1º Semestre de 2009 – Noite – Turma 01 FRAGINALS, Manuel Moreno. Espanha-Cuba-Espanha. Uma História Comum. (1º ed. 1995) Tradução de Ilka Stern Cohen. Bauru/SP: Edusc, 2005, 374p.
Há poucos estudos sobre a história de Cuba, principalmente no Brasil, por isso
do livro de Manuel Moreno Fraginals é uma obra tão importante, pois não se trata somente de um estudo minucioso sobre a história cubana até 1898, período em que se tornou independente da Espanha, mas sobre tudo de um testamento intelectual de Manuel Moreno Fraginals. O livro é um a balanço de muitos anos de investigação e práticas de infinitas leituras, que começaram com seu primeiro título “El Ingenio” de 1964, posteriormente traduzido para o Inglês com o título de “The Sugarmill” e evoluíram “África en America Latina” de 1974 e “La Historia como arma y otros estudios sobre esclavos, ingenios y plantaciones” de 1984, obras que foram produzidas com desconformidade com quase tudo que foi escrito anteriormente, pois, Fraginals, nos recordava a importância da história como arma e nos alertava do perigo de usar os mitos históricos nas escolas e ao povo em geral através dos meios de comunicação, aconselhando em seu lugar a usar uma nova forma de pensar história, visando à busca pela verdade histórica, se é que ela existe. Em síntese, Cuba – Espanha – Cuba, é um resumo de toda uma vida dedicada a repensar a história, como assinala Josep Fontana na apresentação do livro, “Esse livro nasceu de duas paixões: o amor à história e o amor a Cuba” (1). Dois amores que lhe proporcionaram sérios problemas com a hierarquia oficial, obrigando-o a viver no exílio. Usando as próprias palavras de José Joaquin Moreno Masó, filho de Manuel Moreno Fraginals, “es sin duda el testamento intelectual de Manuel Moreno Fraginals, [e que] para todos aquellos inconformes con la historia oficial, Moreno ha escrito éste libro. Todo aquel interesado en una visión inédita de la historia de Cuba, y digo esto sin dejarme caer en la tentación por mi admiración hacia el autor, éste libro es de lectura obligatoria.”(2) José Joaquin Moreno Masó refere-se aos “insatisfeitos com a história oficial” porque as autoridades estatais depois de restringir o acesso de Manuel Moreno Fraginals as salas de aula da Universidade de Havana, ordenaram a elaboração de uma história pós-revolucionária em que tudo acontece e é explicado pelas leis do materialismo histórico e dialético. Algo como um conto de fadas onde os personagens ou assuntos da história, tem limitado o seu papel em ser bom ou ruim. História que começa com os primeiros indígenas revoltados contra a colonização espanhola e conclui com a épica vitória de Fidel e seus homens contra o tirano Batista. Aproveitaram-se para explorar os mesmos mitos de sempre e para criar novas, esta última geração de mitos foram corrigidos de acordo com o seu lado negativo às novas crenças revolucionárias. José Joaquim também nos dá dois exemplos sintomáticos desta manipulação, eles são o Padre Varela e José A. Echevarría: a ambos lhes foram negados sua religiosidade, e com relação ao primeiro, muitos só vieram, a saber, que ele era padre e professor do Seminário São ____________ (1)FONTANA, Josep. In FRAGINALS, 2005, pp. 15. (2) José Joaquin Moreno Masó. Barcelona, España. Publicado en: cortesía de cubanuestra. Carlos com a visita do Papa. A partir do final década 1980, Manuel Moreno Fraginals começou a focar sua atenção para o para o período das guerras de independência cubana por causa de seus longos períodos de residência na Espanha, ele estava particularmente interessado nos projetos espanhóis na ilha de Cuba no século XIX. Os resultados destas pesquisas foram os dois últimos livros, "Guerra, migracón y muerte" de 1993 e "Cuba/Espanha, Espanha/Cuba: História Común" de 1995, obras que além de surgirem para criticar aquela história pós-revolucionária que além de não convencer levava a muitas dúvidas, surgiu como crítica ao marxismo cubano, pois Manuel Moreno Fraginals, nunca se separou do marxismo, mas também não se deixou limitar por este marxismo cubano que acabou escrevendo uma história oficial, assemelhando- se a história tradicional até então era combatida por Fraginals e produzida pelo marxismo-leninismo de Estado. O livro foi dividido em 24 capítulos não muito longos onde Manuel Moreno Fraginals nos dá um panorama geral sobre a história de Cuba até sua