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All content following this page was uploaded by Maria Elice Brzezinski Prestes on 12 October 2016.
Antes de Mendel:
Joseph Koelreuter
e as pesquisas de
hibridização de plantas
A
utilizado no sentido empregado
contribuição de Gregor Mendel (1822-
por Mendel e seus antecessores e
contemporâneos, incluindo tanto 1884) para os estudos da hereditarieda-
cruzamento de espécies como de é bastante conhecida. No entanto, ainda
de variedades pouco diferentes que o tema já tenha sido muito discutido
(MARTINS, 1997, p. 3-3). No entre historiadores da Genética, é menos di-
século anterior, Carl von Linné
(1707-1778), por exemplo, fundida a inserção de Mendel na tradição de Divisão administrativa
considerava que qualquer planta trabalhos de hibridização de plantas, reali- independente desde o século
que apresentasse caracteres zados nos séculos XVIII e XIX. XIV, a Moravia passou a ser
intermediários entre aqueles governada como um domínio
de duas outras espécies bem Conhecer esse contexto é o caminho para da coroa do Império Austríaco
conhecidas, seria um híbrido, uma desconstruir a imagem historicamente equi- em 1804, passando ao Império
nova espécie (OLBY, 1985, p. 3). Austro-húngaro em 1867.
vocada a respeito de Mendel como uma fi- Em 1918 foi incorporada à
gura isolada, seja científica, seja geografica- Tchecoslováquia, tornada
mente (OLBY, 1985); (GLIBOFF, 2015). República Checa, em 1993.
O mosteiro Agostiniano de St. Thomas em Embora tenha deixado de ser uma
Pronuncia-se “Bruno”, em unidade de território em reforma
que Mendel desenvolveu seus experimentos
checo, embora a cidade também administrativa do governo
seja referida em outras línguas, não ficava em um recôndito desconhecido da comunista em 1949, ainda é
como “Brünn”, em alemão Europa Central, mas na cidade histórica de reconhecida como uma região
(Wikipedia). Foi na vizinhança Brno – desde o século XI, um centro políti- específica na República Checa,
de Brno que se travou a Batalha co importante da Moravia. Por outro lado, cujos habitantes reconhecem sua
de Austerlitz em 1805. Devido identidade Moravia.
a sua posição geográfica e o trabalho de Mendel deve ser considerado
política estratégica, em 1809, dentro dos padrões da ciência de sua época.
foi escolhida pelo imperador Ele se inseria na comunidade botânica bas-
francês Napoleão Bonaparte para tante ativa da Moravia dos anos 1850 (RO-
pouso de suas tropas em meio
BERTS, 1929); (GLIBOFF, 1999).
à campanha contra Moscou,
passagem descrita no romance
Guerra e Paz, de Leon Tolstoi.
Koelreuter contrapunha essas ganhou o prêmio (OLBY, 1985, p. 4). Pos- fora dos grãos (Sachs [1875], 1906, pp.
ideias de Wilhelm Friedrich teriormente, novas e mais detalhadas evi- 410-411). Considerando que o óleo desem-
Gleichen Russworm (1717-
1783), cujas observações
dências experimentais foram fornecidas pelo penhava o papel fertilizante, usou as noções
microscópicas levaram-no a botânico alemão Joseph Gottlieb Koelreuter da química de sua época. Recusou a ideia de
considerar que os grãos de (1733-1806). que os grãos de pólen, eles próprios, alcan-
pólen eram correspondentes aos çassem o ovário. Então afirmou:
espermatozoides dos animais e
penetram nos óvulos promovendo
OS EXPERIMENTOS DE “Tanto as sementes masculinas quanto
modificações sucessivas até que HIBRIDIZAÇÃO DE PLANTAS a umidade feminina do estigma são de
se transformam em embriões
(SACHS [1875], p. 404; 411, DE KOELREUTER natureza oleosa, então, quando entram
1906). A reprodução sexuada de plantas dividiu os em contato ocasiona-se uma união ínti-
botânicos em diferentes tipos de investiga- ma entre as duas e se forma uma subs-
Mais tarde, contudo, novos
ção. Uns procuravam estabelecer se o pólen tância que, se a fertilização ocorrer, deve
experimentos fizeram-no recuar ser absorvida pelo estigma e transportada
da ideia de que a umidade era necessário à formação das sementes, con-
firmando a existência da reprodução sexua- através do estilete até os assim chamados
do estigma fosse o princípio
feminino (SACHS [1875], pp. da; outros, tomando-a por certa, dedicavam- óvulos ou germes não fertilizados”. (Koel-
411-412, 1906). -se a estabelecer o modo pelo qual o pólen reuter, 1761, apud Sachs [1875], 1906,
fecundava o óvulo. Neste segundo grupo, p. 411)
A descoberta do tubo polínico,
em 1823, foi o passo mais estavam os estudos de Joseph Gottlieb Ko- Ou seja, para ele a fertilização ocorria no es-
importante para eliminar as elreuter. tigma e a substância mista ali produzida, dos
dúvidas sobre a fertilização sexual
Eliminar as dúvidas sobre a fertilização se- óleos femininos e masculinos, era condu-
das plantas superiores (MORTON,
1981, p. 394). xual nas flores demandava, entre outros zida aos ovários onde produziam os embri-
aspectos, estabelecer como seria o contato ões na semente.
