Milena – Lu Linda – Lais Marcia – Fernanda Donato Enfermeira – Nathalia Roque Doutora – Fernanda Seixas Narrador - Linda chega ao trabalho, cansada, atrasada, em plena segunda- feira. Senta-se em seu lugar, procura alguns papéis para iniciar o dia. Linda fazia jus ao nome, era uma mulher linda, tinha lá seus 39 anos, 2 filhos (Enzo e Luiza) e um casamento pra lá de tradicional, sabe como é? A mulher faz tudo e ainda tem fogo para “cuidar do maridão” antes de dormir. Ou não, né? Milena - Oi Linda, bom dia, né? Linda - Ah, oi meu amor, tudo bem com você? (Linda está apressada, chegou atrasada e tem muito trabalho pela frente). Milena - Estou bem e essas olheiras menina, está tudo bem? (Milena senta- se ao lado de Linda) Linda - Acordei hoje antes do Sol, sabe como é, preparar café para o marido ir trabalhar, arrumar as crianças para a escola. Milena – Ah, mas isso é comum né? Toda mulher faz isso, ou fez um dia (cochichando), olha lá a Márcia, com aquela idade toda, acho que nem prepara mais o café para o “maridão” (Sarcástica ao extremo). Linda – Menina, não é fácil correr atrás do porco do Enzo! (faz como se estivesse correndo atrás do filho para colocá-lo no banho) Ah! Mas aquele puxou o pai, não sei como tem tanta energia logo cedo! Milena – Como assim? Linda – Moleque liso, menina, você não acredita como é ter que correr atrás de uma criança todos os dias de manhã para que ele tome banho! Milena – Espero continuar assim, essa molecada de hoje em dia é zica do pântano. Eu vejo pelos meus sobrinhos. Linda – Depois ainda de colocar aquele pestinha no banho. Ainda tenho que deixar almoço pronto porque naquela casa ninguém come se não colocar na boca! É mãe pra lá! Mãe pra cá! Mozão pra lá! Mozão pra cá! E eu que me foda! Milena – Calma bebê. Linda – Calma o cacete! As vezes eu acho que venho trabalhar para ficar em paz um pouco. Na pressa ainda, coloquei um sapato de cada tipo! Milena – Isso acontece, mas nunca vi um lado com salto e o outro com rasteirinha. (olhando aquilo e gargalhando) Como você conseguiu andar até aqui? Assim, não notou que um era mais alto que o outro? Linda – Ai! Achei que tinha uma pedra na sola, já estava pronta pra jogar fora! (tirando os sapatos e jogando embaixo da mesa) Ontem acabei indo dormir tarde, a criançada deu trabalho para ir pra cama e o maridão estava cansado demais para ajudar, coitado (ironia), acordou cedo para trabalhar ontem. Milena – Nossa, te deixou na mão? Linda – Ah! Mas eu me vinguei! Veio todo pomposo querendo amorzinho no meio da noite. Fingi que estava dormindo e quem ficou na mão foi ele! Milena – Calma amiga, você precisa tirar um tempo para você. Leva as crianças para os avós, eles passam um fim de semana lá com eles, você tira um tempo para você, para o maridão... um jantarzinho para vocês, vai no salão, retoca essa cor no cabelo, faz as unhas, um SPA também é interessante, tirar uns dias de folga. Fala com o RH, as vezes pode ser uma coisa legal. Linda – Olha, tanto trabalho pra fazer essa molecada dormir, imagina uma viagem de 4 horas? Capaz de pegar a estrada eu mesma e largar todo mundo aqui. Estou tão de saco cheio dessa vida que tenho levado, mas ao mesmo tempo é tanta cobrança, conta, horários e mais horários e o bonitão lá não ajuda em nada, está sempre cansado (irônica). (Entra a gerente) Marcia - Olá meninas, como vão? Milena - Olá Senhora Marcia, a Linda está contando como é a vida de casada, cansada pra caramba. (Milena acusa) Linda - Shhhh... não faz isso! (Linda ser saber onde enfiar a cara) Marcia – Ah, vida de casada é uma bosta né? Ainda bem que o meu já partiu dessa pra melhor, filhos criados e aquela cama é só minha e do Tarapaca! Milena e Linda – (Juntas) quem?! Marcia – Tarapaca! Milena – (cochichando entre elas) Essa mulher é meio maluca né? De onde ela tirou isso? Linda – Não sei e nem quero saber. Milena – Eu nunca vi alguém chamar o consolo (fazendo o gesto com as mãos) com um nome tão estranho desse. Linda – (rindo discretamente) Ai Mi... para com isso! Milena – Eu vou perguntar o que é isso aí! Linda – (boquiaberta) Você é maluca! (rindo) Milena – Dona Marcia, o que é isso daí que você falou? Esse tal de Tacataca. Marcia – TA RA PA CA! É a marca de um vinho delicioso! Milena – Ah! Ufa... Marcia – O que mais poderia ser? Milena – Ah, não sei né? (narradores fazem o sinal do consolo com as mãos) Marcia – Hum... Sem problemas. Linda, precisamos conversar. Venha até a minha mesa em 10 minutos, pode ser? Linda – Claro Dona Marcia. (Marcia se retira) Milena – (olhando meio que vigiando se Dona Marcia está por perto) O que será que ela quer com você? Linda – Não sei, alias, acho que sei, deve ser sobre as minhas férias. Já estou no meu quinto ano vendendo minhas férias. Mas fazer o que né? Preciso ajudar a pagar a construção da casa. Faltam só 6 meses, com as férias acho que dá pra quitar metade. (Na mesa com Dona Marcia) Marcia – Sente-se Linda. Linda – As vezes, estou meio cansada, com olheiras, cabelo desarrumado. Já fui melhorzinha. Marcia – Ham? Linda – Foi uma