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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
ABSTRACT
2
ELDER P. MAIA ALVES
SUMÁRIO
Introdução 4
Referências bibliográficas 53
3
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
O objeto deste trabalho diz respeito às relações entre os investimentos culturais públicos e as leis de incenti-
vo (ou modalidades semelhantes) em países como Brasil, Estados Unidos, México e as nações do continente
europeu. O desafio aqui assumido é capturar uma figuração (ELIAS, 1993) bastante ampliada com um arco
sociológico que abarca muitos processos, mas que guarda uma regularidade bastante clara: nas últimas duas
décadas ocorreu uma expansão acentuada dos mercados globais de bens, serviços e atividades simbólico-
-culturais. Tal expansão só foi possível em consequência da elevação dos investimentos culturais públicos
(ou do aumento dos investimentos públicos em cultura) e do crescimento dos gastos familiares com cultura.
Em 2012, o comércio internacional de serviços (capitaneado pelos serviços culturais digitais e os diversos
serviços a eles associados – turismo, lazer, publicidade e comunicação) correspondeu a 20% de todo o
comércio planetário, saindo de US$ 2 trilhões em 2003 para US$ 4,7 trilhões em 2012, o dobro do Produto
Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2015, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os serviços
culturais consistem na criação, na produção, na distribuição, no licenciamento e no consumo dos conteúdos
artístico-culturais por meio de dispositivos com acesso à rede mundial de computadores. A crise financeira
global de 2008/2009 produziu uma retração generalizada na demanda por bens e serviços, o que corres-
pondeu a uma redução de 22,5% do comércio global em 2009. No entanto, a redução do fluxo de bens e
serviços culturais foi bem menor, 13,5%. Esse recuo interrompeu uma espiral de crescimento que, entre 2002
e 2008, acumulou uma expansão de 98% no fluxo global de exportações de bens e serviços culturais, com
um crescimento médio anual de 14%.
Os dados arrolados autorizam sustentar que, reunidos em torno de esferas distintas e complementares, os
bens e serviços culturais dão vida ao que definimos como capitalismo cultural-digital. Resultado de uma
paulatina e regular aproximação entre o domínio estético-expressivo e o domínio econômico-comercial, o
capitalismo cultural ganhou pujança após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas foi no decurso dos anos
1990 e 2000, com a expansão da rede mundial de computadores, que a sua face digital se consolidou, plas-
mando um amálgama indissociável entre arte, tecnologia, cultura, entretenimento e inovação. O capitalis-
mo cultural corresponde a uma configuração simbólico-material bastante ampliada e assimétrica; nos seus
contornos repousam diversos mercados culturais. No interior dos mercados culturais dos diversos países se
evidenciam com bastante clareza as especificidades das relações entre os investimentos culturais públicos e
as leis de incentivos à cultura.
Os mercados culturais são formados por seis agentes principais: 1) empresas culturais privadas – organiza-
ções de pequeno, médio e grande porte especializadas na criação, na produção, na distribuição e na comer-
cialização de conteúdos artístico-culturais: filmes, séries, telenovelas, músicas, livros, peças teatrais, esculturas,
games, artesanatos, pintura, espetáculos de dança, arquitetura, design, moda etc.; 2) empresas não culturais
– corporações que atuam nos mais diferentes setores econômicos e compram conteúdos artístico-culturais
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ELDER P. MAIA ALVES
junto aos profissionais criativos e às empresas especializadas, por meio de recursos financeiros próprios, atra-
vés das leis de incentivo e/ou renúncia fiscal, doações ou modalidades homólogas; 3) profissionais criativos
e trabalhadores da cultura, artistas e criadores que atuam nas mais diferentes linguagens, práticas estéticas
e redes de criação, aprendizado e colaboração; a maior parte desse contingente trabalha com as grandes
corporações culturais (estúdios, produtoras, gravadoras, sites especializados, editoras, canais de televisão,
serviços de curadoria etc.); 4) bancos comerciais privados – organizações financeiras que emprestam re-
cursos financeiros às empresas culturais privadas; 5) instituições vinculadas às estruturas administrativas dos
estados nacionais – organizações que formulam e executam políticas culturais que cada vez mais destinam
recursos financeiros, técnicos e políticos à dinamização dos arranjos produtivos culturais, à incubação de
empresas culturais e ao empreendedorismo cultural; 6) consumidores – concerne ao consumo cultural das
famílias, à parcela do orçamento destinado à fruição dos bens, dos serviços e das atividades culturais-digitais,
cuja regularidade tem como principais variáveis a renda, a escolaridade e as experiências intersubjetivas de
consecução das sensibilidades e da construção social do gosto.
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Empresas culturais privadas Bancos comerciais privados
a. Políticas culturais
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Consumidores Instituições estatais
(famílias e indivíduos)
b. Políticas econômico-culturais
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As relações entre os investimentos culturais públicos e as leis de incentivo à cultura em um dado país ocor-
rem a partir da trama que os agentes da figura 1 mantêm entre si. Diferentemente do que sustentam as
análises convencionais da ciência econômica, o Estado – por meio de diversas organizações e instituições
– é um agente central da estrutura dos mercados, um agente que atua e define parte dos contornos dos
mercados, assim como o fazem empresas, bancos, consumidores e profissionais/criadores. Os mercados
culturais são compostos de redes relacionais tecidas por agentes que esposam interesses variados (eco-
nômicos, estéticos, profissionais, políticos etc.), e não por entidades abstratas e opacas, como sugerem a
ciência econômica e as análises que lhes são tributárias, com suas referências ao mercado como se este
fosse um indivíduo dotado de humores, idiossincrasias e oscilações emocionais.
Os seis agentes reunidos na figura 1 praticam racionalidades distintas e não apenas uma racionalidade de tipo
econômico-empresarial, aquela que a ciência econômica clássica e neoclássica atribui a um suposto apetite
humano universal animado pela obtenção do lucro. Não acreditamos nesse postulado ontológico, mas, sim,
na construção de interesses e racionalidades econômicas que resultam na definição de modelos de negócio
e novos padrões de ação econômica, ambos derivados de aprendizados e competências socialmente incor-
poradas e manuseadas. Essa é claramente a prática das empresas culturais privadas, algumas delas, como as
empresas norte-americanas, conglomerados globais de cultura e entretenimento. A expansão das empresas
culturais especializadas em diversos países do mundo evidencia a adoção de novos modelos de negócio
e o aumento dos investimentos culturais públicos. Os demais agentes da figura 1 praticam racionalidades
e interesses diferentes das empresas culturais privadas. As organizações estatais, especialmente, formulam
políticas, projetos e ações que concorrem, direta e indiretamente, para a expansão dos mercados culturais. É
frágil, portanto, a ideia de que de um lado está o mercado (as empresas) e do outro o Estado com seus órgãos
de cobrança de impostos, instituições de fomento, agências de regulação etc. Para evitar tal armadilha, lan-
çamos mão do conceito de agentes estatais de mercado (AEM), categoria da qual temos feito uso sistemá-
tico e recorrente para compreender o capitalismo cultural-digital. Essa visada teórico-metodológica permite
escapar de noções simplistas, como a de intervenção público-estatal e a de externalidade. São construções
frequentemente utilizadas, mas inteiramente insuficientes para descrever e explicar os mercados culturais e,
por conseguinte, as relações entre investimentos culturais públicos e leis de incentivo.
As instituições governamentais diretamente ligadas aos estados nacionais estão no centro do capitalismo
cultural-digital. Nos últimos 15 anos, a competição entre as empresas culturais privadas, no âmbito dos
mercados nacionais e globais, acentuou-se bastante. Parcela do crescimento dessas corporações e o recru-
descimento da competição se devem em larga medida aos novos estímulos estatais, como empréstimos
subvencionados às empresas culturais privadas, juros subsidiados, regimes tributários específicos, apoio
técnico especializado, estímulos ao consumo e programas direcionados à profissionalização criativa e ao
empreendedorismo cultural. Pela primeira vez na história do capitalismo, de modo regular e inequívoco,
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ELDER P. MAIA ALVES
os mais poderosos estados nacionais do planeta têm escolhido os setores artísticos, culturais, de entreteni-
mento, comunicação e lazer como parte constitutiva de suas principais políticas econômicas e estratégias
de desenvolvimento.
O investimento cultural público diz respeito aos recursos financeiros, técnicos e operacionais envolvidos na
elaboração e execução das políticas culturais públicas. São, portanto, recursos que estão sujeitos aos sistemas
estatais e jurídicos de controle e obedecem ao processo decisório de instâncias políticas e organizações da
sociedade civil. Em geral, possuem dois grandes objetivos: 1) promover o acesso à cultura (principalmente
local e nacional), contribuindo para a realização dos direitos culturais; 2) financiar a competitividade, os pro-
cessos de inovação e expansão das pequenas, médias e grandes empresas culturais. Já os incentivos fiscais
são modalidades (na forma de créditos fiscais, renúncia fiscal ou doações) que o poder público instituiu para
que empresas (pessoas jurídicas) das mais diferentes atividades econômicas e indivíduos (pessoas físicas)
participem do apoio e do financiamento dos conteúdos e das atividades artístico-culturais.
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
tabela 1: composição do investimento cultural público no âmbito dos principais mercados culturais
nacionais e globais
tabela 1: composição do investimento cultural público no âmbito dos principa is mercados culturais nacionais e globais
Estímulo à profissionalização
criativa e ao empreendedorismo
cultural
Apoio à criação de novos modelos
de negócio, capacitação empresarial
Fonte: IBGE
Fonte: elaboração do autor
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ELDER P. MAIA ALVES
Nos últimos cinco anos, foram as políticas econômico-culturais (no Brasil e no mundo) as que mais con-
quistaram espaços institucionais e legitimação política no âmbito dos orçamentos dos órgãos executivos da
administração cultural pública. Em 2014, do total dos 27 estados brasileiros (incluindo o Distrito Federal), 14
afirmaram desenvolver ações com o objetivo de integrar a cultura ao desenvolvimento local. Em 2006, essas
ações foram muito pouco citadas. Quanto aos municípios, 32,5% assinalaram realizar ações buscando essa
integração entre cultura e desenvolvimento local.
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
gráfico 1: 1:
gráfico porcentual de municípios
porcentual que desenvolveram
de municípios ações ou programas
que desenvolveram paraou
ações a produção cultural
programas localaautossustentável
para produção cul-
tural local autossustentável
Fonte:IBGE
Fonte: IBGE 0 5 10 15 20 25 30 %
No âmbito federal, vale destacar três programas que se inscrevem no eixo das políticas econômico-culturais:
Programa Rede Incubadoras Brasil Criativo, Programa de Cultura do Trabalhador (vale-cultura) e Programa
de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas (PAC Cidades Históricas). O primeiro programa
foi criado em 2012, no âmbito da antiga Secretaria de Economia Criativa do MinC, com objetivo de instalar
centros estaduais de apoio ao empreendedorismo criativo e à criação de empresas culturais, que, na maioria
dos casos, necessitam de assessoria jurídica, contábil, comercial e de marketing. Em parceria com os gover-
nos estaduais, as secretarias municipais e estaduais de cultura, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal,
as universidades públicas e o Sistema S, foram implementados 13 centros de incubação de empresas, centros
que oferecem cursos, formação continuada e balcões de crédito. Com recursos de R$ 40 milhões, até 2016
a Rede Brasil Criativo estava presente no Distrito Federal e em 12 estados (Acre, Bahia, Rio Grande do
Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco e
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Paraná). A consequência prática do programa tem sido a criação de competências empresariais e disposi-
ções empreendedoras, locais e regionais, capazes de desenhar novos modelos de negócios e materializar
a formalização dos microempreendedores individuais da cultura (MEI da cultura) e das micro e pequenas
empresas culturais, ou seja, ações direcionadas para o primeiro agente destacado na figura 1.
