You are on page 1of 40

ATA DA 4ª Audiência Pública

Da Comissão de Cultura
REALIZADA EM 21/08/2014

ATA DA 4ª AUDIÊNCIA PÚBLICA

Aos vinte e um dias do mês de agosto de dois mil e quatorze, às


quatorze horas, na sala trezentos e onze, do Palácio Tiradentes, reuniu-
se a Comissão de Cultura, com a presença da Deputada ASPÁSIA
CAMARGO, membro efetivo deste órgão técnico. Havendo número
regimental, assumiu a Presidência a Deputada ASPÁSIA CAMARGO
que declarou abertos os trabalhos da 4ª Audiência Pública da Comissão
de Cultura, conforme convocação por edital publicado em 19.08.2014,
com a seguinte Ordem do Dia: A CULTURA DO HIP HOP. Após a
composição da Mesa, iniciou-se a apresentação do tema, seguido de
amplo debate com a participação dos presentes. Antes de encerrar os
trabalhos, nada mais havendo a tratar, e como ninguém quisesse fazer
uso da palavra, a Deputada ASPÁSIA CAMARGO, no exercício da
Presidência, solicitou que fosse publicada, na íntegra, a transcrição
taquigráfica da presente Audiência Pública que segue em anexo e, em
seguida, suspendeu a reunião, para que eu, Haroldo Motta Lima Leão
de Aquino, Secretário, lavrasse a presente Ata. Reabertos os trabalhos,
foi a Ata lida, aprovada, tendo sido assinada por mim e pela Deputada
ASPÁSIA CAMARGO, no exercício da Presidência. Sala das
Comissões, em vinte e um de agosto de dois mil e quatorze.

(a)Haroldo M. L. L. de Aquino - Secretário


Deputada ASPÁSIA CAMARGO - no exercício da Presidência

COMISSÃO DE CULTURA

4ª Audiência Pública

Realizada em 21 de agosto de 2014

A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Boa-tarde a todos.


Obrigada por terem vindo. Muito obrigada ao DJ TR e ao Arcélio pelo
trabalho de coordenação aqui desse nosso primeiro encontro.
Sob a proteção de Deus, declaro aberta a 4ª audiência pública da
Comissão de Cultura, conforme Edital publicado em 19 de agosto de
2014, com a Seguinte Ordem do Dia: A Cultura do hip hop.
Em nome do Deputado Zaqueu Teixeira, que é presidente da
Comissão, e que por razões imperiosas teve que viajar para São Paulo
e não pôde estar aqui, em meu nome pessoal, quero agradecer a todos
vocês e dizer que Assembleia Legislativa se sente muito honrada de
receber os representantes e lideranças desse movimento, que é um
movimento de extrema importância, não apenas no nosso estado, na
nossa cidade do Rio de Janeiro, mas no mundo inteiro.
E sabemos também que, exatamente, porque esse movimento é
global, internacional, é que ele tem também raízes em diversos lugares
e ele assume também as características, digamos, identidades dos
países no qual ele se desenvolve. Então, podemos imaginar que, como
tudo na vida, como o rock, como o samba, como tudo, até o jazz, é um
tipo, é uma modalidade de expressão artística que precisa ser bem
conhecida, inclusive nas suas diferentes modalidades, nas suas
diferentes tendências.
Confesso a vocês que ainda não estou totalmente familiarizada
com as tendências, mas posso, com segurança, dizer a vocês que sou
uma apaixonada entusiasta por essa manifestação cultural, que
ninguém sabe definir, porque é muita coisa ao mesmo tempo. É ritmo,
é poesia, é grafite e, sobretudo, é expressão cultural, que é uma coisa
tão importante para nossa cidade, o nosso estado, mais para qualquer
outro do Brasil – talvez a Bahia seja outro estado onde essas coisas da
cultura popular ganham uma dimensão muito grande – mas, no Brasil,
o Rio de Janeiro é campeão em abrigar essas inovações, essa
criatividade. Eu vou falar um pouco sobre isso.
Mas, antes, eu queria agradecer aqui também a presença do
Thiago Gomes, que está representando a Secretaria de Cultura. Isso é
muito importante, porque a Secretaria tenha um envolvimento com
todas essas manifestações e tem, inclusive, espaços institucionais para
desenvolver esse tipo de atividade. E queria sobretudo homenagear o
meu querido Sérgio, que está aqui representando várias coisas. Eu
acho que ele representa tanta coisa, mas vou me fixar aqui nesse livro,
que é um grande livro, um livro importante, um livro que foi produzido
com uma sabedoria e um conhecimento de causa muito grande e que
precisa ser lido por todo mundo. Eu queria dizer que o “Acorda hip hop”,
do DJ TR, é uma contribuição inestimável para o conhecimento do
movimento e para a familiaridade maior que todos os fluminenses e
cariocas deveriam ter com esse ritmo e com essa manifestação cultural
que está aqui em discussão. E, logicamente, eu queria chamar a
atenção de vocês para o aspecto pedagógico desta reunião, porque
estamos gravando tudo. Tudo o que vocês disserem, tudo que eu estou
dizendo, tudo que a Mesa vai dizer será gravado. E nós, aqui, como a
Assembleia Legislativa, temos um propósito que é sempre presente nas
reuniões como essas, nas audiências públicas, que é fazer propostas,
fazer encaminhamentos, dar sugestões de encaminhamento para que
as coisas que são importantes tenham o seu lugar e o seu espaço,
sejam tratadas com a devida dignidade, com a devida ênfase, e que
não sejam esquecidas como mais uma coisa, mais uma manifestação
que está por aí. A Comissão de Cultura é um espaço privilegiado para
isso.
Agora mesmo, nós vamos, nos próximos meses ou até, talvez,
semanas, receber aqui uma proposta de um projeto de lei sobre o
sistema estadual de cultura. Eu tenho certeza de que vocês querem um
lugar nesse sistema. O que nós podemos fazer com o hip hop nas
escolas? O que nós podemos fazer com o hip hop nos centros culturais,
nos pontos de cultura? O que nós podemos fazer com o hip hop na sua
dimensão mais transcendente, que é a capacidade de incluir pessoas?
Não incluir dando esmola, não incluir dando uma compensação para
acomodar ou minimizar a pobreza, mas dar um espaço para exprimir
com grandeza aquilo que só a arte pode fazer, que é a criatividade, a
transcendência, o pertencimento, o sentimento de pertencimento. Eu
tenho certeza de que vocês vão falar muito sobre isso, o livro já fala
muito sobre isso.
A história do hip hop é uma história de pertencimento e inclusão,
mas é muitas coisas mais, que, inclusive, eu tive oportunidade de
discutir num Skype maravilhoso com alguns de vocês, com o Sérgio
presente, e liderando a discussão, que nos levam, por exemplo, a
constatar o papel pacificador do hip hop, como é o papel pacificador da
arte em geral. As pessoas que encontram um espaço para se expressar
com dignidade, com grandeza realizam muito mais do que
simplesmente dar vazão ao seu próprio talento, à sua própria
criatividade. Elas incluem milhares de outras pessoas iguais ou
parecidas que precisam desse espaço também para ocupar, para
exercer um papel social de maior influência. Como a arte é um mistério,
um grande mistério, indecifrável mistério, nós temos também – vocês
sabem disso melhor do que eu – os efeitos imprevisíveis dessa
criatividade, porque a gente sabe como começa, mas não sabe como
acaba.
A história do jazz e a história do samba são exemplos disso. Eu
vi na história do hip hop muito coisa não igual, mas parecida – a
capacidade de agregar, por exemplo, etnias que estão sendo
marginalizadas. Muitas vezes, depois, ao longo da história do jazz, por
exemplo, essas etnias que foram a alma, a negritude que foi a alma
desse ritmo extraordinário e dessa explosão extraordinária de cultura
foi afastada. Houve várias guerras no meio da história do jazz de
aproximação e exclusão, quando os brancos quiseram tomar o poder,
e tomaram, no curso de vários anos, e depois foram afastados. Ao
mesmo tempo, há mistura, que é a alma da cultura. A cultura que não
se mistura não é cultura. Mas, às vezes, ela precisa se distinguir para
poder se misturar depois; ela tem que se distinguir para se expressar e,
às vezes, o próximo passo é justamente essa miscigenação cultural,
essa capacidade de agregar tantos elementos importantes da nossa
vida social que ficam como um fio desencapado, sem solução.
Realmente, a história no nascimento do hip hop é irresistível. Não há
quem não se comova, não há quem não se toque com a forma como
esse movimento nasceu, um movimento fortemente social que deu uma
alternativa para pessoas que não tinha alternativa nenhuma, que
levantou pessoas que estavam em nível de degradação e de
desespero, de desencanto completo, perdidas, sem nenhuma saída a
não ser a autodestruição e a marginalidade crescente. Então, quando
você vê a cultura, o papel regenerador da cultura, que cria a
possibilidade de reconstituir um bairro, de incluir pessoas que se
sentiam completamente excluídas, este é um aspecto que,
inegavelmente, o hip hop exerceu com imensa criatividade. Eu, por
exemplo, que amo a cultura acima de todas as coisas, tinha vontade de
ficar aqui falando com vocês das coisas que entendi, primeiro,
espontaneamente, porque acho extraordinário, fascinante, mas
também, porque vocês estão me ensinando. Então, sou uma aluna
aplicada. Só vou ter sossego o dia que vocês conseguirem me fazer
dançar um break, porque o que gosto disso é uma coisa que me deixa
alucinada, fico alucinada quando vejo o mistério do break. Como é
possível uma coisa daquela que parece que está indo, mas está
voltando? É uma coisa filosófica, não é? Porque, primeiro, não tem
regra fixa, como o samba não tem e o jazz também não. Isso dá um
espaço para quem faz, para quem inventa, inclusive para quem
executa, uma enorme criatividade, porque não é a palavra sagrada
definitiva é um movimento, um processo.
Então, vocês já viram que estou apaixonada mesmo. Vocês não
estão duvidando disso, não é? Estou apaixonada e o estou, sobretudo,
pelo que podemos fazer, e a primeira coisa é criar esse Dia do Hip Hop,
que já é um dia consagrado, então, teremos um dia para comemorar,
um dia para sermos felizes. Estou com umas iniciativas importantes,
como a inclusão dessa data no calendário do nosso estado e isso já
está no Regime de Urgência. O Projeto de Lei é o de nº 5645/2014, a
pedido de vocês. Ele já está tramitando. Pedi urgência na tramitação e
na votação desse Projeto.
Podemos fazer outras coisas e muitas delas dependem do
Thiago, os desdobramentos. Não há milagre nisso, não é uma coisa
instantânea, mas depende dos espaços que puderem ser abertos pela
Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, pela Secretaria de
Cultura do Município e de todas as cidades. Mas, o que queremos
mesmo é o selo da universalidade e dizer: “isso nos pertence, onde
houver essa manifestação ela vai ser tratada com grandeza”.
Por último, quero dizer que estou fascinada porque esse
movimento, que foi das periferias pobres, onde tem realmente um papel
muito grande, hoje é um movimento do Terceiro Mundo também. Ele
ganhou essa globalização. E como Movimento de Terceiro Mundo, são
populações que têm raízes agrárias, comunitárias. Acho que o milagre
também é porque não é uma coisa só. Eu, por exemplo, como
antropóloga que sou, adoro festa de São João, porque não existe
nenhuma como essa no mundo. Nessa festa de São João contei onze
manifestações culturais diferentes. Tem-se o teatro com o “casamento
na roça”, a comida, os folguedos, a dança. Tem-se tanta coisa que é
impressionante se ver a complexidade dessa manifestação. E vocês
estão, mais ou menos, empatando com a festa de São João, porque,
realmente, vocês vão me dizer, mas a poesia rítmica, que não é comum,
nem no jazz; o ritmo, que já evoluiu do rock e de outras coisas, mas que
ganhou essa densidade porque exprime coisa que só a palavra pode
dizer.
