Introdução:

Da Penumbra é o lugar que situa este projeto de investigação em torno da vontade de desenhar e do fascínio na
escuridão. Atenta-se no fenómeno da escuridão, como um lugar do medo e do desejo, lugar da ambivalência entre as
angústias e desígnios deste projeto, que operam sobre a noção de perda: de luz, de visão, de controlo, de contorno e de
segurança.
Fez-se assim, da demanda deste projeto criativo e levado pela prática, que procura submeter o desenho à
experiência da escuridão, de suplemento fenomenológico às definições convencionais do espaço, do mundo e da nossa
possibilidade e interação criativa para com este. Cujas aporias e provações se fizeram corresponder a distância, sobre a perda
e a falta; a cegueira. E acompanham um período de tratamentos e combate à degeneração da visão do meu pai, assim como
pela distância e saudade de casa.
Os propósitos acima levantaram as seguintes questões: como confrontar o medo e desejo através da prática do
desenho?; sobre o papel da visão: como ver sem luz? Como vê quem não vê?; Como o desenhador se comporta na escuridão;
que escuridões? E quão escuro? ...
Estas questões estão na base deste projeto intitulado Da penumbra – Do desenho e Da Escuridão. Descobre a
penumbra numa sombra menos escura; entre a luz e a escuridão, um lugar entre: do desenho e da escuridão; o lugar onde o
desenho se faz e pensa.
Este documento serve de relatório a esta investigação que, ao longo destes dois últimos anos é levada pela prática
e pelo estudo do desenho, apoiada em reflexões e análise de indagações e exposições de outros artistas, filósofos e
pensadores do desenho que se identificam com as primeiras angústias e provações que motivaram este projeto. Onde há o
fascínio pela escuridão, pela noite e outros fenómenos e poéticas da cegueira, da perceção, da observação, da memória e da
distância. E onde a experimentação, diferentes funções e estratégias do desenho entram em campo e submetem a prática e a
vontade de desenhar em confronto com o medo. Seja, por exposição aos elementos do medo, a distância: a, da cegueira, da
saudade, da noite, ou do sono como possibilidade de contornar, representar – ou entrar contacto com – a partir do desenho
e a gravura num diálogo visual com a cegueira.
É então, que estas ideias são exploradas num conjunto de diferentes e complementares abordagens. Isto envolveu
diversas tarefas: A de ensaiar diferentes ferramentas gráficas no desenho de observação direta de dia e de noite –
enfatizando a ferramenta do caderno de campo – e de observação indireta: a partir de registos vídeo e fotográficos, ora a
partir do testemunho de outrem; A de considerar a implicação da natureza dos elementos no corpo do desenhador, como são
implicados os sentidos, a orientação e concentração, o sono, e o medo; Explorar a dimensão gráfica da trama e da
materialidade da matriz do desenho em processos subtrativos/aditivos através da Calcogravura; Em ensaiar estratégias que
referenciam a imagem, o ânimo, o desenho cego e outros automatismos do desenho em processos de transferência e recolha

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algo aleatórios de arquivo e documentação, ora no acompanhamento dos tratamentos oftalmológicos do meu pai, como do
desenvolvimento de todo este percurso.

Introduzido o propósito deste documento e apresentadas as motivações e inquietações do projeto, o estojo de


desenho para o seu desenvolvimento e o carácter pessoal e essencialmente experimental desta investigação que está ainda
em aberto, adiante, apresenta-se a estrutura e organização deste relatório com um breve resumo descritivo dos conteúdos
desenvolvidos em cada uma das suas partes.
Prosseguem dois capítulos, cinco cadernos, uma secção com Considerações Finais, Índice de figuras, a Bibliografia
e, por fim, em anexo, o Livro De Projeto. A enumeração, como é indicados no índice, - não obstante os cadernos serem
encadernados independentemente, idealmente, poderem até ser consultados noutra ordem qualquer – identifica-se, na
versão impressa, encadernada em conjunto: a Introdução, I, II (Escuridão e Navegação), Considerações finais, Bibliografia e
Índice de Figuras Anexo. Em III, os Cadernos da Penumbra, encadernações soltas com os resultados: Da Noite, Do Sono, Da
Cegueira, Da Saudade, e Da Transparência. Por fim, anexo a tudo isto, o Livro de Projeto.
Os capítulos: um primeiro intitulado de Escuridão: Medo E Desejo e um segundo intitulado de Navegação: Desenho,
Cafeína e Fosforescência, servem de vigas estruturais que suportam todo o desenvolvimento desta investigação.
A primeira, Escuridão: Medo E Desejo, apresenta o tema e uma delimitação do campo teórico e conceptual desta investigação.
Começando na noite, descobre na escuridão um lugar fascinante e rico a descobrir. A partir da análise e referências de outros
autores. Concentra-se na ampliação, ambivalência e provação do medo e do desejo. Transforma a falta, perda e ganho em
distâncias; ambivalências. E explora as questões da visibilidade, do projeto da imaginação, do devaneio e da sua dimensão
intimidante. Por fim, apresenta os lugares a partir dos quais se explorou a escuridão e as suas aporias.
A segunda, Navegação: Desenho, Cafeína e Fosforescência, fala sobre a metodologia, como navegar nesta escuridão
através do desenho, o seu sentido operante. E com que estojo? Com que materiais? Com que meios? para explorações e
aproximações ao lugar do medo e desejo, este capitulo estabelece uma relação da escuridão com os procedimentos técnicos,
práticos e metodológicos. Reconhece um mais alargado campo de implicação da condição da visão – e da cegueira – na
disciplina do desenho e que por fim se anuncia alguns lugares onde estas questões se provaram na prática. Apresenta a
organização dos cinco cadernos Da Penumbra que se seguem como abordagens diferentes e necessariamente
complementares resoluções para as questões motrizes como desenhos para uma escuridão anterior. Num subcapítulo com o
mesmo nome analisamos algumas das ferramentas e procedimentos a partir da análise a oque foi o primeiro exercício.

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Os cadernos: Da Noite, Do Sono, Da Cegueira, Da Saudade e Da transparência; apresentam os resultados desta
investigação e servem de pontos de referência; coordenadas ao e desse lugar da escuridão.
Em Da Noite, explora a paisagem noturna, o desenho de observação direta in situ, e a exposição do corpo aos
elementos. Em desenhar no exterior em excursões noturnas a lugares desconhecidos. Recorreu-se ao Caderno De Campo
como uma ferramenta de levantamento de campo, de ensaio e experimentação gráfica a partir da qual se descobriu as
principais dificuldades e possibilidades do desenho que são posteriormente refletidas em outras séries de desenhos.
Identificam-se também os fatores e condições da escala, portabilidade, duração, conforto e acessibilidade nesta atividade.
Destas excursões noturnas apresentam-se três séries de desenhos: um conjunto de diários de bordo, a Série Sem Título I –
explora a cor e a habituação do olho à falta de luz – e a Série Sem Título II – mancha direta a grafite, em reflexo;
Do Sono, exploram-se e ampliam-se algumas das aporias identificadas no desenho às escuras na noite, o trabalho
da perceção e da imaginação. E o devaneio. Trazidas para o desenho de observação diurno. Noctambulismo vs
sonambulismo; São apresentados dois conjuntos de desenho: Superfícies Encarnadas, Levantamento E Transporte Da Pedra,
onde foram exploradas o animo da imagem, e o exercício de cópia e redimensionamento através de um pantógrafo;
Da Cegueira, apresenta um projeto em colaboração com o meu pai que acompanhou um período de tratamentos
oftalmológicos contra a degeneração da sua visão. São explorados o desenho de observação direta e indireta – através dos
olhos de outrem –; o testemunho, descrição e a correção oral e visual para uma representação gráfica da sua perda de visão;
ensaia-se a representação do olho; recorre-se a fotografias e memórias de família; explora-se a dimensão gráfica do furo e da
falta através do spolvero e outras técnicas de transferência. Também do ex-voto.
No caderno Da Saudade, trabalha-se o nevoeiro como evocação da saudade, como uma distância com espessura
que se tenta diluir e contornar. Explora-se a dimensão gráfica da trama e a materialidade da matriz do desenho considerando
a construção da imagem em processos de subtração – ou corrosão através da técnica da água forte, da calcografia – gravura
em baixo-relevo. E a partir da observação mediada por uma câmara de vigilância em streaming de uma paisagem que me é
querida e familiar. São expostas duas séries: Horizontes Artificiais e Água Forte Lagoa Fogo;
Em Da Transparência, são exploradas, neste caderno, as diferentes fases e funções do desenho de projeto, através
da transferência, arquivo e documentação dos seus índices, interstícios, desígnios e humores. São-lhe atribuídas duas séries
de desenhos: Fantasmas Químicos, de transferências em papel químico do trabalho sobre o estirador dos ateliers e
Fantasmas de Lama que descobre vestígios e gestos índices dos lugares por onde se trabalhou às escuras durante as
excursões noturnas (do trabalho apresentado no caderno Da Noite).
Por fim, em Considerações Finais, numa reflexão critica sobre alguns resultados do desenvolvimento deste projeto e
do seu percurso, foca-se nas dificuldades ou fragilidades maiores assim como prospeções futuras.
A bibliografia identifica as fontes de referência do material consultado e citado.

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Anexo a este documento, o objeto do Livro de Projeto apresenta uma leitura complementar. Essencialmente
privilegiando a imagem, quer de registos fotográficos do fazer do trabalho, quer de referências outras. Revisita os seus
processos, os bastidores, os despojos, as sobras, ...; descobre o percurso deste projeto estruturado em quatro capítulos.
Quatro cantos. Correspondendo os quatro aos quatro ambientes e espaços de trabalho:
I) Ob-; À Noite – o que aconteceu de noite ou no exterior.
II) In-; No Atelier – o que aconteceu de dia, no estirador, espaço de planificação, análise e execução
alternativo à escuridão da noite.
III) Nas Oficinas De Gravura – um espaço da faculdade com horários, regras e escuridões próprias.
IV) Aos Olhos Do Meu Pai – momentos de contacto e diálogo com o meu pai.

Nota: as citações que constam no relatório originalmente escritas noutra língua que não português foram traduzidas por mim
para uma maior fluidez do texto. Excetuam-se as situações em que, por especial carácter poético ou por se assumirem como
terminologia técnica ou próprias formulações dos trabalhos discutidos, os originais são mantidos.

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I – Escuridão: Medo e Desejo Neste projeto, aproximo-me da noite, para a
evocar como a “antiquíssima enfermeira”1 e Álvaro de
Campos, consoladora das aflições.
Boa Noite,
E essa noite aproximou-se pela experiência
Aqui apresenta-se o campo desta investigação: A
da escuridão.
Escuridão, lugar do medo e desejo.
O fenómeno da escuridão, compreendemo-lo
como um lugar do consolo, da restituição. Igualmente,
Começámos na noite.
como um lugar do medo e do desejo que trabalha
A primeira pergunta que se lançou foi “como
com a perda e a falta na privação de luz, de
desenhar à noite?” e “como o desenho se comporta à
visibilidade, de controlo, de estabilidade, de contorno,
noite”.
de segurança, ...
Esse trabalho com a perda será avaliado adiante
É que, privilegiando-se a visão, privilegiam-se as
como o que a sua experiência terá para oferecer à
horas bem iluminadas do dia e os seus ângulos exatos
prática artística (e) do desenho.
para a produtividade e eficácia, o horário laboral, para
E é quando experimentamos a noite, como
a racionalidade e a ordem. O dia é um lugar da
um lugar, “que todos os objetos se abstraem e
certeza, da lei, da segurança, do público.
perdem a sua estabilidade visível, que a noite nos
revela a importância dos objetos e a sua fragilidade
À noite é atribuída a função de renovação, de
essencial, ou seja, a sua vocação de se perderem
reposição dos ciclos, aquela fenda nos freios da
diante de nós exatamente no momento em nos são
máquina do dia. Abre lugar ao íntimo e aos elos
mais próximos.”(Didi-Huberman, 2011, p. 80) Este
ocultos do devaneio, do caos, do crime, da virtude e
projeto do lugar da escuridão que aqui se apresentam
do pecado; ora de vocação erógena ora figuração da
as suas aporias, faltas e perdas, entende o fenómeno
morte; ... enfim, o lugar do medo e do desejo; “na
da escuridão, “como uma experiência em que a
noite cabe tudo: o tangível e o imaginado, a insónia e
privação (do visível) desencadeia, de maneira
o sono, sonho e o pesadelo, o cansaço e o descanso,
inteiramente inesperada (como um sintoma), a
a boca que beija e a boca que morde, o isqueiro e a
abertura de uma dialética (visual) que a ultrapassa,
lâmina, o salto e o susto, a sombra e a sombra da
que a revela e que a implica”(Didi-Huberman, 2011,
sombra”(Cabral, 2015) ....
p. 80)

1
Álvaro de Campos “Vem, Noite antiquíssima e idêntica” de 1914

10
Estas aporias – privações, perdas ou faltas perda e da falta: numa ambivalência que nos permite
– designar-se-ão como distâncias: aspetos sucedâneos novos encantos que desafiam a gravidade
ambivalentes. Tanto da carência como da providência. num ambiente desarticulado e incorpóreo.
Quer do desenho como dos desígnios desta E nesse “misto de estranheza e atmosfera
investigação; do medo e do desejo. selvagem que a escuridão impõe num lugar”(Cabral,
2015, p. 47) há um jogo de distâncias: quando às
Ao considerarmos um espaço de privação da escuras, as presenças dos corpos oscilam entre o que
visão, há que considerar como visual este trabalho (a)parece e o que se contacta. Essas carências ou
com a perda da visão, apesar e para além da aporias são tornadas em algo mais otimista: tratam-se
oposição canónica do visível ou invisível; onde ver já de distâncias. Distâncias que tentar-se-ão contornar.
não é só com os olhos, mas apesar deles. Ver designa Aproximar – representar – através do desenho.
também uma “operação de exploração e reflexão A luz, a visão, a segurança, etc., não se perderam:
sobre o mundo sensível a partir de todo o seu está a alguma distância. A distância pode ser definida
corpo.”(Modzain, 2015, p. 18) e a imagem distingue- como por Erwin Strauss, em Do Sentido Dos Sentidos,
se do visível; a imagem, “a produção interna dos 1935, em uma reflexão sobre as “formas espaciais e
signos da separação e da ausência” (Modzain, 2015, temporais do sentir” como uma “trama singular do
p. 18), que se encontra em todos os sujeitos dotados espaço e tempo”; uma constância que compreende o
do dom da palavra e não obrigatoriamente enquanto próximo e o afastado, a falta, a perda e o ganho; “da
objeto da visão. mesma maneira que a palavra “um dia” compreende o
Se ver é “uma receção de dia e a noite”(E. Strauss, apud Didi-Huberman, 2011,
segurança”(Tavares, 2015, p. 364), então, a p. 133).
escuridão – o espaço da privação da visão –, é o E revela-se o direito do avesso da paisagem.
espaço do perigo; é onde perdemos o pé, e onde onde é o do nosso profundo íntimo que se projeta e
acontece a experiência do medo. O medo que, como o manifesta cá para fora nessa paisagem. E essa
coloca Mondzain (Mondzain, 2017), apesar de profundidade que nos estica os braços, os dedos;
alternar “com a corrida à felicidade”(Modzain, 2015, dilata as narinas, faz semicerrar os olhos, puxa-se
p. 134), é “ambivalente nos seus recursos”(Modzain, pela cabeça, sugerem-se e confundem-se os
2015, p. 134) e torna também a escuridão num monstros, ...; Sobre o paradigma da profundidade, M.
espaço imenso da providência, da maior possibilidade. Ponty (Fenomenologia Da Percepção, 1940
Pois com sentirmos medo há uma garantia de que consultado em Didi-Huberman, 2011, p.134), refere e
algo está ali. Seja vindo da noite ou das nossas considera o espaço para além do objetificável do
fábricas intelectuais, da nossa consciência imaginante. ponto de vista perspetivo, o espaço é para além das
Não olhamos então para a escuridão como um três dimensões, um ser polimorfo; “na profundidade,
território inóspito, vazio e estéril. Mas sim essa o espaço dá-se – mas dá-se distante, como a
imensidão que se navega para além do medo, da distância, sempre à parte, sempre produtor de um

