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Agrupamento de Escolas Sá da Bandeira – 170562

Escola Secundária de Sá da Bandeira

Português – 11º ano


Eça de Queirós – Os Maias

A Linguagem da obra
“Não me falta o processo: tenho-o superior a Balzac, Zola e tutti quanti.”
Eça de Queirós

A linguagem do romance ilustra o quanto a linguagem literária de Eça foi profundamente inovadora para a
literatura portuguesa, tanto pelo impressionismo das descrições como pelo realismo dos diálogos.
Com efeito, Eça de Queirós, através da narração, da descrição, do diálogo e do monólogo, apropria-se da
linguagem de forma inovadora, atribuindo-lhe novos valores estéticos e literários. A narração ganha maleabilidade
pela necessidade de relatar objetivamente os acontecimentos, como convinha à estética realista; o diálogo enche-
-se de força coloquial; a descrição minuciosa, frequentemente sensorial, serve os propósitos do Realismo que se
afirma pelo rigor da observação e pela análise dos acontecimentos sociais; o monólogo ajuda a perscrutar o mundo
interior das personagens; o comentário permite a intervenção de um narrador que, ora adotando uma focalização
omnisciente ora uma focalização interna, tudo observa com um olhar crítico e contundente.
Para além destes modos de representação e de expressão, vejamos, ainda, os principais recursos literários
característicos da prosa queirosiana:

 Personificação1 - "(...) com um céu triste de trovoada”, p. 300; "(...) a curta paisagem do Ramalhete, (...)
tomavam naquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste:", p. 710.
 Hipálage2 - “(...) as silenciosas tapeçarias da antecâmara.’’, p. 307; "Os passos do desgraçado perderam-se enfim
no corredor, pesados e sucumbidos.’’, p. 556.
 Adjetivação - o uso do adjetivo aparece de forma abundante, em associações duplas e triplas - “um recitativo
lento e babujado:”, p. 76; "peles (...) murchas, gastas, moles,”, p. 316; "E outros ainda, mortos, sumidos,
afundados no lodo de Paris!’’, p. 696; “(...) arrasta os seus derradeiros dias, caquética e caturra, a velha Lisboa
fidalga!”, p. 704.
O adjetivo aparece também associado a outras categorias morfológicas, como o advérbio - “(...) luvas claras
fortemente pespontadas de negro.”, p. 702; “(...) um rapaz muito louro (...) languidamente recostado.”, p. 704.
O adjetivo associa-se a outros recursos estilísticos, como por exemplo à animização - “cidade preguiçosa", p.
103; à hipálage - "silenciosas tapeçarias ”, p. 307; à ironia - "(...) prosseguiu o Sr. Sousa Neto,- (...) cheio de
curiosidade inteligente", p. 399; à sinestesia - “Fora um dia de inverno suave e luminoso,", p. 157 e “luz macia",
p. 103 (associação de dois tipos de sensação, visual e tátil).
A repetição do adjetivo cria uma intencionalidade expressiva - “(...) uma esplêndida mulher, com uma esplêndida
cadelinha griffon, e servida por um esplêndido preto!”, p. 157.
 Emprego do advérbio - categoria morfológica que imprime valores inusitados à narração e à descrição - "(...)
estais ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro!”, p. 152; “apelava
desesperadamente”, p. 555; “Depois, serenamente, fez a última declaração", p. 555; "(...) corria o prantozinho
da cascata, esfiado saudosamente,", p. 710.
 Ironia3 - uma das originalidades de Eça usada para evidenciar os aspetos risíveis e reveladores das incoerências
das personagens ou dos factos. Assim, o narrador anula a objetividade que caracteriza o romance realista,
assumindo uma perspetiva crítica e subjetiva, revelando simultaneamente uma posição de superioridade e
Personificação - figura de estilo que consiste na atribuição de características humanas a tudo o que não seja humano.
2 Hipálage - figura de estilo que consiste em atribuir, ao ser ou coisa designados por uma palavra, uma qualidade (ou ação) que logicamente pertence a outro ser ou
coisa expressos (ou subentendidos) na mesma frase.
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Ironia - figura de estilo por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender para criar ou ressaltar certos efeitos humorísticos.
distanciamento -"Ega foi generoso.", p. 556, referindo-se à atitude de Ega em relação a Dâmaso, que em nada
tinha sido "generosa”, pois tinha-o obrigado a admitir e a escrever que era bêbedo, “por um hábito hereditário”
da família; "O 'Reverendo Bonifácio’ [nome do gato de Afonso da Maia], que desde que se tomara dignitário da
Igreja comia com os senhores (...)", p. 101.
 Comparação - “(...) ouviu-se, como um gluglu grosso de peru, a voz da baronesa (...)”, p. 320; "(...) o cipreste e o
cedro envelheciam juntos, como dois amigos num ermo;”, p. 710. - duas realidades diferentes são comparadas.
 Metáfora - “um canteirinho de camélias meladas”, identificando as senhoras que assistiam às corridas no
hipódromo; “(...) uma chuva de ouro caiu por baixo,", referindo-se às faúlhas das brasas, p. 115.
 Emprego do Diminutivo - utilizado frequentemente com uma intencionalidade irónica - “(...) o morgadinho, o
Eusebiozinho, (...) de perninhas bambas, (...) com a linguazinha de fora.", pp. 68 a 69; “(...) as duas irmãs do
Taveira, magrinhas, loirinhas, ambas corretamente vestidas de xadrezinho:”, p. 316.
 Sinestesia4 - "E por toda a parte o luminoso ar de abril punha a doçura do seu veludo.” p. 232 - mistura de
sensações visuais e táteis.
 Presença de estrangeirismos - é uma espécie de “dedo apontado” à sociedade burguesa que importa os
modelos estrangeiros, de forma pouco criteriosa e pouco adaptada à realidade nacional; vocábulos como
“poule", "distinguée”, “adresse”, “chic”, “sportman”, “cache-nez”, “coupé”, “ulster”, entre muitos outros,
ilustram um certo novo-riquismo linguístico.
 Criação de neologismos - “Terça-feira vou-te buscar ao Ramalhete, e vamo-nos gouvarinhar.", p. 135; “Então
quando nos gouvarinhamos?", p. 141; e "(...) uma pouca de água, (...) se esverdinhava sob a sombra daquela
ramaria profusa.”, p. 233.
 O discurso indireto livre5 - “Tinha-se excedido... Fora o seu desgraçado génio, esse calor de sangue, que durante
toda a existência só lhe trouxera lágrimas!”, p. 175; “Queria pois o amigo Dâmaso um conselho? Era assinar uma
carta afirmando que tudo o que fizera publicar na Corneta sobre o Sr. Carlos da Maia e certa senhora, fora
invenção falsa e gratuita.” - p. 556.
 O uso do gerúndio - “(...) uma luz macia, escorregando docemente do azul-ferrete,”, p. 103; “(...) na Havanesa,
fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.”, p. 697; “Era o Dâmaso. (...) mamando um
grande charuto, e pasmaceando (...)”, p. 697.

O subtítulo da sua obra A Relíquia - "Sobre a nudez forte da verdade - o manto diáfano da fantasia” - sintetiza
todo o trabalho literário de Eça: a conjugação entre a visão objetiva e realista do mundo - “nudez forte da verdade”
- e a subjetividade inerente à elaboração estética da linguagem - “manto diáfano da fantasia”.

Apesar do seu incomparável estilo literário, o próprio Eça admitiu que lhe faltava força, tendo, porém, "limpidez,
fibra, transparência, precisão, claridade”.

Os Maias, Eça de Queirós, Coleção Resumos, Ideias de Ler, pp. 57-59

4
Sinestesia - figura de estilo que consiste na conjugação, mistura de sensações de tipo diferente.
5
Discurso indireto livre (inovação realista) - conserva as mudanças próprias do discurso indireto -presença da terceira pessoa e dos tempos verbais da
narração mas apresenta também características do discurso direto - exclamações, interrogações, reticências, deíticos. O narrador reproduz, assim, as falas
das personagens na sua própria linguagem, tratando-se, por isso, de um discurso híbrido, onde a voz da personagem penetra a estrutura formal do discurso
do narrador, como se ambos falassem em uníssono, fazendo emergir uma voz “dual”.

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