Então, a força da palavra é importante, porque inverteu um pouco.
Em geral, a letra é um coroamento da música, mas se eu tiver uma
música que é um coroamento de uma letra, ou melhor, se tiver um ritmo
que fala mais alto do que a própria música, e que deixa à letra o trabalho
da amarração final, parece-me que essa é uma contribuição original
extremamente poderosa. Porque há momentos em que as pessoas
querem gritar. Então, essa atitude que está por trás do hip hop, um grito,
um alerta, uma emergência, eu acho que ela é muito, muito importante.
A outra coisa – eu não vou falar mais do break, porque eu já falei,
mas a dança, logicamente, e o grafite. Eu sempre fui alucinada pelo
grafite. Inclusive, como Secretária de Cultura, tentei – isso já faz um
bocado de tempo -, eu tentei criar um espaço do grafite com a ajuda, e
isso é uma sugestão que dou a vocês, desses novos materiais que
existem disponíveis e que permitem as pessoas fazerem coisas e
depois desfazer e renovar permanentemente, em espaços nobres
culturais da cidade. Porque, nos espaços abandonados, vocês já
ocuparam e está lá pra quem quiser ver. Mas poderia haver uma
tentativa de trazer esses espaços de mobilidade, de rapidez, de
criatividade espontânea para o mundo oficial, digamos assim. Não pra
oficializar uma coisa que tem uma espontaneidade popular muito
grande, mas para poder abrir novos espaços. Porque, como eu digo, a
cultura tem a sua própria lógica; cada coisa evolui da sua própria
maneira.
E eu vi aqui que tem muita coisa interessante. Caramba, isso eu
não sabia. Porque eu devo dizer que eu devo a vocês aqui esse
aprendizado. Essa história do mix, da mixagem, que hoje é parte da
vida de qualquer festinha que se realiza em qualquer lugar. Mas será
que foram vocês mesmos que inventaram isso, essa coisa de ‘eu entro
em dois lugares, eu entro por um e saio pelo outro’? Isso é uma
maravilha; isso é uma coisa poderosíssima, que todo mundo faz hoje.
Qualquer festinha careta faz. Mas onde nasceu isso? Parece que foi de
vocês. Eu não tenho tanta capacidade assim pra falar. Então, é isso.
Muito obrigada. Vamos trabalhar para fazer isso.
Eu tinha vontade de ler aqui, até porque está gravando e tudo,
também uma homenagem aos grandes desse mundo que criaram esse
movimento, o DJ Kool Herc, pai do hip hop, depois o Afrika Bambaataa,
depois o Grandmaster Flash. Eu aprendi tudo isso, gente. Eu estou
afiada, viu? Aí, essas coisas: Ring ding dong, M singer, Writing, não é
isso? Tudo isso. Então, vocês já sabem que eu estou muito sabida e
muito na ponta da língua, mas nada disso interessa. O que interessa
mesmo é o que vocês vão contar aqui do que vocês estão fazendo, do
que vocês estão pensando, do que vocês estão querendo, para que a
gente possa registrar tudo isso e dar o tratamento que tudo isso merece.
Então, eu passo a palavra, para abrir esta reunião, ao DJ e depois
ao Thiago, para rápidas palavras. E vocês vão falar à vontade aí. A
gente tem sempre um tempo limitado – vocês sabem -, mas é preciso
que todos que querem usar da palavra sejam ouvidos. Muito obrigada.
DJ.
O SR. DJ TR - Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus por
esse momento de estarmos aqui, até porque sempre digo nas nossas
reuniões que, se não é Deus, a gente não é ninguém. Nós temos
sempre que agradecer e reverenciá-lo acima de tudo sobre os
momentos importantes das nossas vidas. E esse aqui é mais um
momento importante que a gente está proporcionando.
Pastor Rufino, pode chegar, meu irmão, a casa é nossa. O pastor
Rufino está vindo lá de Caxias, faz trabalho com hip hop também.
Dentro do ministério evangélico dele, ele trabalha com os elementos da
cultura hip hop. E aqui, Deputada, é um prazer estarmos aqui, nesta
Casa que é popular, que é do povo também, e estarmos aqui em várias
segmentações do movimento hip hop.
Do meu lado direito eu tenho o Marcelo Elcy, que começou com
o hip hop lá no Santa Marta, foi o primeiro, foi o desbravador do hip hop
lá na comunidade Santa Marta. Hoje nós temos lá, através dele e do
Fiel, não sei se vai vir, ele foi convocado para esse momento
importante. Mas muitos aqui, essa Casa podia até tá mais lotada. Mas,
felizmente, vou usar essa palavra, felizmente. muitos de nós hoje
trabalham e estudam. E o hip hop também ajudou muito nessa
formação. Então muitos não vão poder estar pelos seus compromissos
profissionais. Mas estão em oração, estão torcendo para que a nossa
reunião seja a mais próspera possível.
E aí, voltando aqui às apresentações, tem o Mr. Zoi que está ali
ao lado dele, representa a Babilônia, o Chapéu Mangueira, resistência
lá também. Um dos primeiros caras a ter estúdio na nossa época, nos
anos 90, nos ajudou bastante a gravar nossas demos. Está um
pouquinho envergonhado, não olha pra cá. Temos ali ao lado o Leandro
Oliveira, que trabalha não só com a questão da dança, que você citou
bem, mas também é um professor de artes marciais...
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – É ele que vai me
ensinar?
O SR. DJ TR – Pode ser um dos. Trabalha com artes marciais
também lá em Campo Grande, utiliza o trabalho de artes marciais
também, pregando a palavra de Deus também com artes marciais.
Temos a Aias(?), que é da nova escola, chegou há pouco tempo no
nosso movimento, mas parece que já chegou há bastante tempo. É de
Anchieta. O Ark é de Volta Redonda, representa o movimento de Volta
Redonda. Nós temos também a representação vinda de fora, como o
movimento está sempre junto, está a rapaziada dele aqui, mas ele está
lá na ponta, é o de óculos lá, é Rockin’ Squat(?). Ele é militante do
movimento hip hop da França. Tá aí com a gente. Inclusive gravando
alguns documentários aqui no Brasil. Está em consonância com o nosso
movimento, está ligado com a gente. Ali, mais à frente, está o nosso
querido Mano George, que domina ali as comunidades Lagartixa,
Pedreira, Quitanda, e faz um trabalho também com o hip hop através
da rádio comunitária dele. Inclusive, também, é um movimento hip hop
cristão. Andréia Saraiva B Girl, dança. Também ajuda na parte de
elaboração dos nossos projetos. Lá atrás, tem o nosso apoiador
cultural, que é o Fernando, que é o presidente da Associação Comercial
de São Cristóvão. Está sempre dando uma força nos nossos eventos,
nos nossos trabalhos. É um cara focado com a gente. Pelo menos eu
conheço ele há uns 15 anos. Arcélio conhece há uns 30. Sempre
abrindo espaço para que a gente se reunir, enquanto a gente não tem
um espaço fixo ainda, ele tá sempre oferecendo as dependências dele
para nos ajudar. Do lado de cá, tem o Roney e Tequinho, que
representa a comunidade da Maré. Ronney representa a Baixada
Fluminense, Realengo...
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Realengo?
Eu nasci em Realiengo.
O SR. DJ TR – Juliana, produtora cultural de lá do sul. Está
fazendo intercâmbio com a gente. Nossa querida Vanessa, que é
pedagoga, trabalha com o hip hop como ferramenta de inclusão social
lá na comunidade da Maré. Bruno Rafael, o CDD da minha área.
Produtor cultural da West Coast. Faz os eventos trazendo os grandes
artistas internacionais, em contato com a população de baixa renda.
Está sempre aproximando eles dentro de uma visão social também.
Não só musical, cultura, mas também social. DJ LP, para mim, um dos
melhores DJs do Rio de Janeiro, se não é o melhor. Da antiga escola,
junto comigo, faz um trabalho de primeira. Leo, que tá lá atrás, da West
Coast Produções e Eventos, CDD. Bruno Santos, que é da Lumes
Filmes. Também tá sempre documentando aí. Fechado com a gente,
documentado todos os nossos acontecimentos. Pastor Rufino já falei, é
um líder da comunidade evangélica lá do lado de Caxias, Nova
Campina, faz trabalho social através do hip hop dentro da igreja. E
Arcélio, se não fosse esse ativista aqui, irmão, parceiro da Rio Vida, da
organização que eu também faço parte, ao lado da Zulu Nation Rio de
Janeiro, como representante também da Zulu Nation ; ele foi o cara que
há 25 anos escutou uma molecada meio revoltada, que tinha acabado
de ler a autobiografia do Malcom X, que queria, porque queria mudar
esse mundo. E foi o cara que nos ajudou na nossa formação política e
ideológica. Isso para mim foi importante, porque abaixo de Deus, se nós
não tivéssemos tido esse tipo de contato com pessoas como o Arcélio,
talvez não tivesse nenhum livro, com a sua permissão, “Acorda Hip
Hop” para a gente estar documentando uma história. Talvez a gente
não tivesse nem fazendo parte desse movimento hoje.
Mas, toda história parte de um começo, de um início, de um
princípio. E o princípio foi bebendo a fonte aqui e entendendo o que
quer dizer movimento hip hop. Que o hip hop pode ser tão brasileiro
quanto o samba, pode ser tão brasileiro quanto a capoeira, pode ser tão
brasileiro quanto o forró, porque ele fala de coisas da nossa terra, coisas
que a gente vive no dia a dia. Então, ele deixa de ser simplesmente um
movimento de afroamericanos para se tornar um movimento de
afrobrasileiros, que não se dobram, que estão de alguma forma lutando
por uma sociedade mais justa para todos.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Muito bem.
Excelente. Estamos aqui com um grupo expressivo,
espacialmente expressivo. Vanessa já esteve conosco também no
debate, que foi maravilhoso, que a gente viu que tem esse espaço nobre
para trabalhar, que é um espaço que você substitui a guerra pela paz,
muito bonito.
Eu queria passar agora a palavra ao Thiago para sua mensagem
inicial nesse debate.
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Boa tarde a todos.
Quero cumprimentar a Deputada Aspásia Camargo, e dizer deputada
que se existe hoje a Secretaria de Cultura do Estado você é um
personagem fundamental nessa história, porque foi a senhora, no
governo Moreira Franco, que tirou a Secretaria de Cultura da
associação que ela tinha com a Educação. Era Secretaria de Educação
e Cultura, e foi a senhora deputada que criou a Secretaria de Cultura.
Então, isso é uma coisa que eu tenho muito prazer em estar aqui
falando isso para a senhora, e lhe cumprimentando por isso.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Muito obrigada.
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Porque precisamos que
os nossos governantes coloquem em suas pautas a cultura como
prioridade. E isso infelizmente é muito raro. A gente está sempre lá,
deputada, em uma briga de foice por conta de orçamento. Então, essa
atitude sua é estruturante para que a gente tenha hoje uma Secretaria
de Cultura do Estado.
Quero lhe agradecer.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Muito obrigada,
Thiago.
