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Filosofia | 10.

º ano | Ensino Secundário | Adília Maia Gaspar e António Manzarra

A manipulação e os meios de comunicação de


massas. Um caso de estudo – a romantização do
amor

Título: O amor romântico tem uma história

Autor e obra: Charles Lindholm, The Future of Love, in Victor C. de Munck (editor),
Romantic Love and Sexual Behavior

Texto
O amor romântico tem uma história

«Será o amor romântico eterno ou estará condenado a desaparecer? E se


desaparecer, quais serão as consequências? […] De facto, as canções, poemas,
novelas e filmes da nossa sociedade, têm pintado o amor como o valor mais
elevado da vida: transbordante, irresistível, sedutor, uma bênção extraordinária. O
amor – dizem-no os nossos clichés – faz girar o mundo, nada é impossível para os
amantes, o amor não conhece fronteiras, a vida sem amor não é digna de ser
vivida, o amor é eterno.
Todavia, a despeito da sensação subjetiva dos amantes de que o seu amor é
intemporal e ilimitado, o amor romântico tem um passado e existe num contexto
particular. Para a maior parte dos teóricos, a ideia que atualmente temos do amor
desenvolveu-se na cultura da Europa pré-moderna onde a paixão sexual, que hoje
consideramos central para nos apaixonarmos, era, ao invés, retratada como uma
compulsão perigosa que podia arrastar os jovens para ligações inapropriadas e
arriscadas, dissolver casamentos de conveniência e causar indizíveis conflitos e
infelicidade. Para evitar essas ameaças, foram desenvolvidos mecanismos, tais
como o casamento infantil, os paus de cabeleira, a prostituição institucionalizada,
etc., com o objetivo simultâneo de dar ao grupo social controlo sobre a reprodução,
seja suprimindo diretamente o desejo erótico, seja canalizando-o para uma esfera
inteiramente separada da do casamento.

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Filosofia | 10.º ano | Ensino Secundário | Adília Maia Gaspar e António Manzarra

Segundo um bom número de historiadores, só quando a sociedade tradicional se


começou a desintegrar, como resultado da industrialização e do capitalismo
nascentes, é que a atração erótica intensa dirigida para outro indivíduo foi
transformada na idealização da pessoa amada e foi ligada ao casamento. O colapso
da velha ordem coincidiu com o aparecimento de um novo tipo de unidade
reprodutiva cuja união não era mantida pelas obrigações de grupo, características
dos tempos precedentes.
Como escreve Howard Gadlin, “as relações íntimas, como hoje as entendemos,
emergiram no decurso das primeiras décadas do século XIX… com a
autoconsciência burguesa individual, cuja vida passa a estar dividida entre os
mundos separados do trabalho e do lar.” Pessoa e intimidade são as gémeas
siamesas da modernização. O triunfo da modernização criou um mundo social fluido
no qual (como o filósofo Robert Solomon defende) “é colocado um realce
extraordinário no conceito de individualidade e de autoidentidade individual (assim
como) um elevado grau de mobilidade e de flexibilidade nas relações em geral.”
Paralelamente, houve uma ênfase crescente na “escolha pessoal no cerne dos
rituais de casamento e de acasalamento”.
O crescimento da escolha pessoal e do individualismo, acompanhados de uma nova
ênfase na intimidade, significam que o casamento não era agora constituído na
base do interesse ou do dever, como nas gerações precedentes, mas na mútua
idealização do amor romântico. O casamento de amor tem sido retratado pelos
sociólogos como uma ajuda funcional necessária à integração num mundo moderno
fragmentado.»
Charles Lindholm, The Future of Love, in Victor C. de Munck (editor), Romantic Love and Sexual
Behavior, Praeger Westport, CT, 1998, pp. 17-18

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Filosofia | 10.º ano | Ensino Secundário | Adília Maia Gaspar e António Manzarra

Conteúdo
Neste texto, aborda-se o ideal romântico do amor e a sua emergência enquanto
modelo predominante das relações amorosas.
Defende-se que o amor romântico tem uma história, não é eterno e teve um
começo no tempo; situa-se esse começo na modernidade ocidental, mais
especificamente nos inícios do século XIX.
Liga-se a emergência do amor romântico a fatores tecnológicos e socioeconómicos
– revolução industrial, desenvolvimento do capitalismo e transformações sociais
profundas com o desaparecimento das unidades familiares alargadas e com a
desintegração da sociedade tradicional. Considera-se que, nesse novo contexto, o
amor romântico passou a exercer a função que as obrigações de grupo exerceram
no passado, com o objetivo de manter os casais unidos e garantir a estabilidade
social.

Interesse do texto
Dado que, nos nossos dias, o amor romântico continua a ser o modelo dominante,
reforçado e veiculado pelos media, parece fazer sentido refletir não só sobre a sua
natureza, mas também sobre a sua génese e, mesmo, sobre o seu eventual futuro.

Estrutura do texto
No texto, adota-se a estrutura pergunta/resposta: coloca-se uma pergunta inicial,
“Será o amor romântico eterno ou estará condenado a desaparecer?”, e responde-
se a essa pergunta, ou pelo menos à primeira parte da pergunta, ficando a resposta
à segunda parte a cabo da interpretação do leitor. Na resposta, usam-se
argumentos vários e recorre-se a autoridades na matéria para corroborar a posição
defendida pelo autor do texto.

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Filosofia | 10.º ano | Ensino Secundário | Adília Maia Gaspar e António Manzarra

Proposta de exploração
Uma vez lido o texto, identificada a sua estrutura e esclarecidas dúvidas, propõe-se
aos alunos que trabalhem o texto, procurando responder aos quesitos colocados à
esquerda no quadro, o que equivale a reorganizar a informação para melhor
compreender o texto.

O amor romântico tem uma história


Perguntas 1.

formuladas 2.
3.

Pergunta a que se
responde
diretamente

Resposta dada

Características dos
casamentos antes do
amor romântico

Fatores económicos
na origem do amor
romântico

Fatores sociais na
origem do amor
romântico

Características
psicológicas e valores
reapreciados na nova
ordem

Função social do
amor romântico

Oficina de escrita
Depois de preenchido o quadro, o aluno deve responder, justificando:
 Quais são as características do casamento romântico?

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Filosofia | 10.º ano | Ensino Secundário | Adília Maia Gaspar e António Manzarra

Quadro preenchido

O amor romântico tem uma história

Perguntas 1. Será o amor romântico eterno?

formuladas 2. Estará condenado a desaparecer?


3. Se desaparecer, quais serão as consequências?

Pergunta a que se
responde Será o amor romântico eterno?
diretamente

Não; “o amor romântico tem um passado e existe num contexto


Resposta dada
particular.”

Características dos  Casamentos de conveniência nos quais a atração erótica não


casamentos antes do era considerada
amor romântico  A união era mantida pelas obrigações de grupo

Fatores económicos
 Industrialização
na origem do amor
 Capitalismo nascente
romântico

Fatores sociais na
origem do amor Desintegração da velha ordem social
romântico

Características
psicológicas e valores  Individualismo
reapreciados na nova  Valorização da intimidade e da escolha pessoal
ordem

Função social do Uma “ajuda funcional necessária à integração num mundo


amor romântico moderno fragmentado.”

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