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O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione


grammatica libri tres em Espanha

Article · January 2012

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1 author:

Rolf Kemmler
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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The Worldwide Impact of Alvaresian Grammar Throughout the Centuries: Bibliography, Documentation and Study View project

Portuguese Spelling: History and Present View project

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Humanidades
Linguíst
icos
Revista Portuguesa de

Estudos

VOL. 16-1
ANO 2012
Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Filosofia de Braga
Humanidades
Linguíst
icos
Revista Portuguesa de

Estudos

DIRECTOR MIGUEL GONÇALVES


SECRETÁRIOS José CÂNDIDO de Oliveira MARTINS; Ana Paula Pinto
CONSELHO DE REDACÇÃO ALFREDO DINIS; AMADEU TORRES (†); ANA PAULA PINTO; ANTÓNIO MELO; AUGUSTO SOARES DA SILVA;
JOÃO AMADEU SILVA; José CÂNDIDO de Oliveira MARTINS; JOSÉ GAMA; LUÍS DA SILVA PEREIRA;
MANUEL LOSA; Maria JOSÉ FERREIRA LOPES; MÁRIO GARCIA E MIGUEL GONCALVES
COMISSÃO CIENTÍFICA  ntónio martins de araújo, UNIVERSIDADE federal do rio de janeiro; clarinda azevedo
A
maia, UNIVERSIDADE DE COIMBRA; dieter messner, UNIVERSIDADE DE salzburg; dirk geeraerts,
UNIVERSIDADE DE leuven; enrique bernárdez, UNIVERSIDADE complutense de madrid;
evanildo bechara, UNIVERSIDADE do estado do rio de janeiro; horácio rolim de freitas,
UNIVERSIDADE estadual do rio de janeiro; isabel hub faria, UNIVERSIDADE DE lisboa; joão
malaca casteleiro, UNIVERSIDADE DE lisboa; jorge morais barbosa, UNIVERSIDADE DE
coimbra; José luis cifuentes honrubia, UNIVERSIDADE DE alicante; leodegário a. azevedo
filho (†), academia brasileira de filologia; mário vilela, universidade do porto; milton M.
azevedo, UNIVERSIDADE Da califórnia, berkeley; nicole delbecque, UNIVERSIDADE DE leuven;
oswald ducrot, ehess - paris; per aage brandt, UNIVERSIDADE DE aarhus; ramón almela pérez,
UNIVERSIDADE DE murcia; ronald w. langacker, UNIVERSIDADE De califórnia, san diego; toru
maruyama, UNIVERSIDADE De nanzan, naggva
PROPRIEDADE ALETHEIA − Associação Científica e Cultural
DISTRIBUIÇÃO FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA
E VENDAS UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
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ISSN 0874-0321
DEPÓSITO LEGAL 119141/97
TIRAGEM 500 EXEMPLARES
CAPA ROMÃO FIGUEIREDO
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO Graficamares, Lda.
R. Parque Industrial Monte Rabadas, 10
4720‑608 Prozelo ‑ Amares
PATROCÍNIOS FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA
APOIO DO PROGRAMA OPERACIONAL CIÊNCIA
TECNOLOGIA, INOVAÇÃO DO QUADRO COMUNITÁRIO DE APOIO III

O CONTEÚDO DOS ARTIGOS É DA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES


O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial
dos De institutione grammatica libri tres
em Espanha

Rolf Kemmler *
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Vila Real)
kemmler@utad.pt

Abstract

This paper presents an authentic document, written by the Portuguese grammarian


Manuel Álvares (1526-1583), author of the famous Latin grammar Emmanvelis
Alvari è Societate Iesv de Institvtione grammatica libri tres (1572). The document
constitutes a power of attorney established in June, 1579, conceding all rights to the
publication of the author’s grammar in Spain to the Fathers of the Society of Jesus
in Seville. Due to the historical and linguistic implications of the document, the
present paper addresses questions relative to the publishing tradition of Alvares’
Jesuit grammar throughout the territory of the Spanish realm.

Keywords :  historiography of linguistics, Latin grammar, Manuel Álvares, Portugal,


Spain

1. Introdução

No domínio das letras em Portugal, o ano de 1572 merece destaque pela


impressão, em Lisboa, de duas obras de grande relevo. Foi neste ano que o
impressor António Gonçalves imprimiu a epopeia nacional Os Lvsiadas do
poeta Luís de Camões e o tipógrafo João da Barreira imprimiu a gramática
latina Emmanvelis Alvari e Societate Iesv de institvtione grammatica
libri tres. Se bem que a publicação no mesmo ano possa ser considerada uma
mera coincidência curiosa, não deixa de ser notável que as duas obras viriam a

* Investigador do Centro de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de


Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), financiado pela Fundação para a Ciência e a


Tecnologia (FCT).

Revista Portuguesa de Humanidades  | Estudos Linguísticos, 16-1 (2012), 155-174


156 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

adquirir um papel essencial não somente na cultura portuguesa mas também


na cultura europeia ao longo dos séculos seguintes.1
No que respeita à edição princeps da gramática do jesuíta madeirense
Manuel Álvares (1526-1583), não se sabe em que medida o próprio autor estaria
imediatamente envolvido no processo censório que levou à licença de impressão
em 9 de setembro de 1572, especialmente considerando que o privilégio geral
de 1567 concedera ao tipógrafo João da Barreira o direito de imprimir todos os
manuais escolares dos padres jesuítas.
A recente descoberta, porém, de um documento autógrafo do próprio
gramático permite uma nova abordagem do envolvimento do próprio gramático
na divulgação da sua gramática.