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Em relação ao
movimento hip hop, a gente tem uma série de ações que a gente tem
feito na Secretaria de Cultura, que são transversais, e algumas delas
acabam atendendo o hip hop, embora sejam ações mínimas. E,
infelizmente, a gente não conseguiu lançar esse ano, mas a gente tinha
a premissa, e vou deixar isso preparado, que é o edital de hip hop. E aí
tem uma questão que é como é que a gente conversa com o movimento
para entender quais são os gargalos. Porque tem uma questão, que é
exposição artística como um todo, e tem questão que é mercado. Como
é que a gente estimula esse mercado? Como é que as pessoas gravam
os seus CDs, como é que elas fazem seus livros, como é que elas
conseguem gravar os seus DVDs. Então, tem uma questão de estima
ao mercado, e uma questão de expressão artística enquanto oficina,
enquanto entendimento desse território, enquanto intervenção nesse
território. Acho que a gente precisa e deve avançar muito nesse lugar
ainda. Por enquanto a gente está com ações transversais, como os
pontos de cultura e o próprio Favela Criativa, que é um programa que a
gente lançou, que tem uma série de ações de formação artística.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Qual é o nome?
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Favela Criativa.
O site do portal é favelacriativa.rj.gov.br . lá a gente tem uma série de
oficinas, inclusive de formação em gestão cultural. Porque uma coisa
que a gente tem muito, é a pessoa sabe fazer uma música maravilhosa,
ela cria uma batalha de rima, só que na hora de colocar no papel o
objetivo, justificativa, uma planilha orçamentária e tentar conseguir
recurso público, a gente tem um gargalo muito forte ainda no campo da
gestão cultural.
Então, uma das coisas que a gente tem tentado empenhar,
estamos empenhados, em como a gente capacita as pessoas que têm
esse dom, porque é um dom, é uma tecnologia, eu confesso, eu faço
isso, mas é chato, sentar e escrever o objetivo, justificativa, colocar o
projeto debaixo do braço e sair atrás das empresas para tentar
patrocínio não é fácil. Mas, como é que a gente, então, enquanto poder
público, capacita esses jovens e esses produtores culturais para que
eles consigam acessar esses recursos.
Não vou me estender muito, mas deixo aqui o meu cartão.
Infelizmente, tenho um compromisso às 16 horas. Então, às 15h30 vou
ter que sair. A Regina está aqui comigo. Ela odeia mediar, mas pode
sentar aqui e mediar essa história, me representando. Quero dizer que
a Secretaria de Cultura do Estado tem as portas abertas. Não temos
mais tempo político para fazer esse edital, mas a gente pode deixar
registrado e marcar uma reunião com todo o movimento. Eu já tinha
iniciado uma conversa com o Guilherme da companhia In Off, de
Realengo. Falei com o pessoal do Jovens de Periferia, trabalho do
Batan. Enfim, tem uma série de pessoas que a gente já vinha
conversando, mas quanto mais a gente ampliar essa rede, para ampliar
esse debate, que eu acho que é fundamental, e assim a gente está num
ano eleitoral. Acho que, se a classe se une, faz uma carta, eu me
disponho a deixar isso com a Adriana, entregar isso ao governador e
candidato Pezão, e acho que isso deveria ser feito com todos os outros
candidatos. O que a classe do hip hop tem a propor para os nossos
candidatos ao governo do Estado? Para que eles se comprometam com
o movimento, de 2015 a 2018, a de fato realizar políticas públicas que
alavanquem o hip hop, que é uma das expressões culturais mais fortes
e estruturadas na América Latina.
O hip hop, em qualquer cidade, eu não conheço o mundo, mas eu
conheço um pouquinho da América Latina, tem um movimento de hip
hop com expressão e com força. E a gente precisa estruturar isso
enquanto política pública. Enfim, estou aqui colocando a cara a tapa,
porque eu sei que a gente não conseguiu avançar como eu gostaria.
Confesso que eu já chorei lá dentro, porque a gente lançou o edital de
funk. A gente lançou dois editais de funk, em 2011 e em 2013, e a gente
não lançou edital de hip hop, e eu que sou uma figura que fui introduzido
nesse movimento pelo Athayde e o MV Bill. Foram figuras que em
algum momento eu aprendi que confesso que eu tenho esse pesar em
sair da Secretaria de Cultura sem ter lançado um edital de hip hop. Mas
deixo a casa aberta, deixo os meus cartões, para que a gente possa
conversar e eu possa colaborar, se for o caso, para a gente construir
uma carta para entregar para todos os candidatos, para a gente poder
fazer essa pressão aí e colocar essa agenda para frente. Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Obrigada, Thiago.
Eu acho que é uma excelente ideia, ter uma carta aberta aos candidatos
em defesa das manifestações hip hop.
O SR. DJ TR – A Deputada me permite um aparte?
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Pois não.
O SR. DJ TR – É o seguinte. Para o Secretário não sair daqui com
as mãos vazias...
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Você me promoveu,
mas eu não sou o secretário, não.
O SR. DJ TR – Pega a minha mochila aí. Acho que está
incomodando o teu pé aí, Leandro. Pega aí um livro, presenteia por
gentileza, em meu nome o livro. Em nome de todo o movimento, em
meu nome, não. Em nome do movimento hip hop, movimento cultural
hip hop fluminense. Um livro também para ele. Não é a bíblia do hip
hop, não. Ela é grossinha, mas não é a bíblia, não.
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – OK. Obrigado.
O SR. DJ TR – É um manual de bolso. O hip hop é muito mais do
que isso daí que está em suas mãos agora.
Mas, eu gostaria apenas de salientar um assunto de grande
importância. Todos que estão aqui e acompanham essa Mesa,
principalmente aqueles que dizem que moram aqui no Rio de Janeiro,
eu tenho certeza de que os que são de fora, do Rio Grande do Sul e da
França também, sofrem para fazer os seus eventos, seus trabalhos.
Mas, em se tratando do movimento hip hop no Rio de Janeiro
especificamente, são pessoas que estão na base, são pessoas que
estão nas comunidades, são pessoas que, se não fosse esse tipo de
acontecimento aqui, talvez, nós não chegássemos nem ao senhor, e
são pessoas que fazem os seus trabalhos às vezes sem nenhum tipo
de apoio, a não ser apoio da própria comunidade, do comércio local, de
algum morador. E, assim, nós não conseguimos chegar muitas vezes
aonde nós precisamos chegar. Então, esse tipo de contato aqui é muito
bom para unir realmente e para mostrar pessoas que aqui fazem hip
hop há 20 anos que não estão na televisão, porque esse aqui é o hip
hop que não é televisionado. Você não vai ver nenhum programa de TV
por enquanto, talvez demore até de se ver, mas é um hip hop que
trabalha literatura, trabalha poesia, trabalha educação, trabalha cultura
e são pessoas que estão fazendo alguma coisa acontecer dentro da
comunidade, não só no sentido próprio de evento, mas no sentido de
mudança, da formação social daquele menino que ali habita, que às
vezes não vê o lápis como uma fonte de crescimento, mas vê o fuzil.
Então, a gente está ali para mudar um pouco essa realidade dentro do
que a gente consegue fazer com as nossas forças.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Muito nobre esse
propósito.
Bem, eu queria só alertar vocês que, primeiro, que nós estamos
começando um processo, então, eu acho que nós deveríamos ter um
pouco de objetividade nesta nossa primeira reunião, porque nós
podemos ter outras. Você sabe que nós tivemos tanto êxito com o
Skype, que eu estou propondo um hangout para vocês. Vamos fazer
um hangout, porque nele vocês vão escolher 3, 4 pessoas, a gente vai
poder discutir bastante, as perguntas e as informações.
A outra coisa é que a gente pode criar grupos. Então, na verdade,
o que eu quero propor a vocês – vou ter que me retirar
impreterivelmente às 16 horas, então temos 45, 50 minutos para nos
organizar – é que fizéssemos uma agenda aqui do que é importante.
Por exemplo, acho importante ter um programa de história oral do nosso
hip hop brasileiro carioca, estadual, não importa, vocês que definam,
mas contar um pouco a história de cada um desses lugares. Eu, que
adoro isso – sou historiadora e adoro. Já fiz muito isso, história da
política brasileira, história dos movimentos sociais, dos camponeses.
Então, eu vejo que há uma história para contar. Aqui é impossível
porque o tempo é muito curto. Cada um de vocês ia ter, pelo menos,
que falar uns 20 minutos, no mínimo, para contar a história.
Acho que isso deve ser gravado e deve ser parte do patrimônio
que vai para todas as bibliotecas do Estado, para ser consultado, para
todo mundo ver. Se puder gravar em vídeo, melhor ainda. Então, vou
me empenhar, se vocês acharem que é uma boa ideia, em fazer esse
resgaste.
A segunda questão é que eu vejo que a história internacional do
movimento e tudo o que você já contou muito bem, algumas outras
coisas na internet, aqui, ali, tudo, é uma coisa fascinante. As pessoas
querem saber, gostariam de saber. Seu livro está aqui. Acho que é um
livro que deve ser divulgado em escala. Esse é outro compromisso que
a gente precisa: por o livro em circulação. Aí, eu acho que a Secretaria
de Cultura tem um trabalho concreto, pronto, que poderia ser
patrocinado para ajudar a editora a lançar isso, mas eu acho que ele vai
ter uma vida muito fácil. É um livro extremamente atraente e bem feito.
Então, essa é uma outra proposta. Acho que a gente podia se imaginar
em grupos de trabalho, não sei se essa ideia é boa, para poder tirar
num tempo, vamos dizer assim, até o dia 12 de novembro. Desculpe.
Para a gente ter uma agenda organizada. O que seria, por exemplo, um
evento anual no dia 12, um grande festival de hip hop todo dia 12, eu
acho que é outra coisa que podia entrar no calendário do Estado e da
cidade, e que faz sentido.
Vamos às propostas concretas que podem significar também
mais trabalho investido, mais informação. Essa seria a ideia porque,
realmente, estou muito feliz em ver que todas as áreas, tantas áreas da
cidade estão representadas. A gente nem imaginava que fosse tão
diversificada assim a participação, a atividade cultural de vocês. E eu
vejo que é uma coisa enorme, com muitas comunidades envolvidas,
muitas cidades, muitas coisas, e cada uma delas é um mundo
extraordinário que a gente tem que explorar.
O SR. ARCÉLIO FARIA – Aspásia, eu gostaria de uma
informaçãozinha com o representante da Secretaria de Cultura. A gente
já vem articulando aqui uma reunião com o Pezão e seria muito
proveitoso para a gente, aqui, que pudéssemos, em vez de mandar uma
carta ao Pezão, termos uma reunião cara a cara com o Pezão e
levarmos nossas propostas e nossos anseios do movimento. Acho que
seria melhor do que escrever uma carta. O Governador ouvindo os
nossos anseios, os anseios dessa juventude, aí sim levaríamos o que
queremos do governador.
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Posso ter me
expressado mal. Quando falei em levar a carta, é essa metodologia
mesmo. Prepara a carta e senta de cara a cara. Acho que é isso.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – A gente já conhece.
A reunião com o Governador tem que ser muito focadas, porque ele
está sendo pressionado 24 horas. Então, quando a gente vai, além do
agrado, do carinho que se possa receber, que é importante, acho
importante também dizermos: olha, eu gostaria de ter isso, isso e isso.
Por exemplo, no dia do hip hop, ter um grande festival de hip hop, para
isso, precisa ter financiamentos nas áreas onde a atividade existe
organizada. Aí, cabe também à Secretaria de Estado de Cultura fazer a
sua própria avaliação com vocês da dimensão de cada um. Enfim, são
essas coisas práticas que têm de ser feitas. Mas, a ideia em si de se ter
o documento, acho positiva. E é importante que vocês me digam e nós
trabalharemos juntos, Secretaria e Comissão de Cultura para chegar a
esses objetivos. Eu vou envolver também o presidente da Comissão
que é uma pessoa importante, ele é presidente da Comissão e deixou
aqui o abraço para vocês e o pedido de desculpas por não estar
presente.