material entre o elemento feminino e o mas- Note-se que, assumindo a fertilização como
culino. Naquela época, o tubo polínico a produção de uma substância nova a par-
não era conhecido. Koelreuter concentrou- tir da mistura dos líquidos masculino e fe-
Pré-formação é a teoria de -se em determinar a quantidade de pólen minino, Koelreuter estava se opondo a uma
que um organismo, em certo
que é requerida para a fertilização de um teoria de reprodução difundida na época, a
sentido, está pré-formado desde
sua origem, precisando apenas ovário e comparou-a com o número de grãos pré-formação, seja ovista, seja animalcu-
desenvolver-se. Epigênese, de pólen de uma flor particular. Descobriu lista, e se colocando favorável à epigênese.
ao contrário, é a ideia de que o que o número necessário de grãos de pólen
organismo emerge gradualmente Koelreuter não duvidava da possibilidade
para que a fertilização ocorresse era bem
no processo embriológico. da produção de híbridos, mas considerava
menor do que aquele disponível numa flor.
que a natureza possuía modos de evitá-los.
Entre outras flores estudadas, no caso Hi-
Dedicou-se a descobrir quais eram esses
Koelreuter concluiu, com os biscus venetianus, contou 4.863 grãos de pó-
mecanismos ocultos (OLBY, 1985, p. 10).
resultados de seus experimentos, len e considerou apenas entre 50 e 60 grãos
que se os pólens da própria Para isso, procurou obter plantas híbridas e
como suficientes para promover mais de 30
espécie e de outra espécie passou a examinar a fertilidade das mesmas.
sementes férteis no ovário. Também estudou
chegam simultaneamente a Conseguiu o primeiro intento com plantas
um estigma, apenas o primeiro as formas pelas quais o pólen das anteras
de tabaco, no outono de 1760.
o fecunda, explicando por chega aos estigmas, incluindo a ação do ven-
essa razão por que os híbridos to e dos insetos. Descreveu os resultados obtidos em um pe-
artificiais não são encontrados na queno livro publicado no ano seguinte, Vor-
natureza. De suas observações microscópicas do grão
läufige Nachricht von einigen, das Geschlecht
de pólen, afirmou que era composto de duas
der Pflanzen betreffenden Versuchen (Notícia
cascas distintas, sendo, a externa, elástica
preliminar de experimentos e observações
e dotada de espinhas e rugosidades e, a in-
sobre alguns aspectos do sexo das plantas),
Plantas híbridas foram terna, de projeções cônicas que explodiam
relatando nada menos que 65 experimen-
obtidas antes de 1719 pelo e liberavam o conteúdo. Supôs então que
correspondente de Linné, tos de hibridização e investigações sobre
esse conteúdo era um “tecido celular” e que
Thomas Fairchild (?1667-1729), o mecanismo de polinização e fertilização.
a substância fertilizante era o óleo formado
a partir de duas espécies de Entre 1761 e 1766, publicou novos artigos
cravo, Dianthus caryophyllus e D. no seu interior de onde extravasava por fi-
em que a soma de experimentos realizados
barbatus (OLBY, , p. 18, 1985). nas passagens da casca e aderia ao lado de
subiu para 500 hibridizações de diferentes
plantas, envolvendo 138 espécies. Além dis- entre as duas espécies originais. Por sua vez,
so, examinou a forma, cor e o tamanho de do cruzamento desses primeiros híbridos
grãos de pólen de 1.000 espécies diferentes com uma das espécies originais nasceram
de plantas (OLBY, 1985, p. 5). Esses núme- plantas (híbridos F2) bem diferentes entre
ros contribuem para ilustrar como a investi- si, que se pareciam mais com uma, ou com
gação realizada por ele era um exemplo de outra das espécies originais do que com os
Em 1763, ele descreveu um
que o método experimental guiava estudos híbridos dos quais eram originários. número considerável de híbridos
sobre o funcionamento dos organismos vi- dos gêneros Nicotiana, Kedmia,
Mais tarde, e em contraste a Mendel que
vos no século XVIII (PRESTES, 2007); Dianthus, Matthiola, Hyoscyamus
procurava explicar esse contraste entre as e outras plantas.
