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1. Introdução
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Esse texto é uma versão alterada de duas apresentações feitas no I Encontro Paranaense de Fundações
Privadas (Curitiba, outubro de 1997) e nas Faculdades Osvaldo Cruz (São Paulo, novembro de 1997).
Agradeço aos Profs. Sérgio Goldbaum, Sérgio Ishikawa, Patrícia de Souza, Frederico Turolla - meus
colegas na Fundação Getulio Vargas e Universidade Mackenzie - e, em especial, ao Prof. Luiz Carlos
Merege - meu orientador acadêmico - pelos comentários feitos a uma versão preliminar desse trabalho. Os
erros e imperfeições remanescentes são de minha exclusiva responsabilidade.
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O autor é bacharel em Administração de Empresas e mestrando em Economia pela Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). É colaborador do
Centro de Estudos do Terceiro Setor (CETS) dessa mesma instituição e professor de Economia na
Universidade Mackenzie, Universidade Paulista e Faculdades Prudente de Moraes.
O Terceiro Setor e a Economia Social 2
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denominação - terceiro setor, setor não lucrativo, setor independente etc. - ou mesmo as
pessoas não reconhecerem um suposto sentimento altruísta que as motivaria.
De fato não são questões fáceis de serem respondidas: o que motiva as pessoas a
agirem assim? Será altruísmo ou alguma forma de egoísmo derivada da satisfação alheia?
(Já dizia o músico Raul Seixas que “o auge do meu egoísmo é querer ajudar”.) O que são
essas entidades? Organismos sem fins lucrativos ou não-governamentais? Afinal o que é
o Terceiro Setor? Será possível colocar debaixo do mesmo guarda-chuva fundações,
sindicatos e terreiros de umbanda?
Os exemplos escolhidos servem muito bem para ilustrar a polêmica que existe a
respeito do que vem a ser Terceiro Setor. Apesar de não haver dúvidas quanto ao fato, no
caso das fundações pertencerem a essa categoria, o mesmo não podemos dizer das
organizações de classe e igrejas. Os sindicatos, por exemplo, por vezes são excluídos,
dependendo do autor, por serem organizações de caráter corporativo que atuam
diretamente no conflito capital-trabalho típico do setor privado da sociedade.
iceberg.
Outro problema sério a esse respeito é a ausência de dados sobre o Terceiro Setor
nas Contas Nacionais. Desde os anos 30, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, os
governos passaram a dar muita importância para o planejamento econômico e passaram a
utilizar de maneira crescente um dos instrumentos que fora desenvolvido pelos
economistas para orientar a ação estatal, que é justamente o Sistema de Contas Nacionais,
que ordena e sintetiza as informações coletadas sobre os diversos setores, permitindo uma
visão agregada dos fenômenos econômicos. Ocorre, no entanto, que, se procurarmos
dados na conta do Terceiro Setor nas Contas Nacionais brasileiras (e na quase totalidade
dos países do mundo), descobriremos que essa conta simplesmente não existe. Vamos
encontrar apenas alguns dados pertinentes ao Terceiro Setor sob a Conta de Serviços,
que, além de aumentar a confusão fazendo com que se misturem conceitos
completamente distintos de setor terciário e terceiro setor, vão ser apenas parciais.
4. A contribuição acadêmica
Vargas, que foi a primeira escola da América Latina a oferecer cursos de Administração
de Empresas e Administração Pública, também foi pioneira nesse campo no Brasil. Já em
setembro de 1994, a EAESP passou a ter um centro de estudos dedicado ao assunto - o
Centro de Estudos do Terceiro Setor (CETS) - e a oferecer, a partir de 1995, um curso
para administração de organizações não-lucrativas em bases regulares, por meio do
Programa de Educação Continuada (PEC).
Dimensões financeiras
A primeira tabela ilustra os volumes de despesas do setor não lucrativo que foram
encontradas nos sete países que mencionamos. Digna de nota é o respeitável volume
movimentado pelo setor não lucrativo nos EUA. Isso reflete três coisas: a tradição dessa
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Vide Salamon e Anheier (1994).
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sociedade em formar tais organizações - que vem de longa data e deve ter suas raízes na
forma de colonização norte-americana -, o profissionalismo de inúmeras delas -
encontramos fundações imensas com orçamentos bilionários e que só poderiam ser
gerenciadas por profissionais altamente qualificados - e, também, um volume de
informações estatísticas disponíveis muito bom.
Tabela 1
Despesas do setor não lucrativo
Tabela 2
Financiamento do setor não lucrativo - %
A Tabela 3 nos ajuda a explicar melhor essas diferenças porque vemos que as
organizações não lucrativas atuam de forma diferenciada nos diversos países. 2 As
entidades dedicadas à educação têm muita importância no Japão e no Reino Unido,
aquelas dedicadas à saúde são expressivas nos EUA e na Alemanha, e na Hungria se
destacam as dedicadas às artes e cultura.
Tabela 3
Composição do setor não lucrativo - %
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A categoria “negócios” inclui a parte de treinamento e assessoria técnica e a categoria “outros” inclui
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trabalham com saúde, serviço social e direito. O peso maior das firmas fica com as
organizações que trabalham com a área internacional e com filantropia. É desnecessário
dizer que essas cifras são razoavelmente diferentes para cada um dos sete países
pesquisados.
Tabela 4
Financiadores do setor não lucrativo nas diversas atividades - %
Pessoal empregado
O último aspecto importante a ser comentado no que tange aos dados sobre o
Terceiro Setor são as informações relativas à quantidade de pessoal empregado. Esse é
um aspecto que está chamando muito a atenção dos especialistas porque, ao contrário do
setor estatal e do setor privado, o Terceiro Setor não está dispensando mão-de-obra, ao
contrário, está absorvendo contingentes crescentes de trabalhadores.