11
desvio ou e um espaçamento” (Didi-Huberman, 2011, encontrar as aporias da escuridão sobre diferentes
p. 134) de acordo com o autor, o espaço assim luzes e lugares; da meia noite ao meio dia.
entendido não é apenas espaço, é um elemento de O produto deste projeto é a consciência
desejo e protensão. Um ‘lugar’ “sem distância entre dessa correspondência\ampliação
ela e mim”(M. Ponty apud Didi-Huberman, 2011, p. Mas não será mesmo essa a própria
80) que liga, junta e une. E que faz “transcender-nos natureza da noite face ao dia?
nas coisas” (ibid.).
Para nela – na escuridão – a conseguirmos Como nas palavras de J. Joyce “Fecha os
contornar e delinear, desviamo-nos; seguimos no olhos e vê” (J. Joyce (1922) apud Didi-Huberman,
devaneio por algo vasto. Num exercício de ampliação. 2011, p. 9)? Ou de André Breton “in a dark room,
Onde “o espetáculo exterior vem ajudar a revelar a eyes wide open” (Breton apud Morris)
grandeza íntima” (Bachelard, 2008, p. 197). e como
um mecanismo de defesa, o mesmo autor, conta-nos A provação do medo e desejo, iniciou-se
de Diolé a – imaginar – encher de água o cenário do num jogo de equilíbrio entre ambos na tentativa de
penoso e “repugnante”, (ibid. P. 211) e maldito representar essas distâncias, colmatar essas faltas e
deserto. contornar essas perdas. Como defende Marie-José
Bachelard conta-nos ainda do vasto um Mondzain, em Homo Spectator – Ver E Fazer Ver: Há
termo que é usado por Baudelaire e reúne os que se passar “necessariamente também pela
contrários. A palavra “que mais naturalmente marca a provação de uma angústia que nenhum socorro pode
infinidade do espaço íntimo”(Baudelaire apud resolver se não passar pelo apelo aos seus recursos
Bachelard, 2008, p. 196), que “evoca calma, paz, criativos, a sua potência de invenção e de encenação”
serenidade ... unidade (...) que abre um espaço (...) (Modzain, 2015, p. 138) e que “face à prova do
longe das prisões quiméricas que nos medo, a resposta da coragem, face a prova do poder,
angustiam”(ibid. p. 202) a resposta da autoridade”(Modzain, 2015, p. 52).
Assim se explora a escuridão: como um
lugar de culto2; trabalhado, imenso, vasto, lugar do Encontraram-se noutros autores este
medo e do desejo, da distância, que se opera pela movimento de provação perante a experiência da
ambivalência das suas aporias. escuridão e o seu fenómeno:
Reconhece-se-lhe a tal “inelutável cisão Recordo a passagem de Mário de Sá-
entre o que nos olha e aquilo que vemos”(Didi- Carneiro (1890-1916), uma memória da sua infância
Huberman, 2011, p. 9) o que nos levou também a na sua casa de família que nos traz monstros,

2
Sobre este culto e sobre a história da própria palavra, e como dele, de o cultivar. É um acto relativo ao lugar e à sua gestão
ela é trazida para este projeto: “Cultus – do verbo latino colere – material, simbólica ou imaginária: é um acto que nos fala
designou inicialmente o acto de habitar um lugar e de se ocupar simplesmente de um lugar trabalhado. Uma terra, morada, ou uma
obra de arte” (Didi-Huberman, 2011, p.126)

12
fantasmas, aventura e fascínio, ou medo e desejo por outras como com Jean Paulham e Husserl. Em
lugares da escuridão: a noite nos jardins ou na experimentar espaços onde as luzes se apagam à
arrecadação do sótão. Encontrei este livro no primeiro procura de, respetivamente, a experiência do espaço
dia deste projeto, perfaz a minha proposta de cubista ou forjado um conceito de “representação do
investigação e serve, também por essa ordem, de vazio”(Didi-Huberman, 2015).
epígrafe a este relatório;
Miroslaw Balka, em How it is na Turbine Hall,
A experiência que Tony Smith (1912-1980) 2010-11, (Fig.2) desafia a escuridão ao espectador
nos relata3 de atravessar à noite uma autoestrada em oferecendo a experiência de atravessar uma enorme
construção em New Jersey em 1951, que estrutura em completa escuridão forrada com um
posteriormente implicou este território inquietante tecido preto que absorve a luz e abafa o som. O autor
refletindo-se no seu pensamento sobre a arte e explora temas históricos e religiosos como o
ganhando forma na sua obra escultórica. Em 1967 transporte dos judeus na segunda guerra, ou o
com The Maze, fig.1, transporta-se esta experiência purgatório cristão, também inspirado na peça
noturna do autor para a do espectador que percorre homónima de Samuel Beckett (1906-1989) publicada
os volumes pintados de preto da instalação; é em 1961, de um narrador, que na interminável lama, Fig.2 How It is, 2010
atribuída uma certa plasticidade e artificialidade ao fala da sua vida. A obra de M. Balka, senão ambas,
fenómeno. Considera-a em relação à experiência e trabalha com a experiência individual vs. a consciência
expressão artística e encara a escuridão como uma coletiva num desafio aos sentidos e à (des)orientação
massa densa que se arquiteta e que se habita; um de ser\estar num espaço imenso e – totalmente vazio
corpo que ocupa um espaço tal como o corpo do - cheio de escuridão.
espectador.
Em Falenas (Didi-Hubermann, 2015) com Ou perante uma gruta: onde Leonardo Da
Fig.1 The Maze, 1967
título de borboletas noturnas, explora a questão da Vinci (1452-1519), apresenta a escuridão como lugar
imagem e as suas oscilações, o autor, G. Didi- de medo e desejo e a experiência da escuridão
Huberman, equipara esta abordagem de Tony Smith a introdutória à disciplina do desenho quando surge

3
Texto do testemunho de Tony Smith: “Era uma noite escura, e sentir. No início, não soube o que era, mas aquilo libertou-me da
não havia iluminação nem sinalização nas laterais da via, nem maior parte das opiniões que tinha sobre a arte. Penso que aí
linhas brancas nem bermas, nada a não ser o betume escuro que residia uma realidade que não tinha qualquer expressão na arte. A
atravessava uma paisagem de planícies, cercada, ao longe, por experiência da estrada constituía claramente algo de definido, mas
colinas, mas pontuada por chaminés, postes de eletricidade, isso não era socialmente reconhecido. Pensava para comigo
fumaças e luzes coloridas. Este trajecto foi uma experiência mesmo: é claro que é o fim da arte.”(tradução de J.-P.Criqui de
reveladora. A estrada e a maior parte da paisagem eram artificiais, “Tritrac pour Tony Smith", p44-46, sobre uma “forma moderna e
e, no entanto, não era o que se pudesse chamar uma obra de industrial do sublime"Didi-Huberman, 2011, p. 79)
arte. Por outro lado, fez-me sentir algo que a arte nunca fizera

13
também como prefácio à dissertação de Pedro Paixão, algo que me assusta e preocupa. Acompanha e faz-se
A Transparência Dos Signos, um filósofo que se assim corresponder com um período e um processo
debruça sobre a disciplina do desenho: de tratamentos do meu pai contra a perda da visão
“Levado pela minha desejosa vontade, causada por crises e reincidências de uma vitreite,
vagueio para ver a grande cópia das várias e uma inflamação no vítreo; humor vítreo ou corpo
estranhas formas feitas pela natureza artificiosa, vítreo do olho (na Fig.3 Humor vítreo e estrutura
retorcendo-me ainda mais ainda por entre os ocular).
sombreados escolhos, cheguei à entrada de uma A experiência da escuridão desenha-se
grande caverna, ante a qual, fiquei assaz estupefacto numa investigação de carácter experimental e pessoal.
e ignorante de tal coisa, os meus rins dobrados em Ao longo deste percurso, aproximações a esse lugar
arco, e pousada a mão cansada sobre o joelho, e com que eu entendo da escuridão são apresentadas em
a direita fiz sombra às pestanas baixas e fechadas; e relatos da noite, do sono, da cegueira, da saudade e
continuamente dobrando-me aqui e ali para ver se da transparência. Cada uma destas aproximações foi o
dentro discernisse alguma coisa; e isto vetando-me a resultado de uma investigação levada pelo estudo e
grande obscuridade que lá dentro havia. E tendo prática do desenho. Respetivamente:
estado assim demoradamente, súbito crescem em Observação noturna; sobre expor o corpo
mim duas coisas: medo e desejo: medo pelo do desenhador e como este se comporta à noite. Fig.3 Estrutura Ocular

ameaçante e escuro antro, desejo se ver de lá dentro Sobre o desconforto e outras particularidades que a
houvesse alguma coisa milagrosa” Leonardo Da Vinci, noite traz ao estar-a-desenhar-às-escuras -
código Arundel, 1555 R. (Paixão, 2008, prefácio) noctambulismo;
E o sonambulismo, ou a ampliação de
Este fenómeno da escuridão, como lugar do algumas das dificuldades do desenho para a luz do
medo e do desejo, é trazido ao desafio da prática e dia;
pensamento artístico e do desenho. Quer se faça A acompanhar um período de tratamentos a
acontecer perante a noite, grutas, paisagens naturais, uma doença que afetou a visão do meu pai. Lidar com
artificiais ou imaginadas, por mim ou por outros a cegueira. Em colaboração com ele e sobre o que ele
autores, as suas aporias são trazidas como vê - pelos seus olhos e pelos meus;
ambivalências ou como um suplemento E explorar o nevoeiro como uma outra
fenomenológico às definições triviais do espaço, do escuridão, uma que se corresponde com a saudade.
mundo e da nossa possibilidade e interação criativa Com essa distância que traz a saudade a partir da
para com este. recolha de imagens e paisagens da minha ilha, São
Miguel;
Evoca-se a escuridão a servir de tema e A compilação do material anexo e índice a
cenário a inquietações e motivações de um projeto de toda a produção, cúmplices a todo um processo de
investigação artística que me permite lidar e reagir a

14
trabalho: sobre a distância e comprimento temporal tratamentos à degeneração da visão no meu pai. E
de um projeto artístico e as suas manobras e faíscas. assim se deu aso, como analisadas em abordagens e
obras de outros autores, a um movimento de reação
Jogando com o medo e o desejo, cada um otimista e criativo e autoria artística em trono da
destes conjuntos de resultados opera na ambivalência escuridão, esse lugar imenso.
das distâncias - privações, perdas ou faltas - de luz, O desenvolvimento deste projeto, fez-se,
de visibilidade, de controlo, de contorno ou definição, portanto em aproximações à escuridão, esse lugar de
de segurança, .... que se veem\encontram na culto através da noite, do sono, da cegueira, da
escuridão submetendo o desenho e a sua prática a saudade e da transparência - Correspondentes com o
aporias correspondentes: Como se tentar ver e estar à desenho, a sua disciplina, estudo e prática. E que nos
vontade na escuridão, com o desenho, também se guia pela escuridão e que nos clarifica o caminho
tenta lidar com e contornar a cegueira. dando luz às suas aporias. Consente-se chegar na
Seja, portanto, na experiência e penumbra, esse estar entre o escuro e a luz. E é esta
correspondências de e com essas distâncias que situação que dá titulo ao que se explorou.
entra a ferramenta do desenho e que funda este As ferramentas, instrumentos e estojo com
projeto. Por dar luz às aporias da escuridão, a que se percorreu esse lugar serão apresentadas e
ferramenta do desenho situa esta investigação como desenvolvidas no capitulo seguinte: Navegação:
que na penumbra. Desenho, cafeína e fosforescência.
Entende-se a penumbra como uma parte menos
escura da sombra, mas ainda assim, não luz (Fig.4).
III – Navegação: Desenho, Cafeína e
Da penumbra intitula este projeto e é assim um estar
entre; um estágio em direção à luz e próxima à Fosforescência
escuridão; do Desenho e Da Escuridão
A escuridão é tema e lugar. Através do
desenho nos posicionamos na penumbra, neste
Neste ponto, e delimitado o campo da capitulo refletimos como se navegaram essas águas.
Fig.4, Sombra: Umbra, Penumbra e Antumbra investigação, que começou com a noite pelo
fenómeno e experiência da escuridão, apresenta a “espanto e terror devem ter sido as primeiras
escuridão como o lugar do medo e do desejo; lugar emoções provocadas pelo fenómeno da noite. Depois,
da ambivalência entre as angústias e desígnios deste como tudo, as coisas foram evoluindo naturalmente.
projeto de investigação artística sobre a noção de (…) passou a ser vista como algo natural,
perda, falta ou distância de luz, de visão, de controlo, inquietante, mas passageira, em saudável alternância
de contorno e de segurança – aporias análogas à com o dia. A vida estruturou-se em função a essa
experiência que acompanhou um período de alternância”(Cabral, 2015, p. 13).

15
“fixa a imagem do amado” criando uma “imagem de
Este capitulo apresenta alguns aspetos da substituição”. E baseada na sombra, “a imagem [a
metodologia e processo de trabalho: o estojo – representação] torna o ausente presente” (Stoichita,
conjunto de materiais, de meios e ferramentas mas 2016, p.15). Este mito é-nos contado como “a origem
também de técnicas e estratégias – com que o do desenho” (Bismarck, p. 6). E é no momento em
desenho serviu esta investigação e como se explorou que se apresenta como ‘origem’, como início e como
ao longo deste percurso. gerador, que se estabelece o desenho à ausência, à
Adiante, a partir de uma análise ao primeiro exercício perda e à falta, como reconhece J.J. Rosseau “mais do
– o caderno de campo - e como este exercício e as que o amor, foi o desejo de colmatar a perda, o sentir
outras diferentes séries e experiências se relacionam. da falta, a consciência da carência, que foi o inventor
do desenho”(J.J. Rosseau apud Bismarck, p. 38).
Começou-se com o desenho à noite; Trata-se que, então, o desenho agencia a distância, a
Começou-se com encontrar coisas que se veem distância que se deseja contornar.
iluminadas, de certo modo, como coisas que se veem Uma análoga participação da escuridão no desenho é
no escuro. Como pirilampos, essas formas ensaiada por Jaques Derrida (1930 - 2004) numa
fosforescentes4 que parecem ter sido carregadas tese que acompanha o desenho e a montagem e
durante o dia e que refletem luz durante a noite. catálogo da exposição Memórias De Cego, O Auto-
Retrato E Outras Ruínas apresentada no Museu do
Tratamos com o desenho. Louvre, de Outubro de 1990 a janeiro de 1991.
Fundamenta-se numa semelhante correspondência Reconhece-se o desenho num mais alargado (ou
com esse lugar da escuridão ao considerarmos que o ampliado) campo de implicação da condição da visão -
desenho e a sua disciplina, como ferramenta de a cegueira – e, portanto, correspondente com as
investigação, agencia as distâncias e opera através da aporias do fenómeno e lugar da escuridão.
condição da visão, da cegueira e da crença. Para o autor, também sobre o mito de Butades
Como nos conta Plínio o Velho, do mito de surgirão os eixos fundamentais para a argumentação
Butades5, a filha do oleiro de Sicião, desenha da sua tese sobre a designada "hipótese da
motivada pela perda do seu amado que vai partir para visão”(Derrida, 2010), Numa desconstrução da
longe. (Fig.5 E fig.6). Em reação à separação que se certeza do olhar e do olhar como fonte de certeza
anuncia, ela delineia, a carvão6, a sombra do seu onde essa skiagraphia, escrita da sombra, inaugura a
amado projetada numa parede. A Jovem apaixonada “arte da cegueira” e estabelece a cegueira na origem

4 5
A fosforecência é um aspeto da fotoluminescência, a Ou Dibutades
6
composição das superfícies e corpos fosforescentes radiam, A partir de Bismark e segundo P.J.-B. Nougaret, em Anecdotes
emitem luz\ brilham, no escuro após a remoção da fonte de De Beaux-Arts, Paris, 1776
Fig.5 e Fig.6, Representações na pintura do Mito de excitação lumínica, sem combustão e sem emitir calor. Difere de
Butades ou A Origem do Desenho. (Detalhe) fluorescência, outro aspeto do fenómeno da fotoluminescência.

