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[…] A ordem “seja homem”, tão frequentemente ouvida, implica que isso não
é tão evidente e que a virilidade não é, talvez, tão natural quanto se
pretende. […] a posse de um cromossomo Y ou de órgãos sexuais
masculinos não basta para definir o macho humano. Ser homem implica um
trabalho, um esforço que não parece ser exigido das mulheres. […]
(BADINTER, 1993, p. 03).
“[…] O próprio homem e aqueles que o cercam têm tão pouca confiança na sua
identidade sexual que lhe exigem provas de sua virilidade. ‘Prove que você é
homem’ é o desafio que o ser masculino enfrenta permanentemente. [...]”
(BADINTER, 1993, p. 04),
[…] São os teóricos das ciências humanas nos Estados Unidos que
inauguram esse, questionamento sobre o papel masculino ideal, fonte de
alienação para os homens e de desentendimento com as mulheres. A
década de 1970, que vê nascer os primeiros trabalhos científicos sobre a
masculinidade, tem o tom da paixão que sempre acompanha as denúncias.
Há uma espécie de alegria excessiva em questionar a norma e mostrar
todas as contradições a que ela submete o macho humano. Mas ao prazer
da denúncia e da destruição do modelo sucedeu, nos anos 80, um período
de incerteza carregada de angústia. Mais do que nunca o homem é um
problema a ser resolvido, e não algo dado. […] aquilo que constitui a sua
essência, a virilidade, tem sua unidade questionada. […] (BADINTER, 1993,
p. 05).
“[…] Durante muito tempo, era lugar comum pensar que as mulheres tinham os
mesmos órgãos genitais que os homens, com a única diferença de que, os dela
ficavam no interior do corpo e não no exterior. […]” (BADINTER, 1993, p. 08).
“[…] O preciosismo francês teve seu apogeu entre 1650 e 1660. Nasceu como
reação à grosseria, dos homens da corte de Henrique IV e dos da Fronda 1 É a
primeira expressão do feminismo na França e na vizinha Grã-Bretanha. [...]”.
(BADINTER, 1993, p. 12).
“[…] O ‘novo homem’ da Restauração inglesa surge como um invertido, tão fútil,
mesquinho e encantador quanto uma mulher. Tern-se compaixão das mulheres por
serem abandonadas pelos hornens, e culpa-se a urbanização galopante. [...]”
(BADINTER, 1993, p. 14).
1 “A Fronda foi uma sublevação contra impostos determinados pelo governo do cardeal Mazarin,
durante a minoridade de Luís XIV. Ela se estendeu de Paris às províncias entre 1648 e 1652, mas
fracassou.” (BADINTER, 1993, p. 12)
Na França, a feminização dos costumes e dos homens não provocou as
mesmas reações. O Século das Luzes representa um primeiro corte na
história da virilidade. É o período mais feminista da história francesa, antes,
da época contemporânea. Por um lado, os valores viris se esmaecem, ou
pelo, menos não são mais ostentados. A guerra não tem mais a importância
e o status de outrora. A caça torna-se uma distração. Os jovens fidalgos
passam mais tempo no salão ou na alcova das mulheres do que
exercitando-se nos quartéis. Por outro lado, os valores femininos se impõem
no mundo da aristocracia e da alta burguesia. A delicadeza das palavras e
das atitudes suplanta as marcas tradicionais da virilidade. Pode-se dizer
que, nas classes dominantes, o unissexismo derrota o dualismo oposicional
que habitualmente caracteriza patriarcado. (BADINTER, 1993, p. 14, grifo
da autora).
[…] Fora do lar, as mulheres são perigosas para a ordem pública. São
exortadas a não se misturar com os homens e lhes é proibida a mais
insignificante função extradoméstica ou extramaternal. Reforçado pelo
Código Napoleônico e ratificado pela ideologia do século XIX, o dualismo
oposicional perdurou por mais de cem anos, até o aparecimento de uma
nova crise da masculinidade, mais extensa e mais profunda que a
precedente. (BADINTER, 1993, p. 15).
“Essa crise concerne tanto à Europa como aos Estados Unidos da América. Todos
esses países atravessam perturbações econômicas e sociais semelhantes,
decorrentes das novas exigências da industrialização e da democracia. […]”.
(BADINTER, 1993, p. 15).
“[…] De alto a baixo na escala social, eles se sentem ameaçados em sua identidade
por essa nova criatura que quer agir como eles, ser como eles, a ponto de se
perguntarem se não serão obrigados a ‘desempenhar tarefas femininas, ou até
mesmo – horror supremo – a ser mulheres’!”. (BADINTER, 1993, p. 16).
“[…] Como observa Annelise Maugue com exatidão, os homens têm medo. [...]”.
(BADINTER, 1993, p. 16).