A tabela a seguir nos indica quantas pessoas são empregadas pelo setor não
lucrativo nos países pesquisados (excluída a Hungria), comparando com o número de
empregos gerados pela maior empresa privada.
Tabela 5
Comparação entre empregados no setor não lucrativo e o maior empregador
privado dentre os países pesquisados
Essa redução dos postos de trabalho está deslocando uma importante parcela da
população para a economia informal. Isso afeta a sociedade de duas formas perversas: por
um lado, aumentando a demanda pelos serviços estatais e, por outro, reduzindo o número
de contribuintes para o financiamento de tais despesas. Aliás, esse foi um dos motivos
(existem outros) para a crise do Estado de Bem-Estar Social: foi relativamente fácil
garantir a proteção social quando as taxas de crescimento da economia mundial eram
elevadas (5% ao ano nos anos 60 e 3,6% nos anos 70) e o desemprego era baixo; hoje a
situação é bem diversa (a taxa de crescimento da economia mundial na primeira metade
dos anos 90 foi de apenas 2%).
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No mundo dos ricos todos são cidadãos e têm um emprego formal mas,
curiosamente, não têm acesso a saúde, educação, segurança etc. por pertencerem ao
Estado, mas porque pagam por tais serviços a organizações privadas, sejam elas
lucrativas ou não.
No mundo dos pobres (que também são cidadãos, mas cidadãos cada vez menos
iguais aos primeiros), o acesso a serviços públicos de qualidade, sejam eles privados ou
estatais, é cada dia mais difícil, ao mesmo tempo que esses cidadãos de segunda classe
estão se tornando cada vez mais desnecessários ao processo produtivo uma vez que, se
antes já não serviam como consumidores, agora já não servem nem mesmo como exército
industrial de reserva. São homens e mulheres que estão à margem da nossa sociedade,
que recentemente denominamos excluídos.
7. O caso brasileiro
Desigualdade
O regime militar nos deixou como legado uma sociedade mais rica, pelo menos
em termos econômicos, mas profundamente desigual: ao mesmo tempo que somos uma
das dez maiores economias do mundo pelo tamanho do nosso PIB, temos também uma
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A esse respeito, vide o trabalho de Landim (1993).
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Novos rumos
Isso nos leva a uma reflexão importante. A sociedade civil pode se organizar de
maneira eficiente e fornecer certos tipos de bens que as empresas privadas não têm
interesse em fornecer por serem bens públicos ou por não apresentarem perspectivas
lucrativas e que o Estado, por outro lado, se vê impossibilitado de fazer, seja por uma
restrição orçamentária, seja por uma incapacidade ou incompetência administrativa. Se
houver uma maneira de canalizar o potencial de tais organizações, poderemos ter uma
estrutura estatal mais flexível e, ao mesmo tempo, atender a um número maior e mais
diversificado de demandas sociais. Assim, por exemplo, o Estado poderia favorecer um
ensino básico confessional deixando-o a cargo de instituições religiosas que atenderiam
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aquela parcela da população que quer uma educação desse tipo; certamente essas pessoas
ficariam mais felizes com a alternativa do ensino confessional.
Existem, no entanto, muitas questões que precisam ser respondidas: como assegurar ao
contribuinte que o dinheiro público está sendo bem empregado sem sufocar essas
organizações com exigências burocráticas? Em que medida é justo atender a certas
demandas sociais específicas e deixar outras, mais amplas e genéricas desatendidas? Que
critérios utilizar? Os esforços de um variado número de especialistas (economistas,
administradores públicos e outros cientistas sociais) estão sendo direcionados para essa
área na tentativa de dar resposta a essas perguntas e a outros questionamentos que possam
ser feitos a respeito do Terceiro Setor.
Enfim, que tipo de sociedade temos por meta construir no século XXI? Que
legado nos foi deixado pelas gerações que nos precederam e que legado vamos deixar
para aquelas que hão de nos suceder? A dicotomia que existia, e que nós mesmos
criamos, entre mercado e Estado, parece estar sendo superada, não com a entrada em cena
de um terceiro ator, que sempre esteve lá,4 mas com o seu reconhecimento. Isso nos faz
pensar em um novo desenho para a sociedade.
Por motivos variados, o Estado está ocupando um espaço menor na vida das
pessoas. Ocorre, no entanto, que o mercado, deixado às suas próprias forças, não está
melhorando o bem-estar da sociedade como um todo, mas está tornando-a cada vez mais
desigual. Por esses motivos, mudanças sociais são necessárias, e o Terceiro Setor, a
sociedade civil organizada, deve se tornar um instrumento dessa mudança.
Com a crise das utopias, os projetos mais globais de mudança perderam espaço,
mas isso não significa que não existam mais pessoas com ideais e dispostas a lutar por
eles, muito pelo contrário, agora essas pessoas têm uma alternativa para atuar na
sociedade que é qualitativamente diferente da que tinham antes. Não precisam mais
aguardar a vitória do seu projeto de sociedade, podem começar a agir já, participando na
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O Terceiro Setor sempre existiu, como nos mostram diversas pesquisas, sendo, inclusive, anterior ao
Estado, fazendo até com que alguns autores, respeitando a ordem cronológica, o chamem de Primeiro Setor
em vez de Terceiro.
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sua comunidade. E as mudanças na sociedade não precisam mais começar pelo alto,
podem começar ali mesmo, na organização não-governamental ou na fundação em que
elas atuem.
9. Conclusão
10. Bibliografia
O Centro de Estudos do Terceiro Setor está aceitando contribuições acadêmicas para publicar.
Os trabalhos serão submetidos a uma comissão para sua aprovação.
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