Para os trabalhadores que recebem até cinco salários, fica a cargo da empresa a opção de realizar o desconto de até
no máximo 10% do valor recebido. O trabalhador que ganha até um salário paga R$ 1,00. Acima de um e até dois
salários, o desconto é de R$ 2,00. Acima de dois e até três salários, R$ 3,00. Acima de três e até quatro salários, R$
4,00. Acima de quatro e até cinco salários, R$ 5,00. Acima de cinco salários, o desconto é compulsório e varia entre
20% e 90% do valor do benefício, ou seja, pode chegar a R$ 45,00. Três anos após a implementação do programa,
aproximadamente 485 mil trabalhadores passaram a fazer uso sistemático do vale, tendo sido cadastradas cerca de
1,3 mil empresas dos mais diversos segmentos econômicos. Essa extensão, de acordo com o MinC, alcançou 16%
da meta do programa – estabelecida no Plano Nacional de Cultura (PNC) –, que pretende abarcar 3 milhões de
trabalhadores até 2020. Em 2014 correspondia a 7,5% da soma total de trabalhadores celetistas que ganhavam até
cinco salários mínimos, ou seja, cerca de 40 milhões de trabalhadores. De acordo com o MinC, uma vez alcançados
3 milhões de cadastrados, o vale-cultura injetará por ano cerca de 2 bilhões de reais nas cadeias e elos econômico-
-culturais nos quais atuam as empresas culturais.
Pela primeira vez, o pêndulo do financiamento se deslocou em direção ao consumo. Não por acaso, o vale-cultura
logo se tornou interessante para as principais corporações de cultura, como as grandes editoras, livrarias (megas-
tores), redes de exibição de cinemas, produtoras e distribuidoras de audiovisual. As empresas culturais privadas
especializadas são chamadas de empresas beneficiárias e também necessitam se cadastrar junto ao sistema do
MinC, assinalando que aceitam o uso do vale nos seus estabelecimentos. Até o início de 2016, os mais de 480 mil
trabalhadores que utilizaram o vale consumiram cerca de R$ 265 milhões em bens, serviços e atividades culturais.
Desse montante, 65,7% foram utilizados em produtos de leitura, notadamente livros; logo em seguida figura a
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
compra de ingressos para cinemas, com 21,5% do total (MinC, 2016). Em grande medida, essa supremacia do uso
do vale-cultura para aquisição de livros se deve ao forte engajamento dos sindicatos empresariais vinculados ao
setor, como a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), que desde o
início do programa adotaram técnicas de marketing específicas, mobilizaram seus membros e principalmente an-
teviram uma grande oportunidade comercial. Com efeito, o vale-cultura faz estreitar as interfaces entre as empre-
sas culturais e o consumo cultural das famílias, respectivamente, os agentes 1 e 6 dos mercados culturais. Portanto,
mais do que um programa destinado à criação de um novo direito, é um programa de investimento.
Em 2016 foram publicados os principais resultados da última versão da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil
(2015). Alardeou-se que 44% dos brasileiros não leem e 30% nunca compraram um único livro. Pouco se enfa-
tizou, no entanto, a metodologia da pesquisa. A pergunta central do questionário que ela aplicou se referiu aos
últimos três meses. Em 2011 (penúltima edição da pesquisa) foram 50% aqueles que não haviam lido um livro
nos últimos três meses. Na Europa, por exemplo, a pergunta se refere aos últimos 12 meses. Mesmo diante da
dilatação do tempo, parece inverossímil que, segundo a União Europeia (UE), em 2013, 32% dos europeus não
tenham lido nem sequer um único livro nos 12 meses anteriores – isso no continente mais escolarizado do pla-
neta e com expressivos investimentos em educação. Ancorada na elevação dos gastos das famílias brasileiras
com cultura, as práticas de leitura e o consumo de livro têm apresentado índices constantes de crescimento.
Esse processo se revela, por exemplo, na robusta elevação dos títulos lançados, nos exemplares vendidos e no
crescimento contundente do faturamento das editoras. Em 2003, foram lançados no Brasil 35.590 novos títulos,
já em 2013 foram lançados 62.235 (crescimento de 75% em dez anos). Em 2003, foram vendidos 256 mil exem-
plares, ao passo que em 2013 foram 480 mil (crescimento de 87%). Por fim, em 2003, o faturamento total das
editoras brasileiras foi de R$ 2,36 bilhões, em 2013 esse faturamento saltou para R$ 5,36 bilhões (crescimento
de 125%). Mesmo descontada a inflação oficial acumulada no período (58,2%), o faturamento das editoras
brasileiras obteve uma elevação de 66,8% entre 2003 e 2013. Ainda na pesquisa divulgada em 2016, um aspec-
to decisivo passou praticamente incólume. Em 2011, 53% dos leitores entre 18 e 24 anos de idade leram pelo
menos um livro nos últimos três meses, já em 2016 esse porcentual subiu para 67%. Significa dizer que, na faixa
etária entre 18 e 24 anos, ocorreu um crescimento de 27% do total de leitores em apenas quatro anos.
O programa PAC Cidades Históricas tem efeitos práticos semelhantes aos dois primeiros mencionados, só
que desta feita para um grupo de empresas mais amplo, que abarca setores como os de restaurante, bares,
hospedagem, transporte e agências de viagens. Com o objetivo de estender as ações do PAC, criado em
2007, o Ministério do Planejamento autorizou que em 2013 fosse criada uma linha de financiamento exclusiva
para os sítios históricos supervisionados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan),
vinculado ao MinC. Sob a tutela do Iphan, o programa passou a contar com recursos regulares da Caixa Eco-
nômica Federal da ordem de R$ 1,6 bilhão, destinado à recuperação e à restauração de 425 edifícios e espaços
públicos espraiados por 44 cidades e 20 estados.
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ELDER P. MAIA ALVES
O programa é caudatário da expansão do turismo cultural e dos interesses de extensas redes empresariais e
governamentais existentes nas principais cidades históricas brasileiras. No Brasil, sobretudo nos últimos dez anos,
ocorreu uma expansão generalizada dos eventos e atividades de cunho artístico-cultural no âmbito dos municí-
pios. Apenas no que diz respeito a festas, feiras, jornadas, salões e encontros literários, de 2013 a 2014 houve um
crescimento de 26%, saindo de 257 eventos, em 2013, para 320, em 2014. Assim como nos festivais de cinema e
música, a maioria desses eventos acontece nos médios e pequenos municípios e são organizados para reforçar
as estratégias simbólicas e econômicas que os municípios adotam com vistas a atrair um fluxo cada vez maior de
turistas e a dinamizar suas cadeias de serviços: bares, restaurantes, hotéis, pousadas, transporte etc. Vale ressaltar
ainda que muitos desses municípios, em parceria com as empresas patrocinadoras, recorrem à Lei Rouanet, que
também tem sido muito utilizada como fonte de financiamento para a consecução de tais eventos.
70
26,9
60 61
50
40 41,4
30
26,2 26,2
20 23,5
15,2 16,6
10
5,1
0
Desenvolve programa ou Formação de guias Calendário de festividades Divulgação de atrações
% ação de promoção do e roteiros e/ou evento
turismo cultural
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Uma miríade de políticas econômico-culturais poderia ser aqui arrolada, como as ações executadas pelo Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(Inpi) e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), além da atuação das em-
presas municipais públicas de audiovisual, como a Riofilme e a recém-criada SP Filmes. Essas organizações esta-
tais (ou com fortes vínculos estatais) atuam, direta ou indiretamente, como agentes estatais de mercado (AEM),
porquanto, como se viu, buscam dinamizar as cadeias de negócios e os elos econômicos nos quais atuam deter-
minadas empresas culturais e não culturais. Foi, no entanto, a segunda dimensão do investimento cultural público
(tabela 1) a que mais cresceu no Brasil. Por meio dos bancos públicos controlados pela União, as pequenas,
médias e grandes empresas de cultura obtêm empréstimos subsidiados com taxas de juros inferiores e redução
das garantias bancárias. Como demonstra a tabela 2, os principais bancos federais figuram nessa condição, mas a
atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se torna aqui heurística.
Banco do Brasil
Caixa Econômica Federal Empréstimos para as empresas culturais em geral
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ELDER P. MAIA ALVES
A partir de 2006 o sistema BNDES passou a financiar, de maneira mais coordenada e direcionada, as empre-
sas culturais; notadamente as grandes corporações. Essa decisão marcou o início de uma progressiva mudança
financeira e institucional no âmbito do sistema BNDES. Paulatinamente, essa instituição deixou de ser apenas
uma empresa federal, que atuava junto à esfera simbólico-cultural para promover a sua marca, lançando mão
das leis federais de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual, para se tornar o principal
agente público de financiamento das empresas de cultura. Essa mudança constitui um divisor de águas entre o
investimento cultural público e as leis de incentivo à cultura no Brasil. Em 2006, o banco criou o Departamento
de Economia da Cultura (Decult), hoje Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo. A partir de então,
o sistema BNDES passou a direcionar parte de suas ações para as empresas culturais privadas. Seu sistema é
formado por uma complexa e dinâmica rede financeira. Com efeito, o banco é uma das maiores instituições
financeiras do mundo, possuindo cerca de US$ 330 bilhões de ativos em 2010, superando, por exemplo, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da Coreia. Entre 2007 e 2014, o de-
sembolso do BNDES foi da ordem de R$ 2.266,4 trilhões. Durante esse mesmo período, o desembolso para as
micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) saiu de 38% em 2007 para 48% em 2014. Mesmo em face desse
crescimento, entre 1995 e 2014, 62,6% do somatório geral do desembolso do banco foi para as grandes empresas,
ficando as micro com 15,3%, as pequenas com 8,5%, as médias com 7,9% e as médias/grandes com 5,7%.
A figura 2 opera como um guia para compreender os blocos de ações que o sistema BNDES desenvolve
junto às empresas culturais privadas. A primeira ação diz respeito ao Prodesign – Programa BNDES de Apoio
a Investimentos em Design, Moda e Fortalecimento de Marcas. Criado em 2010, ele foi renovado e ampliado
em 2013, recebendo a dotação orçamentária de R$ 1 bilhão. A segunda ação diz respeito ao Procult – Progra-
ma BNDES de Desenvolvimento da Economia da Cultura. Criado em 2006, ele passou a integrar as ações
financeiras destinadas às empresas culturais, que antes estavam pulverizadas no interior do sistema BNDES.