16
do desenho; é o ditame da ausência que, equivalente que é o mesmo que cegueiras parciais que, no final,
à cegueira (o amado está ausente quando longe da se compõe numa imagem total e no entanto, numa
vista da jovem), radica o próprio desenho. outra realidade que se fia “na memória dos fios e
“(...)de uma sombra ou de uma silhueta, suplementa a vista, como se um olho sem pálpebra se
desenhe numa parede ou num véu, em todo o caso abrisse na ponta dos dedos: o olho a mais acaba de
uma skiagraphia, esta escrita da sombra, inaugura brotar rente à unha”(Derrida, 2010, pp. 11-12). O
uma arte da cegueira. A perceção pertence desde a olhar é a instância que alimenta a memória e não se
origem à recordação. Ela escreve, portanto, ama já na perde mais nas coisas, errante; ele ganha, sim, a
nostalgia. Desligada do presente da perceção, responsabilidade de "arquivista da visibilidade". E o
afastada da própria coisa que se partilha deste modo, gesto, finalmente, embarca nas sugestões da memória
uma sombra é uma memória simultânea, a varinha de criando o desenho. Como nos diz ainda e citando Paul
Dibutades é a bengala dos cegos”(Derrida, 2010, p. Valéry, que "há uma imensa diferença entre ver uma
54) coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando. Ou
Derrida, articulando o desenho e a cegueira, antes, são duas coisas bem diferentes que vemos.
explora a natureza ambivalente e nostálgica do traço Mesmo o objeto mais familiar aos nossos olhos se
do desenho e considerando a recondução da visão à torna outro se nos aplicamos a desenhá-lo:
memória, estabelece a visão como uma própria apercebemo-nos de que o ignorávamos, de que nunca
cegueira. Primeiro, propõem que desenhar implica o tínhamos visto verdadeiramente. O olho, até esse
sempre deixar de ver no momento de traçar. O traço momento, não tinha servido senão de intermediário."
perde de vista o modelo, quando o há. Nesse traçar, o (Valéry, Paul, cit. in Dastur, Françoise, op. cit., p. 77
desenhar propriamente dito, evoca a memória, uma apud Derrida, 2010). O autor apresenta então duas
espécie de memória, uma memória cega, que não vê hipóteses para essa articulação recorrente e circular
mais. No momento de desenhar, as coisas são entre o desenho e a cegueira. Primeiro, o de que "o
inscritas na memória desaparecendo aos nossos desenho é cego", o que significa que a sua atividade
olhos. Pressupõem-se ainda a própria visão como pertence a instâncias da cegueira; na segunda,
cegueira na medida em que, quando nos pomos a compreendendo que, e se, desenho e cegueira forem
observar e atuamos com intenção de observar, “eixos de uma só tensão essencial”, a análise de um
quando a visão entra em campo no seu extremo de desenho conduz-nos inexoravelmente à temática do
possibilidade, invoca a dar-nos tudo, acontece sempre autorretrato onde o traço do desenho institui uma
um exercício de memória que a interpela e reinventa singularidade autobiográfica enquanto tece uma
cruzando-a com outras memórias, experiências e criação ficcional.
sensações, compondo uma nova visão, uma nova Reconhecendo a “inelutável cisão entre o
paisagem. Acontece que, com a visão, nos detemos que vemos e o que nos olha”(Didi-Huberman, 2011,
em pormenores – porque supostamente nunca p. 9) que este projeto revela num exercício de
conseguimos senão alcançar visões parcelares ou, o ampliação que evoca a experiência da escuridão e

17
suas correspondências e aporias. O desenho – pai de cortinas, pernas e bambolinas 9 que cuidadosamente
todas as artes; agente da distância e operador da tocava orientavam-me até à saída para fechar a casa
cegueira; como linguagem própria, ela mesma e o dia de trabalho.
embrenhada e constituída por substâncias da Desta forma, um lugar onde, duas vigas,
escuridão faculta-se como ferramenta que guia e estruturantes, fixas na teia do palco, apresentam a
clarifica este projeto através da sua prática e estudo. contextualização e delimitação do campo, as principais
Este projeto resultou num conjunto de séries referências, âmbito e metodologia de trabalho. São
de desenhos que se correspondem com o lugar da estas vigas os capítulos Escuridão: Medo e Desejo (II)
escuridão, Como tendas no deserto7 ou E Navegação: Desejo & Cafeina E Fosforescência (III).
constelações8... Em simultâneo, adiante, como Os panos que se seguram nestas vigas figuram e
aproximações à escuridão, alimentam-se, derramam, representam o que se tocou na escuridão, tecem-se
iluminam e refletem umas sobre as outras a partir da do que se produziu, com o que se preencheu esse
noite, do sono, da saudade da cegueira e da espaço. Assim, os resultados plásticos desta
transparência. Que permitiram desenhar o que não se investigação seguem tecidos em diferentes cadernos
vê, ver sobre o que se desenha, ver com saudades, como pontos e coordenadas deste percurso. E são da
desenhar não se ver, e o desenho que prevê ou penumbra.
prever o desenho. A escuridão aqui trabalhada foi igualmente um lugar
que se redesenhou, se iluminou e se experimentou
Recorda-se quando trabalhei numa pequena sobre, de diversas formas ao longo do decorrer deste
companhia de teatro e o momento de ir para casa, projeto.
vinda das oficinas de cenografia, atravessava um
palco às escuras, orientava-me no escuro procurando Os espaços onde efetivamente o trabalho se
referências para atravessar aquele espaço. As desenvolveu: a faculdade, as oficinas de gravura, o

7
A partir de Levinas, a arte segundo Blanchot que “longe de estações e épocas de cultivo, colheita, e outras enfim mais ou
iluminar o mundo, deixa perceber o subsolo desolado, fechado a menos análogas à prática artística.
9
toda a luz, que o sustem e devolve à nossa estada a sua essência Perna: elemento que se caracteriza como limite lateral do palco.
de auxílio e aos prodígios da nossa arquitectura a sua função de Tecido sem armação. O conjunto de pernas e bambolinas é parte
tendas no deserto” em Tendas no deserto –texto de Paulo Pires da câmara negra.
Do Vale, catálogo da exposição homónima de João Jacinto, Assírio Bambolina: uma das vestimentas suspensas sobre toda a
e Alvim, fundação Carmona e Costa, novembro 2010, lisboa. extensão do palco, que evita o vazamento do urdimento e define a
8
Constelações: Padrões ou construções imaginárias que ligam altura do palco, em tecido de pouca altura e comprida. A
pontos luminosos de acordo com isto ao aquilo de forma a bambolina mestra é uma peça em tecido, estruturada ou não,
organizar ou catalogar o que vemos, mnemónicas, ou cábulas suspensa sobre a frente do palco e imediatamente atrás do
criadas para nos guiar pelo calendário ao longo do ano, das quadro do proscênio, regulando a altura da boca de cena.

18
meu atelier pessoal, casa e no exterior, à noite; estes O convívio dos diferentes ambientes de
espaços ditaram sobre o método de trabalho com as trabalho estruturou o livro de projeto, anexo a este
suas próprias condicionantes – quer institucionais, relatório, que fornece\concebe uma outra leitura a
sociais ou biológicas – criadas pelas especificidades este projeto. E, reorganizado, resulta no que está
dos seus equipamentos e arquiteturas. apresentado nos cadernos da penumbra - Da Noite,
A noite, o primeiro lugar da escuridão, aconteceu à Do Sono, Da Saudade Da Cegueira e Da
mercê do calendário dos astros que ao longo do ano Transparência.
trazem a noite mais ou menos tarde, das condições
meteorológicas e dos ritmos do corpo, que não
funciona igual de dia e de noite. É também um lugar
inevitavelmente interrompido pelo dia; O dia revelou
algumas escuridões ou aspetos da escuridão. A
gestão do tempo aqui partilha com os part-times,
outras lides e com o tempo passado no atelier – um
espaço partilhado com outras pessoas e sem horário.
E este espaço foram delegadas as funções de
planificação, compilação e gestões demais, também
do desenho.
A gravura, aliás: nas oficinas de gravura da faculdade,
com os seus horários e regras próprias, exploraram-
se outras escuridões. Por estarem assim sediados os
equipamentos que me permitiram trabalhar com
algumas das técnicas da gravura, aqui, neste lugar,
foram explorados alguns aspetos da escuridão e das Fig.7 Um mapa mental, 2016, colagem e técnica mista
distâncias - quando o fazer do desenho é partilhado Ou uma espécie de cartografia destas reorganizações dos resultados plásticos.
entre a minha mão e a da maquinaria – a Como no mapa de Terry Atkinson e Michel
materialidade do suporte com a calcografia, o digital e Baldwin, na Fig.8, considera-se a vastidão e a deriva e
o espaço online. e a distância entre aqui e casa, em negligenciam-se algumas das convenções do mapa e
são Miguel – a saudade aproxima-se de se considerar a construção e o objeto
Em tanta e maior distância: através dos olhos do meu do atlas.
pai; a cegueira, trabalhada em colaboração com o
meu pai que vive em São Miguel, ora ao telefone ora A figura apresenta o desenho da montagem visual e a
ao vivo, às horas possíveis, entre imagens, desenhos, composição de dados que visa a organização dos
palavras, estados de espírito. resultados plásticos em cadernos – panos da

19
penumbra – e, noutra organização, a encadernação múltiplos deslocamentos do olhar e reúne “os
do livro de projeto humores, e as cores “doces” ou amargas que
Esse desenho da construção de um projeto colorirão os nossos desejos”(Didi-Huberman, 2013, p.
como este, que segue pelo devaneio e a deriva por 34). Tanto a construção como na leitura converte-os
um lugar – a escuridão – relaciona-se com a num dispositivo remontável e revisitável de suporte
construção de um atlas na medida em que os dos “fenómenos e de outras coisas a ver, a entrever
resultados plásticos – aproximações - a este lugar, se ou a prever este mapa subjetivo transformado num
constituem de uma designação aberta a distintas vetor de desejo e de implicação imagética”(Vítor,
configurações de material e conhecimento. Aconteceu 2013, p. 12) e dá-nos a hipótese do devaneio no
de “desmontar e remontar a ordem das imagens divagar, deambular através desta “disparidade das
numa mesa para criar configurações heurísticas (...) incursões visuais e multiplicidade de evocações e de
capazes de entrever o trabalho do tempo sobre o sentidos” (Vítor, 2013, p. 12) e de explorar a
mundo visível. Esta seria a sequência operatória base impureza fundamental e o “caracter lacunar de cada
para qualquer prática que aqui chamamos atlas” imagem”(Didi-Huberman, 2013, p. 13) de cada
Fig.8, Map of a 36km2 surface area of the Pacifico (atlas p.55) desenho e de cada experiência.
Ocean, 1967, Terry Adkins & Michael Baldwin
Há ainda que considerar que este projeto
A exemplo da Mnémosyne de Aby Warburg, (Fig.9), G. alterou sistematicamente as minhas rotinas e a isto
Didi-Huberman (Didi-Huberman, 2013) descreve que acrescentou-se a incerteza e inconstância e a
o atlas não terá uma intenção precisa nem tem uma surpresa dos resultados dos tratamentos, e do
forma definitiva, terá tabelas e pranchas, não páginas próprio calendário da noite ao longo das estações do
encadernadas. Entenda-se o atlas um dispositivo de ano e condições climatéricas. Estas situações exigiram
conhecimento visual que reúne e implica dois uma metodologia de trabalho flexível a todos esses
paradigmas: a estética da forma visível e o epistémico humores.
do saber. O atlas, como o entende o autor (Didi- Esta flexibilidade requisitou diferentes ritmos
Huberman, 2013), um objeto explosivo e de trabalho, diferentes estratégias e ferramentas
inesgotavelmente generoso é uma forma visual do gráficas e constitui-se numa investigação – levada
saber, uma forma sábia do ver. Cujo motor é a pela prática e de carácter pessoal e experimental – de
imaginação, “Perturba quaisquer limites da desenhos para uma escuridão anterior.
inteligibilidade”(Vítor, 2013, p. 12). Uma
representação do mundo, um mapeamento possível Sendo todos desenhos para uma escuridão
de conotações e de associações inesperadas. Os anterior, proponho uma análise do primeiro exercício
efeitos desta digressão imaginativa compreendem em e de como este foi continuadamente aplicado e
si mesmos, o espaço paradoxal, do rizoma, de requisitado ao longo de todo este percurso que revele
heterotipias; os desvios, as divergências e os outros aspetos da metodologia e estrutura processual
Fig.9, Bilderatlas Mnemósyne, 1927-29, Prancha 50
e 51, A. Warburg

20
desta investigação. E como se refletem as questões e
inquietações iniciais ao longo das outras séries e
experimentações que este exercício implicou.

II.i – Desenhos Para Uma Escuridão Anterior: O


Primeiro Exercício

Como ”primeira definição de sombra se


transforma numa ‘dissertação sobre o reflexo 'mais do
que sobre a sombra”(Alberti na obra De Pictura,I, 11
p.98-99, apud Stoichita, 2016, p. 64), aspetos deste
exercício também serviram outros e posteriores
procedimentos.
Começou-se com desenhos feitos à noite,
onde quer que fosse, com o que estivesse no estojo
naquele dia. Mais tarde este exercício foi
sistematizado e incorporado no que agora se
apresenta no caderno-relato Da Noite como Cadernos
de Campo, I, II e III das Excursões Noturnas.

“Será realmente que eu desenho porque


vejo claramente isto ou aquilo? De todo. Pelo
contrário. Faço-o para me espantar de novo. E fico
deliciado se existem armadilhas. Eu procuro as
surpresas.”
(Fisher, 2003, p. 217)

(Fig.10) (uma seleção) dos primeiros desenhos, e do Caderno de Campo I, técnica mista s/
papel; Mariana Sales Teixeira 2015 - 2017

21
Paixão, 2008, p. 45); como um dispositivo que
Cadernos de desenho A5, de capa dura, portáteis e permite sobretudo treinar estar a desenhar e esboçar
fáceis de transportar na mala e de usar sem mesa no descomprometidamente o que se vai encontrando, à
exterior. Como nos sugeriu João Catarino no workshop noite e “sem olhar para trás”, sem intenção inicial de
inserido na U.C. de PCD, “Desenhos de Campo” em ser exposta.
Abril de 2016: tratamos este exercício e o suporte de No entanto, esta ferramenta serve para o dia
desenho “como objeto pessoal de recolha seguinte, daí que algumas particularidades de o que
contemplativa (...) [se encadernado] pode permitir ficou marcado nestas páginas, como um compêndio
mais privacidade, menos tensão e assim permite performativo, foi consultado para outros exercícios e
maior concentração durante o desenho”; um caderno, séries posteriores. Serve um pouco como um catálogo
portátil, disponível, reservado e pessoal. Relacionam- de estratégias, de dificuldades e soluções gráficas que
se com a ferramenta do diário gráfico e ao diário de mais tarde se transportaram e ampliaram. Com esta
bordo, de viagem ou um bloco de notas. São cadernos última característica ou função, relaciono-o com o
onde se inscrevem as observações feitas durante as model book. A exemplo o model book de Ademar de
excursões noturnas e servem a investigação como um Chabannes (988-1034), monge de Limoges. Ver
exercício, de caracter experimental, quer de fig.11. Ou outros exemplos das oficinas medievais; uma
ferramentas e elementos gráficas ou da performance fonte ou catálogo de figuras modelo que sirvam um
– estar e desenhar - à noite. Também de uso posterior por cópia ou transferência para pinturas
levantamento de campo – o campo da escuridão, esse murais, iluminuras, etc.
lugar de medo e desejo. Assim como de serviço à No entanto, a principal divergência para com
posterior consulta e reflexão, permitiu um este model book é o princípio do exercício da
“procedimento prático e cognitivo sequencial observação.
10”(Petherbridge, 2011, p. 152) que implicou algumas

das outras experimentações e séries. E são todos desenhos a partir da


Também se conseguem relacionar com a tabuinha de observação. Fig.11, Model book de Ademar de Chabannes
c. 1020
desenho e um model book. De estar diante; face; contra a noite.
Da tabuinha de desenho, que antecede o
desenvolvimento de produção de papel como suporte
de tudo o que não era destinado a um uso
prolongado e era então “registado em tabuinhas de
madeira, recobertas com cera ou pó de osso,
infinitamente reutilizáveis”(Alexander Perrig, apud

10
Tradução de “inviting sequencial cognitive and practical
procedures”

22
O desenho de observação11, ou o desenho habilidades, com um objetivo comum, o trabalho em
à vista12; desenho do natural13; do real; from life14; que se empenhou deverá, aparecer ao observador o
‘in situ’... ; de observação direta e indireta15; Um tipo mais possível, semelhante aos objetos da natureza”17
de desenho feito a partir da observação pessoal e da (Petherbridge, 2011, p. 26). Ou até com o
experiência vivencial particular da realidade pelo desenvolvimento tecnológico de produção de papel
desenhador que, determinando as condições que permitiu a proliferação do hábito do uso do diário
essenciais dessa prática e empenhado na intenção de gráfico.
observar tornando conscientes os dados provenientes Segundo Susana Vaz (Vaz, 2003), o fazer
da modalidade sensorial da visão - dados relativos, deste tipo de desenho acontece mediante a
em concreto com ao objeto da perceção - de forma a sincronização de dois exercícios distintos. Primeiro, o
tentar reproduzir uma imagem visualmente
de perceção dos dados visuais da realidade e um
semelhante à realidade que perceciona. Refere-se à
tradição do desenho que ficou consagrado a partir do segundo refere-se à representação gráfica de dados
Renascimento como uma atitude de “dar a ver e de visuais percecionados.
estudar o projeto e as leis intimas que governam e Determinam-se comportamentos
produzem a natureza”(Paixão, 2008, pp. 25-26). intencionais, adequados e necessários a este exercício
Esta tradição deve algumas das bases ao advento de de observação que submetem o desenhador à sua
uma ciência da visão – o campo da ótica e da experiência sensorial – ainda que esta seja
perspetiva e dos tratados de Alberti Vasari em Della
“contestável, controverso e inconstante;”(Vaz, 2001,
Pictura (Paixão, 2008, p. 25), onde se tece que
“todos os passos da aprendizagem devem ser p. 29) ou inexoravelmente interpelados pelas outras
procurados na natureza”16 e “através de diferentes faculdades – dos dados tangíveis, físicos, materiais, e

11
Desta tradição, se remonta até às primeiras academias de arte. 12 Termo de uso corrente nas aulas de desenho, FBAUP 2008-

Onde consideramos as suas principais temáticas e contextos 2016.


