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Doutor em Filosofia e Ciência da Educação; Professor Titular da Universidade de Sevilha, ES. E-mail: batanero@us.es
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Pós-Graduado em Educação Especial; Professor da Escola Secundária de Cascais, PT. E-mail: jfernandooliveira@sapo.pt
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 15, n. 57, p. 565-578, out./dez. 2007
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Mas, se os jovens em geral enfrentam Definiu-se como objetivo geral desta in-
estes problemas o que dizer de pessoas com vestigação o seguinte:
deficiência? Será que os processos ou meto-
dologias que formam e preparam estes jo- Conhecer as representações sobre a in-
vens para a transição se adaptaram e são tegração na vida activa de alunos trissômi-
atualmente adequados às mudanças impos- cos.
tas pelo contexto global? Qual o melhor dos
métodos de transição para a vida ativa? Para atingir o referido objetivo o traba-
Existirá um que se distinga conferindo as lho foi separado em duas partes:
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Parte I – Métodos de TVA: o contexto das Atendendo ao que foi dito, esta parte do
representações sociais trabalho pretende compreender as condições
Parte II – Representações sociais: o retrato do contexto escolar relativas aos processos
de TVA para melhor compreender as repre-
A parte I que agora se apresenta, justifi- sentações destes jovens.
ca-se relativamente às representações, pelos
princípios implícitos a estas teorias que se re- Metodología
ferem a seguir em termos muito genéricos:
Os objetivos relacionados com esta par-
te do trabalho foram os seguintes:
As Teorias das Representações Sociais,
apresentadas pela primeira vez por Mosco-
vici em 1961, são em termos muito gerais Objetivo principal
construções mentais sobre a realidade vivi- Identificar factores, como, por exemplo,
da pelo indivíduo. São, portanto, a sua tra- elementos pedagógicos fornecidos aos alu-
dução cognitiva da realidade processada e nos, competências desenvolvidas no proces-
transformada pelo seu intelecto (nesse pro- so formativo, envolvimento da família no pro-
cesso de construção estão envolvidas a cog- cesso formativo, meio geográfico de origem
nição, a afetividade, as influências culturais, (rural ou urbano) que podem intervir ou in-
etc.). Essas “representações estão presentes fluenciar os ideais e sonhos manifestados pe-
tanto ‘no mundo’ como ‘na mente’ [pelo que] los alunos.
devem ser pesquisadas em ambos os con-
textos” (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, Objetivos secundários
1998, p. 47).
• Identificar e listar os principais méto-
dos de transição para a vida activa
O estudo e conhecimento das repre-
utilizados nas escolas com alunos com
sentações, diferencia-se da Psicologia So-
deficiência;
cial mais individualizante, pois, além de
• identificar e listar os principais méto-
permitir conhecer os sujeitos do ponto de
vista de determinado tema, pode servir, dos de transição para a vida activa
também, para caracterizar um determina- utilizados com os jovens com trisso-
do grupo de indivíduos apesar das dife- mia 21 em formação;
renças entre eles. • identificar e listar os principais factores
necessários para uma boa integração
Para o conhecimento das representações profissional de pessoas com deficiên-
não se deve, conseqüentemente, esquecer cia (percepcionados pelos técnicos que
os factores que têm grande influência na trabalham em TVA).
escolha dos elementos que aparecem como • identificar e listar as principais dificul-
estruturadores da conceitualização das re- dades sentidas pelos professores do
presentações: factores culturais, modos de Apoio Educativo e/ou outros técnicos
vida, diversidade contextual. “Portanto, para na aplicação de métodos de TVA a
estudá-las, em primeiro lugar é indispensá- jovens com deficiência.
vel conhecer as condições de contexto em
que os indivíduos estão inseridos mediante A metodologia utilizada pode resu-
a realização de uma cuidadosa análise con- mir-se esquematicamente da forma que
textual” (FRANCO, 2004, p. 170). se segue:
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Elegeram-se como respondentes todos os sias urbanas (APU – Área Propriamente Ur-
técnicos que nas escolas são potenciais res- bana). Uma minoria pertence a freguesias
ponsáveis pela implementação de progra- mediamente urbanas (AMU) e propriamente
mas de TVA, a saber: rurais (APR). As escolas menos representadas
neste estudo pertencem a freguesias rurais.