O Procult passou por três fases distintas. A primeira, entre 2006 e 2009, teve como ênfase as empresas de au-
diovisual, especialmente os grupos de produção e exibição, cujo nome oficial era Programa de Apoio à Cadeia
Produtiva do Audiovisual. Já a segunda fase, compreendendo o período de 2009 a 2013, ampliou as cadeias
produtivas que poderiam obter financiamento, incluindo a disponibilização de recursos para as empresas que
atuam nos setores editoriais, de jogos eletrônicos, fonográfico e de patrimônio histórico. Na terceira fase, que
se estende de 2013 a 2017, o novo Procult recebeu a dotação orçamentária de R$ 2 bilhões, cerca de 30% a mais
do que na versão anterior. O novo programa dispõe de recursos e faixas de financiamento para os projetos
considerados inovadores, especialmente aqueles apresentados pelas MPMEs, que também passaram a acessar
as taxas de juros de longo prazo (TJLP). Para as MPMEs culturais com projetos considerados inovadores, o
BNDES passou a dispensar a cobrança da taxa de remuneração básica e também a isentar essas empresas com
projetos inovadoras da cobrança da taxa de risco de crédito, o chamado spread de risco. Além disso, dilatou o
financiamento para as empresas desse perfil em até 90% do valor dos projetos. Para o caso das grandes empre-
sas, o banco financia até 60% do projeto aprovado.
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
SISTEMA BNDES
Empréstimo às Empréstimo às
empresas de Lei Rouanet
empresas de Cadastro e parcerias Empréstimo à cadeia Compra de ações
design e Lei do
cultura com outros bancos produtiva do audiovisual de empresas
Audiovisual
BNDES automático
Cartão BNDES
Finem*
Fonte: elaboração própria - * O BNDES Finem é o produto do BNDES voltado para financiamento de empreendimentos
Fonte: elaboração do autor. * O BNDES Finem é o produto do BNDES voltado para financiamento de empreendimentos
Com a consolidação das ações do Procult, do Prodesign e das demais ações no âmbito do sistema BNDES,
as leis de incentivo foram sendo deslocadas. A rigor, até 2006, a figura 2 restringia-se ao seu último bloco:
patrocínio e incentivo. Durante cerca de dez anos, entre 1995 e 2005, a ênfase do BNDES na esfera cultural
foi dada às atividades de patrocínio realizadas nas sedes da instituição ou por meio da atuação da marca em
festivais de música, literatura e audiovisual. Como empresa federal pública, o BNDES utilizou as leis federais
de incentivo para promover a sua marca institucional e corporativa. É preciso ficar claro que esse aspecto
permanece e até se fortaleceu. Em 2015, por exemplo, por meio do patrocínio, o BNDES ocupou a primeira
colocação junto à Lei Rouanet (R$ 56 milhões). No entanto, como busca demonstrar a figura 2, de maior
patrocinador, o BNDES se tornou o principal agente de crédito para as empresas culturais brasileiras e logo
assumiu a dianteira do investimento cultural público.
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ELDER P. MAIA ALVES
2004 65,1
2005 146,5
2006 133,5
2007 496,2
2008 621,8
2009 417,5
2010 720,6
2011 1.547,3
2012 2.118,6
2013 2.171,2
2014 1.849,6
Fonte: BNDES
Fonte: BNDES
Em 2010, o IBGE publicou uma revisão do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2010),
que redefiniu os tipos de atuação da economia relacionados à cultura, incluindo as áreas de tecnologia da
informação e comunicação. Secundada nas referências das Nações Unidas (ONU), a nova classificação
passou a abrigar 74 atividades consideradas culturais, reunindo cerca de 400 mil empresas, 7,8% do total
existente no país (IBGE, 2010). A nova classificação condensa 74 atividades econômico-culturais, divididas
nos grupos cultural industrial, comercial cultural e serviço cultural. Entre 2007 e 2010, as empresas que par-
ticiparam das 74 atividades tipificadas como econômico-culturais cresceram 8,9%. De acordo com o IBGE,
amparado nessa nova classificação, as empresas pertencentes ao setor cultural obtiveram uma receita líquida
de R$ 374,8 bilhões e um custo total de R$ 329,1 bilhões. Esses valores são muito superiores ao que a Fede-
ração das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) considera ser o PIB da cultura (R$ 116 bilhões). A
entidade utiliza uma única variável (a massa salarial das empresas) para a realização do seu cálculo. Ocorre
que a massa salarial das empresas não é uma variável utilizada para a composição do cálculo do PIB, mas,
sim, o consumo das famílias, o consumo do governo, a balança de pagamento (aferida entre o total expor-
tado e o total importado) e o investimento realizado pelas empresas.
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
A tabela 3 evidencia o processo de elevação do desembolso do BNDES para as empresas do setor cultural
de acordo com o CNAE 2010. A partir de 2008, os desembolsos aumentaram consideravelmente, muito
em razão da criação, da consolidação e da expansão de programas como o Prodesign e o Procult. Esses dois
programas passaram a contar com alguns dos mais importantes produtos financeiros do BNDES. A institui-
ção dispõe de 23 produtos financeiros, presentes nas suas três frentes operacionais, mas paulatinamente três
assumiram maior relevância institucional e financeira: o BNDES Automático, o Cartão BNDES e o Finem
Direto. Em 2014, a soma desses três produtos representaram mais R$ 94,9 bilhões do desembolso total do
banco, o que correspondeu a mais de 50% do total realizado pela instituição. O primeiro produto, o BNDES
Automático, é destinado às grandes e médias empresas, e possui o limite de crédito de até R$ 20 milhões. O
Cartão BNDES foi instituído para as micro, pequenas e médias empresas, que, por meio dele, dispõem de
crédito pré-aprovado na quantia máxima de R$ 1 milhão. Por fim, o Finem Direto destina-se aos projetos de
investimento acima de R$ 20 milhões.
A partir de 2011, o Finem Direto passou a ser o produto financeiro mais utilizado pelas empresas culturais
no âmbito do Procult. Essa elevação pode ser constatada por meio dos empréstimos concedidos às em-
presas do mercado editorial, como as livrarias Saraiva e Cultura, que obtiveram, respectivamente, R$ 86
milhões e R$ 31,7 milhões. Em 2010, essas grandes organizações corresponderam a apenas 0,1% (265) do
total de empresas culturais, mas abrigaram 22% do total dos trabalhadores da cultura e 50% do total dos
salários e remunerações (IBGE, 2010). Até o biênio 2010/2011, o Procult BNDES havia realizado apenas
uma grande operação de crédito para o setor editorial, no valor de R$ 19,6 milhões; a partir de 2010 ocor-
reram nove operações, perfazendo o total de R$ 303 milhões. Já o Cartão BNDES passou a figurar como
o segundo produto financeiro mais utilizado pelas empresas culturais. Como destaca o próprio BNDES,
especialmente para o mercado cultural, o uso do cartão logrou crescimento em razão da sua celeridade.
Durante o interregno de 2007 a 2013, o Cartão BNDES realizou um desembolso total de R$ 214 milhões
para as empresas culturais, divididos em: patrimônio cultural (R$ 1,4 milhão); audiovisual (R$ 16 milhões);
editorial (R$ 83 milhões); indústria fonográfica (R$ 36 milhões), TV e rádio (R$ 30 milhões); e artes e
espetáculos (R$ 46 milhões).
18
ELDER P. MAIA ALVES
gráfico
gráfico 3:3: desembolso
desembolso do BNDES
do BNDES para asculturais
para as empresas empresas culturais
- empréstimos – empréstimos
do Procult doosProcult
de acordo com produtosde acordo
financeiros
com os produtos financeiros
180.000
160.000
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES
Os valores
Fonte: apresentados na tabela 3 não levam em conta os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual
BNDES
(FSA), do qual o BNDES é o principal gestor financeiro, assim como os recursos do Programa Cinema
Perto de Você, que também tem o BNDES como principal gestor financeiro e, da mesma forma, dispõe de
recursos do FSA – o maior e mais relevante mecanismo de investimento cultural público no Brasil hoje. Tra-
ta-se de um fundo de investimento que concede recursos financeiros às empresas que atuam no mercado
de conteúdos audiovisuais brasileiros: núcleos de criação, produtoras, distribuidoras e grupos de exibição. O
FSA tem sido um dos principais responsáveis pelo processo recente de expansão do mercado de conteúdos
audiovisuais brasileiros.
No Brasil e no mundo, o mercado audiovisual é composto de seis grandes vetores: 1) TV aberta; 2) TV por as-
sinatura; 3) games (integrado por oito ecossistemas); 4) internet (dividida em web 2.0 e o vídeo sob demanda);
5) cinema de salas; 6) CDs, DVDs e blu-rays (vídeo doméstico). No interior de cada um desses vetores, atuam
os mesmos agentes destacados na figura 1 – empresas culturais privadas, empresas não culturais, profissionais
e trabalhadores da cultura, bancos comerciais privados, instituições estatais e consumidores.
19
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
figura 3: composição
figura do mercado
3: composição doaudiovisual:
mercado seis vetores seis vetores
audiovisual:
tabela 1: composição do investimento cultural público no âmbito dos principa is mercados culturais nacionais e globais
Games Cinemas
TV por assinatura (oito ecossistemas) Shoppings
Em 2007, os seis vetores apresentados na figura 3, somados, adicionaram à economia brasileira a quantia
de R$ 8,7 bilhões. Em 2014 esse montante saltou para R$ 24,5 bilhões, um crescimento real (descontada a
inflação) de 134,8% em apenas oito anos. A maior parte dessa quantia, no entanto, é gerada pela receita das
empresas de conteúdos audiovisuais que atuam no Brasil e não propriamente pelos bens, serviços e ativida-
des audiovisuais que os incorporam. Dos seis vetores que integram o mercado de conteúdos audiovisuais
brasileiros, apenas na TV aberta a maioria do que é criado, produzido, distribuído e exibido tem origem na-
cional. Nos demais, o pêndulo se inclina muito mais para os conteúdos estrangeiros. Nos últimos cinco anos,
no entanto, os conteúdos audiovisuais brasileiros criados, produzidos, distribuídos, exibidos e consumidos na
TV por assinatura e nas salas de cinema cresceram significativamente.
20
ELDER P. MAIA ALVES
gráfico
gráfico 4: 4:valor
valor adicionado
adicionado pelopelo
setor setor
audiovisual (R$ bilhões (R$
audiovisual correntes)
bilhões correntes)
28
24
24,5
20 22,2
19,6
16
16,3
12 13,1
11,5
8 8,7 9,9
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Ancine
Fonte: Ancine
Em 2010, foram produzidos 74 longas-metragens nacionais, em 2015, 125. Em 2009, o market share (fatia de
mercado) dos filmes brasileiros foi de 14,3% do público total, em 2014 foi de 19% e nas primeiras semanas de
2016 alcançou o porcentual de 27,4%. No intervalo entre 2013 e 2015, foram produzidas 2.867 horas de conteúdos
nacionais, 306 longas-metragens, 433 séries e telefilmes, que contaram com a participação de 713 empresas. Em
2009, 61,9% do total de títulos brasileiros foram distribuídos por empresas estrangeiras, notadamente os grandes
conglomerados norte-americanos. Em 2015, 85,4% de todos os títulos nacionais foram distribuídos por empresas
brasileiras, como a Paris Filmes e a Downtown. Aliados à elevação dos gastos culturais das famílias, esses resul-
tados só foram alcançados em razão da consolidação do FSA. Até 2010, a matriz de financiamento dos con-
teúdos audiovisuais brasileiros (notadamente dos longas-metragens nacionais) estava ancorada na sistemática
de financiamento das leis de incentivo à cultura, especialmente as leis federais, como a Lei Rouanet e a Lei do
Audiovisual. A partir de 2011, o FSA alterou esse processo: não só passou a disponibilizar muito mais recursos
financeiros, como também começou a financiar todas as empresas que integram os elos do audiovisual (criação,
produção, distribuição e exibição), além de adotar uma sistemática comercial nova, que exige a devolução dos
recursos investidos. Entre 2011 e 2014, do total de longas-metragens brasileiros que obtiveram mais de 1 milhão
de espectadores (cerca de 63,5 milhões), o FSA participou de 67,7% do total.