independência. Notamos, apesar de Fraginals ter dispensado as notas de rodapé, que ele faz uso de uma farta documentação recolhidos provavelmente na época em que trabalhou na Biblioteca Nacional de Cuba em 1949, e através das pesquisas realizadas posteriormente, pois, segundo o Professor Herbert S. Klein professor de História da universidade de Columbia, "Com o triunfo de Fidel Castro, em 1959, ele retornou a Cuba [da Venezuela] e se dedicou tempo integral à pesquisa histórica. No caos dos primeiros meses do novo regime, ele foi capaz de organizar expedições semi-oficiais em todas as antigas plantações de onde obteve seus inestimáveis registros para os arquivos nacionais."(1). Com esta vasta informação, aos quais somam-se toda uma vida de trabalhos e pesquisas na América, na Europa e docência em varias universidades, Manuel Moreno Fraginals decidiu dispensar as notas de rodapé, pois segundo ele mesmo "Se as tivesse posto, dobraria o seu tamanho [do livro]. O autor pretendeu que a leitura fosse fácil, sem interrupções (se não o conseguiu, é outro problema)” (2), porém, segundo seu filho Joaquin Moreno Masó, a quem Manuel Moreno Fraginals também acusou de "com a sua magnífica qualidade de estar sempre em desacordo com o seu pai” (2), afirmou que "Se le ha criticado la ausencia de notas a pie de página. Fui yo quien lo sugirió y mi padre encontró atractiva la idea. ¿Por qué no? Mis argumentos son que no es un libro habitual de historia, ni tampoco una novela, ni un ensayo. Es un libro para todo aquel que ame a Cuba y su historia independientemente de su nivel académico. Que quien lo escriba sea el patriarca de los historiadores cubanos no quiere decir que esté predestinado para los entendidos e investigadores. Este es un error en el que solemos caer todos. Escribimos para los miembros de la tribu, pasando por alto cuestiones que para los especialistas son elementales. Los resultados, siempre son tochos de libros llenos de citas que sólo alcanzan a leer íntegramente unos cuantos, el resto, suelen conservarlo como una enciclopedia, es decir: un libro de consulta. No en vano son muchos de éstos quienes confirman la tesis de que la historia es aburrida cuando los verdaderamente aburridos son ellos. Varias investigaciones han demostrado que el ______________ (1) Herbert S. Klein,Professor of History - History Department of Columbia University. In: Obituary of Manuel R. Moreno Fraginals. (2) In FRAGINALS, 2005, pp. 20. 55% de los artículos publicados en prestigiosas revistas científicas no han sido citado en los próximos cinco años ni una sola vez, y en el caso particular de la historia los porcentajes ascienden a un 95% (...) Con este libro Moreno Fraginals no sólo nos ha enseñado la importancia de acercar la historia a su pueblo, sino que a demostrado una continuidad con sus ideas durante todos estos años que resulta envidiable."(1) Com este dialogo de José Joaquin Moreno Fraginals, pode-se dizer que a proposta de Manuel Moreno foi alcançada, pois, Cuba - Espanha - Cuba, tem um discurso suave e um diálogo fácil e agradável. No inicio do livro, notamos que Manuel Moreno Fraginals, incluiu um primeiro Capitulo dedicado aos "primeiros povoadores" que viviam na ilha antes de ser descoberta, com a chegada de Colombo. Fraginals num capitulo curto, percorre as características agrícolas, políticas e a organização social na comunidade destes primeiros povos, ele mesmo afirma que informações ali presentes "baseou-se, infelizmente, em estudos arqueológicos e nos relatos de conquistadores” (2), este primeiro capitulo parece fugir do contexto do livro, principalmente pelo motivo, já citado da vasta pesquisa feita por Fraginals ao longo de sua carreira, mas, à medida que a leitura vai evoluindo, notamos que este capitulo não foge de uma das propostas de Fraginals que seria demonstrar o processo de conquista de Cuba através das conturbadas tensões sociais entre os povos de diferentes culturas ou como ele mesmo afirma "sociedades, sufocadas biológica e culturalmente, por novas invasões"(3). Aliás, tal abordagem serviu para demonstrar o processo de conquista, no qual a devastação que perpassou até mesmo no âmbito dos indícios e dos documentos nativos, uma vez que acabou até, por quase aniquilar a sua cultura (oral e suas tradições). Mesmo que se quisesse, só é possível escrever a história dos povos indígenas nativos sob as lentes da documentação