O SR. ARCÉLIO FARIA – Acabou de chegar aqui o Robinho que
também representa a comunidade de Madureira, o pessoal da De Negro
que é uma das principais grifes de hip hop do Rio de Janeiro, formadora
de opinião em potencial, localizada ao lado da nossa querida Portela,
nossa escola de samba. E o Pierre que também está integrado conosco
na Rio Vida. Também tem um coletivo chamado Leões de Judá, fazem
esses trabalhos artesanais maravilhosos. Deus abençoe.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Vocês aceitam essa
proposta? Está aberta a discussão para apresentação de propostas e
encaminhamentos dos nossos trabalhos, inclusive nós estamos
dispostos a criar as condições para que vocês possam inclusive se
reunir porque eu sei que não é tão fácil assim encontrar um lugar que
caibam vocês todos, não é, para discutir os assuntos principais. Quem
quer falar? Vanessa.
A SRA. VANESSA SOARES – Antes de mais nada, boa-tarde.
Meu nome é Vanessa Soares. Eu queria pedir licença a todos aqueles
que já vêm há anos lutando por isso, porque eu acredito muito que uma
cultura se faz com uma hierarquia, não como a entendemos como um
poder acima que menospreza o que vem debaixo, mas sim um respeito.
E estou aqui diante de muitos mestres, todo o meu respeito a vocês, de
quem a gente ouviu poetas cantarem sobre.
Eu não sou pedagoga. Eu sou bailarina e atriz na verdade. Eu vou
falar um pouco desse processo porque eu acho que ele fundamenta no
que eu acredito enquanto proposta desse movimento. Eu entendi que
existia isso quando eu tinha 14 anos de idade e meu irmão colocou uma
música, um rap, para eu ouvir. Falava da história de um homem que era
um ex-presidiário e que tinha de caminhar e lutar atrás de uma grana.
É uma música que todo mundo conhece que é um homem na estrada
de um grupo chamado Racionais de São Paulo. Quando eu ouvi aquilo
a primeira vez eu falei: opa, tem alguma coisa que fala aquilo que eu
quero falar e não sei como. E, desde então, eu me entendo como uma
procuradora. Eu sou uma procuradora do corpo bandido que é como eu
chamo aquilo que procuro. Eu sou uma procuradora dessa
marginalidade, do que está à margem, do bandido, desse que foi
banido, que foi exilado, que foi colocado para fora de um centro
dominante.
Fui atrás, fui procurar, fui morar numa comunidade do Rio e segui
meu rumo atrás desse corpo. Isso me levou às escolas, à educação.
Hoje em dia, eu tenho isso fundamentado, eu acredito nessa proposta
do hip hop que foi onde eu encontrei esse corpo livre para pode dizer,
o hip hop é para mim como uma linguagem porque nós entendemos a
linguagem muito como aquilo que informa ou comunica. Mas, no
movimento hip hop, enquanto procuradora dessa marginalidade, eu
encontrei um lugar que chama o homem para a sua terra, que é a raiz
do homem, é a raiz desse homem bandido. Eu encontrei no hip hop a
linguagem como algo que traz o homem para essa terra, para isso que
ele cultiva e isso é a cultura; cultura enquanto aquilo que ele rega, que
ele planta, que ele colhe, não só como aquilo que eu apenas informo e
deixo vagar por aí.
Então, agora, hoje em dia, eu dentro das escolas com crianças e
tudo isso, existe uma questão muito grande para mim que é: pensa-se
tanto a educação e a gente que está dentro de comunidade olha para
ela e continua vendo, dentro das comunidades, as crianças de cinco,
oito, sete anos, onze anos trabalhando no tráfico e levando a
informação “chegou a polícia, não chegou”, e tal. Então, esses dias eu
tive uma discussão com meu pai, porque ele falou: “800 pessoas que
trabalham no tráfico de drogas, 500 são crianças”. Então, eu penso:
espera aí, tem algum problema com a escola, porque não é possível
que de 800 pessoas, se o adulto quer trabalhar nisso, aí é outra questão
que não é minha questão. Mas, a minha questão é: por que existem
tantas crianças que trabalham com isso hoje?
Eu vejo no movimento hip hop a ferramenta maior, porque é a
ferramenta que acredito enquanto sensorial, para mim o hip hop é
cheiro, é sabor, ele é gosto, é pele, é sangue. Quando resolvi ir atrás
desse corpo bandido, e isso é uma coisa para se colocar na pauta, eu
não encontrei isso em bibliografias, eu precisei conviver com as
pessoas, eu precisei mudar de casa, eu precisei acompanhar o dia-a-
dia, eu precisei ser isso, e isso a gente não encontra em bibliografias,
mas é preciso também encontrar em bibliografias. Então, eu acho que
a primeira coisa é fomentar essas bibliografias, essas pesquisas,
porque quantos de nós, aqui, têm muita coisa para colocar para fora e
não consegue por causa das leis de incentivo.
A segunda coisa é pensar como o hip hop trabalha e pode ser
fundamental. Na Maré, a gente tem uma questão que é a guerra de
pedras, hoje em dia, porque duas comunidades se dividem, e meus
alunos, às vezes a gente está trabalhando e eles começam: “chegou,
chegou fulano e fulano”, e começa uma guerra de pedra de um lado e
do outro, por problemas de facção e eu tenho que correr com eles. O
hip hop já resolveu isso há muito tempo, essa guerra de território. A
nossa tomada de território é outra. E de que forma o hip hop entra
nesses lugares? Então, eu acho que é preciso se ter uma lei de
incentivo também para que o hip hop seja uma ferramenta de ensino
nas escolas. Os nossos professores estão pirando e eles precisam
entender que existe algo que deve ser respeitado, e isso é a linguagem
corporal dessa criança, ela é dali. Então, quando passo na Central e
vejo várias crianças brincando de roubar celular de alguém pela janela,
para mim aquilo ali é um jogo, o jogo do risco, o jogo do risco o hip hop
resolve, o hip hop é o risco.
Então, como esse movimento e essa cultura podem atuar nesse
trabalho? Como a gente pode expandir em oficinas? Quantos
professores?
Quando eu cheguei em São Paulo, eu fui trabalhar lá com medida
socioeducativa, uma pessoa me falou: “olha, não pode trabalhar com
nenhuma música do grupo Racionais com as crianças da Fundação
Casa”. Eu pensei: Opa! Existe um problema aí, porque essa música foi
o que me fez vir até aqui e isso eu sei, então, como eles proíbem aquilo
que é da sua terra, que é o seu corpo, que é onde você pode gritar?
Como proíbem você de trabalhar? Então, acho que os professores das
escolas municipais, de alguma forma, precisam estar próximos disso,
dessa terra que é o hip hop para mim. Eu não sei ainda, eu acho que a
gente deve pensar em grupo como isso pode se expandir nas escolas,
como a gente pode criar os editais, que podem entrar também, não só
a questão artística, mas do artista com oficinas. É preciso ter uma
contrapartida de pessoas que muitas vezes entram em algumas
comunidades do Rio para fazer festa, as festas são caras. Eu sei disso.
Eu vivi numa comunidade que hoje em dia é uma comunidade top
carioca, as festas são 300 reais em um hotel do lugar, como aquela
criança que mora ali não pode ir nessa festa, que toca hip hop, fala do
que ele é? E quais são as outras medidas que podem ser tomadas a
contrapartida disso? Sabe, por aí.
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS - Te respondendo
rapidamente.
Em relação às bibliotecas-parque e as nossas bibliotecas, a porta
está aberta para a gente poder fazer, em algumas bibliotecas a gente
já até já faz alguns diálogos com o hip hop. Agora, em relação à
Secretaria de Educação, me ajuda, Deputada, aí é um diálogo muito
mais complicado e mais complexo. A Secretaria de Educação é muito
grande. Mas acho que é fundamental porque acho que passa por uma
reformulação na educação. Nosso sistema de ensino está muito
atrasado. Nosso sistema de ensino está no século 19, e a gente está
no século 21 com um tablet.
Então, a gente precisa é repensar o processo de educação, de
ensino. Aí, sim, um processo de ensino no século 21 com certeza o hip
hop não vai ser barrado, ele vai ser ferramenta de aprender português,
aprender literatura.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – É isso mesmo.
A SRA. VANESSA SOARES – Sim, mas essa coisa do fomento,
do edital cultural...
O SR. THIAGO GOMES DOS SANTOS - A gente precisa fazer
um edital de hip hop para fazer CD, livro, oficina. Um edital específico
para a classe do hip hop. Aí a gente precisa fazer isso juntos porque eu
não vou inventar isso. Tem que ser vocês para dizer: tem que ter
dinheiro para MC, tem que ter dinheiro para livro. Como a gente fez no
processo do funk.
A SRA. VANESSA SOARES – Eu só quero deixar, para finalizar,
que as nossas escolas e as crianças em geral e as oficinas sejam
também pensadas nelas, porque a gente sabe que o hip hop é uma
ação efetiva nisso. Então, se em toda festa de rap a gente tira um
sábado, a festa é na madrugada, e, no domingo à tarde, essas crianças
possam pegar e pintar e entender, olha, isso é um spray, isso também
educa, não só pensando dentro da escola.
O SR. DJ TR – Rapidamente, está chegando aqui também, um
pouquinho atrasado, mas graças a Deus chegou, Minimax,
representante da comunidade de Rio das Pedras, lé em Jacarepaguá –
MC, poeta, rapper, pensador, DJ, grafiteiro, produtor. Deus abençoe.
Muito obrigado pela presença, irmão.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Minimax? Os nomes
já são muito criativos, todos.
O SR. DJ TR – A colinha está lá no boné dele.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Já começa por aí. A
criatividade está no nome.
O SR. DJ TR – Uak, de Volta Redonda.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Eu quero só que
vocês se identifiquem, porque está sendo gravado.
O SR. UAK – Primeiramente, boa-tarde! Cumprimento a todos e
com licença também, até mesmo pelo tempo que eu tenho atuado...
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Você é Uak?
O SR. ARK – Me apresentando, meu nome é Emerson e como
todos, como pode ter visto a maioria, conhecido por um vulgo, sou
conhecido pelo vulgo Ark e venho trabalhando com esse nome já há
dez anos em minha cidade, Volta Redonda, fluminense, Rio.
Então, nesse tempo que eu tenho trabalhado, já trabalhei na
verdade dez anos lá, só que trabalho há 15 anos dentro do movimento
hip hop, onde iniciei com grafite, e assim fui aderindo aos outros
instrumentos da cultura, como o break dance, DJ. Hoje, sou mais
conhecido através do DJ e MC, mais como MC. Em busca do quinto
elemento, que acho que é uma busca contínua, que é o conhecimento
que a gente precisa ter, e acho que é o principal elemento que a gente
vem tratando aqui.