2. A procuração autógrafa de Manuel Álvares

Sob a cota 9-3702-5, a Biblioteca da Real Academia de la Historia em


Madrid conserva na sua Colección Jesuitas (tomos), um manuscrito em
formato 21 × 28 cm. O documento (1579, junho 12), que apresenta texto apenas
nos dois lados do primeiro fólio, permite o estabelecimento da seguinte trans-
crição paleográfico-linguística:2

1
/ Jesus 3
2
/ Eu Manoel Aluarez da Companhia de Iesus por este por 3/ mĩ feito e
assinado dou poder ao padre Reytor do collegio 4/ da dita Comp[anhi]a na
cidade de Seuilha, e ao procurador da 4/ da mesma Comp[anhi]a residente
na Corte do Serenissimo Rey 6/ Catolico dom Felipe a ambos Juntamente,
ou a cada hũ deles 7/ in solidum pera q[ue] por mĩ e em meu nome peçã e

1
  Sempre consciente da importância da obra de Manuel Álvares, o saudoso Mestre
Professor Amadeu Torres dedicou-lhe o artigo Humanismo inaciano e artes de
gramática: Manuel Álvares entre a “ratio” e o “usus” de 1984, reeditado em 1998
(Torres 1984, 1998a, 1998b).
2
  Dado que os dois textos notariais são de leitura bastante difícil, somos gratos
pela ajuda de Maria do Rosário Morujão, Professora do Departamento de História,
Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; investigadora
do Centro de História da Sociedade e da Cultura (CHSC) da mesma Faculdade.
3
  Acima do documento notarial lê-se a anotação “S. 30”. Uma vez que a folha
seguinte apresenta o número 31, tudo leva a crer que se trate de uma paginação que
remontará à altura em que o documento estava ainda encadernado com outros. Não se
sabe qual poderá ser o significado de ‘S’.
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 157

possam 8/ pedir a sua M[agesta]de, e aos Sen[h]ores, de seu muy alto e Real
9
/ Conselho, ou a quẽ necessario for, licença e poder p[er]a q[ue] se imprima
10
/ e possa imprimir a arte de gramatica q[ue] eu fiz, e que nã 11/ a possa
imprimir, nẽ trazer a uender aos Reynos despanha 12/ o tempo que aos ditos
padres parecer outra pessoa senã o dito 13/ padre Reytor, ou quẽ elle nomear,
e p[er]a este effeyto 14/ possa o dito padre Retor, e o dito procurador geral, ou
15
/ quẽ elles & cada hũ deles nomearẽ fazer e apresentar quaesquer 16/ petiçoẽs
e suplicaçoẽs, e tirar as cedulas e prouisoẽs necessarias 17/ e fazer todo o mais
que for necessario como eu fizera e podera 18/ fazer em pessoa e p[er]a isso lhe
dou todo meu poder com 19/ liure e geral administraçã, em lisboa a noue de
Junho 20/ ano de mil e quinhentos e setenta e noue.
21
/+
22
/ Manoel Aluarez
23
/+
24
/ Eu pero tome tabaliaõ pubryco das notas 25/ por el Rei noso s[enho]r nesta
cidade de lixboa [fol. 1 r] 26/ e seus termos faco fe e sertefiquo q[ue] a letra 27/
e synall atras he do padre manoel all- 28/ varẽz da companhia de Jesus nele
comteudo 29/ e por verdade fis esta e[m] q[ue] fis meu pubryco 30/ synall oje
seis dias do mes de Junho do anno 31/ de mill e quynhemtos e setemta e nove
32
/ annos
33
/ [sinal] saychel 4
34
/+
35
/ Eu bertollameu gomes pinhe[i]ro tabalião 36/ pubriquo p[or] elR[ey] noso
s[e]n[hor] nesta cidade de 37/ L[i]x[bo]a e seos termos sertefiquo e dou fe que
38
/ pero tome q[ue] a Justifiquasão asima fez 39/ e asinou c[onhecimen]to
p[ublic]o he pubriquo tabaliã 40/ nesta cidade e seos termos e p[or] V[e]r[da]
de 41/ me asinei aq[ui] de meu p[ubli]co sinall aos d[o]ze 42/ dias do mes de
Junho de m[i]ll e q[ui]nh[en]tos 43/ e setẽta e noue anos
nada
[sinal]

Trata-se de uma procuração autógrafa, através da qual Manuel Álvares


cedeu, de 9 de junho de 1579 para sempre, todos os aspetos do direito de
impressão e de divulgação da sua obra em Espanha aos Padres da Companhia