O FSA foi criado em 2006 e regulamentado em 2007 como uma modalidade do Fundo Nacional de Cultu-
ra (FNC). Ele tem na Agência Nacional de Cinema (Ancine) seu principal coordenador e órgão executivo.
No entanto, foi a partir das alterações introduzidas pela Lei 12.485, de setembro de 2011, que o FSA se
tornou a principal matriz de financiamento das empresas que atuam na criação, na produção, na distribuição
e na exibição dos conteúdos audiovisuais brasileiros. A Lei 12.485 (nova lei da TV por assinatura) trouxe três
grandes mudanças. A primeira determinou que os canais que operam na TV por assinatura devem exibir por
21
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
semana no mínimo três horas e meia de conteúdo nacional, sendo que metade desse período deve ser produzi-
da por produtoras independentes, sem vínculo jurídico com os canais e as empacotadoras. A segunda mudan-
ça diz respeito à permissão para que as grandes operadoras de telefonia possam atuar na TV por assinatura, na
forma de empacotadoras e distribuidoras. Essa era uma antiga reivindicação das operadoras e concessionárias
de telefonia. Parte desse interesse deriva da oportunidade de negócio vislumbrada, pois desde 2006 a base de
assinantes da TV paga apresentava índices vertiginosos de crescimento. Em 2010, o Brasil possuía pouco mais
de 9,7 milhões de assinantes da TV paga, em 2015 eram mais de 19,1 milhões, um crescimento de quase 100%
em apenas quatro anos. A terceira mudança concerne à instituição de uma nova tributação, a Condecine Teles,
cuja cobrança passou a incidir também sobre as operadoras de telefonia que, por meio dos pacotes de telefone
fixo e móvel, com acesso à internet, passaram a distribuir conteúdos audiovisuais.
A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) foi criada ainda em
2001, por ocasião da criação da Ancine, na forma de duas modalidades – Condecine Títulos e Condecine Re-
messa. Embora relevantes, os recursos decorrentes desses impostos não alteraram a matriz de financiamento dos
conteúdos audiovisuais nacionais. Com a criação da Condecine Teles, esse aspecto se modificou inteiramente.
Com a redação da Lei 12.485, todos os recursos oriundos da Condecine Teles deveriam ser carreados para o FSA.
Juntas, as antigas modalidades da Condecine arrecadaram R$ 69,6 milhões em 2012. No mesmo ano, somente a
Condecine Teles arrecadou R$ 655,6 milhões. Por isso, logo após a vigência da Lei 12.485, os recursos direcionados
para o FSA cresceram substancialmente. Em 2010, por exemplo, o orçamento do FSA foi de R$ 63,4 milhões. No
ano seguinte (meses após a lei entrar em vigor), o orçamento do fundo saltou para R$ 216,3 milhões. Em 2012, ele
mais do que dobrou, chegando a R$ 562 milhões. E em 2013 alcançou a cifra de R$ 989 milhões.
tabela4:4:
tabela Condecine
Codecine – valores
– valores arrecadados
arrecadados entre 2010 e 2015
entre 2010/2015
Condecine
38.192.285,94 42.467.544,89 64.576.514,68 84.156.782,29 74.862.190,50 (*)
Títulos
Condecine
1.462.516,82 1.231.283,24 5.088.092,11 10.949.724,98 7.386.676,12 (*)
Remessa
Condecine
655.667.562,69 711.561.365,32 702.263.960,36 1,1 bilhão
Teles
22
ELDER P. MAIA ALVES
O FSA comporta três grandes programas no âmbito dos quais existem diversas linhas de ação: o Programa
de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Brasileiro (Prodecine); o Programa de Apoio ao Desenvolvimento
do Audiovisual Brasileiro (Prodav); e o Programa Cinema Perto de Você. O Prodecine abriga três linhas. A
primeira é a linha A – produção de obras de longas-metragens, destinada à exibição nas salas de cinema e
celebrada exclusivamente por meio de operações financeiras da modalidade de investimento. Significa dizer
que o FSA tem participação direta nos resultados comerciais dos projetos aprovados. Entre 2008 e 2014, essa
linha disponibilizou R$ 231 milhões, obtendo a recuperação de 42% do investimento nos projetos. Já a linha C,
ainda no âmbito do Prodecine, mediante fluxo contínuo, concede recursos para a compra dos direitos de dis-
tribuição dos conteúdos nacionais (especialmente longas-metragens de ficção) por parte das empresas distri-
buidoras nacionais. Desde 2008, essa linha já disponibilizou R$ 218 milhões. O Prodav, por sua vez, tem como
principal desiderato a produção de obras audiovisuais destinadas à televisão (também chamado de linha B).
Está assentado na concessão de recursos, por meio de fluxo contínuo, na forma exclusiva de investimento,
de obras seriadas de ficção, telefilmes, documentários e animação. Entre 2009 e 2014, a linha disponibilizou o
montante de R$ 297 milhões, obtendo 15,5% do retorno do investimento nos projetos já analisados.
Além das linhas de ação descritas, o sistema operacional e financeiro do FSA comporta dois programas: o
Programa Brasil de Todas as Telas e o Programa Cinema Perto de Você. O primeiro tem destinado recur-
sos para o financiamento da criação dos conteúdos audiovisuais nas mais diferentes regiões do país, logra
atender principalmente às demandas de produção e veiculação de conteúdos nacionais vicejadas pela Lei
12.485, por meio da qual os canais nacionais e estrangeiros necessitam exibir semanalmente no mínimo três
horas e trinta minutos de conteúdos nacionais. Com esse objetivo, foram destinados recursos para a criação
dos núcleos criativos regionais (três editais) e para os editais direcionados à produção de conteúdos para
preencher a grade de programação das televisões públicas (TVs do poder judiciário, do poder legislativo,
comunitárias, universitárias, entre outras), além dos editais dedicados à criação dos laboratórios regionais de
desenvolvimento. Somados, esses editais já perfizeram mais de R$ 70 milhões.
O Programa Cinema Perto de Você, com recursos do FSA gerenciados pelo BNDES, disponibiliza recursos
com taxas de juros bastante reduzidas para os grupos exibidores que instalam salas nas cidades com baixa
densidade de cinemas e nas periferias das grandes metrópoles brasileiras, cuja quantidade de salas de exi-
bição (e demais equipamentos culturais) é bastante reduzida. O programa também empresta recursos vi-
sando a modernização e digitalização das salas de cinema. Por meio do Regime Especial de Tributação para
Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica (Recine), o programa desonera os grupos exi-
bidores dos impostos federais (IPI, PIS/Pasep, PIS-Importação e Cofins-Importação) que incidem sobre a
importação dos equipamentos necessários à instalação das novas salas digitais. Aliado às novas demandas
de tecnologia e de conteúdo, o Programa Cinema Perto de Você tem sido um dos principais responsáveis
pelo recente processo de expansão do parque exibidor brasileiro. Em 2006, o país comportava cerca de
23
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
1.300 salas; dez anos depois, no início de 2016, temos mais de 3.100 salas, crescimento de 140%. Desse total,
cerca de 90% das salas estão concentradas nos shopping centers, situados principalmente nos dois maiores
centros urbanos brasileiros – Rio de Janeiro e São Paulo. Até o início de 2016, o Programa Cinema Perto de
Você financiou aproximadamente 350 novas salas, cerca de 20% do total das salas construídas entre 2006 e
2016, todas erguidas em municípios com baixa densidade de salas e nas periferias das grandes metrópoles,
nas quais a maioria dos cinemas está concentrada nos bairros de classe média e média alta e nas zonas cen-
trais, ou seja, locais dotados de melhores infraestrutura urbana e acessibilidade.
figuradas
figura 4: organização interna 4: organização
ações do interna
FSA das ações do FSA
L.A
L.C L.B
FSA
Cinema
L.D Brasil P. Você
de T/T
Fonte: elaboração do autor
24
ELDER P. MAIA ALVES
na figura 5 atesta que os recursos do FSA – assim como os desembolsos do BNDES e as ações das políticas
econômico-culturais destacadas – têm muitos impactos e efeitos multiplicadores nas cadeias econômico-
-culturais. A rigor, são recursos para empresas que vicejam novas empresas.
Empresas do audiovisual
Condecine Teles
Lei nº 12.485
e demais Condecines
FSA Ancine
BNDES / BRDE
Fonte:
Fonte: elaboração
elaboração própria
do autor
O gráfico 5 expõe nos limites do audiovisual a tendência de crescimento do investimento cultural público
(por meio do FSA) e de diminuição das leis de incentivo. A partir de 2007, o declínio da Lei Rouanet e da
Lei do Audiovisual é significativo, ao passo que emerge com força o FSA. A rota de crescimento do fundo
e o arrefecimento das supracitadas leis se acentuaram a partir de 2011. Em 2012, ocorreu um problema no
repasse operacional dos recursos financeiros daquele ano e a maior parte só foi liberada no início de 2013.
Mesmo em face desse aspecto, o FSA já correspondeu a 1/3 do total dos recursos disponibilizados pelas leis
de incentivo em 2012. No ano seguinte, o investimento do FSA, cerca de R$ 143 milhões, superou com folga
a soma dos recursos disponibilizados pelas leis federais de incentivo para o setor audiovisual.
25
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
73,4
68,4
64,4
59,3
57,0
52,3 54,3 55,6
46,5 47,7 47,9 51,4
46,2
43,0
40,1 41,9
40,7 37,8
34,9 35,1 36,7
37,7 31,1
35,3 28,8
32,5 29,2
27,1 25,1 26,8
28,8
23,3 25,3
19,0 18,9
11,3 20,4
15,1
13,8 13,7
11,3 8,5
9,1 7,8
5,1
4,5
2,8
2,5 2,5
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: Filme B.
Fonte: Filme B
Residual no setor audiovisual, a Lei Rouanet, no entanto, tem registrado nos últimos anos um contundente
crescimento financeiro. Em 2003, por meio da renúncia fiscal, a lei captou R$ 430 milhões; em 2006 saltou
para R$ 760 milhões (crescimento próximo a 80% em apenas três anos); em 2010 alcançou a marca de R$
1,160 bilhão. A espiral de crescimento se manteve: em 2014 captou o montante de R$ 1,320 bilhão, em 2015
registrou uma queda, passando para R$ 1,113 bilhão (mesmo diante desse crescimento, as leis federais de
incentivo corresponderam a apenas 0,7% do total das renúncias fiscais na esfera federal no ano de 2015).
O principal responsável pela expansão dos recursos foi a incorporação de novos segmentos ao escopo da
Lei Rouanet, como o design, a moda e os games. Além das leis federais, o Brasil possui 18 leis estaduais de
incentivo fiscal à cultura e 32 leis municipais.