Até há um tempo, tinha um trabalho que era até feito para as
crianças de comunidade, todo dia 12 de outubro, que é a data
considerada como Dia das Crianças, através mesmo e por motivo
mesmo dessa falta de cuidado que temos tido com o que vem de cima,
que eu cito, dos poderes, por não ter nosso apoio, a gente teve que
parar esse movimento. Por quê? Cito falta financeira. Essas coisas
assim. Então, o hip hop, onde vivo, realmente ele não tem sido tão
apoiado. Então, eu decidi fazer essa busca independente. Eu criei
minha produtora, com ela através do meu trabalho, que é meu suor. Eu
vim de uma família pobre. Então, eu não tive nada financeiro. Eu tive
através quando eu conheci o hip hop, como a Vanessa citou das
músicas, eu vi que precisava de uma busca por conhecimento, um
profissionalismo. Sou eletricista. Vou citar. Trabalhei com elétrica para
poder comprar equipamentos. Hoje, graças a Deus estou quase
terminando de montar meu estúdio para poder gravar pessoas que não
têm acesso a estúdio, que é muito caro, para poder montar oficinas e
para poder alugar um som, com meu dinheiro, e subir na comunidade
para montar um movimento para tratar uma ideia para as crianças.
Dentro disso, em dez anos, conseguimos formar alguns, hoje a gente
tem representado o meio do hip hop com alguns MCs que tem saída,
alguns grafiteiros que tem sido conhecido, que tem sido conhecidos,
têm vindo para o Rio de Janeiro, São Paulo, até fora do Brasil e a gente
tem sido conhecido por isso, mas, eu sinto a necessidade realmente
desse envolvimento. É difícil a gente tirar o pouco que tem, às vezes
muitos que não têm, para poder fazer algo, então, é algo que vem muito
do coração, eu agradeço muito a Deus pela força, pelo entendimento
que ele me fez ter através disso e influência de alguns, muitos na
verdade, para poder estar fazendo. Eu acredito que pela força que ele
dá a todos e a vida, que todos possam sentir essa necessidade de agir,
com as pessoas que necessitam, assim como ela citou, às vezes tem
evento em comunidade de pessoas que têm como fazer e a própria
pessoa da comunidade não tem acesso pelo financeiro.
Eu elogio uma pessoa que eu conheci há um pouco de tempo, o
Bruno Rafael, que trabalha com a West Coast, através dele eu pude
conhecer grandes artistas internacionais que eu nunca pude ter acesso
por às vezes acontecer em casas de shows em que o ingresso era 200,
300 Reais e para eu juntar um dinheiro desse, só Deus sabe. Através
dele eu pude ter acesso a um evento, um modo simbólico de dizer,
praticamente de graça. Assim, a comunidade consegue chegar, então,
como é que a gente vai poder ter isso, sendo que um dia eu posso tirar
o que eu tenho para investir na minha faculdade, para que eu possa
buscar mais conhecimento ao invés de atrasar os meus estudos, digo
na maneira de profissionalismo em outra parte, para eu poder deixar de
investir, já que existe a Secretaria de Cultura, para eles que invistam
nisso, já que a função para que eu possa continuar trabalhando junto,
mas, progredir em outras partes e a comunidade tem acesso realmente
a esse ponto. É o que eu trago de onde eu vivo, Volta Redonda.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Maravilhoso, eu
achei que você trouxe aqui uma experiência de vida incrível e que
mostra bem a ligação no fundo de um movimento que é alternativo, que
você diz que às vezes tem uma conotação até extremamente marginal,
mas, que também está colado com a vida, com o trabalho, com a
possibilidade de você ter uma atividade que possa alimentar essa
criatividade, envolver outras pessoas, enfim. São vários circuitos, que
eu estou entendendo, são vários circuitos poderosos que têm que ser
usados, certamente.
O SR. LEANDRO OLIVEIRA – Boa-tarde, sou Leandro Oliveira,
instrutor de artes marciais.
Fico meio constrangido de falar de hip hop perto desse pessoal
que está aqui, porque a gente sente um pouco o piso. Eu venho trazer,
exatamente, essa visão, a visão de quem não está mergulhado no hip
hop. Desde criança você vê alguns elementos, você vê um grafite, você
ouve uma letra, eu sinto, como da periferia, que o hip hop, na gente,
chega como um sprey, não chega aquela profundidade, você vai ouvir
rap, você vai ver um break, mas, você não vai associar que aquilo é
uma cultura coesa e mundial. Foram anos expostos a esse spray para
depois saber que aquilo era um corpo. Então, eu vejo um fato nessa
profundidade, que é muito paralelo ao que eu vejo com a arte marcial,
que sofre o mesmo tipo de preconceito. Esse preconceito vem da falta
de conhecimento, que você vê um cara se jogando no chão rolando,
você acha até bonito, mas, você não vai saber que aquilo foi uma
manifestação cultural de alguém que queria sair da criminalidade e
passa batido, é como se tivesse jogando pérolas aos porcos, então, na
minha visão de leigo, o que faria diferença para mim é se quando eu
conhecesse um elemento, eu não conhecesse simplesmente uma
imagem bonita pintada na parede ou um movimento legal ou uma letra
interessante, mas, que viesse o corpo e as pessoas que conviveram
comigo da mesma forma. Alguns chegam até a dominar, dança legal,
faz um grafite, mas, não sabem que aquilo é um corpo, aquilo é uma
entidade completa. Para quem não tem contato nenhum fica uma
imagem mais diluída. Então, eu sinto que faria diferença, com a minha
visão de leigo, porque, às vezes, eu acho que a pessoa que está lá
dentro, imerso naquela situação não consegue imaginar. Como assim,
alguém vê o break e não consegue associar o break ao grafite, não
consegue associar o break ao DJ, porque a pessoa já está imersa
naquilo, já respira aquilo.
Então, na minha visão, de quem tá chegando na porta agora, eu
acho que isso faria muita diferença, porque é aquilo que eu falei, o spray
é legal, bonitinho, vou tocar a minha vida. Mas, se tivesse uma
contundência maior, eu acho que seria mais divulgado, porque a gente
tem a ideia de que é divulgado, mas, no meu ponto de vista, não é tão
divulgado assim, é mais aquilo superficial, sem muita profundidade. Só
isso, só.
A SRA. THIAGO GOMES DOS SANTOS – Deputada,
sinceramente, peço mil perdões, mas eu preciso me retirar, deixei o
meu cartão. A Regina está pegando email com a Andrea para a gente
poder agendar uma reunião com todo mundo.
Deputada, vai ser uma honra para gente ter você conosco nessa
empreitada.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Muito obrigada,
Thiago, agradeço muito, eu acho que a sua participação foi muito
importante, porque você demonstrou que está extremamente envolvido,
tocado e empenhado na causa. Considere-se homenageado aqui
também pela sua vontade de ajudar. Muito obrigada, agradece muito a
Secretária.
Bem, eu vejo que há um léxico nisso tudo. Você falou de corpo,
ele falou de corpo. Ele disse: “Eu não percebo o corpo, eu percebo
o spray.” Quer dizer, os fragmentos, a superfície. A coisa tem um
vocabulário, tem uma...
O SR. DJ TR - Uma poesia.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – ...uma poesia, uma
poesia muito grande.
Quem mais quer.
O SR. MARCELO ELCY – Boa-tarde, gente, sou representante
da comunidade Santa Marta e conforme a Vanessa também falou que
teve o anseio de conhecer a cultura hip hop. Em 1994, eu fui atrás
também desse anseio, de querer conhecer a cultura hip hop. Nessa
época, eu ouvi um programa de rap que acontecia somente nos finais
de semana e eu saí da zona sul e fui até a zona oeste e conheci grandes
pessoas que estão aqui DJ TR, Zoi.
A dificuldade na minha comunidade de realizar grandes eventos
era imensa, o que predominava era o funk – e funk, na época, era lindo,
não é essa coisa que está hoje, o funk era mais poético, mais romântico
-, mas o que era apaixonante mesmo, no meu sentimento de busca, de
conhecimento, era o rap, era o hip hop. Eu não sabia nada, não
conhecia nada, não entendia nada. Eu conheci a Atcom, em 1994, e lá
eu aprendi sobre a cultura hip hop, a trilogia que é o movimento hip hop.
Através desse conhecimento de tudo o que já foi falado aqui, a
grande dificuldade é de fazer um evento, de tentar se manifestar
culturalmente através da cultura hip hop, eu tive a felicidade, através do
TR, que ele falou: “Cara, tu tem uma comunidade na mão, você precisa,
através, da sua liderança, entendeu, fazer uma revolução, fazer alguma
coisa.” E a gente foi alimentando essa ideia, criando, como eu posso
dizer, uma expectativa e foram poucas palavras, partimos logo para as
ações.
Um dia, numa sexta-feira chuvosa, naquele dia, a gente pegou
uma chuva incrível, a aí a gente partiu de lá, da zona oeste, de lá da
Câmara dos Deputados, direto para o Santa Marta. Chegando, lá, no
Santa Marta entramos numa reunião com as lideranças de lá, tem lá o
Grupo Eco, tinha o pessoal da cidadania e várias outras lideranças,
entramos com o projeto do hip hop e, mediante isso, o TR conseguiu
juntar também grandes produtores, na época com a Michele, eu
também com a minha rapaziada aqui, o Mister Zoi e Max tendo
abraçado a causa. Enfim, foi uma coisa que é e até hoje continua sendo
muito difícil, mas a gente reuniu força e conseguiu por em prática e esse
é um projeto que perdura até hoje através de outras pessoas que estão
lá agora, como o Fiel que dá continuidade através do hip hop Santa
Marta. Todo mês, uma vez por mês acontece o movimento lá. Enfim,
através dessa união, dessa galera que está aqui, que eu conheci lá, eu
não conhecia ninguém, não conhecia a TR, não conhecia o Zoi, da
comunidade do Chapéu Mangueira, logo ali do lado, no Leme, eu sou
de Botafogo, zona sul também, o Minimax que está aqui atrás é do Rio
das Pedras. Então, todo mundo com o objetivo incomum, mas ao
mesmo tempo querendo se manifestar da mesma forma, nos unimos e
estamos até hoje, isso há mais de vinte e poucos anos, estamos aqui
até hoje.
O hip hop para mim é tudo na minha vida, eu agradeço ao hip hop
por ter essa família, todos esses meus amigos que eu tenho até hoje
através do hip hop, muitos que estão aqui que ainda lembram de mim,
nos encontramos lá no evento essa semana no Santa Marta e a galera
lembra de mim, há tanto tempo sem ver essa galera toda que está aqui.
O hip hop é muito importante na minha vida e foi ele que me resgatou,
foi ele que me fez entender que ali onde eu nasci e me criei, eu poderia
reestruturar em mim novos valores. Aprendi muita coisa. Através do hip
hop eu em tornei uma pessoa mais culta, uma pessoa que tem
ambições importantes como levar, através do hip hop, o conhecimento
do meu povo dentro da área. Já fizemos vários projetos, inclusive
aquele projeto que levamos com o DJ Saci, a gente dava aula de oficina
de DJ para a molecada, foi a primeira oficina na zona sul de DJs, foi
com o DJ TR dentro do colégio. A gente fez também um projeto no Café
das Artes lá no Espaço dos Correios. Então foram diversas coisas que
conseguimos criar com muita dificuldade, muitas vezes a gente tirava
do nosso bolso, não é TR? Então, enfrentamos dificuldades e estamos
aí até hoje, acho que vai ser de grande importância se através desse
encontro aqui e a gente levantou uma coisa muito mais poderosa do
que isso. Valeu.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Você se apresente
aí para as gravações.