4
  O traçado de leitura difícil não permite o estabelecimento absolutamente seguro
desta palavra.
158 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

de Jesus em Sevilha, bem como o seu procurador junto com a corte em Madrid.
No lado retro da procuração, escrita e assinada pelo próprio autor dos De insti-
tutione grammatica libri tres, seguem-se as primeiras duas linhas do reconhe-
cimento da assinatura do tabelião lisboeta Pero Tomé,5 datada de 6 de junho de
1579.6 Este continua no verso, seguido pela apostila de outro tabelião lisboeta
de 12 de junho de 1579 que se identifica como Bartolomeu Gomes Pinheiro.
Este último elemento constitui uma espécie de apostila da procuração do gra-
mático: através do reconhecimento da autenticidade da assinatura de Pero Tomé
como tabelião público, a certificação efetuada por Bartolomeu Gomes Pinheiro
serve como legalização necessária para ser apresentada no país vizinho.
Para além disso, a bibliografia existente sobre a obra alvaresiana leva-nos
a constatar que não parece, até ao momento, ser conhecido outro documento
autêntico e autógrafo que ligue o próprio Manuel Álvares à publicação e divul-
gação dos De institutione grammatica libri tres a nível nacional ou interna-
cional como detentor dos direitos autorais.7
Como demonstra ao longo do seu artigo Rogelio Ponce de León Romeo
(2003a), houve, em finais dos anos setenta e inícios dos anos oitenta do
século XVI uma acérrima batalha entre os detentores do privilégio nas
Introductiones latinae (1481) do nebrissense e os jesuítas espanhóis que
queriam introduzir a gramática alvaresiana no reino da Castela. Segundo o

5
  O mesmo tabelião aparece num documento intitulado “Doação das saboarias das
ilhas de S. Jorge e Terceira a Manoel Corte Real de 2 d’abril de 1518, confirmada a sua
filha D. Beatriz de Mendonça em 1575”, reproduzido por Canto (1883: 155).
6
  Não temos dúvidas acerca da leitura da data do tabelião lisboeta: “[...] seis dias do
mes de Junho do anno de mill e quynhemtos e setemta e nove annos [...]”. Face à óbvia
discrepância em relação à data referida pelo autor do documento (isto é, a semelhante
posterioridade do documento reconhecido de 9 de junho de 1579 ao reconhecimento
de 6 de junho de 1579), julgamos lícito constatar que um dos dois intervenientes no
processo se deverá ter enganado na data, pois não parece provável que Pero Tomé
tenha procedido ao seu reconhecimento da assinatura de Manuel Álvares antes que
este tivesse escrito a própria procuração.
7
  Para além das edições portuguesas e da edição espanhola, pelo menos houve
umas edições internacionais dos De institutione grammatica libri tres publicadas
em Dillingen (hoje Alemanha), Lyon (França), Roma (hoje Itália) e Veneza (hoje
Itália). Por ser possível que o autor tenha outorgado procurações semelhantes para os
padres da Companhia de Jesus de Dillingen, Lyon, Roma e Veneza e talvez até para
aqueles que pretendiam imprimir somente o segundo livro De constructione octo
partium orationis liber, não se pode excluir a possibilidade de existirem documentos
semelhantes noutros países.
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 159

seu biógrafo português (que ainda acrescenta um comentário de cariz negativo


sobre a gramática do nebrissense), o próprio Álvares teria preferido não parti-
cipar na batalha jurídica frente ao Consejo de Castilla:

Tambem he bom argumento de sua humildade a alegria, que mostrou,


quando lhe disseram, que no conselho real de Castella fora sua Arte julgada
pella mesma de Antonio de Nebrissa, & prohibida, que se naõ lesse, nem
pudesse comprar, pedindolhe os Padres de Castella acodisse pella verdade,
que elles queriam defender, o Padre escuzava aos acuzadores, folgando de
naõ ter nome de Autor. E certo pouco era necessario pera se ver a verdade,
pois a Arte de Nebrissa a respeito da do Padre Manoel Alvres he como o pano
grosseiro a respeito da seda fina. (Franco 1719: 97)

Apesar desta atitude de não-intervenção, consta que o gramático interveio


num momento crucial (se bem que num sentido mínimo) através da transfe-
rência dos direitos de autor aos jesuítas sevilhanos. Assim, parece lícito concluir
que a procuração de Manuel Álvares, que tão obviamente foi outorgada em
consequência da tentativa da introdução na Espanha dos exemplares impressos
da ‘arte menor’ lisboeta (Álvares 1578), tem por finalidade adicional a de
comprovar para fins legais que a gramática pertencia a ele como legítimo autor
devidamente identificado, dirimindo assim quaisquer questões que punham em
questão a originalidade da gramática alvaresiana ao supor a identidade entre as
duas gramáticas latinas.8

3. A tradição espanhola da De institutione grammatica libri tres

No seu famoso artigo “Storia e fortuna della Grammatica di Emmanuele


Alvares, S. J.” de 1962-1963, o jesuíta italiano Emilio Springhetti não só fornece
informações importantes sobre a génese da gramática alvaresiana como manual
básico do ensino linguístico jesuítico, mas também apresenta uma tabela com

8
  Segundo Ponce de León Romeo (2003a: 128), os jesuítas espanhóis tentaram
comprovar a originalidade com o seguinte impresso não datado: Informacion de
derecho que la compañia de Jesus pretende tener en el pleyto que A de Nebrixa le
tiene puesto, sobre la Arte de Grammatica que ha compuesto el padre E Aluarez,
religioso de la dicha compañia de Jesus. Este texto interessante, hoje raríssimo,
encontra-se reproduzido na íntegra em Ponce de León Romeo (2003a: 140-145).
160 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

as edições conhecidas.9 Desta tabela extraímos as informações referentes às


edições espanholas segundo Springhetti (1962-1963: 304)