(MELI, 2011, p. 269).
duas gerações em termos citológicos e esta-
O primeiro híbrido foi obtido ao colocar o tísticos, Koelreuter adotou uma perspectiva
pólen de Nicotiana paniculata no estigma de teológica e fez analogias alquímicas. Naque-
N. rustica, produzindo uma planta perfeita. la época já havia conhecimento de que da
Contudo, ao caírem as flores não geraram reação entre um ácido e um álcali formava-
frutos nem sementes, diferentemente das -se um sal – que não é nem ácido nem al-
plantas originais que produziam cerca de calino, mas neutro, ou seja, um interme-
50.000 sementes – contrastando-se a ferti- diário, como ocorria na planta híbrida F1.
lidade das espécies puras com a esterilidade Ele também estendia a analogia alquímica
do híbrido. Percebeu então que as formas para explicar a variabilidade e combinações
híbridas, além de estéreis, eram intermedi- possíveis das gerações subsequentes. Por
árias entre as formas parentais. outro lado, a uniformidade e aparência in-
termediária do híbrido F1 eram evidências
Koelreuter multiplicou então suas observa-
da perfeição do ato de criação divina que só
ções e experimentos de hibridização. Exa-
era quebrada pela intervenção humana ao
minou os grãos de pólen das flores da planta
provocar essas combinações híbridas não
híbrida ao microscópio percebendo que os
naturais. Dessa forma, considerava ainda
mesmos estavam encolhidos, praticamente
que seus experimentos não refutavam a Koelreuter promoveu ainda
sem fluídos materiais em seu interior, não
doutrina da fixidez das espécies. experimentos de híbridos até
passando de cascas vazias. Os grãos de pó-
a quinta geração, assim como
len estavam, portanto, claramente estéreis. Em alguns casos, Koelreuter ainda encon- experimentos de reversão de
Então, investigou se o mesmo ocorria com trou que os híbridos F2 eram comumente híbridos à forma original, pelo
os ovários. Para isso, polinizou ovários de de três tipos: os que se pareciam com as es- uso repetido de seu próprio
plantas híbridas com o pólen das espécies pécies avós, os que se pareciam com os pais pólen. Ele considerava que
apenas plantas próximas, e
originais (retro-cruzamento, como chama- F1 e os parecidos com as espécies avôs. Em mesmo assim, nem sempre, eram
do hoje). O resultado mostrou a fertilidade termos gerais, pode-se dizer que Koelreuter capazes de reprodução sexual.
dos ovários e a formação de novas plantas reconheceu, em termos qualitativos, as três
(hoje, híbridos F1). Novamente, testou a classes de segregação que, mais tarde, Men-
fertilidade dessa geração, promovendo a del encontrou na proporção 1:2:1 (OLBY,
autopolinização. Com tal procedimento, 1985, p. 14).
obteve nova geração de plantas (hoje, hí-
Koelreuter submeteu seus resultados expe-
bridos F2).
rimentais à análise de Linné. Mas nem o na-
Com esses estudos, pela primeira vez na turalista sueco, nem seus discípulos e a es-
história da Biologia, segundo Robert Olby, cola de sistematas do final do século XVIII
“descrições confiáveis e acuradas de pro- encamparam suas descobertas sobre os
dução de híbridos e seus descendentes são híbridos na literatura que produziram. Foi
disponibilizadas” (OLBY, 1985, p. 11). Ko- apenas posteriormente que os estudos de
Os trabalhos de Camerarius
elreuter ainda comparou o forte contraste Koelreuter, assim como os de Camerarius, e Koelreuter ficaram mais
entre as duas gerações híbridas obtidas: as acabaram reconhecidos como os que mais conhecidos quando reunidos
plantas obtidas pelo cruzamento de duas subsidiaram as leis gerais da reprodução se- pelo professor de Botânica em
espécies distintas (híbridos F1) eram muito xuada de plantas e da função sexual das flo- Praga, Johann Christian Mikan
(1769-1844) no livro R. J.
semelhantes entre si, manifestando na maio- res, contribuindo para o estabelecimento da Camerarius Opuscula Botanici
ria de seus caracteres aspecto intermediário existência desse tipo de reprodução vegetal. Argumenti, de 1797 (SACHS
[1875], p. 385, 1906).