26
ELDER P. MAIA ALVES
VALOR
POSIÇÃO EMPRESA
(em milhões de R$)
1º BNDES 56,0
6º CBMM 17,3
9º Correios 14,3
Fonte: MinC
A gestão e a promoção das marcas corporativas por meio das ações culturais – seja utilizando os mecanis-
Fonte: MinC
mos da renúncia fiscal, seja lançando mão de políticas culturais próprias – mantêm um lugar de destaque nas
estratégias de fixação da marca, fortalecimento da imagem institucional, agregação de valor à marca e rela-
cionamento com o público-alvo. Esse aspecto fez com que muitos pesquisadores e gestores, notadamente
durante a década de 1990 e início dos anos 2000, definissem o mercado cultural apenas como um eixo de
interseção entre as empresas patrocinadoras (especialmente seus departamentos de comunicação e marke-
ting) e os produtores culturais com suas empresas proponentes, esquecendo-se das organizações estatais,
dos bancos comerciais, do consumo das famílias e principalmente das corporações culturais propriamente
ditas. Como assinalamos no início (figura 1), as leis de incentivo constituem apenas um dos vetores que
gravitam em torno das instituições estatais.
27
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
1% 6% 8% Associção a projetos
8% Benefício fiscal
Público-alvo
7%
Retorno/divulgação em mídia espontânea
Fonte: MinC
Nos últimos dez anos, com o recrudescimento dos orçamentos estatais (sobretudo no âmbito federal) di-
recionados à cultura (notadamente por meio dos fundos de cultura), com o advento das políticas econô-
mico-culturais, a consolidação do FSA e principalmente com a expansão do desembolso do BNDES para
as empresas culturais especializadas, deslocou-se o pêndulo do poder das empresas e corporações não
culturais (públicas e privadas) para as corporações culturais propriamente ditas. Essa assertiva não sugere
que as leis de incentivo desapareceram, antes, o contrário. Como mencionado, a Lei Rouanet experimentou
um crescimento eloquente dos recursos captados, mas foi o investimento cultural público que se fortaleceu
sobremaneira em suas distintas dimensão e eixos complementares. Embora os recursos captados pela Lei
Rouanet tenham crescido substancialmente nos últimos dez anos, as leis de incentivo à cultura (federais,
estaduais e municipais) já possuíram maior relevância no interior dos mercados culturais brasileiros e, por
conseguinte, na estruturação do capitalismo cultural existente no Brasil. As leis constituíram muito mais um
fator de oportunidade profissional por parte de diversos produtores culturais, empresas de marketing e redes
diversificadas de prestadores de serviços e profissionais criativos, e muito menos um mecanismo de investi-
mento direto, destinado à dinamização de cadeias econômico-culturais nacionais, como a do audiovisual, a
do editorial e a do patrimônio histórico-artístico.
28
ELDER P. MAIA ALVES
Se a Lei Rouanet cresceu, o investimento cultural público cresceu ainda mais. Por sua vez, a expansão do in-
vestimento cultural público só foi possível em decorrência da elevação dos gastos culturais das famílias. Esse
fator foi determinante. Foi o aspecto que mais impactou nas estratégias das empresas culturais e na am-
pliação dos seus negócios. Tanto os agentes estatais de mercado (MinC, Sebrae, Iphan, Ancine e BNDES)
quanto as empresas propriamente ditas anteviram novas oportunidades em face da elevação da demanda
e da expansão das práticas de consumo simbólico-cultural. Em razão do aumento do estoque de empregos
formais e da elevação da renda entre 2004 e 2013, o gasto médio das famílias brasileiras com cultura passou
de 3,0% do orçamento familiar em 2003, para 5,0% em 2010 (IBGE). Dado que o consumo das famílias
representou 60,7% do Produto Interno Bruto em 2010, o consumo das famílias brasileiras com cultura foi da
ordem de R$ 116 bilhões. Somente esse montante já é superior ao PIB da cultura aferido pela Firjan. Como
assinalado antes, segundo a entidade, o PIB da cultura no Brasil foi de R$ 111,9 bilhões em 2010, e de R$ 126,1
bilhões em 2013. No entanto, na composição do cálculo do PIB da cultura realizado pela Firjan não figuram
variáveis imprescindíveis como o consumo das famílias e o consumo do governo.
Há ainda outro aspecto relevante. De acordo com o IBGE, se considerarmos os gastos com telefonia, o or-
çamento das famílias brasileiras com cultura passa para 8,6% do total de gastos familiares, o que resultaria em
2010 na quantia de R$ 197,2 bilhões. O uso da telefonia se justificaria por diversos aspectos, mas apenas dois
já são suficientes para sustentar a alteração do cálculo dos gastos familiares com os bens e serviços culturais:
1) uma parcela significativa do consumo dos conteúdos audiovisuais tem sido realizada por meio dos pacotes
de telefonia móvel comercializados pelas principais operadoras de telefonia; 2) os clientes das companhias que
fornecem os serviços via streaming, como Netflix, Deezer e Spotify, acessam os conteúdos por meio dos dispo-
sitivos móveis, notadamente os smartphones. Além desses aspectos, a expansão da internet, a elevação da sua
velocidade e a frequência do seu uso para o consumo de conteúdos culturais alteram o dispêndio familiar com
os novos serviços culturais-digitais. De acordo com pesquisa realizada pela Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República, em 2014, 26% dos brasileiros acessavam a internet durante os sete dias da semana,
no ano seguinte esse porcentual subiu para 37%, um crescimento de mais de 30% em apenas um ano. Dos bra-
sileiros que acessaram a internet, em 2015, 67% afirmaram que o fazem em busca de diversão e entretenimento.
Desse total, 66% afirmaram que, além do computador, utilizam o celular para acessar cotidianamente a internet.
Certamente a redução do consumo das famílias em 2014, 2015 e 2016, evidenciada no gráfico 6, tem impli-
cado ou implicará também a redução do consumo cultural. Por exemplo, em 2015 a TV por assinatura experi-
mentou um recuo de 500 mil assinantes. É certo, todavia, que uma parcela desse contingente migrou para os
serviços culturais via streaming, capitaneados por empresas como a norte-americana Netflix (estima-se que a
empresa já possua entre 4 e 5 milhões de assinantes no Brasil). Por ora, no entanto, a frequência de algumas
práticas de consumo cultural, como ir ao cinema, tem mantido uma rota consistente de crescimento. Em 2014
foram 157,2 milhões de ingressos vendidos para as salas de exibição no Brasil; já em 2015 foram 172 milhões
29
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
(crescimento de 9%). Esse foi um dos poucos serviços no item de consumo das famílias que registrou cres-
cimento na economia brasileira em 2015. Em 2016, até a semana 33 (que vai do dia 7 de janeiro ao dia 24 de
agosto), já tinham sido vendidos 130,8 milhões de ingressos, 12 milhões a mais que no mesmo período do ano
anterior, crescimento de 10,5% em relação a 2015. Ora, mesmo em face da acentuada redução do consumo
das famílias brasileiras, e de uma das mais severas recessões da recente história econômica do país, o consumo
de filmes
gráfico nas salas
7: consumo dasde cinema
famílias tem apresentado um crescimento constante e regular.
no Brasil
1,3
2003 2015
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
-0.5
-4,0
tabela 6: público e renda – salas de cinema Brasil
tabelaFonte: IBGE/Folha
6: público de S.Paulo
e renda – salas de cinema no Brasil
Fonte: Ancine
Fonte: Ancine
30
ELDER P. MAIA ALVES
Diante dos dados arrolados, é possível sustentar a seguinte assertiva: nos últimos dez anos, os investi-
mentos culturais públicos superaram bastante a renúncia fiscal promovida pelas leis de incentivo à cultura.
Mesmo com o substancial crescimento da captação da Lei Rouanet e considerando-se ainda toda a le-
gislação de incentivo estadual e municipal, o investimento cultural público é superior. Se tomarmos como
norte o ano de 2014 (ano de maior captação da Lei Rouanet), podemos urdir a tabela 7. Embora corra-
mos o risco de superestimar os valores das leis de incentivo fiscal, podemos equiparar o somatório de toda
a legislação estadual e municipal a 50% do valor captado pela Lei Rouanet em 2014. Mesmo projetando
que apenas 2/3 dos valores orçamentários destinado à cultura (nos três níveis administrativos) foram de
fato executados, ainda assim temos uma superioridade dos investimentos culturais públicos. Também não
estão presentes no cálculo desse investimento os valores investidos pelas empresas de audiovisual mu-
nicipal, como a Riofilme e a SP Filmes. Do mesmo modo, só foram computados no investimento cultural
público os recursos de fato executados.
INVESTIMENTO
LEI DE INCENTIVO VALOR (R$) VALOR (R$)
CULTURAL PÚBLICO
FSA 412
Orçamentos executados
4,752
(união, estados e municípios)
31
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
32
ELDER P. MAIA ALVES
tabela 8:tabela
evolução dos dos
8: evolução orçamentosper
orçamentos percapita paraa cultura
capita para a cultura
estados-membros selecionados (2000/2011 em €)
estados-membros selecionados (2000/2011 em €)
Bulgária 16 18 29
Croácia 77 72
Grécia 38 32 45
Hungria 36 56
Irlanda 43 50 43
Letônia 32 27 61 51
Malta 42 55 44
Polônia 18 29 48 52
Portugal 60 76 76 69
Romênia 50 41
33
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
gráfico
gráfico 8:8:financiamento
financiamento
públicopúblico paratraduzido
para a cultura a cultura traduzido do
em porcentagem emPIBporcentagem
(2005-2011) do PIB (2005-2011)
1,8
1,6
1,4
1,2
0,8
0,6
0,4
0,2
0
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2011 2005
34
ELDER P. MAIA ALVES
Além de ter como fonte de financiamento a arrecadação tributária convencional, as políticas culturais eu-
ropeias dispõem dos recursos financeiros advindos das loterias. A partir de 2000, um alentado número de
estados-membros instituiu os fundos lotéricos como fontes específicas para a cultura. Parcelas significativas
das receitas das loterias estatais passaram a ser destinadas à cultura. Desse modo, foram criadas agências
públicas e/ou órgãos correlatos para gerenciar, controlar e aplicar os recursos oriundos dos jogos lotéricos.
Os países a seguir dispõem hoje de fundos de cultura decorrentes das receitas das loterias estatais: Bélgica,
Dinamarca, Bulgária, Estônia, Finlândia, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Holanda, Polônia, Eslová-
quia, Suécia e Reino Unido. Em 2000, 35,15% de todo o orçamento estatal italiano destinado à cultura teve
como fonte as loterias; no mesmo ano, elas representaram 37,62% do orçamento público do Reino Unido
para a área cultural; em 2002, 18,51% do orçamento estatal da Dinamarca para a cultura teve como origem
as loterias; em 2005, 54,59% de todo o orçamento cultural da Finlândia derivou das fontes lotéricas.
A maioria dos recursos que compõem o gráfico 8 é destinado à materialização da cultura como um direito, figurando
assim no que poderíamos chamar de política cultural clássica ou convencional. Não obstante, as políticas econômi-
co-culturais começaram a ocupar um espaço cada vez maior nos orçamentos dos estados-membros. Os aspectos
econômicos inscritos nas esferas culturais ampliadas têm mobilizado mais diretamente os governos de países como
Alemanha, Áustria, França, Espanha, Dinamarca e Reino Unido. Este último tornou-se paradigmático a tal respeito.