13 Termo utilizado por Susana Vaz (Vaz 2003; 2001) e Jean
iniciais, com o desenho de estudo da anatomia, da botânica, do
mundo antigo– estatuária, etc. –de maquinaria e outras Fisher (Fisher, 2003)
construções; Assim como a categoria do retrato e da paisagem. 14 Termo utilizado por John Berger (Berger, 2007).

Seja como função de preparação e projeto para outros suportes, 15 Quando intermediada por outro aparelho ou sujeito.
como da pintura. Seja com função de estudo do natural, teve 16
Tradução livre de: “all steps of learning should be sought from
grande exponente no contexto académico pela função pedagógica. nature”.
Principalmente com o exercício da cópia do antigo e no exercício 17
da aula de desenho de modelo nu. hoje em dia o desenho de
Tradução livre de: “through by different skills, at the same
goal, namely that as nearly as possible the work they have
observação ainda prevalece na maioria dos programas undertaken shall appear to the observer to be similar to the real
curriculares escolares. objects of nature.”

23
concretos e objetivos do mundo em redor. A autora Sobre esta performance de exposição aos
defende que este exercício requer um exercício de elementos, há que atentar a como o olho e o corpo
concentração especial – ou dirigida; do tipo funcionam e se transformam à noite. Por exemplo,
reveladora da consciência(Vaz, 2001, p. 29). A ter em atenta-se que o olho humano demora sensivelmente
conta o esforço físico que advém da implicação ativa até duas horas a se habituar ao máximo ao escuro18 e
de todo o corpo – sobre a qual S. Vaz denomina de que qualquer tentativa de superar determinadas
postura dirigida - à exposição aos elementos condições lumínicas através desta prática pode ter
exteriores ao sujeito –. E, seja por período de tempo que ter este fator em conta.
mais ou menos prolongado, que há de variar Por outro lado, o esquiço, desenhar com
consoante diferentes tipos de desenho que se apenas alguns minutos ou segundos, compreende um
elabore. obrigatório exercício de síntese, de maior fluidez
processual e da critica da experiência.
Sobre a possibilidade de confrontar as
aporias da escuridão, este exercício insistiu no
desenho de observação direta porque, como defende Face a dificuldade de ver e discernir alguma coisa em
S. Vaz, “um dos efeitos que a permanência concreto no escuro da noite considera-se o desenho
consequente do exercício da perceção visual (de observação) de mancha direta. Segundo Avigdor
desenvolvida pelo meio do desenho do natural produz Arikha, (Freire de Almeida, 2006, p. 7), o “exercício
no individuo [será o](...) aumento dos níveis de da percepção visual”, ou o desenho de mancha direta
sensibilidade do desenhador ao espaço em que se (Fig.12), compreende o desenho -ou pintura- do
desloca e ás formas que o constituem“(Vaz, 2001, p. natural feito unicamente a partir da mancha
28), segundo a mesma autora, este treino “altera e desenhada diretamente sobre o papel sem qualquer
afeta definitivamente o individuo modificando as ensaio prévio ou possibilidade de correção; faz-se a
faculdades do individuo o organismo a nível celular partir de um ponto central da folha e desenvolve-se
neuronal“(Vaz, 2001, p. 28). Tornando-o só por si em redor a este em zonas adjacentes; A gradação
uma estratégia a considerar. Há que treinar. tonal e as medida são impressões visuais calculadas
mentalmente: “imagino que tenho uma rede nos
Fig.12, Avigdor Arikha, Auto-retrato, Noite,
18
Isto deve-se ao jogo entre os dois tipos de células situações, intervêm os bastonetes, de maior sensibilidade à luz e a 1970, carvão s/ papel
fotorreceptoras no olho humano: os cones e os bastonetes. Os rodopsina, o químico que contêm responsável pela visão noturna.
cones, responsáveis pela acuidade e visualização das cores, O tempo de ativação deste químico, de alguns minutos a até duas
cessam atividade em situações de precária luminosidade. Nestas horas, descreve o tempo dessa habituação.

24
olhos”19(Avigdor Arikha apud Freire de Almeida, 2006, seu aspeto e aparência”(Freire de Almeida, 2006, p.
p. 7) e são transferidos diretamente para o suporte 9).
do desenho, “indicando o registo dos estímulos óticos Assim, sem se precisar os contornos de
e a respetiva reação retiniana como “uma disciplina oque está à nossa frente, também não dá espaço
de perceção visual”(Freire de Almeida, 2006, p. 7). para dar nome a monstros, e apazigua, de certa
Lembra-se a obra de Seraut (1859-1891) (Fig.13) a forma, o medo.
Mas este desenho é sempre mediado, o olho
exemplo, a série de desenhos em ambientes pouco
não é assim tão inocente. Neste desenho, “a partir do
iluminados que refere preocupações exploradas pelos natural (...) a imitação direta torna-se mais ou menos
impressionistas20 impossível. No entanto, será para ser alcançado o
O domínio do processo que se designa por mais próximo possível21”(Ruskin, 1991, p. 69). Não
mancha direta é a visualidade, como ideia que obstante, procurar explorar este aspeto o mais
“pretende afirmar a prioridade da visão sobre os diretamente possível, leva-nos a evitar o mais possível
conteúdos simbólicos, narrativos ou a intervenção do desenho da – e mediado pela –
conceptuais”(Freire de Almeida, 2006, p. 7), citando memória. Como sugeriu João Catarino no workshop
Leonardo e J. Ruskin respetivamente: “o pintor que Desenhos de Campo “não desenhar lugares
desenhe simplesmente com a ajuda do rigor do olhar, conhecidos (...) ou procurar reflexos ou cenas
sem o recurso à razão, é como um espelho que estranhas”22; ou ainda considerar o exercício do
reproduza todas as coisas colocadas perante si sem desenho cego23.
ter consciência da sua existência”(Freire de Almeida, Permitiram-se ainda observações indiretas:
2006, p. 8) e “as coisas deixam de ser classificadas feitas a outras distâncias; a partir de registo
pelo nome e passam a ser designadas pelas suas fotográfico e vídeo; desenhar o que é observado por
propriedades visuais” – forma, cor, textura – outros olhos, como, mais tarde, os desenhos de o que
abandona-se o conhecimento que se possa ganhar o meu pai vê da cegueira, a partir do seu relato. Estas
dos objetos para se concentrar a atenção apenas no outras observações ou estados de observação

19 tradução livre de: “I imagine I have a grid in my eyes”. 22 Apontamentos meus para o relatório da unidade curricular de
20
pela prática e teoria da arte
20 do sec. XIX em torno da PCD a partir dos workshops facultados.
23
perceção fisiológica das cores e da luz que floriram a par do Consiste igualmente num tipo de desenho de observação. Com
Fig.13, G. Seurat, Hight C, C. 1887, movimento do Impressionismo e em consonância com as a específica particularidade de ser feito sem se olhar para o
Lápis Conté e guache s/ papel investigações cientificas da sua época, em torno da visão e da suporte onde está a ser feito dito desenho.
perceção. Também instigado pelo advento da fotografia.
21

Traduzido de: ”Sketching from nature: (...) direct imitation
becomes more or less impossible. It is always to be aimed at so far
as it is possible”.

25
predispõem-se (voluntariamente) a reconhecer o que desenhos resultam em construções de apontamentos
não está (à partida) totalmente acessível ou ao nosso e formas alongadas rebuscadas sobre o papel.
controlo. Investigam um gesto mais primário, mais puro, mais
deseducado no desenho; explora a marca sobre o
Lembremo-nos que este exercício visa, acima de tudo, papel como o produto material de um corpo
estar à vontade à noite. Com o corpo e com o estojo constrangido, fora dos seus modos habituais em que
com os materiais do desenho. opera. Como desenhar às cegas; com a mão não
dominante ou etc. – referem princípios que se
“De facto o impulso para desenhar não é o de relacionam com estratégias e procedimentos do
capturar a aparência, mas é mais uma demanda para Surrealismo em volta dos automatismos no desenho
animar/estimular os pensamentos. Assim o desenho Este caracter ‘automático’ também se faz de
está sempre para além da perceção, no outro lado da referência na obra de Susan Morris por articular esse
perceção, mesmo no humilde desenho “do lugar da escuridão na sua própria prática artística,
natural”(Fisher, 2003). que opera pelo desenho. A autora procura fazer um
registo visual de oque escapa e excede à ação
Com submeter a observação ao breu da deliberada ou a intenção consciente. No artigo
noite, acontece que a primeira faculdade que se dá “Drawing In The Dark”24, S. Morris discute a sua obra
em falta ao desenhar as escuras, a visão, não é, no em relação com o trabalho de outros artistas como de
entanto, a única a conseguir operar aqui. Os sentidos tratados e escritos de cientistas, psicanalistas,
aguçam-se em alerta, a perceção treme e a filósofos e historiadores de arte - aqueles que,
imaginação liberta-se: a linha de contorno das formas segunda a autora, vêm “in(to) the dark”25. Através do
que mal se vêm, até as manchas que mais artificio da linha e do registo e processo digital da
diretamente traduzem as mais inocentes impressões imagem, de aparelhos como actiwatches (Fig.15). E
retinianas, ajustam-se a algo que pareça familiar, a elegendo e apropriando-se do mapa, o diagrama e
que se possa tentar dar um nome. ferramentas, utensílios, maquinaria a registos
Sobre as perdas que a experiência da operados por cientistas, a autora reconhece, que
escuridão nos traz e que se procura, atenta-se aos apesar de um caracter frio ou seco e diagramático Fig.15, Susan Morris, Sleepwake (promenor) 2010
desenhos feitos às escuras de Cy Twombly, (Fig.14), desses trabalhos, assim permite visar-se o que é
no seu quarto de hotel enquanto trabalhava como intangível, fugaz, o que é de certa forma, os
criptógrafo no exército de 1953 a 1954. Estes incompreensíveis, incontroláveis e incomensuráveis
Fig.14, Cy Twombly, S/título (blind Drawings),

24
1954 Drawing in the Dark ; Tate Papers no.18 sob a categoria de
25
Involuntary Drawing, desenho involuntário: propostas de tradução: [que vêm] “no escuro e às escuras”
http://www.tate.org.uk/research/publications/tate-
papers/18/drawing-in-the-dark.

26
aspetos do ser: sobre lágrimas ou o riso, sobre o
espaço e memória da casa da avó, sobre questões da Em campo, levantam-se algumas questões:
sua identidade e presença no mundo, no espaço e no (Fig.16) cada página e inscrição testemunha a
tempo. Declara ainda que é necessária uma experiência do fenómeno da escuridão na noite. Estas
metodologia regrada e concisa ao mesmo tempo que anotações: “... algo que pode ser assinalado na
lhe seja autorizada uma certa rebeldia que vá contra biografia pessoal e íntima de cada um: eu, no dia tal,
essa lógica e regra. Evoca a “deseducação”26 às tantas horas e minutos, senti isto”(Tavares, 2015,
designada pelo surrealista André Breton (1896-1966) p. 493)
assim como uma ‘cegueira convulsiva’27 para que Na Fig.17, um exemplo em W. Turner (1775 - 1851) o
ocorra numa marca assente da suspensão do exercício da observação também é feito pelas
controlo. Defende ainda que os trabalhos se envolvam anotações escritas como das desenhadas. Fig.17, W. Turner, Sketch of a diagram of a boat,
indicating reflecting light and shadow, Diário gráfico
numa espécie de séries incompatíveis, feitas de c. 1809 com anotações escritas, grafite s/ papel
técnicas e ideias intercambiáveis num conjunto de “Fecha os olhos e vê” (J. Joyce (1922) apud Didi-
“impossibilidades comparáveis, que reflitam a Huberman, 2011, p. 9) ou ‘num quarto escuro, olhos
presença invisível e insistente de um corpo”(Morris). bem abertos”28 (André Breton apud Morris). Foi mais
ou menos assim.
Reconhece-se essa aceitação de perda e
suspensão voluntária de controlo no que construiu o Estratégias do desenho compreenderam-se
meu projeto de investigação; O fenómeno e como manobras que implicam uma organizada e
experiência da escuridão enuncia um trabalho com a predeterminada implantação num mais ou menos
ambivalência da perda. longo plano de procedimentos. E problematizam e
Seja em evocar a experiência da escuridão, em implicam com os fatores constituintes do fazer do
acompanhar o que se passa nos olhos do meu pai, desenho. Como a destreza, a técnica, material,
seja a mediar e entregar o fazer do desenho a expressão pessoal, estilo, ... etc. Deanna Petherbridge
instrumentos e maquinarias como o pantógrafo ou a (Petherbridge, 2011) compreende que, apesar do
aleatoriedade das transferências em papel químico, desenho poder surgir sem plano inicial exceto o da
seja em permitir o doodle, .... vontade de desenhar e do descobrir fazendo,
As diferentes séries apresentam-se como essas considera necessário aplicar termos que implicam uma
‘impossibilidades comparáveis’ e correspondentes, a agência, “porque por mais espontâneo, o desenho
perda que se elegeu, permitiu facultou e providenciou refere sempre um elemento cognitivo”(Petherbridge,
o desenho ao revelar e descobrir as suas aporias; a 2011, p. 152). Defende assim, o aspeto aleatório do
contornar, representar e aproximar as distâncias. processo um aspeto estratégico se se considerar,

26 28
tradução livre de “diseducation” tradução livre do original “in a dark room, eyes wide open”
27
tradução livre de “convulsive blindness”

27
inicialmente a suspensão de algum controlo: Fundamentamos a disciplina do próprio desenho e o
“procedimentos do desenho automático (...) são desenho como ferramenta de investigação neste
decisões conscientes que mediam e enquadram o projeto. E como todas estas luzes obrigam o desenho
conceito do trabalho”29. com a escuridão: os problemas e as inquietações
/motivações que se exploraram despoletaram um
“[A folha de] papel é o campo de batalha, o pincel conjunto de diferentes séries e desenhos que se
espada e lança, a tinta é capacete e armadura, água e nutrem e refletem-se noutras experiências.
pigmento são fosso e parede. O coração e mente E isto torna-se em ‘desenhos para uma escuridão
fazem de general e a destreza é o seu tenente. anterior’. Neste sentido, propôs-se uma análise ao
Composição é o estratega. O pincel lançado determina primeiro exercício de forma a revelar todo um
o resultado: os seus movimentos são os comandos do conjunto de considerações a estratégias e
general, as suas voltas e torções são a matança e procedimentos permeáveis e sequenciais que fizeram
abate da batalha30” (Wang Shi-Chih apud, cair alguma luz sobre as aporias, medos e desejos da
Petherbridge, 2011, p. 180). escuridão.