piada, sente-se, entendeu? Marcia – Ah. Linda – (sentando-se) Você vai falar das minhas férias né? Marcia – Sim, você não pode vender de novo suas férias, eu quero você viva aqui. Tenho notado que está passando por alguns problemas, hoje por exemplo, veio com sapatos trocados (rindo). Ontem você fez todos os pagamentos do mês passado novamente porque esqueceu que tinha feito. Não tem problema, estornar tudo não foi o problema. Linda – Me desculpe. Estou passando por tantas coisas em casa também, as vezes acho que poderia morar aqui na empresa. Marcia – Nem pense nisso. (sorrindo) Você é a melhor funcionária na sua área, você está aqui já tem um bom tempo, né? Chegou estagiária, se firmou e hoje é líder do contas a pagar. Não queremos perder você, tudo bem? É necessário se cuidar, ter um tempo para você. Ir ao médico periodicamente cuidar da saúde física e mental, sabe? Linda – Eu sei disso tudo Dona Márcia, eu preciso que compreenda, não existe tempo em minha vida para esses cuidados, rezo todos os dias para estar bem e por fim, tenho algumas contas atrasadas que precisam ser pagas e vou conseguir pagar se vender as férias de novo. Prometo, é o último ano que faço isso, pode ser? Marcia – (concordando) Tudo bem, mas será o último ano, e já prepare a viagem para onde quiser, ano que vem você vai viajar e deixar o maridão em casa. (rindo, as duas) (De volta a mesa) Linda – (Explicando) E foi assim, ela disse que será o último ano que eu vendo minhas férias. Ano que vem, vou viajar. Milena - Mas Linda, assim você vai partir dessa pra melhor. Mais um ano sem descanso. Por favor, você precisa se cuidar. Linda - Preciso, eu sei. Mas não será agora. Milena - Vem cá, vamos tomar um café. Linda – Vamos, mas rapidinho porque preciso correr com essas notas. (Entra Narrador enquanto Milena e Linda ficam em plano secundário, tomando um café) Narrador - Dentre tantos problemas, Linda ainda ficara no escritório finalizando o trabalho do dia e quase todos os dias a mesma coisa. Cuidar da casa, cuidar dos filhos cuidar do marido. Lavar roupa. Cozinhar. Lavar louça. O trabalho a consumia e a vida que levava, mais ainda. Fim do expediente, todos vão saindo. Milena – Tchau meu amor. Não vai sair daqui muito tarde hein? (Toca o telefone) Narrador – Linda atende o telefone, é o Carlos, seu marido, eles conversam. Linda – Oi meu amor. O que? Você comprou uma lingerie nova pra mim? Nossa meu bebe (fazendo cara de merda), não precisava, sério, claro, assim que eu chegar em casa a gente deita juntinho pra ver um filme e eu coloco. Vocês se viraram com o jantar? O que? Pizza? Mas não é saudável para as crianças meu amor. Ah. Escarola (voz sem sal), sim, saudável, as crianças devem ter amado. Tudo bem, preciso desligar também, senão não acabo nada aqui. Ah, sim, falei com a Dona Marcia, vou vender as férias de novo. Ah bebe, preciso vender, eu sei, férias, garanto que você não é o único que disse isso. Ok, Beijo. Também amo você. (Luzes se apagam. Linda fica na cena, na penumbra, digitando notas fiscais no computador). (Linda continua um tempo ainda digitando as notas, para enfatizar, A cada nota digitada, um papel é jogado para trás). (Linda sai da cena) (Narradores entram) Narrador – 8 meses se passam. Em pleno pico do dia na empresa, Linda está debruçada em sua mesa quando Marcia a cutuca, afim de acordá-la. Marcia – Linda, Linda... A Linda está dormindo? (Assustada) Milena – Nossa, como assim? O que está acontecendo? Linda! (Aflita) Linda – Ah, oi? O que houve? NOSSA, eu peguei no sono! Me perdoem! (Voz sonolenta, cansada) Marcia – Linda, vá para casa, tire o dia para descansar, aliás, tire a semana, não irei descontar nada do seu banco de horas ou salário, ninguém vai ficar sabendo. Por favor, você é uma pessoa que faz tudo muito bem, mas não posso permitir que trabalhe assim. É melhor você descansar. (Conclusiva) Narrador – (A cena acontece atrás do narrador, sem som) Linda se levanta, mas tem um mal súbito e desmaia novamente. (corta a cena para Linda deitada em uma maca). Enfermeira – (Doutora chega em seguida e acompanha) Pulso? Ok, mas caindo. Massagem cardíaca? Não, ainda. Estabilizando Doutora. Ela teve um mal súbito, desmaio. Pressão baixa. Doutora – Tire sangue para exames quando estabilizar. (saindo de cena) Enfermeira – Certo. (Fecha a cena) Narrador – (Linda sai da maca e senta-se em uma cadeira) Desta vez todos viram o ocorrido, ainda bem que estavam em volta e ela foi socorrida a tempo. (Corta a cena para Linda, sentada em uma cadeira, foco em Linda, tudo se apaga e o foco continua apenas em Linda.) Narrador – (Tomando a frente do palco) No médico, vários exames foram feitos, e de certa forma as notícias não eram nada boas, nos papéis do check-up, tudo em ordem, vias vasculares, aéreas... stress lá em cima, no limite. Mas algo mais não estava certo... (Sai narrador) Linda – (Todas as mãos se entrelaçam em volta de Linda, como se a corroessem por dentro) Câncer de mama? Não pode ser. Eu devia ter me cuidado melhor. (As luzes se apagam devagar até o blackout). (cai o pano)