Número de edições por país e século


País Cidades editoras
Século XVI Século XVII Século XVIII Século XIX Soma

11 Espanha 8 5 2 2 5 14

Quanto às edições espanholas da gramática de Manuel Álvares, Springhetti


refere-se a um total de catorze edições, incluindo cinco no século XVI, duas
no século XVIII, duas no século XVIII e cinco no século XIX. Neste contexto
afigura-se algo problemático que não podemos ter certeza de quais foram as
catorze edições da gramática alvaresiana consideradas por Springhetti para
sua tabela...
Torna-se óbvio que o resultado destas investigações não se pode consi-
derar como definitivo – ainda mais se considerarmos que o levantamento virtual
LUSODAT (s.d.) não oferece nada menos que 651 edições totais ou parciais da
obra alvaresiana desde 1570 até 1974.
No entanto, o referido levantamento inclui todas as edições cuja autoria,
numa maior ou menor dimensão, pode ser atribuída ao autor madeirense,
excluindo muitas obras que igualmente pertencem ao universo da gramática
alvaresiana, como, por exemplo, os cartapácios vernáculos de Bartolomeu
Rodrigues Chorro, João Nunes Freire, José Soares, António Franco, João de
Morais de Madureira Feijó e outros.10 Para que hoje possamos começar a adquirir
uma noção deste universo, conviria fazermos um levantamento não só com
base em edições nacionais, mas também em relação ao uso da metalínguagem
(latim versus línguas vernáculas) a tradição em que se insere a obra (se deriva
da própria De institutione grammatica libri tres ou da publicação anterior

 9
  Segundo Springhetti (1962-1963: 304), a tabela das edições foi estabelecida
com base nas seguintes informações: “Questa statistica, compilata sul Sommervogel,
op. cit. e su ricerche personali, è imperfetta e certamente suscettibile di notevole
aumento”. O jesuíta italiano terá, portanto, consultado a bibliografia de Backer / Backer /
Sommervogel (1890-1916). Dado que o levantamento de ACL (1983) é posterior, é óbvio
que Springhetti não podia tomar em conta estes resultados de pesquisa nas bibliotecas
portuguesas. Quanto à tabela é de notar, finalmente, que o cálculo certo de todas as
edições referidas no artigo do jesuíta deveria levar à soma correta de 532 e não 530
edições.
10
  Sobre o advento de este tipo de obras explicativas da doutrina alvaresiana desde
o século XVII, cf. o artigo Ponce de León (2001b).
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 161

De constructione octo partium orationis liber ou mesmo de outras


publicações que devem ser consideradas), como ainda baseado em outros
critérios.
Para além disso, pelo menos no que concerne às edições que Springhetti
atribuiu a países que já não existem, tais como a Checoslováquia e a Jugoslávia,11
deverá ser analisado a que país atual as edições em questão pertencem hoje.
Deixando por ora de lado quaisquer pretensões de estabelecer um levanta-
mento ‘definitivo’, pode constatar-se que o levantamento ACL (1983: 208-355)
informa sobre as seguintes edições da obra De institutione grammatica libri
tres (duas edições no século XIX: Barcelona 1878, Barcelona 1888)12 e a edição
parcial Prosodia del Padre Emanuel Alvarez de la Compañia de Jesus
(duas edições no século XVIII: Cervera 1722, Cervera 1764; duas edições no
século XIX: Palma 1805, Palma 1831).13 Quanto à obra De constructione octo
partium orationis liber são referidas sete edições (seis edições no século XVI:
Sevilla, 1573; Madrid, 1587; Alcalá de Henares, 1589; Madrid, 1593; Barcelona,
1596; Alcalá de Henares, 1597; uma edição no século XVII: Valencia, 162814).15
Para além disso, as investigações de Rogelio Ponce de León Romeo (2003b:
573, 2007: 2981) permitem a inclusão de outras duas edições impressas em
Barcelona, uma em 1596 por Jaume Cendrat, a outra em 1599 por Gabriel

11
  Por não se saber quais foram as edições consideradas como pertencendo ao terri-
tório alemão (histórico ou atual), a questão se o mesmo se pode aplicar à Alemanha que
antes de 1945 tinha outras dimensões que hoje deverá igualmente ser analisada.
12
  A este número, a consulta atual de LUSODAT (s.d.) permite acrescentar um total
de doze edições, nomeadamente três do século XVII (Palma, 1604; Caller, 1671; Caller,
1686), duas do século XVIII (Caller, 1742; Caller 1756), duas do século XIX (Barcelona,
1874; Barcelona, 1883), bem como cinco do século XX (Barcelona, 1900, 1909, 1927,
1928, 1945). Para além disso, deve-se acrescentar a primeira edição espanhola da ‘arte
menor’ (Álvares 1579) que não se encontra referida em nenhum dos levantamentos
bibliográficos das gramáticas de Manuel Álvares.
13
  Cf. ACL (1983: 280-281, 321 e 331, 333-334). A este número, LUSODAT (s.d.)
permite acrescentar um total de oito edições, nomeadamente uma do século XVII
(Barcelona 1680), cinco do século XVII (Cervera 1738, 1740; Valencia, 1760; Pamplona,
1768; Cervera, 1785) e duas do século XIX (Palma 1813, 1815).
14
  Segundo ACL (1983: 248), trata-se de uma obra intitulada Indices verborum,
nominum, adverbiorum & interjectionum syntaxis que pelo título parece pertencer
à sintaxe.
15
  A este número, LUSODAT (s.d.) permite acrescentar um total de quatro edições,
nomeadamente três do século XVI (Burgos 1574, Cordoba 1578, Burgos 1584) e uma do
século XVIII (Alcalá de Henares 1797).
162 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