Deste exercício surgiram ideias que se


continuaram noutras séries. Algumas destas séries
foram desenvolvidas noutros suportes, noutros Os resultados plásticos desse percurso
espaços e noutras escalas. Nem todas as séries se seguem nos relatos Da Noite, Do Sono, Da Cegueira,
concluíram. Nem todas se mostram. Da Saudade e Da Transparência; seguem-se nos
cadernos Da Penumbra:
Foi com o desenho que se tratou de provar,
de forma criativa, como sugere Mondzain,
provar\confrontar os medos e desejos
correspondentes à escuridão.

29
Tradução livre do original “automatic drawing procedure, such moat and wall. The heart and mind make the commanding general,
as drawing in the dark, etc. inventions of the early surrealists but and skill is the general's lieutenant. Composition is strategy. The
now common contemporary practises) are concious decision that flying brush determines the outcome: its movements are the
mediate and frame the concept of the work”. general's commands, its twists and turns the battle's killing and
30 slaughter”.
tradução livre do original “paper is the battle field, brush is
sword and lance, ink is helmet and armour, water and inkstone are

28
III – Da Penumbra

29
Da Noite
Neste caderno apresentam-se os desenhos
realizados em excursões noturnas. Isto significou pôr-me a prova desenhando à
Tem que ver com estar à vontade com o desenho à noite em excursões noturnas a sítios desconhecidos.
noite. Fazem parte desta apresentação os cadernos de
campo I II e III,, série sem titulo I e série sem titulo II
uma mochila desenhada, concebida e equipada para
estas excursões, para transportar o material de
desenho e outras tralhas auxiliares a estas aventuras.
Intencionalmente procuram-se os lugares mais escuros
da noite, foge-se das grandes povoações e dos seus
céus noturnos onde as luzes das povoações apagam
as estrelas e fazem do céu uma cúpula opaca cor de
laranja. Assim aumenta a solidão e fica tudo mais
assustador. No entanto, todos os sentidos entram em
alerta, e o olfato, a audição e o taco, do próprio
caminhar e tropeçar revelam e denunciam logo
algumas das características do terreno. Procuram-se
lugares desconhecidos ou menos familiares dos quais
não tenha recoleção para expor o exercício de desenho
aos elementos da noite, o mais cheio de escuro
possível. Ás vezes levava o meu cão comigo, a maior
parte das vezes nem tive coragem para sair do carro e
voltava para casa sem ter desenhado nada.
Para tornar este exercício de estar à noite e
de desenhar à noite mais prático e menos
desconfortável, desenhou-se uma espécie de capa de
desenho ou estirador portátil em cartão forrado a pano
cru e partes reaproveitadas de uma mochila antiga
(alças e proteção das costas), ilhós e atilhos. Depois
de ter perdido uns lápis no escuro e me aborrecido
com a dificuldade em encontrar e arrumar tudo,
também foram adicionados apontamentos em spray
fosforescente a stencil na capa, bolsas e restante
Fig.18 Fotografia tirada numa das excursões noturnas, Dezembro de 2016 material de desenho (riscadores, cadernos, suportes

30
individuais). No final da época das excursões, para Reconheço aspetos desta experiência do desenho no
relatar este projeto, a mochila foi transformada e no trabalho de Ann Kipling, (n.1934), Fig.21e Fig.22, artista
final apresenta-se de outra forma, num outro caderno, canadiana, quando numa entrevista31, fala do seu
o Da Transparência. processo de trabalho que se foca no seu envolvimento
Nas Fig.19 E Fig.20, esta mochila transportava o material com o mundo natural em Falkland, são desenhos que
de três séries de desenhos. resultam igualmente da observação direta no exterior.
A primeira, para os Apontamentos de Campo Durante o dia, não obstante, desta longa e incessante
I, II e III, numa bolsa com riscadores variados experiência, identificam-se e enfatiza-se a atenção à
Uma segunda bolsa assistia a todo o trabalho predisposição e preparação do desenho: o momento
de desenho de observação: um banco desdobrável, ritual de afiar os lápis à mão, o peso de uma navalha
uma lanterna que raramente foi usada, um termos específica (no Minuto 8, 8:02) de como o corpo e a
quente, biscoitos, lenços, bussola, por vezes um atenção se comportam e se fundem com a paisagem,
casaco ou luvas, telemóvel e as chaves do carro. “como as nuvens quase puxam as montanhas”32; o que
Outras duas bolsas maiores foram parece muito quieto vai ficando mais e mais animado
construídas para séries de desenhos que surgiram do (minuto 9), se “de repente, tudo começa... não se
exercício de levantamento nos diários gráficos e que se torna mais fácil, mas torna-se mais possível(..) a partir
definiram como exercícios ou anunciados autónomos: de certo ponto, as coisas começam a flutuar”33*; “tudo
Série Sem Título I e Série Sem Título II. estica e tudo dói”34 (sobre o corpo e a escala do
Fig.19 e 20, suporte no minuto 22). Fig.21 e 22, Ann Kipling, View trought the Spallumcheen II,
Mochila das 1977 (detalhe) e Flakland landscape (detalhe), 2004
construida para Os Cadernos De Campo, vindos do primeiro
as excursõe
noturnas, exercício de estar à noite e deixar a noite entrar e
de noite vs testar as classificações que a luz do dia impõe, que
de dia permitiu levantar as principais dificuldades que dizem
respeito a como o corpo que desenha se comporta
num ambiente noturno, e ao estojo desse
desenho\desenhar – procurou que instrumentos, que
duração, quais as condicionantes do gesto, sobre as
escalas dos suportes, que ferramentas e estratégias
gráficas. Como referido no capítulo III, são do primeiro
exercício de desenhos para uma escuridão anterior.

31 video: https://www.youtube.com/watch?v=5Jgb9RkjMdE 33 Tradução livre do original: “and the sudently it all starts...it
32 Tradução livre do original: “how the clouds almost push the doesnt become easier but it becomes more possible (...) in some
point, things start to float”
mountains” 34 Tradução livre do original: “everything streches and and
everything hurts

31
São 3 os cadernos de desenho que compõem este
grupo, de setembro de 2015 a setembro de 2017,
quase todos semelhantes em formato e ritmos de
utilização, são principalmente exercícios de habituação
à noite. Usaram-se livremente diferentes riscadores e
diferentes estratégias de desenho, as quais fossem
surgindo mais naturalmente na hora e dada vontade.
São interrompidos pelo mau tempo, por cansaço, por
frio ou sono, ou por falta de vontade e de à-vontade,
coragem, ...por dúvidas que a página seguinte ou a
excursão seguinte tenta responder.
Os primeiros encontros à noite procuraram bater o
terreno da escuridão:

Cadernos De Campo I II e III, 2016-2017; 15cm x 21cm


e riscadores variados
Algumas páginas selecionadas nas Fig.23, 24, 25, 26, 27 e
28, que se seguem:

32
33
Cadernos de Campo II e III, Museu da FBAUP, Novembro, 2017
Série Sem Título I, Prdos (2015-2017);
Ponta seca\ metálica sobre papel com grafite; Dimensões variadas; Fig.29 E 30

Outras séries, esta de 8 desenhos em formatos


variados, da observação e de mancha direta, feitos à
noite.
O desenho, a mancha direta e feito através da pressão
com a ponta metálica sobre a grafite no suporte
(Fig.31).O papel é previamente preparado com
camadas de grafite aguada e esticado com fita gomada
Fig.31. enquanto seca. Sem acrescentar ou retirar matéria,
trata-se de modelar a superfície da folha em pressão
da ponta seca/metálica e representar a impressão
criada na retina da paisagem observada. Esta técnica
permite a gradação tonal do brilho que reflete da
grafite nas zonas traçadas consoante a força e direção
do traço em variações consoante a orientação e
qualidade da luz sobre o suporte a posição do
espectador. O traço não permite ser apagado ou
subtraído. O desenho começa com o preenchimento
ténue das manchas mais evidentes e construído
gradualmente a partir daí acentuando as zonas de
maior brilho. Ver estes desenhos implica o espectador
com o seu corpo em movimento e com a condição da
luz no espaço envolvente. São simulações de uma
travessia no escuro onde as cores quase que deixam
de existir em caminhos monocromáticos. esta técnica
tenta não comprometer qualquer decisão sobre se é a
luz se é a noite que cai, qual destas se vão transportar
em matéria adicionada ou subtraída ao suporte. Neste
exercício, o registo daquilo com que se consegue
contactar – as zonas mais iluminadas – é feito em
pressão sobre o suporte, não adiciona nem subtrai, fica
desenhado o que brilha mais.
Resultante deste processo e da demora do fazer neste
desenho deu asso a que se atendesse à habituação do
olho ao escuro. Este fenómeno procura ser explorado
na série Colorações.
34
Fig.32, Desenho s/ grafite em Papel, Mariana Sales Teixeira, 2015-17
Série Sem Título II (2016-2017); Lápis de cor sobre cartolina colorida; 42cm x 43cm;
Fig.32 e 33

Série de 8 desenhos de contorno colorido e


cronometrado a lápis de cor sobre cartolina colorida
com as dimensões de 42cm x 43cm. A partir da
observação direta de cenas noturnas aqui ali, de
aproximadamente 2 horas cada, cronometrados, em
que mudo de lápis de cor de 10 e 10 minutos
sobrepondo os contornos da cena que vou alcançando
pouco a pouco à medida que os meus olhos se
habituam à escuridão e que vou vendo mais e mais...
Esta série atenta ao processo da habituação do olho
às escuras e ao fenómeno do desaparecimento das
cores consequente das faculdades da visão noturna.
Escolhi, através da redefinição e sobreposição da linha
que contorna as manchas que se vão vendo, registar a
evolução do movimento da perceção, elogiando o
processo de compensação e correção da reação
retiniana à falta de luz, catalogando os diferentes
estágios com diferentes cores, de períodos sucessivos
de aproximadamente 10 minutos cada. Recorrer ao
artifício da linha de contorno, numa abordagem
sintética de maior ênfase à documentação do
movimento preceptivo do que à transposição da
impressão visual pela correspondente aparência da
coisa observada. Cada desenho, inclui no verso da
folha, uma legenda com a ordem das cores utilizadas e
a contagem do tempo.

Fig. 32 (cima) e 33, S/título II (Noturnos - cor), nr 5, e verso com legenda dos tempos e cores, 2016, lápis de cor s/ cartolina,
Mariana Sales Teixeira

35
Depois de observar a noite com o desenho
precisa-se de voltar a casa e, com boa luz, rever e
guardar o que foi feito, secar os sapatos, dormir sobre
o assunto, voltar noutro dia, resolver de outra forma,
experimentar outro sitio\localização, voltar numa noite
com menos chuva, com menos vento. Depois de
algumas idas, o dia, que intervala as sessões de
trabalho apresentadas neste caderno, começa a
participar e a revelar tanto ou mais da escuridão do
que a noite. Essas outras mecânicas e outros
momentos, confrontos e aproximações à escuridão
foram por fim exploradas e revisitadas em outros
lugares, apresentados nos restantes cadernos.

37
II – Do Sono
Este caderno apresenta uma seleção de o
que foi feito de dia sobre a escuridão. Ainda com sono
da noite anterior. Tal como a observação é interpelada
pela memória e a noite é interpelada pelo dia. Ou seja,
revisita-se o lugar da noite com um certo
distanciamento.
No atelier, bem iluminado, ampliam-se assim algumas
das aporias identificadas no desenho às escuras na
noite.
Esse mesmo devaneio, trazido para o
exercício do desenho de observação diurno e ao
trabalho da imaginação. Semelhante à complexidade do
filtro usado na técnica cinematográfica American Night
(Fig.34) que permite filmar cenas noturnas durante o
dia, aqui, entre o observador e o observado entram em
campo explorações à faculdade e a ampliação, da
imaginação, da perceção e da escala. Não de forma a
simular a noite, como com a técnica cinematográfica,
mas de forma a trabalhar aspetos trazidos da noite
durante o dia.

Ampliou-se os espaços de trabalho, os


Fig.34, La Nuit Americane, F. Truffaut, 1973
horários, o campo de investigação para a observação
diurna. Ampliaram-se também as escalas dos suportes Fig.35, Blow Up, Mariana Sales Teixeira, Fotografia digital, 2016
à escala do meu estirador de desenho.
Com a cena observada o desenho procura enfatizar
outros processos de correspondência para com as
aporias da escuridão...

“Estar aqui no atelier, a esta hora, é como o foi tirar


esta fotografia e, ao ampliá-la, descobrir que há lá
corpos seminus a banhar-se em águas cor de laranja
opacas.” (retirado de apontamentos meus sobre o
estirador sobre uma fotografia minha)
Ver Fig.35 Acima.

38
Pois já não haverá falta de luz. O atelier tem dos vícios da própria imaginação nem de
boa disposição solar e, também de noite é iluminado enquadramentos culturais e subjetivos.
artificialmente.
Mas Mas, trazer efetivamente alguma coisa vinda
Lembra-se o desenho da lamb plant35 ou “The da noite para desenhar no atelier, uma outra coisa:
vegetable Lamb of Tartary”36 (H., 1887)(c.1887) – uma pequena pedra. Ao contrário de levar para o
Fig.36 – exterior um bloco portátil de papel para desenhar à
que aconteceu de uma confusão com a descoberta da noite, fez-se por trazer do exterior algo igualmente
exótica planta do algodão uma suposta planta de onde manuseável, para o dia e as suas eventuais escuridões.
nasceriam as ovelhas; o rizoma. A pedra
Sobre tropeçar. O tropo, a imaginação, a projeção e Fig.37
comportamentos desviantes nos testemunhos
ilustrados no exemplo da fábula da idade média nas
Fig.36 terras longínquas da Tartária na Europa de leste\ norte
Asiático.
E Lembra o mar como “uma bacia de
humores (…) uma superfície que só é plana para
dissimular e, ao mesmo tempo, indicar a profundeza
que a habita.”(Stephen Dedalus, Ulisses, apud Didi-
Huberman, 2011, p. 13) sobre o sentimento de perda
enquanto contempla o mar; Ou que também R. Barthes
nos fala ainda certos budistas que conseguiam ver uma
grande paisagem numa ervilha (Tavares, 2015, p. 383)
...
Consideramos a imaginação como “um
instrumento, uma coisa que age sobre as outras,
altera-as como a mescalina (...) muda a dimensão dos
objectos” Essa faculdade que “aumenta a quantidade
de coisas usando a metáfora”(Bachelar apud, Tavares,
2015, pp. 383-384). E leva-nos a considerar a
constatação de A. Cauquelin em que “ver uma E a série:
paisagem acarreta a uma afluência de projetos” Superfícies Encarnadas: O Levantamento E O
(Cauquelin, 2015, p. 20), exteriores a ela” – coisas Transporte Da Pedra.
que lá não estão de facto; não é, portanto, algo limpo Ampliação-ida e Redução-regresso:

35 36
proposta de tradução “planta cordeiro”
36
proposta de tradução “O Cordeiro vegetal da Tartária”
39
Ampliação\ida: Pincel e tinta permanente s/ 7 folhas de papel vegetal 180g, A1; (pormenor) Fig.
Redução\Regresso:
38 Lápis d e cor s/ folhas de papel vegetal de 180gr, A1; (pormenor) Fig.39
e Fig.40

Reduz-se o tamanho da cena observada, aumenta-se a


escala do suporte, aumenta-se a dimensão da
paisagem.
Para desenhar o movimento de ampliação e do
devaneio da paisagem à superfície da pedra, foram
feitas duas séries em papel vegetal.
40
Numa de ampliação\levantamento a pincel e
tinta permanente, essa superfície anima-se em
imaginadas figuras, monstros, num dia vê-se uma
coisas, noutro vêem-se outras. São várias folhas
sobrepostas.