O SR. MISTER ZOI – Mister Zoi. Eu não tive oportunidade de ir
às reuniões que o pessoal fez, eu estou meio que conhecendo a
proposta toda e não queria falar sobre a coisa, mas estou gostando de
algumas coisas que estou escutando principalmente o que falou o
nosso amigo que já se ausentou, sobre a coisa da gestão, a gente tinha
um programa na antiga que a gente não soube formar os nossos
empresários, a gente não queria empresários e a gente não soube
formar os nossos empresários, acho que agora a gente tem que se focar
nisso. É claro que financeiramente a gente nunca andou pela parte
financeira, a gente nunca tinha financeiro para andar e teve muita gente
recebendo dinheiro em nome do hip hop e usando em benefício próprio
e de repente para o governo, para o sistema eles sempre acharam que
deram o dinheiro para o hip hop, mas esse dinheiro não chegou para
todo mundo, esse dinheiro foi manipulado e acho que é muito
importante ter essa divisão dos recursos que nunca teve. É só isso. Eu
estou conhecendo e, é isso.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Você falou de uma
coisa importante que é o lado empresarial do movimento que é uma
coisa que os baianos em geral fizeram com o samba. Nós não
conseguimos. Nós ficamos dependentes das grandes gravadoras,
internacionais inclusive. E os baianos montaram gravadoras
alternativas poderosíssimas e conseguiram crescer muito com isso e
projetar a música baiana. Então, eu acho que você tem razão. É um
ponto importante realmente.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Arcélio. Sempre
falem o nome.
O SR. ARCÉLIO FARIA – Mister Zoi levantou uma séria dentro do
movimento hip hop, porque alguns se dizem hip hop, de hip hop,
apanham essas verbas e usam essas verbas e quem na realidade faz
o hip hop, que tá dentro das comunidades, que têm o trabalho todo, tá
aqui. E aí pra gente chegar até a Secretaria de Cultura, pra gente
chegar a essa verba, é uma dificuldade enorme porque as portas estão
sempre fechadas. Eu acho que tem que ser democratizado sim. Essa
verba é pública. Eu acho que tem que ser democratizado e na realidade
os projetos não podem vir de cima pra baixo. Eu acho que quem tá
fazendo o hip hop, os quatro elementos, quem está nas bases
construindo e tirando essa galera do tráfico, do vício, dos assaltos, é
essa galera que tá aqui presente. É essa galera que faz o movimento
hip hop crescer e não tem acesso às verbas públicas. Eu acho que é
uma maneira da gente democratizar.
E por isso que nós estávamos querendo essa reunião com o
governador, ou o futuro governador, para que a gente possa discutir
isso também, a verba pública pra uma minoria e a maioria aí passando
necessidade, com apoio de comerciantes locais, e passando
necessidade.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Você está dizendo
uma coisa que eu queria até um esclarecimento. Uma coisa é dizer:
“Olha, o sistema não se interessa por hip hop, se interessa por outras
coisas, e, portanto, o dinheiro não chega.” Isso é uma coisa. Outra coisa
é dizer o seguinte: “Há alguns que se apresentam como hip hop, que
levam o dinheiro do hip hop, mas não são os verdadeiros raízes, nem
os que estão realmente alimentado o movimento.” Eu acho que são
duas coisas diferentes. Eu entendi que você tá dizendo que há sim
algumas pessoas que se apropriam disso, sem ter a legitimidade do
movimento. É isso?
O SR. ARCÉLIO FARIA – Para ter um exemplo, há pouco tempo,
agora, dia 1º, teve um festival de hip hop que ninguém aqui ficou
sabendo, e foi uma verba pública de 150 mil reais. E ninguém participou
desse evento, ninguém teve conhecimento desse evento...
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – E isso foi onde?
O SR. ARCÉLIO FARIA – Na Cinelândia, na Pedro Lessa.
O SR. DJ TR – Duvido que gastaram 150 mil para fazer.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Quem financiou?
O SR. ARCÉLIO FARIA – Foi dia 1º de agosto, uma sexta-feira,
de 6 às 10 da noite.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Quem é que
promoveu?
O SR. DJ TR – Essas pessoas têm acesso, essas pessoas que
são realizadoras desses eventos têm acesso a todas essas pessoas
que estão aqui na mesa. E eu acredito que ninguém ficou sabendo, só
ficou sabendo no dia seguinte.
O SR. MISTER ZOI – De 6 às 10? Para começar, nunca que um
evento de hip hop vai durar quatro horinhas só.
O SR. ARCÉLIO FARIA – É, sabe com é... E geralmente a gente
não faz esses eventos dia de semana, até porque muitos trabalham,
estudam.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Mas quem é que
patrocinou?
O SR. ARCÉLIO FARIA – Verba Governo municipal também.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Tá bom.
Vamos dar palavra aqui ao pastor.
O SR. PASTOR RUFINO JR. – Boa-tarde a todos. Graça e paz
aos amados.
Me sinto muito lisonjeado por estar fazendo parte dessa elite.
Estou aí há pouquinho tempo nessa caminhada, 23 anos. Conhecendo
o paralelo, o hip hop. E o hip hop para mim hoje significa vida.
Presido a comunidade evangélica Deus Torna Forte, Que fica em
Caxias, Nova Campina, um bairrozinho pequeno lá, onde vejo a
juventude todo dia morrendo. Pelo tráfico, pela ociosidade, pela falta de
oportunidade. Primeiramente, eu tenho um compromisso com o
evangelho, de resgatar vidas. E a juventude tem se voltado a uns
conflitos por formação educacional, cultural, e poucas oportunidades.
Então, eu peguei o evangelho, introduzi o hip hop para buscar esses
jovens do tráfico. Para buscar da ociosidade e implantar a cultura dentro
deles.
Mas deixei um panfleto ali. Fizemos um evento mês passado que
se chamou Visão Urbana. Colocamos todos os elementos do hip hop e
o evangelho ali. Vidas foram alcançadas através dessa linguagem. Luto
por dois sistemas: o tradicionalismo da igreja e a falta de oportunidade
da cena com os governos, com as pessoas que não valorizam. Não
temos ajuda de ninguém. Nós nos unimos para fazer isso voltado à
cultura, a cena, porque vim de uma ONG todos nós conhecemos bem
o Afro Reggae, há dezessete anos. Ali, tive contato com o hip hop. Ali
ouvi falar dos Racionais. Ali comecei a me identificar e fui crescendo.
Fui observando a possibilidade de ajudar do lado social, que é só o meu
lado. Hoje, como pastor, estou vendo essa questão de vidas mesmo. A
juventude é a nova geração é o fôlego. Precisamos, de alguma forma,
arrancá-la desse sistema: dessa mortandade diária – que está virando
corriqueira na nossa realidade -.
O hip hop é uma arma, vamos dizer assim, letal que a juventude
que estava nesse evento no mês passado conhecia o hip hop só de
televisão. Nunca viram um grafite de perto; Nunca viram um DJ fazendo
a sua performance. Houve identificação. A juventude começou a atentar
para isso. Com a ajuda da nossa comunidade lá estamos abrindo uma
oficina para ensinar. Alguns amigos nossos estão se disponibilizando a
dar aulas de break, DJ, grafite. A molecada está vindo.
Estou muito maravilhado com esse movimento, com essa
unificação num só segmento, num só pensamento que é o de enfatizar,
o de estruturar a cultura hip hop e alcançar vidas. Estou muito
agradecido.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Acho que é o lado
do resgate do seu movimento: resgatar as pessoas de um caminho que
não tem saída, que vai levar a morte para um caminho que vai levar a
vida, que é a criatividade, a arte do hip hop. É uma mensagem
extremamente tocante, pastor. Muito obrigada pelo seu trabalho, que
transcende, inclusive, até a nossa reunião. É um resgate.
Bem, damos agora a palavra ao Vinimax.
O SR. VINIMAX – Boa tarde, rapaziada , boa tarde, Deputada.
Olho aqui para o TR, olho para esse cara aqui, olho para aquele cara
ali.
Sou Vinimax o bagulho está aqui. Vamos que vamos. Vamos
junto.
Olho nos teus olhos, cada um de vocês aqui, volto há vinte anos.
Voto quando aquele cara foi no meu barraco de madeira, aquele cara
falou assim para mim: “Vinimax, você é um cara muito importante pela
sua voz, pelo seu talento.” Ele falou uma coisa muito importante,
naquela época, dentro da minha casa. Ele foi fazer uma entrevista
comigo. Ele falou assim: “mano, o hip hop não anda sem cinco
elementos.” A primeira vez que escutei do quinto elemento. É o quê, o
Pitbox? “Não. É manter a cultura viva.” Agora, o hip hop é um negócio?
(pausa) Também. Se os Estados Unidos começarem a tocar samba
onde vão buscar a história do samba? Como eles vão passar a ganhar
dinheiro? Vão buscar onde, isso? Aqui. Eles vão ver como o Zeca
Pagodinho ficou rico, morando na Barra e como os demais.
Passei por um processo no hip hop onde o próprio Pedro falava
que o Netinho ou qualquer pagodeiro é um pela saco. Hoje, está todo
mundo achando legal. Sempre achei naquela época: que o preto tem
que estar com dinheiro etc. Não é o hip hop, mas montou a primeira
faculdade de Afrobrasileiros.
O hip hop, para mim, sempre foi um instrumento de trampolim
para as pessoas se tornarem cidadãs. Sempre teve uma disputa
interna: se você faz um rap, outro, mesmo estando na mesma galera,
com a mesma ideologia, faz uma coisa mais dançante - fui vítima disso
- você é um pela saco. Não tem diferença nenhuma da boca de fumo.
Então, quando decidi entrar politicamente no hip hop, através desses
caras aqui, TR, quando a gente começou a se arriscar, quando o BOPE
começou a entrar numa com a gente, porque a gente estava tirando
maluco da boca de fumo e tiramos vários da boca de fumo; quando a
gente estava na reunião na Chapa Quente arriscado a polícia invadir e
morrer todo mundo e ser preso. O Carlinho B Boy foi preso. Ele saiu da
cadeia, ficou na minha casa um tempão. Implorei, implorei, implorei ao
movimento e ninguém deu nada. O moleque está louco na Rocinha.
Está louco na Rocinha! Está louco na Rocinha! A vontade que tenho é
pegar aquele moleque e botar num lugar isolado até ele... sei lá. O
André B Boy foi embora decepcionado.
Então, tivemos várias decepções como houve várias reuniões
dessa, maneira.. Como transformar isso num negócio? Fui na festa
desse cara, uma vez. Maravilhosa. Via blogs. Vi uma movimentação na
Internet, no seu começo, antes do Facebook. Vi uma comoção muito
grande, mas quando esse cara fazia uma festa, aí, pensava assim: vou
na festa desse cara. Será que esse cara é branco? Chegava nesse
nível, não é mano. Estou mentindo? Não, não estou mentindo. Enfim,
um cidadão só se deu bem nessa história: ficou rico com isso. Não vou
citar nome, mas todo mundo está ligado no que estou falando.
Fico olhando. É uma cultura americana. Nada mais do que justo
a gente saber que, tirando o M Nem, o resto é tudo preto que lida com
isso e transforma esse negócio. Tenho contato com a rapaziada lá de
fora, de grande novo, inclusive, o nosso LF, mora em Nova York. Como
fazer negócio? Você tem exemplo aqui de um bom negócio de um cara
que se chamava Crioulo Doido. Ele descobriu que tinha uma
possibilidade de um talento a mais para cantar. Ele lançou disco e o
cara ganhou os maiores prêmios da música brasileira. Todos. Ele se
denomina MC Rapper. Mas eu já escutei neguinho: “mas ele não é
rapper.” Ainda temos esse pensamento.
Como ganhar dinheiro nisso? Será que o negro americano
esperou o governo? Será que o governo americano esperou a
Secretaria de Cultura deles? Será que os negros americanos
esperaram alguma coisa do governo? Quantas vezes eu e Mister Zoi já
declaramos que temos estúdio para todo mundo gravar. Ele faz o teu
funk e acontece. Temos um Rio Parada Funk. Não tem nem aí se ali
nego tá ganhando dinheiro ou caraça, mas é a parada que está
acontecendo. Se acontecer alguma coisa de hip hop vai ser um
malandrão que vai fazer isso e vai tirar proveito, mais uma vez.