Graells e Giraldo Dotil,16 nas quais as glosas espanholas são substituídas por
glosas catalãs (Ponce de León Romeo (2007: 2981-2983).
O aproveitamento da grelha analítica de Springhetti às edições que sem
qualquer margem para dúvidas foram publicadas em Espanha ao longo dos
séculos, fornece o seguinte resultado:

Número das edições por século


Obra Século Século Século Século Século
Soma
XVI XVII XVIII XIX XX
De institutione grammatica  3 3  2 4 5 17
Prosodia del Padre E. Alvarez 1  7 4 12
De constructione octo partium  9 1  1 11
Soma 12 5 10 8 5 40

Ao serem certas as atribuições dos bibliógrafos, podemos constatar que,


desde a primeira edição de uma das obras metalinguísticas alvaresianas em
157317 até 1945 houve, no mínimo, 40 edições que foram publicadas em Espanha
em relação com o nome do gramático madeirense.18
Face às não menos de nove edições do segundo livro De constructione
octo partium no século XVI, torna-se óbvio que no século de vida do autor
a versão espanhola da ‘arte menor’ da gramática propriamente dita De insti-
tutione grammatica libri tres teve menos impacto editorial em Espanha
do que a versão catalã. Foi somente ao longo dos séculos que a obra parece
ter adquirido a importância que lhe cabia por força da Ratio Studiorum da
Companhia de Jesus.

16
  Na enumeração das quatro edições publicadas em Espanha até 1604 (das
quais, como acertadamente constata, nenhuma foi publicada na Castela) Ponce de
León Romeo (2003b: 573) identifica as duas edições com os seguintes elementos:
“[...] Barcelona, 1596 – ex typographia Iacobi Cendrat – (BPEB, sig.ª R. 12.657 y
R. 37568; BUB, sig.ª B-58/9/32); Barcelona, 1599 – ex typographia Gabrielis Graells &
Geraldi Dotil- (Archivo Histórico Comarcal de Cervera, sig.ª R. 1446) [...]”.
17
  Como constata Ponce de León Romeo (2004: 277-278), a primeira edição caste-
lhana de uma gramática de Manuel Álvares foi a edição sevilhana do De constructione
octo partium orationis liber (Álvares 1573b), à qual se seguiram outras seis edições
espanholas até finais do século XVI (cf. também ACL 1983: 208, n.º 1223).
18
  Torna-se óbvio que este levantamento deverá ser oportunamente verificado no
âmbito de uma consulta de todas as edições espanholas existentes. Parece provável que
existam outras edições que não sejam do conhecimento dos bibliógrafos ou dos investi-
gadores modernos.
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 163

4.A edição cesaraugustana (1579)

Apesar de ausente dos principais repertórios bibliográficos,19 a primeira


edição do conjunto De institutione grammatica libri tres no Reino de Espanha
foi realizada em Zaragoza em 1579, 20 isto é, no mesmo ano em que Manuel
Álvares outorgou a procuração a favor dos Padres da Companhia de Jesus de
Sevilha. Sem licenças propriamente ditas, a obra foi impressa “Cum facultate
Illustris Domini, Vicarij, Generalis” em Zaragoza (Aragón) pelo tipógrafo Juan
Alteraque ou Juan Alterach que, segundo o historiador Jerónimo Borao y
Clemente (1821-1878) teria exercido a arte tipográfica de 1582 até 1589.21
Em relação com a edição princeps em formato in-4º,22 a edição cesarau-
gustana apresenta-se como ‘livro de bolso’ em formato in-8º, com um total de
211 fólios,23 dos quais os fólios ímpares são numerados.

19
  As bibliografias ‘convencionais’ de Backer / Backer / Sommervogel (1890, I:
cols. 223-247 e 1898, VIII: cols. 1615-1620) e ACL (1983: 207-376) não mencionam
nenhuma edição dos De institutione grammatica libri tres anterior ou correspon-
dente à edição de Zaragoza. O mesmo acontece no repertório bibliográfico intitulado
“Edições completas ou parciais da gramática de Manuel Álvares (1526-1583)” que se
encontra online em Lusodat (s.d.) e que atualmente não reúne nada menos que 651
obras metalinguísticas atribuídas (mas talvez nem sempre verdadeiramente atribu-
íveis) a Manuel Álvares. A edição cesaraugustana encontra-se, sim, referida por Ponce
de León Romeo (2003b: 573).
20
  O exemplar consultado encontra-se na Biblioteca Pública del Estado en Huesca
(cota B-15-2365). Agradecemos ao Prof. Rogelio Ponce de León Romeo por nos ter
facultado acesso à digitalização da obra.
21
  Veja-se a respetiva entrada em Borao y Clemente (1860: 46): “Juan Alteraque:
1582-1589. En la primera fecha Poesías concretadas á la muerte de Ana de Austria
por Miguel Berenguer; en la segunda Institutiones Tabellionatus por el notario José
Pozuelo. También publicó, en 1587, Suma de fueros y observancias por Ibando de
Bardají y Escolios á la prosodia de Nebrija por Berenguer. Algunas veces se escribe
Alterach y otras Altaraque”. Parece óbvio que Borao y Clemente não acerta inteiramente
na sua tentativa de reconstruir os inícios da tipografia em Zaragoza, uma vez que a
própria edição da gramática alvaresiana é anterior à suposta atividade tipográfica de Juan
Alterach. Debaixo da entrada “Alterach, Juan”, a publicação on-line regionalista Gran
Enciclopedia Aragonesa (GEA s.d.) retoma estas informações sem grandes retoques.
22
  Com [VIII] páginas não paginadas, 243 fólios (dos quais o fólio ímpar é paginado)
[= rectè 249 fólios] e [III] páginas não paginadas. A divergência dos fólios paginados da
edição princeps explica-se pelo facto de a paginação saltar do fólio 36 para o fólio [33]
não paginado e de 244 para 243.
23
  Também a folha do rosto da obra é paginada. O fólio 55 (entre 54 e 56) apresenta
o número ‘45’, o fólio 99 (entre 98 e 100) o número ‘96’, o fólio 174 (entre 173 e 175) o
164 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