Numa posterior a esta, tenta-se regressar à dimensão


original da pedra. Os desenhos da superfície animada
são copiados com a ajuda de um
pantógrafo37,transferidos com uma mina de cor
vermelha\ encarnada38 numa redução de escala de
volta a uma correspondente à da pedra. Este desenho
mais brusco e perro, pouco fluido que o pantógrafo
disponibiliza esquece algumas informações do traço
que copia e as figuras animadas desaparecem de volta
a uma textura abstrata. Falaciosamente mimético à
pedra que se encontrou no jardim. Flora (Rita) e Topo foram outras séries
desenvolvidas neste lugar apresentadas no livro de
Uma pedra “de grande potencial de ativação do projeto.
imaginário”(Tavares, 2015, p. 384). Flora, uma série que foi deixada de fora são
ilustrações em livros de artista que carregam o lado
Uma viagem animada.39 erógeno da noite. Estas ilustrações foram trabalhadas
em serigrafias sobre pano numa instalação que
participou numa exposição coletiva nos Maus Hábitos
“E Agora” Setembro-Outubro de 2017
Topo é outra série de ilustrações do céu
noturno, em tramas coloridas assinalam a altura do dia
no céu: no topo das folhas de desenho.

37
Pantógrafo: um aparelho composto por réguas, utilizado para 39 Como ao conto Japonês de Nobunaga e o seu cuidado de
transferir e redimensionar figuras. Pode ser regulado de diferentes estimação e culto de pedras e jardinagem “kidnap them, wrap them
modos, permite executar ampliações e reduções em diferentes inside silks and brocades like most precious of sweethearts, and
proporções. carry them triumphal procession to their new abode” (…): “when
38 Definição e derivação da palavra “encarnado”, a partir do Nobunaga, a powerful warlord, had a rock garden created for the
dicionário Priberam, compreende: “de cor de carne; a cor last Ashikaga shogun at one of his palaces in kyoto. Regarding the
encarnada; (...) Assumir (a divindade) a natureza humana; criar transfer of a particular rock from one to another” (Bernad Rudofsky,
carne; (...) apoderar-se (alguma coisa) de alguém” The Kimono Mind: An Informal Guide To Japan And The Japanese
(New York: Doubleday, 1965; p.234 consultado em WEISS, A. (n.d)
Dry mountain water, Cabinet, vol. (mountains)

41
III – Da Cegueira
Trinquei umas pálpebras, deixei como que umas
Este caderno apresenta como se lidou com pestanas, a retina, …
sucessivos episódios de uma doença que afetou a
visão do meu pai. Explora a escuridão e a cegueira. A
longo dos meses, acompanhando os tratamentos e
reincidências, foram sendo desenvolvidos alguns
desenhos que tentam comunicar esta experiência.
Alguns são feitos em conjunto e em colaboração com o
meu pai.
Este diálogo foi caracterizado por diferentes
disponibilidades e estados de espirito por ambas as
partes. À mercê da sorte macabra, da esperança e do
meu sentimento de impotência. Este percurso foi o
menos planeado, o mais delicado e emocional. Este foi
assim o lugar de maior medo e reconheço que grande
parte da restante produção dos outros cadernos
aconteceu como uma forma de me distrair deste lugar,
desta realidade.

Um dia o meu pai contou-me que estava a perder a


visão e pediu-me que desenhasse isso.

Nesse dia alimentei-me com um figo.


Lembrou-me o olho esquerdo do meu
pai.
E fui comendo o figo, aos
poucos, até se parecer com Fig.41
esse olho que só via cheio de O Olho Esquerdo (figo)
pontos escuros. Caneta tinta permanente s/ papel milimétrico, 16 x 20cm; Outubro 2015
Fiz para deixar de me consumir por esse olho com
pontos escuros e alimentar-me de algo que não esse
42
olho... ...
E nutre também de outro modo... E tropecei40 assim. Que se vê na cegueira?
À frente de tudo o que para onde olhava apareceram
Pois procuramos estar presentes. O que nos leva a falar manchas, pontinhos escuros, como buracos (gulosos
mais devagar, a projetar a voz; a semicerrar os olhos; a buracos negros) que comiam aos poucos o campo
aceitar verdades outras; a todos estes desvios a visual.
Fig. 42, ex-voto procurar sinónimos... e a outros substitutos. Esses buracos negros foram-me descritos, eu tentei
desenhá-los. Tirá-los, trazê-los cá para fora, para a
Reflete-se sobre o ex-voto; folha de papel.
é um como se cumpriu com ...; Como um ex-voto é A partir de uma gravação vídeo de um relato falado que
testemunho desse gesto performativo e dos seus descreve o como o meu pai via os pontos pretos que
processos de significação. lhe destruíam progressivamente a visão, foram
A reconstrução subjetiva desse acontecimento, um registadas várias fases, progressos e reincidências. Das
modo de interação e humanização. Como o traço a descrições, como uma instrução, seguiram-se vários
carvão de que se conta na ‘história da imagem de desenhos e sucessivas aferições e correções.
substituição’41 no mito de Butades, o traço poderá ser São: Desenhos a marcador sobre acetato e a
como se cumpriu\lidou com a despedida?... marcador permanente sobre um espelho A4; Desenho
De alguma maneira, procura-se no fazer destas em lente de contacto; imagem de uma frame do vídeo
Fig.43, ex-voto imagens um gesto que cure. do registo do relato impresso em acetato; e dois
Como nos ex-votos de Angra dos Reis, no Brasil, ou desenhos feitos pelo meu pai: um feito com marcador
outros – (Fig.42 E 43) – pela cura milagrosa da vista e sobre cartolina preta e um desenho a caneta de acetato
das doenças dos olhos. preta sobre um espelho.
O ex-voto, da tradição com origem em práticas pagãs, O título, Constelação Camelo Cobra Meia anuncia o
serve de pagamento ou tributo a promessas cumpridas. camelo, a meia de vidro e a cobra: nomes que, a certo
Documentos - fatura de um ato de fé. Figuram a coisa ponto, o meu pai atribuía a essa formação de pontos.
onde dói. São objetos pintados, moldados, escritos ou Tal Constelação, um desenho que resulta da ligação de
atos e performances que faturam da fé e documentam a vários pontos e vista por muitos olhos entre mim e o
vitoria da graça divina sobre a maleita. A crença e a meu pai.
representação. O acetato foi elegido por ter um efeito espelhado
Para além do ex-voto, lembra-se a pintura de quando são sobrepostas muitas folhas. Esta qualidade
Masaccio, sobre a mestria na representação da sombra abraça a capacidade do diálogo com o outro e que
e das leis da perspetiva figurando um episódio de S. estruturou todo este trabalho. Tentei ver, pelos meus
Pedro, cuja sombra, ao passar, cura e alivia as maleitas olhos, o quê e como o meu pai via. Ao ser aberto, ao
de quem toca. (Fig.44) ser visto, esta coletânea reflete os olhos do espectador

Fig.44, St Peter Healing the sick With his


40 41
Shadow, Massaccio, c. 1460, Florença Derivado de tropo: operação retórica; desviante; sobre o mito de Butades em (Stoichita, 2016, p. 19)
43
sobre as fotografias, palavras e imagens da visão do
meu pai.

Camelo, Meia, Cobra, 2015-2016, Mariana Sales Teixeira e Rui Teixeira


Fig.45, 46 e 47

Estas criaturas lembram o Rinoceronte de Durer de


1515 42, fig.48.

Á medida que isto foi progredindo, a cada


novo susto e nova crise, as estratégias, as forças e as
energias foram mudando.

42
o desenho de um misterioso animal feito a partir do relato falado correspondência. De Portugal até a europa central, às mãos de
do testemunho ocular de outrem. Estratégias do desenho para o Albert Dürer
diálogo e a distância. chegado a lisboa o rinoceronte (Ganda) a
noticia chegou à europa central. Um desenho que resultou do
testemunho indireto deste animal exótico a partir de uma missiva em
44
Pois “não se vê um olhar da mesma maneira Num outro momento:
que se vê a forma ou a cor dos olhos”(Wittgenstein Recolha de doodles que aconteceram durante uma
apud Tavares, 2015, p. 367) chamada telefónica entre mim e o meu pai à espera de
A certo ponto levou-me à representação dos saber dos resultados deste e daquele tratamento.
olhos e dos olhares na estatuária. E a partir do
repertório de Miguel Ângelo (Fig.49 E Fig.50) O furo, o Outras Constelações (2016), esferográfica s\ papel de manteiga, aprox.: 30cm x
buraco e a cova entraram em campo. 30cm
Explorou-se também a técnica do spolvero. (ver Fig.51 ) Fig.55

Fig. 50 e 51 E explorando os limites entre a figuração e abstração,


lembram os “Constelation Drawings” de Pablo Picasso,
desenhados num caderno em 1924, (Fig.52)

Também foram encontradas umas fotografias


de uma viagem que os meus pais fizeram há uns 30
anos. O rolo foi perdido mas a história foi sendo
contada e recontada no meio de outras tantas outras
em convívios em família. Faz 3 anos revelei uma data de
rolos esquecidos numa gaveta e num deles, muito gasto
pelo tempo encontrámos essas fotografias.
Fig. 52 Sobre os pontinhos negros (do desgaste do tempo)
nessas fotografias, recortei-os: novas constelações.
(Fig.53 e fig.54)
Camuflagem (2016), Impressão digital a cores s/acetato 43cm x 60cm, recortado.

45
Refazer dos contornos desse olho que tanto me parece São desenhos feitos do fim para o princípio que
um figo aberto, um caroço, um bivalve, madre pérolas, repercorrem os contornos de uma forma semelhante a
moluscos, sementes, o caos e o medo em imaginação. um olho. guiando-se pela tinta que ainda seca sobre o
Caderno Um a um. A Dois (2017), 12x12cm esferográfica e papel químico s/ papel. Fig.56 e 57: papel químico do primeiro desenho, um segundo é
repetido na página seguinte, sucessivamente pelo
caderno todo. A rapidez da tinta a secar, a necessária
rapidez do traço, percorrer a cópia pela folha de papel
químico e aproveitar o depósito de transferência
desenham as incongruências na semelhança, essas
perdas são material que tento representar.
Como é realmente um olho? (Fig.58)
“Olhos Azuis veem tudo a Azul?”43

... Ou azulado?; esta frase, retirada de “Desaforismos”,


escritos do pintor Surrealista Cruzeiro Seixas (n.1920).
Sobre o filtro subjetivo que existe nos olhos de
cada um, como a maneira íntima e pessoal – e sujeita à
biologia e natureza genética – com que cada um de nós
vê o mundo e o que o especto exterior do olho tem a
ver com o aspeto daquilo que captura do mundo em
redor.
Desenhamos sempre o nosso próprio olho.

A dois olhos.
E há assim dois olhos: o olho esquerdo e o
olho direito.
Ao contrário do outro caderno este é sobre o aspeto
exterior dos olhos do meu pai. O olho direito ficou cego
antes de eu nascer, o olho esquerdo está a recuperar
de uma inflamação no vítreo.
Um vê, um não vê, um vê manchas de quando a
quando, um tem vida e lágrimas, um tem lágrimas
diferentes, um olha para ti, um olha para nada... um


43 Apontamento retirado dos cadernos de desaforismos de Cruzeiro
Seixas. Visto em “As Cartas do Rei Artur” filme realizado por Cláudia
Dias Silveira (2016)
46
pestaneja diferente, um nem reage; ... um olho contra o Tentar desenhar esses olhos. Fez-se assim.
outro. E os meus.

47
Da Saudade

Neste caderno exploram-se paisagens Ao contrário da escuridão que vem na noite, ou


familiares e a saudade, através da gravura na melhor, com a falta de luz, esta escuridão do
calcografia nevoeiro intensifica-se mais quando lhe é projetada
A distância, como uma “uma estranha trama de raios de luz.
tempo e espaço”(E. Strauss, apud Didi-Huberman, Também é algo muito familiar, muito
2011, p. 117) é aqui trabalhada como “uma próximo de casa... Com estas particularidades evoca-
metamorfose visual específica”(Didi-Huberman, se o nevoeiro para figurar a saudade.
2011, p. 117) Evoca-se o nevoeiro. sinónimo da
escuridão, como um fenómeno que atrofia e distância Foram exploradas a densidade e espessura
o terreno entre o observador e o observado. uma dessa distância – o nevoeiro – tanto na
massa de ruido húmido. Fig.59 materialidade do suporte do desenho; a da matriz da
calcografia e na da imagem digital em streaming
online de paisagens familiares, de casa, nos açores.
Como vimos a escuridão faz aparecer coisas que não
estão realmente lá, que estão um tanto longe mas
não esquecidas. Às quais se acede pela saudade.
Pretende-se simular o que, com a saudade,
acontece às imagens e sobre a construção da
paisagem.
A trama, permitindo a construção da
gradação dos valores tonais da mancha através de
segmentos da linha trabalhados de diferentes
formas, historicamente, e através de diferentes
técnicas da gravura, serviu para a reprodução e
divulgação de tantas obras pictóricas.
Nestes casos, os dados da imagem original a
reproduzir são traduzidos através do trabalhado da
trama. As figuras 60 e 61 exemplificam como a mesma
obra foi traduzida para a gravura com diferentes
trabalhados da trama.
Com este efeito, neste trabalho exploram-se
essas traduções no desenho (a construção) de uma
paisagem da qual sinto saudades: o nevoeiro no Fig. 60 e 61

48
miradouro da Lagoa do Fogo, através da trama e da A espessura do nevoeiro corresponde-se com a
calcografia. espessura da mancha tramada.
Porque estou geograficamente tão longe Numa vontade de contornar\aproximar, reverte-se
desse miradouro, a observação a esse lugar foi feita esta distância em processos subtrativos do desenho.
indiretamente, no ecrã, a partir de um streaming O desenho da trama é subtraído à matriz do
online de uma câmara de vigilância do site desenho. Em água forte, esta técnica, as linhas do
Spotazores, sobre a Lagoa do Fogo na ilha de São desenho são gravadas na matriz metálica (aqui em
Miguel, (Fig.62) cobre) através de mordentes (ácidos). O suporte do
A paisagem que nos chega em pixéis, falta-lhe a desenho é previamente protegido com verniz
humidade, o volume, o cheiro, o frio e o arrepio do resistente ao mordente. As linhas ao serem
nevoeiro. Chega-nos como um elemento visual e desenhadas sobre o verniz deixam o cobre exposto
bidimensional; como uma mancha. Essa imagem que ao ácido44 onde é emergido. A imersão no ácido
nos chega digitalmente é transposta e recodificada corrói sistematicamente as zonas expostas da chapa
em diferentes tramas. de cobre, suporte e matriz. Criando sulcos onde a
Sobre a chapa de cobre, o seu desenho é tinta de impressão poderá ser depositada
feito dos dois lados da chapa. No lado A, traduz-se, posteriormente no momento da impressão.
num tipo de trama, o que é nevoeiro - Fig.63 E Fig.64, Idealmente, a construção deste desenho
no labo B, traduz-se distintamente o que se vê de continuar-se-ia acumulando layers ou camadas
céu, lagoa e montanha. gravadas de tramas sucessivamente até se furar a
(Na fig.65, a legenda das tramas). chapa de cobre, a matriz; até o nevoeiro tocar o
terreno; até se extinguir a lonjura - e a saudade.
Fig. 63 e 64, Até ao momento, ambos os lados da matriz,
detalhe em promenor contam-se mais de 40 vezes que se repetiu este
do lado B (em cima) e
da lado A da chapa de processo com tramas de diferentes estados da
cobre gravada, Maio paisagem, vistas pelo ecrã e imersas no ácido.
2016 O desenho vai-se construindo...
As impressões, sobre papel canson edition
300gr, branco antigo são expostas como registos
arquivados da construção da paisagem ao longo dos
meses e das diferentes visitas ao miradouro.