Durante os governos da ex-primeira-ministra Margareth Thatcher (1979-1990), as políticas artístico-culturais no Reino
Unido sofreram uma forte inflexão. O Arts Council (ACGB), principal órgão público de elaboração e execução das
políticas para cultura e arte, criado em 1946, teve seu orçamento esvaziado. Nos anos que se seguiram à chegada do
partido conservador ao poder, o financiamento cultural direto, muitas vezes considerado desnecessário, foi bastante
reduzido, substituído pela participação das empresas e corporações na forma de créditos fiscais, incentivos fiscais e va-
riadas formas de apoio privado (patrocínios, prêmios e auxílios), culminando na criação da Associação para o Patrocínio
Empresarial das Artes, uma entidade corporativa que esvaziou bastante o poder do Arts Council.
Com a assunção do partido trabalhista ao poder, em 1997, liderado pelo ex-primeiro-ministro Tony Blair, o Estado
voltou a atuar diretamente na esfera artístico-cultural. Dessa vez, não mais como um financiador das atividades
e conteúdos, o que poderia reforçar, por exemplo, a posição do Arts Council, mas agora como coordenador e
artífice direto de uma das mais impactantes políticas econômico-culturais: o programa para o desenvolvimento
das indústrias criativas, elaborado pelo Creative Industries Task Force, instalado logo no início do governo Blair e
vinculado ao Department for Culture, Media and Sports (DCMS). De acordo com o governo Blair, o programa
tinha como meta renovar a combalida economia britânica, que passava por um forte processo de desindustriali-
zação desde a década anterior, conferindo-lhe mais inovação, criatividade e dinamismo. Para tanto, o DCMS foi
ampliado e incorporou novas competências, funções e recursos financeiros. Isso levou, entre outros aspectos, ao
mapeamento dos setores criativos e à “nova” definição conceitual das indústrias criativas, elementos que, juntos,
engendraram o chamado modelo DCMS inglês, disseminado e copiado por muitos governos mundo afora.
35
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
Junto com o programa australiano, o programa do Reino Unido deu início a um dos aspectos mais candentes
das políticas econômico-culturais e, como corolário, das políticas de desenvolvimento cultural: a dissemina-
ção de uma nova gramática conceitual, institucional e política, que tem como núcleo as noções de indústrias
criativas e economia criativa. Diferente de conceitos como indústria cultural, cultura de massa e materialismo
cultural, confeccionados pelas ciências sociais e humanas, essa nova gramática conceitual e temática supra-
citada teve como origem as interfaces entre os interesses econômicos dos governos nacionais, os interesses
técnicos das escolas globais de negócio (notadamente norte-americanas e europeias) e os interesses políticos
de organismos transnacionais do sistema ONU, que em conjunto a disseminaram e a legitimaram.
gráfico
gráfico 9:9:porcentual
porcentual docom
do PIB PIB com
lazer lazerentre
e cultura e cultura entre países
países selecionados selecionados (2006)
(2006)
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36
ELDER P. MAIA ALVES
gráfico
gráfico10:
10:consumo cultural
consumo cultural e das
e das famílias
famílias (Quantas
(Quantas vezes nosvezes
últimosnos últimos
12 meses 12 meses você...?)
você?)
Foi ao cinema
52%
51%
Visitou um monumento 52%
(palácios, castelos, igrejas, jardins etc.) 54%
* EU 27
O gráfico 10 evidencia com bastante clareza a redução do consumo cultural das famílias europeias entre
2007 e 2013. Talvez tenha sido em razão desse recuo (ao menos de um consumo cultural mais tradicional) que
a União Europeia tenha passado sistematicamente a formular e executar políticas econômico-culturais. Entre
os anos de 2007 e 2014, ela coordenou projetos de pesquisa acerca da chamada economia criativa e divulgou
relatórios de prospecção de negócios, sempre buscando identificar as principais cadeias de valor econômico-
-culturais do continente e tendo em vista subsidiar as tomadas de decisão dos estados-membros, assim como
colaborar diretamente para a construção de programas locais. Nesse ínterim, a União Europeia coordenou
37
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
um grande processo de mobilização técnica e política com o propósito de sensibilizar empresas, instituições
financeiras, governos, agências de pesquisa, institutos de tecnologia, comunidades de artistas e criadores para
a relevância econômica da cultura. Tal processo culminou na formulação do programa Europa Criativa 2014-
2020. O programa abriga dois grandes objetivos: 1) garantir a salvaguarda e a promoção da diversidade cultu-
ral e linguística europeia; 2) reforçar a competitividade dos setores culturais e criativos, com vistas a promover
um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Os cinco objetivos específicos do programa se vinculam
diretamente ao segundo objetivo principal, deixando patente o perfil de um programa econômico-cultural.
Com efeito, as ações e metas do programa se aliam a essa dimensão, estabelecendo ações de promoção da
competitividade das empresas culturais, apoio financeiro e técnico às micro e pequenas empresas e linhas
de créditos para núcleos criativos e tecnológicos. Com dotação orçamentária de € 1,4 bilhão (cerca de R$
5 bilhões), originária dos fundos públicos abastecidos pelos estados-membros, o programa Europa Criativa
reforça a atuação da União Europeia como um específico Agente Estatal de Mercado (AEM).
Dos 28 estados-membros da União Europeia (incluindo o Reino Unido), cerca de 20 mantêm programas
de estímulo às produções culturais locais, especialmente nos setores de televisão, cinema e games. São
subsídios na forma de créditos fiscais, descontos em impostos e empréstimos financeiros para as empresas
que atuam nesses segmentos e integram cadeias econômico-culturais específicas. Não se trata de renúncia
fiscal, mas, sim, de subsídios que impulsionam a criação e a produção, cujos efeitos multiplicadores se tradu-
zem em novos negócios, investimentos e futuros tributos. A rigor, são investimentos culturais públicos que,
em países como Alemanha, Inglaterra, França e Espanha, estão vinculados à dinamização de outros mer-
cados, como o turismo e a inovação tecnológica. Como assinalou Martel (2012), essa é uma regularidade
global, que tem se acentuado bastante nos últimos 15 anos, pois os países buscam, cada vez mais, dinamizar
seus mercados culturais, desencadeando ferozes mecanismos de competição pela participação no comércio
global de bens e serviços culturais-digitais, assim como intensificar a concorrência pelo domínio e controle
das propriedades intelectuais. Em 2004, a América do Norte e a Europa foram responsáveis pela exportação
de 69% de todos os bens culturais comercializados no planeta. Em 2013, esse porcentual caiu para 49%. Por
outro lado, o sul e o leste asiático passaram de 26% em 2004 para 45,5% em 2013. A América Latina, por sua
vez, foi responsável por apenas 1,2% do total de bens culturais exportados em 2013. No que concerne aos
serviços culturais digitais (distribuídos e consumidos por meio dos suportes digitais e da rede mundial de
computadores), entre 2003 e 2013, os Estados Unidos lideraram o fluxo de exportação de serviços culturais
digitais, alcançando em 2013 a soma de US$ 68,6 bilhões, valor bem superior àquele alcançado pelo segundo
colocado, o Reino Unido, com US$ 13,8 bilhões.
Os incentivos fiscais à cultura (na forma de renúncia fiscal) estão presentes em 25 dos estados-membros
que compõem a União Europeia. São bastante praticados pelas empresas, e os indivíduos durante as déca-
das de 1980 e 1990 foram recorrentemente estimulados pelos governos nacionais. A legislação europeia é
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ELDER P. MAIA ALVES
muito heterogênea; taxas, procedimentos, limites e demais aspectos obedecem aos regimes fiscais e jurídi-
cos de cada país. Na grande maioria dos estados-membros não existe uma lei nacional que regule as práticas
de patrocínio, doação e incentivo específicas para a cultura, seja por parte das companhias ou dos indivíduos.
Há, antes, procedimentos jurídicos e contábeis que regulam as atividades de doação, patrocínio e apoio
para as atividades de um modo geral, educação, esportes, artes, meio ambiente etc. Em alguns países, há o
impedimento para que o patrocínio seja deduzido pela empresa, pois se entende que a empresa obteve um
benefício direto, que foi a promoção da sua marca corporativa.
Como não existe uma legislação unificada específica nos limites de cada país, há sempre a dificuldade de
mensuração, organização e divulgação dos dados, mas a União Europeia estima que, em países como Ho-
landa e Irlanda, os recursos da renúncia fiscal (também chamado de apoio indireto) equivalem aos recur-
sos diretos (realizados pelas organizações estatais), correspondendo à metade de todos os recursos. Assim
como nos Estados Unidos, na maioria dos países europeus as doações individuais são muito frequentes e
disseminadas. Os valores doados podem ser deduzidos dos impostos devidos pela pessoa física, cujas taxas
de dedução variam de acordo com os países, principalmente quando se trata de doações em dinheiro, uma
vez que também há a possibilidade da doação de imóveis e outras propriedades. Na maioria dos estados-
-membros não existe uma classificação definida das atividades que figuram como artístico-culturais, assim
como não existe um consenso sobre as instituições que podem receber as doações. Em 2000, a Itália apro-
vou uma lei nacional unificada, que permite aos doadores individuais a dedução de 100% do valor doado
às instituições públicas e privadas reconhecidas como culturais. Nos cinco anos seguintes, o montante das
doações individuais em dinheiro cresceu cerca de 70%. Por outro lado, assim como a Lei Rouanet, a lei italia-
na concentrou a maior parcela das doações e as destinações dos recursos em apenas duas regiões do país.
É preciso assinalar ainda que os incentivos à cultura, ancorados na renúncia fiscal (utilizados por indivídu-
os ou empresas), correspondem a uma modalidade da atuação privada não especializada, embora com
recursos públicos. A outra modalidade diz respeito ao financiamento direto (com capital próprio) que
as grandes corporações nacionais e globais mantêm junto à cultura e às artes. Por meio de fundações
próprias (ou organizações semelhantes) diversas corporações (empresas não culturais) possuem os seus
próprios museus, centros culturais, teatros, galerias, entre outros. Todavia, esse aspecto é bastante distinto
do incentivo às atividades artístico-culturais mediante renúncia fiscal, assim como é bastante diferente
do investimento cultural público, que se destina às empresas culturais privadas especializadas e/ou às
cadeias econômico-culturais das quais fazem parte empresas de segmentos diversos como alimentação,
hospedagem, transporte, tecnologia etc. Em alguns mercados culturais, como é frequente nos Estados
Unidos e em alguns países europeus, as fundações corporativas que mantêm equipamentos culturais
próprios recebem doações individuais e também de outras empresas, ensejando as deduções fiscais dos
respectivos impostos.
39
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
É possível asseverar que os mercados culturais norte-americanos são atravessados por duas grandes aveni-
das paralelas, complementares e assimétricas; ambas se cruzam e se atravessam em determinados pontos,
apresentando aspectos do investimento cultural público e das leis de incentivo. A primeira avenida, por assim
dizer, concerne a um pungente sistema integrado de criação, produção, distribuição e consumo ampliado de
conteúdos artísticos, culturais e de entretenimento, cuja gênese remonta aos primeiros anos do século XX.