Para além das óbvias diferenças no rosto (que se devem às localidades e


aos impressores diferentes), uma comparação entre as edições impressas em
Lisboa 24 e em Zaragoza permite observar que a edição cesaraugustana não
apresenta nem as licenças nem o privilégio que encontramos na edição princeps
lisboeta.25 Ao passo que as duas edições partilham o prefácio “Emmanuelis
Aluaris è Societate Iesu de Institutione Liber primus. præfatio”,26 bem como os
poemas “Auctoris carmen ad librum” e “Idem ad Christianum Præceptorem”,27
encontramos um paratexto que Rogelio Ponce de León Romeo acertadamente
identifica como o anúncio da omissão dos escólios na presente edição:28
AVCTOR LECTORI.
LIbros de Grammatica Institutione quos nuper explanationibus illustratos
edideram, compulsus sum, Lector humanissime, nudos ferè, ac luce priuatos,
diligentiùs tamen correctos denuo foras dare: tũ ne scholiorum multitudine
impedirentur tyrones, tum vt eis non solùm ad diuites, sed etiã ad tenuiores
(quorum multo major semper fuit copia) aditus pateret. Quare te etiam,
atque etiam rogo, vt eorum tenuitatem vel nuditatem potius boni consulas.
Vale (Álvares 1579: fol. 4 r)29

n.º ‘147’, o fólio 187 (entre 176 e 178) novamente o n.º ‘147’. o fólio 203 (antes de 204) o
n.º ‘103’. Os fólios 112 e 202 não apresentam paginação, o fólio 192 (entre 191 e 193)
apresenta a paginação incompleta como ‘92’. O último fólio 201 apresenta o n.º ‘2011’.
24
  É digno que nota que a edição fac-similada da gramática alvaresiana, realizada
por João Pereira da Costa em 1974, não chega a respeitar a composição original da
gramática do jesuíta madeirense. Acontece que o editor moderno acrescentou páginas
em branco às páginas não numeradas [II], [IV], [X] e [XII], aumentando assim o número
de páginas a doze em vez de oito.
25
  No entanto, a primeira edição espanhola do segundo livro da gramática,
intitulada De constructione octo partium orationis liber, que foi publicada seis anos
antes da edição cesaraugustana, contém não só o privilégio não datado que o Papa
Pio V concedeu aos impressores venezianos Francesco e Michele Tramezzino na
primeira edição deste livro (Álvares 1573b: [III-V]), mas também a licença real do
‘Consejo de Castilla’ de 12 de outubro de 1573 (Álvares 1573b: [VI-VIII]). Para mais
informações sobre esta edição cf. Ponce de León Romeo (2002: CLXIX-CLXXI).
26
  Cf. Álvares (1974: [V-VII]) e Álvares (1579: fols. 2r-3r).
27
  Cf. Álvares (1974: [VIII]) e Álvares (1579: fol. 3v).
28
  Ponce de León Romeo (2001a: 237-238) reproduz o mesmo texto daquilo que
supõe ser da edição eborense de 1596 com o seguinte comentário: “Sea como fuere,
Manuel Álvares indica las razones que le llevan −quizás no de muy buen grado− a
eliminar las glosas en una advertencia al comienzo de la [edi]ción sin escolios”.
29
  O mesmo texto já se encontra publicado em Álvares (1573: [VIII]) e em Álvares
(1578: fol. 4r). Veja-se a tradução portuguesa do paratexto “O autor ao leitor”, estabelecida
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 165

Neste paratexto interessante, o autor queixa-se de ter sido obrigado dar


a luz a reedição da obra sem os comentários elucidativos para deixá-los, julga
ele, ‘muitas vezes nuas e privadas da luz’ [tradução RK], a fim de evitar que o
número elevado de escólios e o preço elevado do livro possa dificultar ou mesmo
impedir o acesso aos principiantes ou aos mais pobres.
Os escólios com os quais o gramático preferiu enriquecer a sua obra 30 na
‘arte maior’ original,31 e cuja omissão lhe parece ter pesado bastante, cons-
tituem, com efeito, a principal divergência entre as duas edições. Tal como
constata Rogelio Ponce de León Romeo (2002: XLII e CLXVII), a edição lisboeta
de 1578, cuja impressão tão aparentemente foi realizada por António Ribeiro
para o mercado livreiro em Espanha, tendo sido custeada por parte dum livreiro
que se identifica como ‘Ioannes Hispanus Bibliopola’, ou seja, ‘o livreiro João