Fig. 67, E Agora, exposição Colectiva, casa das Artes


44 do Porto, Dezembro de 2015
Ou mordente

49
Como exposto (ainda em processo) Em Linhas De A mancha criada em processos
Fundo, exposição coletiva na Casa das Artes do calcográficos é permitida através da construção de
Porto, a Dezembro de 2016 (Fig.66) tramas. A técnica da Água forte, aqui adotada, onde
o desenho a ser gravado no metal é feito sobre um
verniz resistente ao mordente mas não ao gesto. E o
traçado é fluido e semelhante ao de uma familiar
esferográfica ou pilot. Porém, por ser obtida por
reação química, a linha não é totalmente uniforme ou
limpa, pois o mordente cria bolsas interiores
permitindo um traço com margens irregulares. A sua
plástica, da linha, é trabalhada considerando
diferentes metais para matriz (testaram-se o cobre,
zinco e alumínio que reagem com diferentes
sensibilidades à acidulação) assim como diferentes
tempos de exposição ao mordente que as corrói.

No entanto, no dia 1 de Julho a emissão


online da câmara deixou de estar disponível. E assim,
o trabalho encontra-se interrompido. Fig.67

50
Em Horizontais, exploraram-se diferentes
expressões da linha acidulada sobre zinco
Nesta abordagem olhou-se para a linha do horizonte,
ali, onde, em dias de bom tempo, junto a onde acaba
o mar, se vêm outras ilhas ou se confundem nuvens
com ilhas.
Sobre 30 chapas de 7cm por 5cm de zinco
desenharam-se essa fronteira (Fig.68). E resultam de
impressões calcográficas sobre papel de algodão Fig. 69
300gr que desenham esses horizontes.

Com o nevoeiro, o horizonte é uma fronteira


ruidosa, diluída.
Para simular este fenómeno, sobre o verniz foi
traçada uma linha horizontal com uma ponta metálica
(instrumento de desenho) à qual foi adicionada, com
fita cola, agulhas (fig.69) que interferem no desenho,
atrapalham o gesto, causam ruído e atrofiam essa
linha horizontal que se tenta desenhar. Diferentes
tempos imersão no ácido desenharam linhas com
plásticas e expressões diferentes. Linhas mais
expostas são mais largas, mais cavadas, com
margens mais irregulares
Na calcografia, a gradação deste tratamento da linha
permite jogar com diferentes profundidades de
campo no desenho.
Este jogo, nesta série é feito no momento de
impressão do desenho no metal sobre papel
compondo uma linha horizontal (e ruidosa) ao longo
do papel que sobrepõe matrizes com as diferentes
linhas. Este trabalho ainda está em fase de teste de
tintas e impressão. Alguns testes feitos até então na
fig.70.

Figs. 68 e 70

51
Didi-

– Da Transparência Sejam compiladas as sobras de uma


refeição; os espojos da batalha, os desperdícios;
Sobre indícios, vestígios e sobras; assim como as sobras na bancada junto ao fogão
que cozinhou essa refeição. Este caderno apresenta
os índices das primeiras forças e ideias e dos
movimentos anexos a toda a produção. Como se
fantasmas;

Neste momento esse material é


apresentado como resultado de um percurso cujas
distâncias temporais e espaciais são recolhidas e
comprimidas sobrepostas num lugar – o suporte final
das transferências – que procura uma certa e
transparente cumplicidade.

Lembra-se a (Green Box) “The Bride


Stripped Bare By Her Bachelors, Even” (Fig.72), ou
como ‘o quase homónimo’ complemento ao também
conhecido como “The Bride Stripped Bare By Her
Bachelors Even”(Large Glass), (Fig.73) de Marcel
Duchamp. Uma compilação de toda uma série de
imagens, fotografias, jogos de palavras e lembretes
encriptados com notas e comentários sobre os
materiais e pistas sobre da extraordinária
abrangência dos processos matemáticos e aleatórios
e da enigmática da narrativa e composição. Apesar
de também mencionar elementos que não terão
relação com o Large Glass, e de não produzir um
índex dos motivos presentes na obra final um por
Fig.71) Anónimo, (século II) Quarto Não Varrido (pormenor),Mosaico de mármore e um45. Para Duchamp, serve como seu catálogo.
massa de vidro colorido, 400cm2 Segundo o autor “a pesquisa seguiu na direção de
encontrar alguma maneira de me expressar sem ser
Fig. 72

45
Arturi Schwarz apresenta uma interpretação diagramática da elementos. Os representados e os que não constam no vidro
obra com legendada a identificação e localização dos motivos e mas descritos e apresentados nas notas.

52
pela pintura, sem ser pela escrita, sem tomar Fantasmas Químicos (2016-2017),
nenhuma destas etiquetas, e ainda assim produzir Transferências a partir de folhas de papel químico colorido sobre papeis e formatos variados.
algo que seja produto do meu interior (…) casando (Figs.74 a 76)
reações mentais e visuais e a acumulação dessas
ideias46”(Thirkell, 2005) As notas, algumas perdidas,
oferecidas, recuperadas, começaram em 1912. O
trabalho no vidro começou em 1915. O processo de
seleção, edição e reprodução em diferentes47
publicações, deu-se a partir da década de 30 depois
de, por fim, a peça se ser dada como terminada.

E lembra Walter Benjamin, sobre a caça às


borboletas (Didi-Huberman, 2015, p. 34), quando
fala ”de tudo o que terá sido necessário destruir
para possuir o signo, o saber, o troféu de uma tal
experiência....”, onde a perda é esta: o que fica da
borboleta na rede; as cores e a vida. Os trabalhos
neste caderno são essa rede.

Fig.74

46
Traduzido de: “my research was in the direction of finding “wedding of mental and visual reactions and an accumulation of
some way of expressing myself without being a painter, without ideas”
47
being a writer, without taking one of this labels, and yet produce Consta ainda uma publicação por Richard Hamilton que
something that would be a inner product of myself” (…) consiste numa transcrição tipográfica das notas

53
Fig.75 e Fig.76

54
Ao fechar as pálpebras depois de olhar fixamente estado de espírito no momento da
para pontos de luz forte, vemos fantasmas. criação48”(Petherbridge, 2011, p. 28)
Paisagens. residuais, na retina. Esta série de Sobre a composição destes registos, numa
desenhos, que resultaram da transferência dessas outra ‘vida’, flutuante, desapegada aos limites do
marcas/gestos índices espectros vislumbres com suporte, como nos folios e model books de Paolo
folhas de papel químico colorido para folhas de papel Caliari Veronese (1528-1588) de “dispersa grupos
variado. de figuras de ensaio na página numa forma
Em fantasmas, Com o propósito de dar luz desordenada que serve para obscurecer a ordem
a tudo, em especial, às intermitências do projeto, formal ou a logicada narrativa do objeto de estudo,
compreende-se os diferentes estágios do desenho, enquanto sugerindo o potencial de futuras
do dia a dia e dos humores, desígnios, e cicatrizes composições”49(Petherbridge, 2011, p. 29). Fig.79
do projeto; essa “dúctil cera” (Didi-Huberman, 2015, Não se perdem realmente. Tudo isto passa pela
p. 15) da tabuinha de desenho. retina e passa, de certa forma, para o desenho final.
Fig. 80, Paolo Caliari Veronese, desenhos de estu-
São fantasmas dos desenhos preparatórios, dos Assim, nada desaparece mesmo. do para obra pictóriaca Alegorias do Amor, C. 1570
esboços e estudos prévios, diagramas, rabiscos, as
ideias que não se continuaram, as dúvidas, as Esta transferência, de tudo o que acontece
Fig. 77, Sinopia anotações mais breves, aos doodles e outros sobre o estirador, acontece debaixo de uma proteção
desabafos, desde o rabisco para soltar o pulso, para que foi posta sobre o tampo dos estiradores em que
ver se a caneta ainda tem tinta, as tentativas, os trabalhei ao longo dos últimos dois anos. O papel
erros, os lembretes, entre correções e alterações... químico é reposto frequentemente, mas o resultado
das primeiras ideias os primeiros saltos e riscos. das transferências só é visto quando descoberto: no
final de cada época ou semestre letivo. São
Compreendem-se enquanto referimos e composições aleatórias e a acumulação do pigmento
consideramos ora as sinopie (fig.77), os rascunhos ou de transferência e a mistura das cores, vão
esboços; os desenhos preparatórios (fig.78) como construindo paisagens do lugar das primeiras
“este tipo de desenhos são inestimáveis, não só proveniências; dos primeiros desígnios.
porque nos dão a ideia mental do artista em toda a Algo aleatório, pois o resultado só é controlado até
sua pureza, mas também porque nos colocam no seu certo ponto: o que não passou ficou como zonas em

48 49
tradução livre de: “such drawings are invaluable, not only Tradução livre de: “scatters groups of trial figures on a page
because they give the artist’s mental idea in all its purity, but also in a disorderd way that serves to obscure the formal order or
because they put us into his mood at the momment of creation” narrative syntatical logic of the subject matter, while suggesting
the potential of future compotitions”

Fig.79, Leonardo Da Vinci, desenho preparatório


55
branco, sem registo, esquecidas. Outra característica o pano cru da capa e das bolsas foi estendido,
deste pigmento é o ser instável e perecível em passado a ferro e exposto ao dia.
contacto com a luz, portanto, haverá necessidade de Há vestígios, índices da sua construção e estrutura;
serem posterior e eventualmente fixados/transferidos do seu manuseamento, do terreno por onde andou.
para outros meios: algo familiar ao propósito dos
desenhos preparatórios.
Estes desenhos servem não como “cama
para a pintura”, 50 mas como cama talvez, para a
escuridão?
O medo que se poderá combater aqui vem
da gula, de se ter mais olhos que barriga, por vezes,
medo de comprometer algo e tentativa de
assumidamente expor o que fica a meio, as ideias e
vislumbres que não se chegam a trazer
completamente à luz (ou à exposição final).

A mochila (fig. 18 e 19) no caderno da noite mostra


as mãos trapalhonas que se precipitam às cegas,
mostra o estar no meio da lama, areia, vegetação a
trabalhar com lápis de cor e outros riscadores; sobre
suportes com grafite, ... Gestos fantasma destas
operações eram transportados para a capa de
desenho.
Era, no dia seguinte, que se viam
impressas\marcadas no pano cru. A capa de desenho
ficou carregada disto tudo. Quando se deu por
terminada a época das excursões, descosi a mochila,

50
Tradução de “whetter applauding its aggile, unfinished, dangerous, sloppy, indulgent, practice particularly hazardous for
spontaneous and revelatory qualitys or challenging it as a students”(Petherbridge, 2011, p. 26)

56
Fig.80 Fantasmas de Lama, Julho de 2017; tecido, lama, pó, grafite e diversos riscadores,
E spray fosforescente;

57
Apresentação do trabalho em exposição individual no Museu da FBAUP, Novembro de 2017

58
Considerações Finais

Enfim, numa reflexão critica torna-se importante olhar para a discussão que se foi construindo ao longo deste documento, não só para que
possam tecer algumas considerações finais, mas para também permitir que se descubram, sobre os resultados e procedimentos desta investigação,
algumas das suas fragilidades que lancem novas questões e problemáticas e que estas apontem algumas direções futuras.
Começou-se com a noite, essa “consoladora das aflições”. Através da escuridão que se apresenta como um lugar imenso do medo e do desejo;
lugar da ambivalência entre as angústias e desígnios onde se relacionam a noção de perda e da falta (ou distâncias) - da luz, da visão, do controlo, de
contorno e de segurança, - como aporias análogas às definições mais ou menos convencionais, triviais e pessoais do espaço, do mundo e da nossa
possibilidade e interação para com este. A provação destas aporias fez-se corresponder com inquietações pessoais – a distância e as saudades de casa
e o acompanhamento de um período de tratamentos à degeneração da visão no meu pai.

Encontrou-se no devaneio, na criatividade e na a disciplina, prática e estudo do desenho as ferramentas que operam e guiam estas provações
agenciando estas distâncias e aporias enquanto ambivalentes proveniências da vontade de desenhar.
Tratamos com o desenho.
Fundamenta-se numa semelhante correspondência com esse lugar da escuridão ao considerarmos que o desenho e a sua disciplina, como ferramenta de
investigação, agencia as distâncias e opera através da condição da visão, da cegueira e da crença.
Reconhecendo a “inelutável cisão entre o que vemos e o que nos olha”(Didi-Huberman, 2011, p. 9) que este projeto revela num exercício de ampliação e
deambulação que evoca a experiência da escuridão e suas correspondências e aporias. O desenho – pai de todas as artes; agente da distância e
operador da cegueira; como linguagem própria, ela mesma embrenhada e constituída por substâncias da escuridão faculta-se como ferramenta que guia
e clarifica este projeto através da sua prática e estudo.

Este projeto resultou num conjunto de procedimentos, estratégias e séries de desenhos que se correspondem e envolvem com esse lugar da
escuridão. O seu desenvolvimento visa um conjunto de circunstâncias motrizes (que elas mesmas se vão redesenhando e alterando por vezes, para além
do meu controlo e de acordo com os sucessos e insucessos dos tratamentos, disponibilidades e humores envolvidos), assim como as condicionantes e
faculdades dos espaços, instituições, estabelecimentos e tecnologias que se permitiram adotar.
Assim, as séries de desenhos que daqui resultaram, foram trabalhadas em paralelo e alimentam, derramam, iluminam e refletem umas sobre as
outras.
A abordagem a estes resultados aquando da organização tanto do livro de Projeto, anexo a este documento como a dos Cadernos Da
penumbra, acima apresentados, permite, numa outra leitura; deambular através das disparidade das incursões e multiplicidade de evocações e de
sentidos e explorar a impureza fundamental e esse “caracter lacunar de cada imagem”(Didi-Huberman, 2013, p. 13) de cada desenho e de cada
experiência.
O desenho destas organizações, compreendem, conectam e salientam diferentes aspetos, procedimentos, paradoxos e deslocamentos e
correspondências. Enfim, revelam um universo pessoal (e por vezes, temo, demasiado embrenhado em analogias só minhas, levam-me a ter cuidado com
um certo estado do absurdo aquando do insucesso em partilhar a experiência e um estado melancólico, essa estranha tristeza que atenta na tanto mais
na potência dos fenómenos que na reação e produção) da escuridão onde o jogo de associações, familiar à construção e leitura de um atlas irão
inesgotavelmente fornecer novas e outras mais luzes ao meu trabalho artístico face a futuras e diversas circunstâncias que surgirem.
Os resultados práticos são apresentados como aproximações a esse lugar imenso que é a escuridão.

59
Segue uma reflexão que atualiza sobre os estados de espirito em relação a o que em cada caderno (Da penumbra; neste documento) e cada
canto (ou espaço de trabalho; no livro de projeto) representa numa perspetiva futura.
Nos Cadernos Da Penumbra foram organizadas a partir da experiência e do relato da noite, do sono, da saudade, da cegueira e da transparência:
Em Da Noite, as excursões noturnas propõem desenhar quando quase não se vê luz, e submete o exercício do desenho de observação direta e
o corpo do desenhador à noite e a sítios desconhecidos. Explora o Caderno De Campo como uma ferramenta de levantamento de campo, de ensaio e
experimentação gráfica da investigação e identificam também os fatores e condições da portabilidade, duração, conforto e acessibilidade nesta atividade.
Sinto que aprendi a estar muito mais à vontade a desenhar à noite. Tornou-se um hábito essa adrenalina e desafio. Deixa alguma curiosidade em explorar
o oposto destes parâmetros expostos à luz em demasia, escalas pouco portáteis e a exposição ao publico e ritmos agitados e citadinos.... que agora me
parecem muito mais assustadores.
Do Sono: E ver sobre o que se desenha, exploram-se e ampliam-se algumas das aporias identificadas no desenho às escuras na noite, o
trabalho da perceção e da imaginação. Toca, no entanto, ao de leve o trabalho da atenção, da concentração, da projeção e do devaneio que poderá ser
gradualmente mais aprofundado e exigente. As mais recentes abordagens do desenho (Flora, Breu, Topo e Grutas) constam apenas no Livro de Projeto
mas relacionar-se-iam a este lugar.
Da Cegueira, apresenta um projeto em colaboração com o meu pai que acompanhou um período de tratamentos oftalmológicos contra a
degeneração da sua visão. São explorados os desenhos sobre e através dos olhos de outrem. De alguém que me é muito especial. Um compromisso que
implica o fazer do desenho com a crença, o acaso e na esperança e o sentimento de impotência que não volte a haver nenhuma reincidência e que nos
vejamos livres desta maleita e assim, do trabalho que esta série em torno da cegueira acarreta.
Sobre o caderno Da Saudade, a circunstância deste mestrado permitiu-me voltar a trabalhar a água forte e a calcografia numa oficina de
gravura. Não sei de momento se terei, num futuro próximo, a possibilidade de instalar estes equipamentos no meu espaço de trabalho. No entanto, o
nevoeiro como evocação da saudade, a dimensão gráfica da trama e a materialidade do desenho e da matriz são questões que se trazem com
curiosidade perante outras linguagens e equipamentos
Como em Da Transparência, a compilação das diferentes fases e funções do desenho de projeto, através da transferência, arquivo e
documentação dos seus índices, interstícios, desígnios e humores, tem se mantido. Igualmente a recolha de papel químico antigo na espectativa de se
resgatar fantasmas de outrem.