- Professores do Ensino Especial / Apoio
Educativo; Estes resultados, apesar de diferirem dos
- Psicólogos escolares, normalmente res- dados referentes à % de freguesias urbanas
ponsáveis pelos Serviços de Orientação e (APU e AMU) na região de RLVT que é de 68%
Psicologia (SPO). não surpreendem, pois a localização das es-
colas depende diretamente da densidade po-
Foram também considerados como res- pulacional e, é no primeiro tipo de região que
pondentes: se concentra a grande maioria da população
(86% - note-se a coincidência entre a porcen-
- Outros professores que não os do Apoio tagem de escolas urbanas que responderam a
Educativo que tivessem, na escola, funções este inquérito e a % de população nestas APU).
relacionadas com TVA.
No que diz respeito aos respondentes
Função do professor verifica-se que cerca de 51% destes técnicos
estavam a aplicar processos de TVA nas suas
na escola escolas, enquanto os restantes não o esta-
Freqüência vam a fazer no ano letivo 2005/2006.
relativa (% Freqüência Freqüência
de valores relativa
válidos)
Válidos 1 Sim 27 50,9
Válidos 1 Professor do 2 Não 26 49,1
EnsinoEspecial / 86,8
Apoios educativos Total 53 100
2 Psicólogo 11,3
No que concerne à experiência dos res-
3 Outra relacionada
pondentes em termos de aplicação de pro-
com TVA 1,9
cessos de TVA verifica-se o seguinte:
Total 100,0
- Relativamente aos professores que têm
Aproximadamente 87% dos professores TVA neste ano letivo, 84 % já possuíam ex-
respondentes são Professores do Ensino Es- periência anterior nesta área;
pecial, 11,3 % pertencem aos Serviços de
Psicologia e Orientação das escolas (SPO). - 95 % dos professores sem qualquer ex-
Uma reduzida proporção exerce outras fun- periência em TVA não estão a aplicar pro-
ções relacionadas com TVA, nomeadamen- cessos de TVA em 2005/2006, o que signifi-
te Técnico de Inserção. ca que só 5% dos professores sem experiên-
cia estão a trabalhar nessa área.
Quanto à localização da escola verificou-
se que as escolas respondentes pertencem na Destes dados podem tirar-se duas con-
sua esmagadora maioria (86,8 %) a fregue- clusões:
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ou Associações que asseguram a formação Constata-se, também, que muitos dos pro-
profissional dos alunos com n.e.e.), ao abri- cessos de TVA (especialmente em escolas que
go da Portaria 1102/97 (PORTUGAL, 1997), os asseguram sem parcerias com instituições)
de 3 de Novembro de 1997; funcionam com base na “carolice” e volunta-
rismo esforçado dos professores, em vez de
- 48% por iniciativa própria e sem qual- numa base profissional apoiada e suportada
quer tipo de parceria. por legislação, meios e condições de trabalho
adequadas. Para agravar a situação, os técni-
O referido sistema de parcerias segue na cos, que revelam uma enorme vontade e reali-
maioria dos casos a seguinte formatação: zam um imenso esforço para levar a cabo pro-
gramas de TVA nas suas escolas, não são, na
- A formação acadêmica é assegurada sua maioria, recompensados pelo seu esforço
pela escola que também pode proporcionar que muitas vezes nem sequer são reconheci-
as primeiras experiências de formação pro- dos. Como se constata, muitas vezes em Portu-
fissional (TVA) através da execução de pe- gal, no campo da Educação, trabalha-se e pro-
quenas tarefas nos seus serviços numa es- duz-se à custa do esforço individual e volunta-
pécie de estágios de sensibilização; rioso de profissionais conscientes e responsá-
veis. Enquanto o sistema continuar a funcionar
- Paralelamente a esta pré-preparação nesta base, não se pode esperar uma grande
ou depois dela, mas sempre em simultâneo evolução, pois os esforços individuais não são
com a formação acadêmica, o jovem inicia concentrados e direcionados e o profissionalis-
a sua formação profissional na instituição mo destes esforçados técnicos e professores não
parceira responsável (que por sua vez esta- dará os devido frutos neste campo que deveria
belece parcerias com empresas e serviços da ter como resultado, processos de TVA devida-
comunidade). Segue-se, se o processo de- mente organizados que conseguem a plena in-
correr de forma normal, a integração profis- tegração profissional dos jovens com trissomia
sional e o respectivo acompanhamento pós- 21, capazes de tal, e de todos os outros jovens
colocação profissional. com n.e.e. ou oriundos de populações desfa-
vorecidas, e ainda de todos os outros que não
Nas escolas sem parcerias a escola pro- pretendam prosseguir estudos.