Então, passei anos da minha vida estudando como que os negros
americanos ganham dinheiro: com o próprio rap. O rap é música, antes
de mais nada. Como é que o Jay-Z consegue, em dois anos
consecutivos, ser o músico mais milionário do planeta? Orgulho para a
gente que vive numa cultura que pertence a eles. Como é que faz
dinheiro? Não quero dar aqui a prepotência de que: “ah, o rap quando
estourar vai levar todo mundo.” Não. Como é que os gêmeos viajam o
mundo inteiro fazendo as suas exposições com grafite e levando a
cidade de São Paulo e o nordestino para o mundo? Aqueles desenhos
deles representam o Nordeste, da origem deles. Como um B-boy ganha
seu mundo? Ganhando campeonato lá fora e sobrevivendo disso. A
gente tem que saber separar o que um movimento cultural. Perguntei
para o Áfrika Mombaataa: como você se mantém uma cultura e ganha
dinheiro com isso? Você ouve na FM O Dia um bocado de pagode mela
cueca, que é uma porrada de irmão da favela que está se levantando,
mas também está do lado o underground e o samba. No outro dia botei
no Facebook: caraca! Estou escutando Bezerra da Silva na FM O Dia.
Como é que é a FM O Dia está fazendo? Não, isso existe, sim. Um
respeito, uma coletividade, talvez que não precise de uma reunião. Uma
vez vi uma roda de samba de um moleque novo de repente puxei um
samba de raiz. Os moleques novos cantaram tudo. Pega um moleque
desse da nova geração vê se ele vai cantar e MT Bronx?
Estou conseguindo fazer com a juventude das favelas –
comunidade é condomínio, desculpa aqui, tá – com passinho aquilo que
não consegui fazer com o rap, com a cultura hip hop. Certo? Como que
vamos ganhar dinheiro com isso? As festas desse cara não podem
acabar nos fins de semana. A gente não pode deixar de se reunir. Quem
é detentor do seu próprio samba? Quem é? Você vai ver alguém de fora
fazendo isso, que não tem nada a ver? Não. O Zeca Pagodinho tem o
escritório ao lado do meu, na Barra, é ele que dita as regras, Racionais
dita suas regras, o crioulo dita suas regras. Eu vejo o rap ainda sofrendo
com a questão da musicalidade. Nós temos aqui talentos, inúmeros
irmãos aqui com CDs fazendo clipe, fotos maravilhosas, mas não vai
para frente porque é aquele problema da questão do empresário, se
nós não temos dinheiro como vamos ser empresários, eu vivo sobre
isso. Hoje, eu tenho uma produtora, mas mesmo assim é difícil. Como
que a gente pode gerar isso? Paramos os eventos, o fiel faz, ainda é o
único no morro, na favela que rola ainda o hip hop. No Santa Marta eu
estou lá, está todo mundo lá. O Fiel vai preso, é ameaçado...
O SR. FIEL – Apanho.
O SR. VINIMAX – Apanha. Como que vamos fazer isso? Nada
mais do que justo, eu estou envolvido numa cultura, seja funk, rap, soul
music e qualquer coisa, é deles. Como os caras ganharam dinheiro?
Passamos 20 anos sem saber fazer dinheiro. Essa é uma realidade. Se
alguém quer viver da cultura tem que saber fazer dinheiro. Vamos lá,
cara, estudem, olhem como os raps americanos ganharam dinheiro,
como aqueles que a gente não vê notícia, como o grafite tem suas
exposições nas melhores salas de Nova York, como eles absorvem
isso, como eles têm o poder de absorver isso. Eu não vejo isso. Eu vejo
o seguinte: o negro, irmão, como já aconteceu, ele conseguir fazer um
evento de hip hop dentro de um espaço que seja uma boate e ninguém
apoiar, nego tacar pedra porque ele acha que está dando isso
para playboy. Começa o preconceito desnecessário. É lógico que eu já
tive isso, não aí no sistema, eu com olhos verdes falo que sou preto,
tem essas coisas, todo mundo se empolgou com isso vendo Malcom X.
Mas, se eu não me engano o Rebouças era de uma família negra. É
mentira? Não.
Como se ganhar dinheiro com isso? eu tenho amor pelo estúdio,
pela tecnologia, esse cara aqui gasta o que não tem para botar o estúdio
dele de pé e gravamos o Chacal. Você sabe da importância do Chacal
para a cultura hip hop do Rio de Janeiro? Esquecemos Lorde Sá, do
Grupo Ponto 50, que morreu? Eu não vejo nada na internet, nada.
Vamos falar de História. Então, como é que a gente vai ganhar dinheiro
com isso? Aí acontece essa parada, o cara faz um evento de hip hop e
declara que foi 150 mil. Eu posso falar que esse cara aqui como letrista
é Vocês já escutaram o rap do Marcelo? O Tupac é pinto, mano. Ele
está do meu lado.
A gente tem um estilo de rap criminal, a nossa base sempre foi o
West Side, lá da Califórnia, sempre tivemos essa referência do funk, do
soul e sempre relatamos o crime em nossas letras e sempre ganhamos
nossas vidas. O BOPE quando estava atrás da gente lá, por incrível que
pareça foi um outro cara do BOPE que livrou a gente, o cara se
conscientizou, sacou? Todo mundo sabe, chama o cara pela saco, está
aí na TV de vez em quando. Mas, tem muita coisa por trás, muita arma
na nossa cara, muita ameaça. Sacou? Eu moro num lugar que todo
mundo sabe qual é a do sistema lá, que não é tráfico, eu trabalho na
cultura hiphopiana e neguinho: ó, tu tá planejando invadir a favela aí
com os trafica. Entendeu? Mas aí o dono de lá falava: ó, rapaz, o cara.
Os caras foram me matar na minha porta. Tá ligado? Aí o cara: tá
maluco, o cara faz um trabalho social. Aí nessa hora, por incrível que
pareça, o Muvuca salvou minha vida, olha só, logo da Rede Globo que
a gente fala tanto. É muito doido isso, cara, a vida. Quando apareceu:
não, realmente o cara faz, não vamos matar o cara não.
E o sentimento que eu tenho de tristeza é que a sua luta, a luta
dos nossos irmãos antigos foi em vão porque um passou para o Brasil
que ele era o único detentor da cultura hip hop no Estado do Rio de
Janeiro. Eu viajo o Brasil, eu sei, eu ando nessa parada, estou ligado,
eu ando na terra do inimigo, mano, eu sei que se falar de hip hop é só
um. Dificilmente você vai pegar um moleque aí e você vai lembrar de
Contagem Regressiva, de Esquadrão Zona Norte. A gente caía na
porrada, mas era tudo irmão. Togum. Nego fala mal do Togum porque
o cara atuou no cinema. A gente fica perdendo muito tempinho. A gente
não percebe que temos que vencer. Nós temos que ter um Wesley
Snipes, porra. A gente vive numa cultura americana. Então, nós temos
que ter o nosso Wesley Snipes. Tupac fazia balé. Mentira? Tocava
baixo. Doctor J era um cara formado. Um CD do Doctor J custa cinco
milhões para ser produzido. A porrada come. Ice Cube é formado.
Inclusive ele fez um rap agora. Snoop é advogado. One é professor de
história. Os jogadores de basquete são todos formados, senão não joga
basquete. Também. O Rick Ross é policial, e tem um respeito, porque
ele não vai matar os irmãos dele. Vai dizer: “ó, mano, tu tá errado, vem
aqui”. Então, é isso.
E qual é a luta? Eu sempre lutei. Eu sempre tenho a preocupação
com o que faço agora, com o Passinho: é fazer o moleque completar o
2º grau e você entrar dentro da faculdade, mano. O Emílio Domingos
ganhou agora a Medalha de Honra Pedro Ernesto, semana passada.
Semana passada, não; anteontem. Um cara filho de um porteiro pobre
que não tinha condições. Passava fome para estudar nessa
universidade e escutava lá dos playboys: “meu irmão, está fazendo o
quê aqui?” e o cara fez o L.A.P.A, fez o clipe, a batalha do passinho,
onde eu fui o diretor musical, e o cara recebe a medalha onde ele foi
humilhado durante quatro anos, estudando, filho de porteiro.
Para onde a gente quer chegar? Eu tenho 20 anos nessas
reuniões e até agora, qual é o objetivo? Porra!
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Você está dizendo
tantas coisas incríveis, mas conta, porque eu estou tentando ...
O SR. VINIMAX – Você quer minha história no hip hop?
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Não, você vai fazer.
Nós vamos fazer isso. Nós não vamos perder isso de jeito algum.
O SR. VINIMAX – Vai gastar muito tempo.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Claro, não é aqui,
não. Não é aqui, mas a gente está vendo que é uma coisa
extraordinária. Mas você está dizendo – é fantástico essa coisa dos
negócios – adorei isso, porque eu vou dizer para vocês: você, falando
isso que você está falando, você hoje está na vanguarda do Brasil. O
que o Brasil precisa é que pessoas como vocês digam isso.
O SR. VINIMAX – Exatamente.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Nós queremos viver
do valor que estão produzindo e não apenas da condescendência e da
boa vontade do Estado. Não existe isso mais. Então, você está na
vanguarda do Brasil. Se, nessas eleições presidenciais, essa
mensagem pudesse ser ouvida, de pessoas que têm o protagonismo
que ninguém deu, que foi conquistado na luta, na realidade da vida, eu
acho que já é uma coisa extraordinária. Agora, pelo menos que não
atrapalhe, porque, na verdade, a gente vê que, às vezes, as instituições
criam tantas regras, tanta confusão que acaba que o dinheiro vai parar
num lugar que não era para ser...
O SR. VINIMAX – Que não era para ser. Exatamente.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – ... e o outro que está
fazendo o que tem que ser feito está aí completamente desamparado.
Agora, o que eu queria é que você contasse para mim, porque eu estou
tão emocionada com essa história do filho do porteiro. Não é isso que
você está contando?
O SR. VINIMAX – É.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Que recebeu uma
medalha onde ele foi humilhado. Conta melhor isso para mim, porque
você passou tão rápido que eu tinha vontade que você contasse um
pouquinho melhor essa história.
O SR. VINIMAX – Exatamente. O que eu quero dizer é que o
Emílio é um cineasta urbano, onde ele relatou a fase mais importante
da cultura hip hop. Você coloca no youtube “hip hop Rio”, onde tem o
TR, onde tem a gente, onde o cara documentou isso e é muito
importante. Então, ele faz tudo isso sem custo nenhum, está ligado?
Sem pedir nada para ninguém, tenta, várias vezes, com dificuldade,
através de uma Lei Rouanet, fazer o seu documentário, o seu filme,
como a gente tenta, na cultura hip hop, o movimento tentar pegar uma
empresa ou não, e não consegue, ele fez isso sozinho, como ele fez a
Batalha do Passinho, durante três anos, documentando, indo no morro.
Ele fez a mesma coisa com o hip hop. Documentou isso. Tem histórias
fantásticas.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Como é o nome
dele?
O SR. VINIMAX – Emílio Domingos.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Emílio Domingos.
O SR. VINIMAX – Exatamente. Então, o que eu quero dizer? Falei
da parte do negócio, da onde a gente vai. Então, o que acontece? O
pastor ali falou uma coisa muito importante, que foi sempre a nossa
intenção aqui, do TR, do Zoi, que é salvar vida. Mas vamos salvar vida.