por Rogelio Ponce de León Romeo: “Os livros sobre a instrução gramatical que recen-
temente dei à luz ilustrados com comentários, vejo-me obrigado, humaníssimo leitor, a
publicá-los de novo quase nus e privados de brilho – embora rigorosamente revistos –,
com a finalidade de, por um lado, os principiantes não serem embaraçados pela multidão
de escólios e de, por outro, com eles ser possível o acesso não só aos ricos, mas também
aos mais humildes (dos quais houve sempre muita maior quantidade). Por isto, peço-te
encarecidamente que estimes antes como boas a humildade e a nudez daqueles. Saúde”.
30
  Sobre a natureza dos escólios alvaresianos veja-se a constatação de Ponce de
León Romeo (2002: XXXII): “[...] en la primera edición íntegra de la gramática hay un
más que abundante número de escolios en que el autor madeirense vierte afirmaciones
personales de carácter lingüístico y pedagógico, así como pareceres de otros gramá-
ticos y citas de escritores latinos”. Para explicar o conteúdo e a função dos escólios,
Gómez Gómez (2002: XXXVII) explica o seguinte: “Por su parte, los escolios intro-
ducen comentarios de crítica textual, reflexiones lingüísticas en la línea de la gramática
racional, diferenciaciones de registros (oratoria, historia, poesía), comentarios propios
sobre la mayor o menor elegancia de determinadas construcciones, así como comen-
tarios a los versos de Terencio y Virgilio por parte de autoridades tales como Donato o
Servio, comentarios sobre la etimología de ciertos términos, etc. Todos estos comen-
tarios estarían –en nuestra opinión– destinados a un doble fin: enseñar a los estudiantes
de niveles superiores los usos más elegantes de la lengua latina y proporcionar a los
maestros una serie de recursos pedagógicos en materia de ejemplos y de metodología,
que pudieran aprovechar para cumplir con la sección historice de la gramática consis-
tente en la interpretación de los autores”. Com o intento de comprovar estas conside-
rações, o artigo de Gómez Gómez (2003) dedica-se à questão da crítica textual nos
escólios da gramática alvaresiana.
31
  Para a terminologia ‘arte maior’ para as edições com os escólios versus ‘arte
menor’ para veja-se Iken (2002: 60) que apresenta uma tentativa de repertório completo
das edições e reimpressões da gramática alvaresiana em Portugal desde 1572 até 1755,
incluindo nada menos de sete variantes da primeira edição.
166 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

Hispano’.32 Apesar das glosas castelhanas que lhes merecem um lugar próprio
dentro da historiografia linguística latino-espanhola, parece que as edições de
Álvares (1578) e Álvares (1579) constituem no mesmo tempo a segunda e terceira
edições da tradição editorial chamada ‘arte pequena’ (Springhetti 1961/1962: 291)
ou ‘arte menor’ (Iken 2002: 60), pois têm em comum com a edição lisboeta de 1573
o facto de não apresentarem os escólios da ‘arte grande’.33 Para além disso, obser-
va-se que a edição cesaraugustana parece reproduzir com bastante fidelidade
as glosas castelhanas34 do capítulo “DE VERBORVM CONIVGATIONE” 35 até
aos “Verba defectiva” memini, noui, odi, cœpi,36 que encontramos na edição

32
  Consta que o livreiro Juan Hispano realizou outros projetos editoriais com o
mesmo tipógrafo, tais como Ecclesiasticae rhetoricae (Lisboa, 1575) de Luís de Gra-
nada, etc.
33
  Com as licenças de 1 e 5 de janeiro de 1573, tudo leva a crer que o exemplar de
Álvares (1573a) que é uma obra em formato in-8º que se conserva com a cota V.T.-18-7-3
na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (obra a que somente tivemos acesso
há pouco) corresponde à primeira edição da ‘arte pequena’. Para o parentesco entre
as artes alvaresianas (‘arte grande’ ou ars maior e ’arte pequena’ ou ars minor),
cf. Kemmler (no prelo).
34
  Sobre as glosas castelhanas veja-se Ponce de León Romeo (2001: 247; 2007:
2979-2981).
35
  Na edição princeps, as glosas em língua portuguesa encontram-se ao longo do
capítulo “DE VERBORUM Coniugatione” em Álvares (1572: fols. 11v-38r). A partir do
capítulo “De Verbis Anomalis” (Ibid.: 38 r-45r) já não se encontram nenhumas glosas
vernáculas. Veja-se o comentário de Schäfer-Prieß (2011: 124) sobre as glosas portu-
guesas: “Na verdade, o texto latino da primeira edição contém um número considerável
de glosas e comentários em língua portuguesa que aparentemente foram omitidos em
edições posteriores – possivelmente por causa da divulgação internacional da obra [...]”.
Para mais informações sobre as glosas portuguesas, cf. os artigos de Ponce de León
Romeo (2001a: 245-246; 2007: 2976-2979).
36
  Na edição princeps da ‘arte maior’, os verbos defetivos não são apresentados
em forma de um paradigma verbal, nem são acompanhados por qualquer exemplo
em vernáculo, uma vez que o texto a estes verbos somente se encontra escrito no tipo
itálico que é próprio dos escólios (cf. Álvares 1974: fols. 43v-44r). Quanto ao uso das
glosas vernáculas no sistema verbal, veja-se a constatação de Reyes Carmona / Postigo
(1997: 538): “Primera edición de la obra, no recogida por Palau. Se observan algunos
ejemplos de la gramática en lengua portuguesa a diferencia de ediciones posteriores,
que los llevan en español”. De forma coerente, as investigadoras espanholas constatam
no tocante à edição lisboeta de 1578 (bem como a edição cesaraugustana de 1578):
Reyes Carmona / Postigo (1997: 538), que esta edição lisboeta apresenta os “Ejemplos
gramaticales en castellano”.
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 167

lisboeta da ‘arte menor’ que foi publicada em Lisboa no ano anterior (Álvares
1578: fols. 13v-98r).37