cura assegurar todo o processo de TVA, desde
a Orientação Profissional até à integração pro- A nosso ver não existe uma verdadeira
fissional e acompanhamento pós-colocação escola inclusiva se esta não procurar asse-
profissional. A grande maioria das escolas não gurar até ao final do processo acadêmico, a
consegue ter programas de TVA completos fa- plena integração social e uma verdadeira
lhando nos dois últimos aspectos citados. Isto inserção profissional dos jovens trissômicos
porque as escolas, apesar de terem professo- (os que tiverem capacidades para isso) e dos
res de apoio educativo não dispõem de instru- restantes clientes da dita escola inclusiva. À
mentos (legislativos e outros) e meios próprios luz do que foi referido urge, entre outras
(financeiros e humanos – profissionais exclusi- medidas, criar o cargo de Professor de Tran-
vamente dedicados à TVA como, por exemplo sição cujas funções terão por base a dedi-
Professor de Transição) que lhes permitam a cação exclusiva aos projetos de TVA em to-
concretizar a integração profissional ou fazer das as suas vertentes onde se incluem desde
o devido acompanhamento pós-colocação pro- a coordenação do processo ao acompanha-
fissional dos seus alunos. mento dos estágios.
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para aqueles que não querem prosseguir es- prego. No aspecto da formação profissional
tudos (cursos de formação profissional nas destes jovens o ônus não pode caber exclu-
escolas públicas) no terceiro ciclo, numa es- sivamente às empresas que nem sequer es-
pécie de complexo elitista provocado pela tão vocacionadas para tal.
necessidade de conclusão da escolaridade
obrigatória, poucas soluções têm sido apre- Processo completo de TVA
sentadas a estes jovens. Recorda-se uma de- Consideramos que um processo de TVA
las, praticamente extinta: as turmas de Currí- completo deve prever/incluir sempre as se-
culos Alternativos ao abrigo do Despacho nº guintes etapas:
22/SEEI/96 (PORTUGAL, 1996), destinadas
a casos de sério risco escolar. Orientação vocacional / profissional
(avaliação, informação e orientação profis-
Ainda relativamente ao desenho do pro- sional propriamente dita);
cesso de TVA, a solução escola unida a uma
instituição parceira que assegure a forma- Preparação pré-profissional que pode ser
ção profissional pode ser a mais utilizada realizada através de estágios de sensibiliza-
atualmente, mas pensamos não ser a ver- ção que podem servir também para despiste
dadeira solução da equação “integração pro- vocacional;
fissional”, pois não se encontra assim tão
espalhada pelo país e por outro lado estas Formação profissional (com estágios em
instituições parceiras não surgem de um dia contexto real de trabalho – PA ou FPCR);
para o outro nem aplicam as melhores me-
todologias. Como já dissemos é preciso que Colocação / integração na vida activa
as escolas, e conseqüentemente, os respec- (integração profissional corresponde a con-
tivos professores coordenadores dos proje- tratação por parte da entidade patronal);
tos de TVA e responsáveis por estágios, se-
jam dotados de meios (para os professores: Acompanhamento pós-colocação profis-
carga horária adequada, pagamento de sional;
gastos com deslocações para visitas a em-
presas, etc.) para produzirem ou darem con- Fim do acompanhamento pós-integra-
tinuidade a projetos de TVA próprios. Com ção (quando o aluno já está integrado na
isto ganharão as escolas que apresentarão, empresa de forma considerada segura).
assim, um maior leque de soluções para os
seus alunos (que não apenas a continua- Todo o processo deve ser individualiza-
ção de estudos, para o qual parecem, ain- do e ir de encontro às reais necessidades do
da hoje em dia, muito vocacionadas – mes- aluno. Assim, por exemplo, um aluno que
mo as do terceiro ciclo) e ganhará a socie- já tem uma clara e realista, no sentido de
dade que deixará de ver todos os anos hor- ajustada às suas competências (cabe aos
das de jovens estudantes sem qualquer for- técnicos de TVA fazer essa avaliação) noção
mação profissional (e outros factores de em- da profissão que pretende, não necessita de
pregabilidade que lhes dêem alguma garan- orientação profissional (a não ser que preci-
tia e confiança), e, muitas vezes, com for- se de maiores e melhores noções sobre o
mação escolar incompleta, engrossarem as mundo do trabalho), no entanto isto não sig-
fileiras do desemprego – cada vez maior nesta nifica que não precise realizar estágios de
faixa etária – e da procura do primeiro em- sensibilização (que são o verdadeiro méto-
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Referências
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Syndrome Association, 2005.
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Representações sobre a inserção na vida ativa de jovens com trissomia 21 577
LOPES, J. et al. Manual de transição para a vida activa. Lisboa: Edições Universitárias
Lusófonas: DREL, 1999.
______. Transição para a vida activa dos jovens deficientes. Lisboa, 1995.
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