Continuar-se-á sempre, de alguma forma, um pouco às escuras. E em provações, com medos e desejos.

60
Bibliografia
(Andrade, 2007; Bachelard, 2008; Berger, 1980; Berger on drawing, 2008; Cabral, 2015; Cauquelin, 2015; Didi-Huberman, 2011, 2013, 2015; Freire
de Almeida, 2006, 2012; Lovatt, 2004; Modzain, 2015; Morris; Paixão, 2008; Petherbridge, 2011; Ruskin, 1991; Sá-Carneiro, 2007; Stoichita, 2016;
Tanizaki, 1933; Tavares, 2015; Vaz, 2001, 2003; Weinberger, 2014)

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Índice de figuras


1 “The Maze”, Tony Smith, 1967
Fonte: http://prod-images.exhibit-e.com/www_matthewmarks_com/37312_06_ALTERNATE_PREVIEW0.jpg [acedido em 09-07-2017];
2 Miroslaw Balka, How It Is; Turbine Hall, 2010-11; Contentor de 30m de comprimento e 13m de altura, elevado a dois metros do chão, e rampa de acesso.
Fonte: http://www.tate.org.uk/context-comment/video/unilever-series-miroslaw-balka [acedido em 03-04-2017];
3 Humor vítreo e estrutura ocular legendada.
Fonte: http://elavila.mx/retina-vitreo/ [acedido em 03-04-2017];
4 sombra: a umbra e a penumbra e antumbra.
Fonte: http://www.fciencias.com/2013/04/22/eclipse-lunar-de-abril-de-2013/sombra-penumbra-umbra-terrestre/ [acedido em 04-04-2017];
5 O mito de Butades por
6 O mito de Butades por Joseph-Benoit Suvée, Butades or the origin of painting, c.1791 (Stoichita)
7 Mapa mental, 2017, Mariana Sales Teixeira; fotografias recortadas, papel, cartão e alfinetes.
8 Terry Atkinson & Michael Baldwin, Map of a thirty-six square mile surface area of the Pacific Ocean west of Oahu, 1967
fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Lewis_Carroll_-_Henry_Holiday_-_Hunting_of_the_Snark_-_Plate_4.jpg;
9 Bilderatlas Mnémosyne, 1927-1929, prancha 50-51, londres; The warburg institute archive.
Fonte: G. Didi-Hubermann, Atlas ou a gaia ciência inquieta (fig.16);
10 Os primeiros desenhos e Cadernos de campo, 2015-17, Mariana Sales Teixeira; técnica mista.
11 Ademar de Chabannes (c.1020); em Exemplum, fig.22 (cat no4 ff 41v42r; p111);
12 Avigdor Arikha, Self Portrait, Night (1970); carvão sobre papel.
Fonte: https://i.pinimg.com/736x/3f/a1/dc/3fa1dc3cda348c03f760e1e8271542e4--avigdor-arikha-figure-drawing.jpg [acedido a 07-09-2017];
13 G. Seurat, Hight C (c.1887) lápis conté e guache s/ papel; 20cm x 23cm.
Fonte: http://images.metmuseum.org/CRDImages/ep/web-large/High%20C.jpg [acedido a 07-09-2017];
14 Cy Twombly - S/ título (Blind drawing),1954.
Fonte: https://killforsalad.wordpress.com/2011/07/30/destroy-painting/ [acedido a 07-09-2017];

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15 Susan Morris, (promenor) Sleepwake (2010); actiwatches e tapeçaria.
Fonte: Morris, S. Drawing in the dark, Involuntary Drawings. Tate Papers, (18). Em: http://www.tate.org.uk/research/publications/tate-papers/18/drawing-in-the-
dark. [acedido a 01-02-2017];
16 (pormenor) Cadernos de Campo I, (2016) Mariana Sales Teixeira.
17 J. Turner (1775-1851), Sketch or Diagram of a Boat, indicating reflected light and shadow(Diário gráfico com anotações escritas),(c.1809); grafite s/ papel, 88
x 115mm.
Fonte: http://www.tate.org.uk/art/research-publications/jmw-turner/joseph-mallord-william-turner-sketch-or-diagram-of-a-boat-indicating-reflected-light-and-
r1136687 [acedido a 07-09-2017];
18 Fotografia Digital, 2017, Mariana Sales Teixeira;
19 Mochila das Excursões Nocturnas (de dia); pano cru, ilhós atilhos e spray fosforescente;
20 Mochila das Excursões Nocturnas (de noite);
21 Ann Kipling, View Through the Spallumcheen II, (1977); tinta s/ papel, 26 x 42 cm.
Fonte: http://kelownaartgallery.com/2014-2/ann-kipling-the-falkland-drawings/ [acedido a 07-09-2017];
22 Ann Kipling, Falkland Landscape (detalhe), 2004, Lápis aguarelável s/ papel.
Fonte: https://museum.mcmaster.ca/about/news/ann-kipling-and-takao-tanabe-exhibition/ [acedido a 07-09-2017];
* https://www.youtube.com/watch?v=5Jgb9RkjMdE;
23 Cadernos de Campo I, 2017, Mariana Sales Teixeira; técnica mista, 21x14cm;
24 Cadernos de Campo I, 2016, Mariana Sales Teixeira; lápis de cor s/ papel, 21x14cm;
25 Cadernos de Campo I, 2016, Mariana Sales Teixeira; lápis de cor s/ papel, 21x14cm;
26 Cadernos de Campo I, 2016, Mariana Sales Teixeira; lápis de cor s/ papel, 21x14cm;
27 Cadernos de Campo I, 2017, Mariana Sales Teixeira, lápis de cor, grafite e marcadores s/papel, 21x14cm;
28 Cadernos de Campo I, 2017, Mariana Sales Teixeira; grafite s/ papel, 21x14cm;
29 Série sem título I (Nocturnos – Grafite), iii, 2016, Mariana Sales Teixeira; ponta metática s/ papel previmente preparado com grafite, 34cm x 56cm;
30 Série sem título I (Nocturnos – Grafite), iv, 2016, Mariana Sales Teixeira; ponta metática s/ papel previmente preparado com grafite, 22cm x 40cm;
31 Fotografia da ferramenta de desenho usada sobre suporte de papel preparadao com grafite; teco metálico, aprox.: 21cm;
32 Série sem título Ii (Nocturnos – cor), i, ii, iii, e v. 2016, Mariana Sales Teixeira; lápis de cor s/cartolina colorida, 42cm x 43cm
33 (verso) Legenda das cores e tempos;

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34 Frames do filme “Nuit Americane” em pausa. (Truffaut, F. (1973). La Nuit Américaine. França: 112 min.);
35 Blow up, 2016, Mariana Sales Teixeira; fotografia, impressão digital, 21cmx 42cm;
36 The Vegetable Lamb; (H., Lee, 1887)
consultado em: [acedido a 09-07-2017] https://ia601403.us.archive.org/11/items/vegetablelamboft00leehrich/vegetablelamboft00leehrich.pdf
37 A pedra;
38 Superfícies Encarnadas: O Levantamento E O Transporte Da Pedra, Ida. 2017, Mariana Sales Teixeira; pincel e tinta permanente s/ papel vegetal 180gr, 59,4 x
84cm (pormenor);
39 Superfícies Encarnadas: O Levantamento E O Transporte Da Pedra, Regresso. 2017, Mariana Sales Texeira; lápis de cor e pantógrafo s// papel vegetal 180gr,
59,4 x 84cm (pormenor);
40 Superfícies Encarnadas: O Levantamento E O Transporte Da Pedra, Regresso. 2017, Mariana Sales Texeira; lápis de cor e pantógrafo s// papel vegetal 180gr,
59,4 x 84cm (pormenor);
41 O Olho Esquerdo (Figo), (Outubro de 2015); Mariana Sales Teixeira, caneta permanente s/ papel milimétrico, 16 x 20cm;
42 Ex-voto de Angra dos Reis;
Fonte: http://www.ex-votosdasamericas.net/o-ex-voto.html [acedido a 07-09-2017];
43 Ex-voto ou milagritos (México) a Sta. Luzia;
Fonte: http://www.ex-votosdasamericas.net/o-ex-voto.html [acedido a 07-09-2017];
44 Masaccio (n. 1428 Roma), St Peter Healing The Sick With His Shadow; fresco, 230 x 162cm, capela Brancacci, Santa Maria del Carmine, Florença;
Fonte: https://www.wga.hu/frames-e.html?/html/m/masaccio/brancacc/st_peter/shadow.html [acedido a 07-09-2017];
45 Relato e Transcrição (2015), Mariana Sales Teixeira e Rui Teixeira; frame de vídeo e impressão digital s/ acetato;
46 Constelação Camelo Meia Cobra, iii e v (2015), Mariana Sales Teixeira; caneta permanente s/ acetato 43cm x 59cm;
47 Camelo Meia Cobra, (2015), Mariana Sales Teixeira;
48 Albrecht Durer, Rinoceros, 1515; xilogravura; 21.3cm x 29.5cm; Collecção Met Prints
Fonte: http://www.metmuseum.org/art/collection/search/356497 [acedido a 07-09-2017];
49 Michelangelo Buonarroti (1475 - 1564) (Pormenor) The Genius of Victory (1532-1534); 261cm de altura; mármore, Fonte:
https://100swallows.wordpress.com/2008/04/24/sculpted-eyes/ [acedido a 07-09-2017];
50 Michelangelo Buonarroti(1475 - 1564)(pormenor) David (1501 - 1504); 517 x 199 cm; Mármore.
Fonte: http://fabforgottennobility.tumblr.com/ [acedido a 07-09-201;

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51 Spolvero (Ensaios Para O Transporte Da Constelação Camelo Meia Cobra), 2017, Mariana Sales Teixeira; papel de algodão 200gr furado e transferências a
sanguínea em pó s/ papel de algodão 200gr;
52 P. Picasso (1881-1973), Constelation Drawings (1924);
Fonte: http://socks-studio.com/2017/02/13/constructing-abstraction-pablo-picassos-constellation-drawings-1924/ [acedido a 07-09-2017];
53 Camuflagem, 2016; Mariana Sales Teixeira; Fotografia analógia, impressão digital a cores s/ acetato recortado;43cm x 59cm;
54 Camuflagem, 2016; Mariana Sales Teixeira; Fotografia analógica, impressão digital a cores s/ acetato recortado;43cm x 59cm;
55 (Doodles) Outras Constelações (2016) Mariana Sales Teixeira, esferográfica s\ papel de manteiga, aprox.: 30cm x 30cm;
56 Caderno Um a um. (2017), 12x12cm esferográfica e papel químico s/ papel. Mariana Sales Teixeira;
57 Caderno Um a um. (2017), 12x12cm esferográfica e papel químico s/ papel. Mariana Sales Teixeira;
58 “Cover for eye or belly button” Titulo inscrito no repositório online do Metropolitan Museum;
Fonte: http://www.metmuseum.org/art/collection/search/561535 [acedido a 07-09-2017];
59 Nevoeiro. (2016) Fotografia digital; cor; Mariana Sales Teixeira;
60 (Pormenor) Charles Cousen’s The Cornfields a partir de John Constable, c.1870.
Fonte: http://www.printsandprinciples.com/2012_08_01_archive.html [acedido a 07-09-2017];
61 (pormenor) Timothy Cole’s The Cornfields a partir de John Constable, Fonte: 1899,http://www.printsandprinciples.com/2012_08_01_archive.html [acedido a
07-09-2017];
62 (captura de ecrã) Spotazores, cam. 42 acedido em: http://www.spotazores.com/cams [data de acesso: 07-02-2016] (desactivado desde 01 de Julho de
2017);
63 Lagoa Fogo Nevoeiro (lado A) (2016-2017), Mariana Sales Teixeira; cobre, matriz calcográfica, desenho a água forte; 20cm x 13cm;
64 Lagoa Fogo Nevoeiro (lado B) (2016-2017), Mariana Sales Teixeira; cobre, matriz calcográfica, desenho a água forte; 20cm x 13cm;
65 Legenda para Lagoa Fogo Nevoeiro (2016-2017), Mariana Sales Teixeira; zinco, matriz calcográfica, desenho a água forte; 3cm x 34cm;
66 Exposição coletiva Linhas de Fundo, Casa das Artes, Porto, Dezembro de 2016; Lagoa Fogo Nevoeiro (matrizes e impressões em arquivo de madeira);
67 (captura de ecrã) Spotazores, cam. 42, emissão desativada; http://www.spotazores.com/cams (desactivado desde 01 de Julho de 2017) [acedido a 07-09-
2017];
68 Horizontais (2016-2017), Mariana Sales Teixeira, matrizes calcográficas em água forte, zinco; 7cm por 5cm; conjunto de 36.
69 Instrumento de desenho em Horizontais (2016-2017), Mariana Sales Teixeira;

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70 Horizontais (2016-2017), Mariana Sales Teixeira; impressão calcográfica s/ papel canson edition branco antigo (ensaios e testes de tintagem iii e vi); 80cm x
40cm;
71 Anónimo Romano, “quarto não varrido” (pormenor);Musei Laterani, Vaticano; Descoberto em 1833 em Roma entre as portas de São Sebastião e São Paulo,
nas vinhas de Lupi - Data da época de Adriano, século II ( Cf. B. Andreae, Antike Bildmosaiken, em Didi-Huberman, 2013, p. p.51); 400cm2;
mármore e massa de vidro colorido;
72 Marcel Duchamp (1887 - 1968), The Bride Stripped Bare By Her Bachelors, Even (The Green Box), (1934) Caixa em cartão, 95 litografias, colotipias e tinta
sobre papel; Dimensões do objeto: 33,3 x 27,9 x 2,5 cm;
Fonte: https://www.moma.org/interactives/exhibitions/1999/muse/artist_pages/duchamp_boite.html [acedido a 07-09-2017];
73 Marcel Duchamp (1887 - 1968), The Bride Stripped Bare By Her Bachelors Even (The Large Glass), (1915-23);
Fonte: https://www.sartle.com/artwork/the-bride-stripped-bare-by-her-bachelors-even-the-large-glass-marcel-duchamp [acedido a 07-09-2017];
74 Fantasmas Químicos (I de 19), 2015-2017, Mariana Sales Teixeir; Transferências de papel químico s/ papeis variados;
75 Fantasmas Químicos (3 de 19), 2015-2017, Mariana Sales Teixeira; Transferências de papel químico s/ papeis variados;
76 Fantasmas Químicos (17 de 19), 2015-2017, Mariana Sales Teixeira; Transferências de papel químico s/ papeis variados;
77 sinopie – Sinopia s/ tecido; para a representação da Virgem Maria, para o fresco de Correggio (1489-1534) na cúpula da catedral de Parma, Itália.
Fonte: http://www.dpeck.info/italy/parma2016c.htm [acedido a 07-09-2017];
78 Leonardo Da Vinci (1452-1519), Studies For The Virgin And The Child (c.1510); digitalizado de (Petherbridge, 2011, pag.32, fig.7);
79 Paolo Caliari Veronese (1528-1588), Studies For the Allegories of Love, 1570-75;
Fonte: http://www.metmuseum.org/art/collection/search/340432 [acedido a 07-09-2017];
80 (pormenor) Fantasmas de Lama (2017), Mariana Sales Teixeira; (mochila descosida), tecido com terra, pó, grafite e lápis de cor; spray fosforescente

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