européia disponível. Com relação às tribos africanas, como o autor demonstrará, ocorreu fenômeno semelhante, mas sem que com isso destruíssem todos os indícios deixados pelos negros escravos, tal como aconteceu com as tribos indígenas. No segundo, Manuel Moreno Fraginals, discute e analisa como segundo ele mesmo, é “O momento de sua invenção [Cuba] por Cristóvão Colombo”(4), como os livros tradicionais excluíram a historicidade indígena. Fraginals também nos apresenta a falsa dicotomia entre as palavras conquista e colonização, Fraginals afirma que em Cuba ambas as situações ocorriam ao mesmo tempo, ou seja, a desestruturação pela força e a implantação de uma nova relação social. Na realidade o que Manuel Moreno Fraginals, Faz do Capitulo dois até o Capitulo 20 é demonstrar como a Colônia foi construindo sua identidade, primeiro em favor, depois em oposição a Metrópole. Como ocorreu a formação das vilas, percorrendo as características geográficas e as vantagens marítimas e como a ilha passou de centro logístico e estratégico para a gigante empresa conquistadora que estava em busca da terra prometida. Segundo Manuel Moreno Fraginals “Cuba ficava naturalmente nesse caminho para o ocidente, o qual reafirmou sua importância como região de passagem, mas não ________ (1) José Joaquin Moreno Masó. Barcelona, España. Publicado en: cortesía de cubanuestra. (2) In FRAGINALS, 2005, pp. 20. (3) In FRAGINALS, 2005, pp. 29. como um ponto final de chegada (...) esses foram passos que, obviamente, levaram à ocupação de Cuba (...) Essa ocupação é parte, muito breve, do acelerado processo de apropriação do espaço americano”(1), nestes capítulos Manuel Moreno Fraginals mostra como esta relação alterou a ordem de importância das cidades dentro de Cuba, primeiro com São Domingos e depois Havana, como estas comunidades lidaram com o “problema indígena” e mais pra frente o “problema negro”, como surgiram as relações imperiais com a Metrópole, a formação social e como ocorreu organização de uma economia colonial, inicialmente com um setor especificamente focado no setor de serviços e um sistema defensivo marítimo e depois de comércio exportador. Apesar de capítulos específicos, como um aos Piratas, corsários e Contrabandistas e em como agiam na região do Caribe; outro capitulo especial aos Negros e Mulatos e como a presença destes alteraram ou definiram uma economia e comportamento específicos na ilha; outro referente ao nascimento da Oligarquia, que como descendentes dos primeiros colonizadores dominaram a política local e fizeram riquezas usufruindo os cargos públicos e militares; e outros capítulos aos produtos de exploração, formação política, etc. O que notamos é que Manuel Moreno Fraginals faz é escrever uma história cheia de tensões, primeiro, do índio (nativo), do negro (escravizado) e do branco espanhol (colonizador) em diferentes terrenos até o século XVIII, e depois no século XIX, com a aproximação com a Guerra, uma tensão de identidade nacional, como o próprio Manuel Moreno Fraginals deixa explicito: “A situação econômico-demográfica de Cuba que descrevemos colocava conflitos políticos, sociais e culturais estreitamente unidos entre si, projetados de maneira diversa nas distintas regiões da Ilha. As guerras de independência da América hispânica e os contraditórios interesses entre ‘criollos’ e ibéricos em Cuba definiam um conflito de identidade nacional que poderíamos identificar como oposição cubano/ibérico (...) À medida que a cubanidade cresce e aumenta, o ibérico passa a ser ‘o outro’” (2). É claro, que o papel do açúcar e da “sacarocracia” na divisão das forças políticas da Ilha, o surgimento de “reformistas/anexionistas” e o problema de racismo, com relação ao “problema negro (escravos e libertos)” que sempre estiveram presentes às voltas com a tentativa de conquista por parte de Franceses e Ingleses, aproveitando-se da falta de estrutura espanhola para controlar a autonomia colonial, foram fundamentais para esta tensão que adquiriu proporção de identidade nacional. Cuba, como afirmou Fraginals, nunca foi “um território virgem do qual a metrópole extrai (...) e submete seus habitantes” (3), o alto nível técnico e cultural da população Cubana, lhe proporcionou a primeira industria açucareira do mundo, um importante complexo ferroviário bem antes que sua metrópole, uma importante industria do tabaco e a primeira exportadora