Nesse sistema, o audiovisual assume a maior centralidade, conforma um complexo que hoje integra conglo-
merados transnacionais de cinema, rádio, televisão aberta, televisão por assinatura, games, internet, música e
publicidade. São muitos elos, cadeias de valor, linguagens, práticas de consumo, monopólios e oligopólios. Nos
Estados Unidos, em 2007, somente o cinema arrecadou nas bilheterias mais de US$ 10 bilhões, acomodando
um contingente de trabalhadores de mais de 2 milhões de profissionais, que atuam em diferentes atividades e
centenas de empresas, as quais em conjunto geraram cerca de US$ 15 bilhões em impostos federais e estaduais
(MPAA, 2010).
Dos 51 estados federados que compõem o território norte-americano, 30 mantêm políticas de estímulo à
produção local de conteúdos culturais, de entretenimento e mídia. Esses estímulos se dividem em quatro
modalidades fiscais: 1) créditos de impostos reembolsáveis; 2) créditos fiscais transferíveis; 3) concessão de
descontos em equipamentos, serviços e produtos; 4) múltiplas combinações de créditos fiscais. Essas são
políticas econômico-culturais que remontam à década de 1950, quando o cinema e a televisão se tornaram
indústrias da cultura, do entretenimento e da comunicação fundamentais à economia industrial norte-ame-
ricana. Quando nos anos 1960 os Estados Unidos passaram a liderar a expansão das sociedades pós-indus-
triais (BELL, 1973), o termo indústria se tornou inapropriado, pois os conteúdos audiovisuais são conjugação
de processos industriais, tecnológicos, de serviços e de comércio.
40
ELDER P. MAIA ALVES
Em que pese a relevância interna dos mercados culturais e de entretenimento, as principais ações exis-
tentes por parte dos grandes conglomerados privados, do governo central e dos profissionais criativos
são direcionadas para o exterior. Nesse ponto, o investimento cultural público fica mais definido, embora
seja de natureza mais política do que econômica, como acontece no Brasil e na Europa. Em 1937, a pri-
meira versão do filme Branca de Neve, do estúdio Disney, obteve uma bilheteria final de US$ 8,5 milhões.
Nas décadas de 1940 e 1950, os filmes norte-americanos criados, produzidos e distribuídos pelos princi-
pais estúdios de Hollywood grassaram por todo o mundo, granjeando elevadas taxas de lucro. Ainda no
início do século XX, o governo federal aprovou uma legislação que passou a permitir que companhias
concorrentes dentro do território norte-americano pudessem se associar em projetos e atividades co-
muns fora do país. Essa medida legal facultou que os grandes estúdios cinematográficos se reunissem
num cartel específico chamado Motion Picture Association of America (MPAA), responsável pelas
principais estratégias políticas e comerciais do cinema norte-americano fora dos Estados Unidos. Como
corolário, desde a década de 1950, o Departamento de Estado, por meio da sua Secretaria de Comércio
Exterior, pressiona seus principais parceiros comerciais e aliados militares a permitir, sem restrições, o in-
gresso dos filmes e conteúdos audiovisuais norte-americanos nos seus respectivos mercados. Essa pres-
são se fez sentir especialmente durante as principais rodadas de negociação no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC), notadamente por ocasião da revisão e atualização dos grandes acordos
de livre comércio, como o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) e o Gatt (Acordo Geral
de Tarifas e Comércio).
41
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
No período entre 2004 e 2008, a venda de ingressos para os filmes norte-americanos cresceu 17% em todo
o mundo, alcançando 105 países. Fora dos Estados Unidos, os principais contingentes de consumidores são:
China (US$ 2,7 bilhões); Japão (US$ 2,4 bilhões); Reino Unido (US$ 1,7 bilhão); Alemanha (US$ 1,6 bilhão);
Espanha (US$ 1,5 bilhão); Itália (US$ 1,4 bilhão); França (US$ 1,3 bilhão); e Austrália (US$ 1,2 bilhão). Entre
os anos de 2008 e 2013, dos 20 filmes mais vistos no globo, todos foram produzidos ou coproduzidos pelas
corporações audiovisuais norte-americanas. Conforme a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio
e Desenvolvimento (UNCTAD), em 2013 cerca 80% de todos os filmes consumidos no globo foram produ-
zidos por seis grandes conglomerados norte-americanos: Warner Bros, Fox, Universal, Disney, Paramount/
Sony e Columbia. Segundo Stigler, essas companhias forjam os oligopólios de franja, que, também como
salienta Martel, consistem no controle do processo de financiamento (atuando de maneira semelhante a um
banco). Elas delegam as etapas de criação, produção, distribuição e licenciamento a um conjunto de outras
empresas (micro, pequenas e médias), que ficam sob sua coordenação e seu domínio direto ou indireto.
Em 2015, existiam 3,2 bilhões de pessoas com acesso à internet, sendo que desse total 1,4 bilhão possuía
smartphones com acesso móvel à rede. Em 2013, por meio do iTunes, sua loja digital de venda e assinatura
de música, a Apple já controlava 25% de todas as músicas digitais compradas nos Estados Unidos. Além da
venda de livros digitais por meio do seu leitor Kindle, a Amazon tem se destacado com a sua Amazon Prime
Instant Video, plataforma global por assinatura que utiliza a tecnologia streaming e o modelo de negócio
on demand. A companhia também oferece a Amazon Cloud Player, plataforma que permite a compra e o
armazenamento digital de música. Cada vez mais, o Gafa busca atuar junto aos serviços culturais digitais,
como a Apple Music e o Google Play, tencionando se aproximar de plataformas globais já consagradas como
Pandora, Deezer, Spotify, na música, e Netflix, no cinema. Estima-se que muito em breve existirão serviços
(provavelmente oferecidos pelo Gafa) de assinatura para livros, games e outros. Também o Gafa realiza uma
espécie de monopólio de franja, controlando diversas outras empresas de distribuição de conteúdos culturais
42
ELDER P. MAIA ALVES
de entretenimento, como o YouTube (maior plataforma audiovisual do planeta), controlado pelo Google, e
o WhatsApp, controlado pelo Facebook. Em 2013, apenas o Google e a Apple, juntos, possuíam US$ 200
bilhões em ativos financeiros, o suficiente, segundo Vogelstein, para comprar mais da metade de Hollywood.
Os mercados culturais norte-americanos são os mais digitalizados do globo, tendo mais de 50% dos conte-
údos musicais consumidos através de plataformas digitais. Os serviços de acesso aos conteúdos de games,
séries e filmes também se encontram bastante digitalizados, abrigando modelos de negócios com acen-
tuadas taxas de inovação tecnológica. O grau de digitalização dos mercados culturais nacionais (musical,
audiovisual, de game e outros) decorre das interfaces entre as empresas culturais, as empresas de tecnolo-
gia, as políticas estatais de expansão dos serviços de internet e os gastos orçamentários das famílias com os
serviços culturais-digitais. Nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e no Japão, por exemplo, as
sinergias internas entre esses agentes contribuem para o domínio das exportações desses serviços e para
a conquista de novos contingentes de consumidores, que se materializa tanto por meio do consumo dos
conteúdos quanto pelo uso das tecnologias patenteadas. Não é por acaso que as principais companhias de
tecnologia e de internet do planeta, que integram o Gafa (todas com sede nos Estados Unidos), se inte-
ressem pelo controle, pela distribuição e pela comercialização de conteúdos culturais na forma de serviços
digitais de assinatura. O sucesso da Netflix, com seus 80 milhões de assinantes (meados de 2016), 42% deles
fora dos Estados Unidos, e o seu faturamento global de US$ 5,5 bilhões (2014), atesta a centralidade do
capitalismo cultural-digital. Embora não pareça, o Estado, por meio das agências federais norte-americanas,
está na gênese de todo esse processo, pois, como sustenta Mazzucato, implementou ecossistemas de apoio
à inovação tecnológica que, entre outros aspectos, estão por trás de criações como o iPhone, da Apple.
gráfigráfico
co 11: 11: receita anual
receita anual da Netfl
da Netflix ix 2002-2014
2002-2014 (em milhões) (em milhões)
6,000
5.504,66
5,000
4.374,56
4,000
3.609,3
3.204,6
Receita
3,000
2.162,6
2,000 1.670,3
996,7 1.205,3 1.364,7
1,000 682,2
270,4 500,6
150,8
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte:
Fonte: União
União Européia
Europeia
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
A segunda grande avenida que atravessa os mercados culturais dos Estados Unidos concerne às diversas
interfaces entre o incentivo à cultura e a renúncia fiscal. Não existe no país uma lei federal de incentivo à
cultura, tampouco existe um órgão nacional centralizado que formule e execute políticas culturais. O fi-
nanciamento desse tipo de política nos Estados Unidos constitui uma espécie de mosaico, assentado num
complexo sistema de cogestão dos recursos advindos das instituições federais, estaduais e municipais (con-
selhos gestores) e dos recursos originários das doações. Do ponto de vista financeiro, as políticas culturais
norte-americanas são executadas a partir de uma cesta composta de diferentes recursos.
A partir de 1870, foram criados nos Estados Unidos diversos museus, orquestras e bibliotecas locais, equi-
pamentos públicos que passaram a ter grande penetração no território norte-americano, embora tivessem
ainda pouca visitação e fossem muito mais acolhidos pelas elites culturais e econômicas locais. No decurso
da década de 1930, no bojo de uma série de reformas, esses equipamentos, especialmente os museus, pas-
saram a se vincular às práticas educacionais de formação artística e a um interesse coletivo mais ampliado.
Nessa mesma década, ocorre uma grande expansão dos museus: de 167 unidades em 1930 para 387 em 1938
(DIMAGGIO, 1991). O financiamento dessa rede nacional de museus era partilhado entre as prefeituras
e os curadores corporativos, as empresas. As primeiras forneciam o imóvel, arcavam com a manutenção e
financiavam os custos dos projetos de educação artística, já os segundos ampliavam os acervos e arcavam
com os salários dos profissionais, como diretores e especialistas. Esse foi o lastro inicial que originou uma
rede nacional de museus e equipamentos culturais públicos.
Desde o início do século XX, os museus tornaram-se objeto de robustas doações, mas as quantias recru-
desceram bastante a partir da década de 1920, quando se abriu a possibilidade legal de dedução dos valores
doados. Embora largamente praticadas desde meados do século XIX, a filantropia e as doações caritativas
– para educação, religião, saúde, artes, entre outras – só foram regulamentadas e disciplinadas nas primeiras
décadas do século XX, primeiro para as pessoas físicas, em 1917, depois para as corporações, em 1935. A
partir de então, os indivíduos e as empresas doadoras puderam deduzir o valor doado dos impostos federais
e estaduais devidos, variando de acordo com as alíquotas e limites específicos. Por conseguinte, as doações
para os museus saíram de US$ 15 milhões em 1910 para US$ 58 milhões em 1930.