5. Conclusão

Em relação às edições conhecidas de outros países como a Itália, Bélgica,


Polónia e Alemanha, o impacto livreiro da gramática alvaresiana em Espanha
parece bastante reduzido. No entanto, uma investigação nos repertórios biblio-
gráficos existentes e outras fontes fiáveis dão notícia de que o impacto direto da
obra alvaresiana (publicada parcial ou integralmente) em território espanhol é
bastante mais importante do que se pensava, uma vez que não houve menos de
quarenta edições pertencentes ao universo das obras alvaresianas, publicadas
nas várias partes de Espanha entre 1573 e 1945!
Neste contexto são bastante notáveis os resultados das investigações de
María Dolores Martínez Gavilán (2008) sobre a recognitio da gramática do
nebrisense, levada a cabo pelo jesuíta espanhol Juan da Cerda (1558-1643).38
Assim parece que as edições da gramática latina do nebrissense desde 1601
serviram não somente para uma introdução de elementos doutrinais da
Minerva do Brocense na obra do gramático castelhano, mas ainda mais para
garantir pelo menos uma introdução parcial da doutrina gramatical de Álvares

37
  Estas glosas encontram-se ao longo do texto de Álvares (1579: fols. 16r-72r). No
entanto, observa-se que a edição cesaraugustana não distingue os exemplos verná-
culos através do uso de itálicos como a edição princeps ou Álvares (1578). Deixando
de lado as divergências de natureza tipográfica, Ponce de León Romeo (2007: 2879)
constata sobre a edição cesaraugustana: “[...] esta última se puede decir que reproduce
la impresión lisboeta, sin diferencias textuales perceptibles”.
38
  No âmbito dos seus trabalhos editoriais, o redator jesuíta dos Aelii Antonii
Nebrisensis de Institutione Grammaticae libri quinque (Madrid, 1601) aprovei-
tou-se da possibilidade de introduzir uma parte considerável dos conteúdos linguísticos
da gramática alvarense na sua recognitio da obra de Nebrija, o que a investigadora
espanhola explica com as seguintes palavras: “Dados los problemas de difusión de
la obra alvaresiana, y dado que la cédula de 1598 habría truncado definitivamente
la posibilidad de utilización de este o de otros manuales, la oficialidad a que estaba
destinada su versión del Arte de Nebrija le permite salvaguardar en la enseñanza de la
gramática tanto el método como la doctrina específicos del ideario jesuítico. Son, pues,
las directrices pedagógicas de la Orden ignaciana las que guían y condicionan en sus
aspectos esenciales la reforma llevada a cabo por el padre Juan Luis de la Cerda sobre
las Introductiones Latinae” (Martínez Gavilán 2008: 235).
168 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Linguísticos

na Castela, se bem que somente fosse de forma camuflada através da recog-


nitio lacerdiana.
A primeira edição espanhola da ‘arte menor’ –  pelo que se sabe a única
com as glosas castelhanas no século XVI – foi impressa em 1579 em Zaragoza.
Os eventos históricos levam a crer que a edição se deve à intervenção pessoal
do próprio gramático que, na procuração de 9 de junho de 1579, concedeu todos
os direitos na publicação da gramática ao colégio da Companhia de Jesus em
Sevilha. O documento tem valor singular para a historiografia linguística latino-
espanhola mas também latino-portuguesa, pois trata-se de um documento
escrito pela própria mão deste gramático importantíssimo, com assinatura do
mesmo que foi reconhecida pelo tabelião lisboeta Pero Tomé a cuja assinatura
é aposta a apostila do tabelião Bartolomeu Gomes Pinheiro. O exemplar cesar-
augustano de 1579 apresenta as mesmas caraterísticas textuais do que, por
exemplo, a ‘arte pequena’ publicada em 1578 em Lisboa – inclusive as glosas
espanholas no capítulo “DE VERBORVM CONIVGATIONE”, sem os famosos
escólios eruditos, tão típicos pelas edições da ‘arte maior’.

Referências

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XX. / Necnon Illustriß. Proregis Regni Neapolitani. /// VENETIIS, Apud
Michaelem Tramezinum / M D L XX I.

39
  Graças à autorização generosamente concedida pela Real Academia de la
Historia como detentora do documento original, o documento reproduz-se em anexo ao
presente artigo.
O gramático Manuel Álvares e o percurso editorial dos De institutione grammatica libri tres 169

  1
1573a Emmanvelis / ALVARI È SOCIE- / TATE IESV / DE INSTITVTIONE / grammatica
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Aluari Lusitani / è societate iesv. / Cum explicationibus auctoris eiusdem. /
Ne tuabata volẽt rapidis oracula vẽtis, / Nunc folio vates commodiore sonat. //
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que na- / quella Sancta caza se criaram, / OFFERECIDA / A SENHORA / da /
VICTORIA, / padroeira do mesmo noviciado. / PELLO P. ANTONIO FRANCO / da
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Anexo
Procuração notarial de Manuel Álvares
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