A angústia dos homens diante da nova Eva tem outras fontes que a
confortam. Cada vez mais numerosos nas fábricas e em tarefas mecânicas
e repetitivas, ou na administração de rotinas monôtonas, os homens não
mais encontram no trabalho o que possa realçar suas qualidades
tradicionais. Nem força, nem iniciativa, nem imaginação são mais
necessárias para se ganhar a vida. […] (BADINTER, 1993, p. 16).
Sob esse termo devem incluir-se todos os que pensam que a irredutível
diferença entre os sexos é a última ratio de seus respectivos destinos e de
suas relações mútuas. É a biologia que define, em última instância, a
essência do masculino e do feminino. […] eles pensam que nossos
comportamentos são ditados pela evolução e a necessidade de adaptação.
(BADINTER, 1993, p. 23, grifos da autora).
A seu ver, a masculinidade não é uma essência, mas uma ideologia que
tende a justificar a dominação masculina. Suas formas mudam (que há em
comum entre o guerreiro da Idade Média e o sustentáculo da família da
década de 1960?) e só subsistiu o poder do homem sobre a mulher.
(BADINTER, 1993, p. 27).
“Já faz quase meio século que a antropóloga norte-americana Margaret Mead abriu
caminho à idéia da multiplicidade das masculinidades. [...]”. (BADINTER, 1993, p.
28).
[…] Que acontece com o mito da agressividade natural dos homens quando
nos debruçamos sobre a pequena sociedade Semai da Malásia central, uma
das populações mais pacíficas do mundo? Não se pode deixar de colocar a
questão da “natureza” e da origem da masculinidade. […]. (BADINTER,
1993, p. 28).
“A partir dos trabalhos de Erik Erikson 8, sabemos que a aquisição de uma identidade
(social ou psicológica) é um processo extremamente complexo, que comporta uma
relação positiva de inclusão e uma relação negativa de exclusão. [...]” (BADINTER,
1993, p. 33).
5 KESSLER & MCKENNA, 1978 e DEVOR, 1989 citadas por BADINTER, 1993, p, 29.
6 BUTLER, 1990 citada por BADINTER, 1993, p. 29.
7 YUDKIN, 1978 citada por BADINTER, 1993, p. 29.
8 ERIKSON, 1950 e 1959 reed. em 1980 citado por BADINTER, 1993, p. 33.
9 FREUD, 1986 citado por BADINTER, 1993, p. 33.
“Depois que foram salientadas as dificuldades da identidade masculina, ninguém
mais sustenta que o homem é o sexo forte. Ao contrário, ele é definido como o sexo
fraco, portador de numerosas fragilidades, físicas e psíquicas. [...]”. BADINTER,
1993, p. 35).
Tudo isso faz pensar que há limites para o modelo alternativo “macho ou
fêmea”. Além da semelhança anatômica entre os embriões até a sexta
semana e do fato de homem e mulher terem em comum os mesmos
hormônios sexuais — só variando as quantidades —, as anomalias
genéticas produzem indivíduos nos quais o sexo e o gênero são muito
difíceis de definir. Essas ambivalências ou ambiguidades dão margem a
todas as interpretações. […]. (BADINTER, 1993, p. 40).
“O olhar destes [dos pais] e a convicção que têm quanto ao sexo de seu filho são
determinantes para o desenvolvimento da sua identidade sexual. Este é mesmo o
fator mais importante [...]”. (BADINTER, 1993, p. 40).
“[…] Em caso de anomalia, qual dos quatro sexos (genético, gonádico, corporal ou
psíquico) define, com prioridade, a pessoa humana? Atualmente, reina a maior
confusão. [...]”. (BADINTER, 1993, p. 43).
“Não basta ser XY e ter um pênis funcional para sentir-se homem. [...] para a imensa
maioria, a primeira etapa fundamental da diferenciação masculina começa com XY e
conclui com o olhar dos pais. [...]”. (BADINTER, 1993, p. 43).
“[…] Esta luta, inteiramente biológica, é pouco quando comparada à luta que o
menino vai ter de travar durante muito tempo para tornar-se um homem.
(BADINTER, 1993, p. 43).
“[...] Fêmeo na origem, ele é advertido a deixar sua primeira pátria para adotar outra,
oposta, ou mesmo inimiga. Este arrancamento que lhe é imposto é também
intensamente desejado...”. (BADINTER, 1993, p. 45).
“[…] A justa medida do amor materno é ainda mais crucial quando se dirige ao filho.
Amor demais o impediria de tornar-se um homem; de menos, pode fazê-lo ficar
doente.” (BADINTER, 1993, p. 46).
“[…] Mas quando o amor materno é extremamente poderoso e gratificante, por que a
criança haveria de sair desta díade deliciosa? Em troca, se este amor total não foi
recíproco, a criança passará o resto da vida a procurá-lo na dor.” (BADINTER, 1993,
p. 47).