Em 1965, o governo federal criou a National Endowment for the Arts (NEA), agência pública ligada à esfera
da administração federal, mas com independência política e orçamentária. Mais importante do que a cen-
tralidade política e a coordenação exercida pela NEA foi a indução que a nova agência imprimiu. Muito em
razão de sua existência, no decorrer das décadas de 1960 e 1970, foram criadas diversas agências estaduais
e locais com o propósito de receber e gerenciar recursos repassados pela instituição federal, na forma de
convênios e parcerias. Nos 20 primeiros anos de existência, a agência teve o seu orçamento expandido, acu-
mulando reconhecimento e bastante prestígio junto à comunidade de artistas, segmentos da sociedade civil,
44
ELDER P. MAIA ALVES
imprensa e empresas. Nos anos seguintes, os recursos da NEA foram sistematicamente reduzidos, perfazen-
do em 1997 a soma de US$ 98 milhões, ao passo que as agências estaduais e municipais administraram US$
305 milhões e US$ 700 milhões, respectivamente. Somados em 1997, os orçamentos das agências governa-
mentais para as artes nem mesmo se aproximam da exuberante soma de US$ 10 bilhões decorrentes das
doações (individuais e empresariais) destinadas ao segmento tipificado como arte, cultura e humanidades.
O volume financeiro das doações individuais e empresariais para as instituições caritativas e filantrópicas só
tem crescido nos Estados Unidos. Figuram nessa lista aproximadamente 2 milhões de organizações das mais
distintas áreas, acomodando cerca de 10 milhões de trabalhadores. Do volume total de doações, que em
2015 chegou a US$ 373,2 bilhões, em média 70% têm sido realizado por indivíduos, que lançam mão do valor
doado para descontar dos impostos devidos. A proeminência das doações individuais decorre da organiza-
ção do sistema tributário norte-americano, que concentra a maior parcela dos tributos nas pessoas físicas, e
não jurídicas, como ocorre por exemplo no Brasil.
DOAÇÕES PARA
TOTAL DE DOAÇÕES PARTICIPAÇÃO
ANO ARTE, CULTURA
EM BILHÕES (US$) NO TOTAL
E HUMANIDADES
A tabela 9 fornece um pequeno retrato da dinâmica recente dos recursos advindos da totalidade das do-
ações caritativas e filantrópicas, especialmente daquelas feitas ao segmento artes, cultura e humanidades.
Como se pode constatar, em 2015, as doações para esse último segmento foram 55 vezes superior à Lei
Rouanet, por exemplo. É preciso sublinhar que tanto as doações individuais quanto as corporativas são des-
tinadas a instituições específicas: museus, galerias, centros de cultura, bibliotecas, orquestras, teatros, televi-
sões públicas e rádios comunitárias; na maioria dos casos elas estão situadas próximo ao local de residência
45
O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
dos doadores ou, de algum modo, já fizeram parte das suas trajetórias. Diante desse aspecto, seguindo a
sugestão de Tao Wu, inscrita na tabela 10, é possível identificar com precisão o sistema de autogestão das
instituições artístico-culturais e a composição da cesta de financiamento.
tabela 10:tabela
composição médiamédia
10: composição da receita de 155
da receita museus
de 155 públicos
museus públicosnos
nos Estados
EUA (1989)Unidos (1989)
VALOR
NATUREZA DA RECEITA % DO TOTAL
(em milhões de US$)
A tabela 10 exige tratamento um pouco mais detalhado. Embora os dados se refiram a 1989, o financiamen-
to artístico-cultural nos Estados Unidos continua obedecendo a essa composição e, principalmente, man-
tendo uma espécie de sistema de partilha. Ou seja, embora os valores financeiros decorrentes das doações
tenham se elevado bastante, como atesta a tabela, os porcentuais se mantiveram relativamente os mesmos.
Como assinala Tao Wu, 1/3 da soma do auxílio doado com o valor das doações de arte foi descontado pelos
doadores/contribuintes (individuais e corporativos). Significa dizer que, do total de US$ 312,3 dessas duas
rubricas, US$ 104,1 milhões foram de incentivos fiscais. Do mesmo modo, também 1/3 dos US$ 173 milhões
da rubrica receita de doações foi decorrente de doações dedutíveis dos impostos. Somadas, essas rubricas
de renúncia fiscal perfazem 18,6% da receita dos 155 museus. De acordo com Wu, outro mecanismo de
incentivo fiscal presente na tabela 10 diz respeito a não tributação das receitas operacionais líquidas, arreca-
dadas pelos museus na forma de venda de ingressos, taxas de estacionamento, venda de produtos nas lojas,
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ELDER P. MAIA ALVES
comercialização de alimentos nos restaurantes e também aluguel de espaços para eventos realizados nas
dependências dos museus. O auxílio federal corresponde aos recursos repassados pelo NEA, já os auxílios
estaduais e municipais concernem aos valores distribuídos por meio das agências estaduais e municipais.
tabela 11:tabela
composição das receitas
11: composição do Museu
das receitas Metropolitano
do Museu Metropolitanode
de Arte, Nova
Arte, Nova York
York (1989)
(1989)
MONTANTE % DA RECEITA
NATUREZA DA RECEITA
(em milhões de US$) TOTAL
TOTAL 75 100
A tabela 11 busca esquadrinhar as distintas fontes de receita que compõem a cesta de recursos do Museu
Metropolitano de Arte, de Nova York. Cerca de 1/3 das rubricas relativas às doações e contribuições de
associados é dedutível; a rigor, trata-se de renúncias fiscais concedidas principalmente às pessoas físicas. Tao
Wo sustenta que quanto maiores as alíquotas de dedução tanto maiores as doações para as instituições cari-
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
As tabelas 10 e 11 concorrem para sedimentar outro aspecto deveras relevante: as doações financeiras rea-
lizadas pelos indivíduos para os museus (mais tarde deduzidas de parte dos impostos devidos) são converti-
das em investimentos, materializados na qualificação dos espaços, em novas instalações, na criação de novos
serviços (lazer, entretenimento, parques infantis, entre outros), e também na aquisição de obras e diversifi-
cação dos acervos. A cada cinco anos aumenta em 10% o número de museus no mundo (LIPOVETSKY,
2015), que cada vez mais têm se convertido em centros de cultura, entretenimento e lazer, compostos de ba-
res, restaurantes, cafés, livrarias, lojas e casas de show. Os museus estão no centro dos atravessamentos entre
diversos fluxos simbólicos e econômicos globais, que inscrevem as cidades e os seus equipamentos culturais
e artísticos na espiral do consumo da experiência e da fruição simbólica, conjugando investimentos corpora-
tivos, estatais e técnicos que têm definido as metrópoles globais como grandes mercadorias estéticas.
De acordo com a Organização Mundial do Turismo (OMT), o turismo cultural é a modalidade que
mais cresce no mundo. Na lista dos dez museus com maior fluxo de visitante ao redor do globo, os
Estados Unidos figuram com dois, o Museu de Arte Metropolitana, de Nova York, e a Galeria Nacio-
nal de Arte, localizada em Washington D.C., além de diversos outros que figuram no elenco dos 50
mais visitados mundialmente. Os museus que aparecem no gráfico 12 mantêm sofisticados sites e
guias virtuais de visitação, que delineiam experiências novas de consumo, desencadeando interesses
artísticos e a construção de modelos de negócios que ancoram arte, tecnologia, entretenimento e
turismo. Como se pode constatar, no caso dos Estados Unidos, a renúncia fiscal que se exprime por
meio principalmente das doações individuais é parte do investimento cultural público, que, no caso
dos principais museus, potencializa e municia diversas cadeias de valor econômico-culturais, variados
usos e extensos interesses no âmbito do capitalismo cultural-digital.
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ELDER P. MAIA ALVES
gráfico
gráfico 12: museus
12: museus maisvisitados
mais visitados nono
mundo (milhões
mundo de visitantes,
(milhões 2012)
de visitantes, 2012)
Louvre 9,72
Museus de Arte Metropolitana 6,12
Museu Britânico 5,58
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
Assim como nos países explorados, as políticas econômico-culturais têm assumido centralidade no México.
Maior evento literário de língua hispânica e uma das maiores feiras editoriais de todo o mundo, a Feira Interna-
cional do Livro de Guadalajara exprime bem o teor desse perfil de política. Ali se plasmam os interesses dos prin-
cipais agentes do mercado editorial ibero-americano: 1) empresas – extensas redes empresariais do segmento
livro, compostas de executivos, escritórios de agentes literários, editores, empresas de design gráfico, empresas
de tecnologia etc.; 2) profissionais criativos – escritores, críticos literários, roteiristas, jornalistas especializados, en-
tre outros; 3) empresas não culturais que, mediante os incentivos fiscais locais e nacionais, patrocinam o evento;
também são financiadoras as grandes corporações e conglomerados globais que prescindem dos incentivos
fiscais, como Coca-Cola, IBM, Telefônica, Kinder e Santander; 4) os diferentes estratos de consumidores, cujo
perfil heterogêneo pressiona os primeiros agentes a incorporar em seus projetos editoriais variados conteúdos
e gêneros, como histórias em quadrinhos, mangás e games; 5) a atuação das organizações governamentais e
estatais mexicanas, locais, estaduais e nacionais, tanto na forma de subsídios diretos quanto na forma de renúncia
fiscal ou na construção da infraestrutura logística do evento. Criada em 1987, nos últimos dez anos a Feira Inter-
nacional do Livro de Guadalajara ganhou magnitude e envergadura global, apresentando dados eloquentes.
tabela 12: dados da Feira Internacional do Livro de Guadalajara
Fonte:
Fonte: Feira Feira Internacional
Internacional do Livro dedoGuadalajara
Livro de Guadalajara.
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A Feira Internacional do Livro de Guadalajara se inscreve numa frente de expansão do mercado edito-
rial hispânico, que tem nas editoras mexicanas o seu principal agente empresarial. Por causa do Nafta, os
conteúdos de língua espanhola penetram o território norte-americano, percorrendo circuitos de leitura, de
circulação e de consumo pouco explorados pelas grandes redes editoriais norte-americanas. Em 2014, o
governo mexicano, por meio do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes, lançou a plataforma on-line
librosmexico.com, que disponibiliza o conteúdo digital de livros da literatura mexicana, clássicos da língua
espanhola e documentos históricos. Com a circulação e distribuição desses conteúdos, a meta dessa plata-
forma é alcançar, entre 2013 e 2018, um crescimento de 4% no número de leitores.
gráfico
gráfico 13:13: número
número deproduzidas
de cópias cópias produzidas – literatura mexicana
– literatura mexicana
160,000
145,756
142,860
140,000
129,213 131,849
121,853
120,000
100,000
82,242 79,432 75,487 90,014 98,528
80,000 (67%) (61%) (57%) (63%) (68%)
60,000
40,000
39,611 49,781 56,362 52,846 47,228
20,000
(33%) (39%) (43%) (37%) (32%)
0
2009 2010 2011 2012 2013
Reproduzidas
Novas
Fonte: Unesco
Fonte: Unesco
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O CAPITALISMO CULTURAL-DIGITAL: INVESTIMENTO CULTURAL PÚBLICO VERSUS INCENTIVOS FISCAIS
gráfico
gráfico 14: 14:
produção da companhia
produção Televisa (2004
da companhia a 2013) (2004 a 2013)
Televisa
93.323
90.492
79.152
74.929
72.890
71.326 2,1
68.818
2,0
64.743
1,9
1,8
57.548
54.791 1,7 1,7
1,6 1,6
1,5
1,4
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Unesco
Fonte: Unesco
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