mundial de bananas. Mas, o que Manuel Moreno Fraginals faz é articular intimamente os capítulos do livro numa abordagem que serve para demonstrar todo o processo de conquista, analisando a história da América Hispânica dos séculos XVI ao XIX, como a colônia e a metrópole construíram suas próprias identidades simultaneamente, e principalmente, como o processo de independência com a Espanha no século XIX, originou a nação cubana. Para Manuel Moreno Fraginals, para cada uma das diversas regiões da Espanha, o ___________ (1) In FRAGINALS, 2005, pp. 32. (2) In FRAGINALS, 2005, pp. 273. (3) In FRAGINALS, 2005, pp. 358. panorama Cubano tinha significado um diferente, estes significados que eram diversos, a partir de 1898 passaram a ser um problema Nacional devido, em parte, a realidade dos sentimentos patrióticos que inundavam na Espanha e, em parte, provocados pela intervenção norte-americana, estes sentimentos racionalizaram-se na forma de Guerra, culminando com o resultado da formação de uma nova nação, como é citado nas próprias palavras de Manuel moreno Fraginals: “A visão do panorama cubano era diferente para cada uma das diversas regiões da Espanha. O país Basco tinha um mínimo interesse em Cuba; para a Catalunha (a maior base burguesa da Espanha), Cuba e Porto Rico constituíam um bastião de desenvolvimento. Para o resto da Espanha, Cuba era um ponto de referência obrigatório no discurso militar, político e ideológico dos governantes. Talvez por isso as únicas vozes espanholas que aconselharam uma política racional com relação a Cuba provinham da Catalunha. Mas fora das diferenças econômicas, não havia fora de ajustar a realidade dos sentimentos patrióticos e patrioteiros que inundavam a Espanha desde 1895 (...) e que chegaram a seu clímax em 1898. O problema cubano passou a ser uma questão de honra nacional: o discurso ideológico suplantou a racionalidade política, ou melhor, gerou outra racionalidade, e foi-se diretamente para a guerra anunciada e já perdida.”(1)
E ainda:
“O fato concreto foi que a guerra de independência e a intervenção norte-
americana em Cuba levaram à definitiva separação política de Cuba e Espanha, mas não cercearam o processo de espanholização da sociedade cubana. Foi depois de proclamada a República de Cuba que as sociedades regionais espanholas alcançaram seu mais alto nível, os anarquistas espanhóis dominaram o movimento operário cubano (especialmente no tabaco), fundou-se a Hispano Cubana de Cultura, e o galego continuou sendo o personagem-chave do teatro vernáculo cubano. A estátua de José Martí, que começou a guerra e declarou que não era contra seu pai valenciano nem sua mãe canária, ficou numa praça limitada, entre outros edifícios, pelo Centro Galego, o teatro Catalão Payret, o Centro Asturiano e a espanholíssima Manzana de Gómez”.(2) Portanto, a leitura deste livro possibilita, além, de um conhecimento geral sobre a formação das entidades políticas e administrativas de Cuba, uma visão também geral sobre como a "sacarocracia" e outras elites regionais que ganhavam força e lidaram com o "problema negro" inseridos num contexto onde a empresa açucareira crescente alinhada a uma política de exportação e de autonomia influenciou nas complexas relações com a Espanha, e como estas complexas relações com a resposta da metrópole (e suas tensões com a colônia) culminaram com a guerra de independência que originou a nação Cubana. O autor buscou um livro que tivesse um compromisso com a verdade e contasse a história complexa e cheia de tensões entre o índio nativo, o negro escravizado e o branco colonizador que deram origens a Cuba no final do século XIX, mas quando decidiu excluir as notas de rodapé, pelos motivos já citados, tenha permitido que sua visão contraria a história tradicional "sufocassem" trabalhos sérios e ___________ (1) In FRAGINALS, 2005, pp. 359. (2) In FRAGINALS, 2005, pp. 366. pesquisas de outros historiadores. Mas, apesar desta e de outras criticas que podem ser feitas a alguns pontos do livro, Manuel Moreno Fraginals procurou escrever uma história crítica onde avalia toda as fases do processo e amadurecimento da Ilha e apesar de como afirmou, José Joaquin Moreno Masó, já citado, de que este livro foi um livro escrito para quem ama Cuba e sua história, independentemente do seu nível acadêmico, o texto nos convida a uma reflexão sobre as relações Entre Cuba e Espanha.