“[…] ‘Quanto mais a mãe prolonga esta simbiose relativamente normal nas primeiras
semanas ou nos primeiros meses , maior o risco de que a feminidade se infiltre no
núcleo de identidade do gênero.’ [...]”. (STOLLER, 1973 citado por BADINTER, 1993,
p. 48.).
“[…] O fato de que as mulheres transformaram de modo radical seu modo de vida
fez com que a simbiose com seus filhos se encurtasse singularmente. [...]”.
(BADINTER, 1993, p. 51).
“O homem viril encarna a atividade. Mas essa atividade, na verdade, nada mais é do
que uma reação contra a passividade e a impotência do recém-nascido. […]”.
(BADINTER, 1993, p. 56).
“[…] Os mais frágeis, os mais sofridos também, não podem manter sua
masculinidade e lutar contra o desejo nostálgico do ventre materno, a não ser por
meio do ódio ao sexo feminino. […].” (BADINTER, 1993, p. 57).
“Este protesto é dirigido primeiro à mãe. Ele está presente em três proposições: Eu
não sou ela. Eu não sou como ela. Eu sou contra ela.” (BADINTER, 1993, p. 58).
[…] O homem adulto desconfiaria das mulheres por lembrar-se da mãe que
teria traído seu amor, abandonando-o pouco a pouco ao mundo dos
homens. Mas há uma outra espécie de traição que está presente como uma
filigrana na obra de Roth: a traição da mãe pelo filho. Nisto está, para ele, o
verdadeiro escândalo, muito maior que o falocentrismo do macho: 22 Não se
pode ser homem sem trair a mãe, “cortar os laços de amor da infância” 23. A
virilidade, diz Roth, é “‘dizer não à mãe para poder dizer não às outras
mulheres”. […]. (BADINTER, 1993, p. 59).
21 CHASSEGUET-SMIRGEL, 1984 citado por BADINTER, 1993, p. 59.
22 ROTH, 1989 citado por BADINTER, 1993, p. 59.
23 ROTH, 1974 citado por BADINTER, 1993, p. 59.
Na verdade, passado o momento oportuno, a ruptura com a mãe é
impossível sem ajuda terapêutica. Mesmo assim, a simbiose prolongada
deixa pesadas seqüelas [sic]. Os insucessos na separação provocam as
mais sérias desordens. Da homossexualidade à psicose […], passando por
múltiplas perturbações de identificação e de comportamento: “masculinidade
hegemônica”24, desprezo pelas mulheres, agressividade não canalizada,
“desejo do pai”25 etc. (BADINTER, 1993, p. 62).
“Em todas as sociedades humanas, sempre chega o dia em que meninos e meninas
se separam para formar grupos do mesmo sexo. [...]”. (BADINTER, 1993, p. 63).
“A teoria do instinto materno postula que a mãe é a única capaz de cuidar do recém-
nascido e da criança porque foi determinada biologicamente para isso. O par
mãe/criança formaria uma unidade ideal que ninguém pode nem deve perturbar.
[...]”. (BADINTER, 1993, p. 65).
“[…] legitima-se a exclusão do pai e com isto reforça-se a simbiose mãe/filho. [...]”.
(BADINTER, 1993, p. 65).
“[…] Em geral, para a maioria dos psicanalistas clássicos, o pai não pode nem deve
tomar o lugar da mãe, nem mesmo para compartilhar os cuidados maternos. [...]”.
(BADINTER, 1993, p. 66).
[…] “Sobretudo que os pais saibam que não é pelo contato físico, mas pela
palavra, que podem se fazer amar e respeitar com afeição por seus filhos.” 29
Como explicar melhor que é desaconselhado aos pais acalentar e mimar o
bebê, sob pena de perderem seu status equilibrador para a criança? O amor
paterno teria de específico o fato de que só pode se exprimir a distância.
[…]. (BADINTER, 1993, p. 66, grifo da autora).
[…] Tendo sido sempre postulado que a mãe era dotada de um instinto
admirável, pensava-se que ela saberia modulá-lo para dar a cada etapa do
desenvolvimento da criança a “dose” de amor necessária. Chegado o
momento, ela deveria encorajar seu filho pequeno a sair da simbiose e
desligar-se dela. […]. (BADINTER, 1993, p. 66).
[…] A boa maternidade é uma missão quase impossível, que prova — como
se ainda houvesse necessidade — que não há instinto nesses assuntos.
[…] Nem próxima demais, nem distante demais, a boa mãe preserva a paz
interior de suas crianças e em particular de seu filho. Para este, “a boa
distância” de sua mãe condiciona seu sentimento de identidade masculina e
suas relações ulteriores com as mulheres. (BADINTER, 1993, p. 67).
“Quanto mais as mães pesam sobre seus filhos, mais estes temerão as mulheres,
fugirão delas ou irão oprimi-Ias. […]”. (BADINTER, 1993, p. 68).