Mas, se ele não tem uma base intelectual – eu chamo meus vizinhos de
burros porque eles me conhecem, sabem que eu sou chapa. Falo: meu
irmão, pega um jornal desse aí para ler em meia hora para saber que o
maluco do Adriano estava lá na boate doidão. Você acha legal isso, ficar
discutindo isso? Sabe, é levar informação, a cultura hip hop sempre foi
isso, levar a informação.
Agora, como que a gente consegue pegar 500 mil de uma
empresa e colocar para o Bruno fazer o seu evento e ele pegar um astro
do Hip hop e dar a possibilidade de a gente entrar, pagar 15 contos, e
não ele fazer. Ele é o produtor, se ele tiver que trazer o Jay-Z aqui onde
é feito o Rock’n Rio e a entrada ser de 150, se põe no lugar dele. Se
ponha no lugar dele. Isso é fácil, entendeu?
Então, como que a gente faz, porque eu vejo esse apartheid, eu
vejo alguém do apartheid saindo dali, opa, vou pegar aquela parada ali,
vou arrumar um dinheiro, eles têm essa facilidade, têm a máquina. Mas,
para se conquistar a máquina, eu tenho que despertar interesse,
interesse. Alguém tem que ganhar com isso. Você já viu Ensaio de hip
hop, esse documentário? Já viu. A gente tem que ver. Um judeu pegou
a parada: Meu irmão, vou fazer dinheiro com esses caras aqui. E, hoje,
o dono da Roc-A-Fella é quem? Jay-Z. O Racionais fez a mesma coisa.
Quando eu fui contratado pela Sony Music, quando eles foram
distribuídos, eles tinham uma forma de distribuição e de um
investimento de marketing da própria Sony Music. Eles trabalharam o
seu Marcha do Sobrevivente, a Sony Music aplicou dinheiro, mas, numa
pequena cláusula, eles meteram o pé. Muito inteligente. Eu ouvi o
presidente falando isso quando me contratou. Porra, por causa da
pequena cláusula...!
Como é que os caras conseguem falar mal da Nike e a Nike
patrocina os caras? Como é essa manobra? Pô, se o cara fala mal de
mim, como é que depois eu consigo, pô, o cara está falando mal de
mim, como é que eu vou ceder alguma coisa para o cara? Temos que
ser espertos, gente. Temos que entender de administração. Será que a
referência do Racionais, eu hoje não tenho tanta, mas, tipo assim, será
que essas manobras administrativas, de negócio, não seriam uma coisa
muito importante para que o pastor também tenha uma renda para o
seu grupo, para que o Rafael tenha também uma base para que ele
faça os seus eventos, para que nós aqui, no nosso estúdio aqui,
possamos comprar um microfone de 30 mil dólares para que a voz
do rapper seja muito boa? Como é que essa massa de manobra que
você fala assim: a Nike não presta, faz trabalho escravo na Índia, e o
cara chega na periferia em São Paulo, vamos conversar, irmão. Beleza,
distribui aqui tênis para a rapaziada, o mais caro que você tem. Será
que é só isso? Não, não vamos discutir isso. vamos discutir como é
essa manobra administrativa.
Desculpe, gente, mas eu já participei de tantas reuniões desse
jeito, não desmerecendo esta reunião, não. Pelo amor de Deus, eu
estou chegando agora, eu sou do funk, tá ligado? O hip hop, para mim,
é uma coisa muito mais particular, muito mais da forma que Cristo
pregava, de casa em casa, né? Não botando o som na praça, gritando
mais.
Espero que queira também, que chegue a esse ponto, que
chegue a um denominador comum que a gente possa gritar e que a
gente possa chamar atenção e interesse de quem realmente não faz
parte e coloque, aplique o dinheiro porque isso é uma realidade.
O SR. ARCÉLIO FARIA – A grande verdade, sem querer cortar a
tua fala, que é extremamente importante para o movimento, o hip hop
hoje, a gente não pensa só no hip hop na rua. A gente pensa em
ultrapassar os muros da escola.
O SR. VINIMAX – Exatamente isso.
O SR. ARCÉLIO FARIA – Trabalhar o intelecto dos nossos filhos
e, oxalá, nossos netos; formar nossa juventude com aquilo que nos
formou
O SR. VINIMAX – E dentro de uma faculdade.
O SR. ARCÉLIO FARIA – E, detalhe, e fazer da rua um lugar
melhor também de se trafegar.
O SR. VINIMAX – De trafegar. E a rua precisa de quê? de uma
cobrança, e envolve a política, envolve você fazer do teu hip hop um
trampolim para, meu irmão, você só vai ser alguém, você só vai ser
alguém dentro da cultura hip hop se você carregar os cinco elementos.
Se você quer ser alguma coisa na sociedade, você vai ter que ter, ser
um cara bem instruído, você tem que estar dentro da UFRJ. Pô, a
pesquisa diz agora...
O SR. DJ TR – Desconstruir na cabeça do menino da
comunidade, inclusive, que universidade não é coisa só para o filho do
bacana, é política pública para todos.
O SR. VINIMAX – Exatamente. E você viu a última pesquisa que
saiu agora? 83% dos que pagam faculdades são pobres.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – E vice-versa, 83%
dos que não pagam poderiam pagar. Ou são ricos ou são de classe
média.
O SR. ARCÉLIO FARIA – Vini!
Tem uma coisa aqui, no nosso país, que a gente tem que
desmistificar, que é o seguinte: enquanto nos Estados Unidos a negrada
se forma, como você falou, é faculdade, os nossos governantes e a elite
quer formar a nossa comunidade com mão de obra escrava: é
manicure, é cozinheiro ...
O SR. VINIMAX – Os estereótipos, não é?
O SR. ARCÉLIO FARIA – Por que a gente não pode fomentar,
nas nossas comunidades, o neguinho, que pode ser um engenheiro, um
médico, um advogado? Mas, há toda uma máquina que gera isso daí,
e que o quilombo mudou! Hoje o quilombo são as favelas e a escravidão
mudou. Hoje, a escravidão é a manicure, é a pedicure. Por que na
nossa comunidade não podemos ter engenheiros, doutores?
O SR. VINIMAX – Exatamente.
O SR. ARCÉLIO FARIA – Nós temos que estar atentos a isso. Eu
acho que o movimento hip hop tem essa função. A gente já vem
discutindo isso com alguns professores da Faetec, para que a gente
possa estar dentro das comunidades, dentro das escolas e desmistificar
isso, que a nossa população só pega esses cursos de qualificação
básica, para manter.
O SR. VINIMAX – Exatamente. Para manter! Tipo assim: o
trabalho da empregada, ah, beleza, é um trabalho honesto, mas é
colonial, brother. E de uma cultura colonial!
O SR. LEANDRO OLIVEIRA – Eu, você, Zoi, Marcelo, o pessoal
mais antigo, a gente cansou de ouvir o Afrika Mambaattaa dizer que o
hip hop não precisa só dos elementos. Precisa dos doutores,
professores, médicos. Ou seja, eu estava falando outro dia, numa
palestra, sobre isso, falando com as crianças da escola, dizendo o
seguinte: “Gente, hip hop é como a arte marcial, que você tem um início,
uma entrada, ajuda também a formar tua disciplina, que vem de casa –
a educação tem que vir de casa, a primeira educação é de casa, é
primordial -, mas na escola ajuda a moldar, lapidar essa disciplina.
Então, você começa com o hip hop como você começa num programa
de arte marcial, não quer dizer que você venha a ser uma atleta ou você
venha a ser um artista, no caso do hip hop.
O SR. VINIMAX – Exatamente.
O SR. LEANDRO OLIVEIRA – Mas a gente ajuda a pavimentar o
caminho desse menino, para que ele seja o advogado de amanhã, um
professor, um médico...
O SR. VINIMAX – Essa sempre foi minha preocupação! Sempre
foi! Sempre foi!
O SR. LEANDRO OLIVEIRA –... e que ele possa ocupar todos os
setores da sociedade, sem o demérito aos empregos que nós, é até
pateticamente classificado como subemprego, subemprego, o próprio
Arcélio falou, mas tudo bem, que seja sim uma boa manicure, que seja
uma boa cabeleireira, mas também que possa ter oportunidade de ser
uma boa professora, um bom médico, um bom advogado, e que possa
ocupar todos os setores da sociedade, como a gente almeja.
O SR. VINIMAX – De manicure. Que ela possa até ser dona do...
como é o nome do bagulho que pinta a mão? (pausa) Esmalte, essa
parada aí mesmo. Pode ser. Aí incentivaria isso. Sim, possa ser o que
quiser. Acho que a cultura hip hop tem que ser um trampolim assim
como foi o trampolim para os norte-americanos.
O SR. LEANDRO OLIVEIRA – Só uma ressalva, nós somos
praticamente quase 100% da nação afrodescendente no Brasil,
enquanto nos Estados Unidos são apenas 12% de afro-americanos.
O SR. VINIMAX – Deixa eu dar só um exemplo. Morreu agora um
jovem nos Estados Unidos, está dando uma merda do caramba.
Desculpa a minha linguagem, está ligada em favela. É fogo, eu falo
palavrão. Desculpa. Está todo mundo ali brigando. Você lembra que há
dez anos mataram um médico negro e o movimento hip hop não fez
nada, em São Paulo. Então, começa por aí, não é? É isso aí. Obrigado,
gente. Desculpa aí.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Não, não. Olha só,
eu queria só pedir desculpas a vocês porque eu tenho mais um tempo
para falar, e curtinho, mas eu queria dizer a vocês que o que foi dito
aqui e ouvido tem um enorme valor, não apenas cultural - nós estamos
na Comissão de Cultura –, mas social e político e econômico, nós vimos
aqui. Então vocês podem saber que não encontrarão uma pessoa mais
preocupada, há trinta anos, com as indústrias culturais do nosso estado,
do que eu. Porque, na verdade, a Cultura tem esse lado educação, esse
lado formação, que é um lado estatal. Num certo sentido, a
responsabilidade é em boa parte estatal. Mas esse lado mercado, esse
lado negócio, que é importantíssimo, que pode fazer a glória de uma
cidade ou de um estado. E que a nossa cidade tem tudo para ser isso,
tem tudo. O que vocês estão mostrando aqui é que esse mercado
poderia ser um mercado de autodinamismo, empregando, fazendo as
pessoas ascenderem socialmente, e não apenas ficarem gravitando em
torno da coisa pouca.
É claro que uns vão ficar mais para baixo, outros vão subir.
Infelizmente, não há nenhuma sociedade do mundo que permita a todo
mundo subir, mas sobe aquele que tem vontade, que tem talento, que
tem predisposição, e nós queremos garantir isso para todo mundo, para
vocês especialmente.
O SR. VINIMAX – Que a lei seja cumprida, que a Secretaria
realmente não escolha aqueles a quem eles querem dar o dinheiro,
porque é isso que acontece. Para o hip hop nunca deram.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Concordo com você.
Nós estamos discutindo isso no sistema. Deixa eu dizer uma coisa
importante para vocês: no sistema estadual de educação que já foi
discutido aqui em uma audiência pequena, que foi um pouco rápida,
vamos dizer assim – vamos ter outras –, quando essa proposta chegar,
nós vamos ter que ter um certo cuidado porque dentro desse sistema
está incluída a lei de incentivo, que está sofrendo algumas mudanças.
Então, é preciso que a gente tenha cuidado para garantir esses
mecanismos mais abertos de mercado e essa forma mais democrática
de espalhar a iniciativa e de garantir a iniciativa da maneira como você
colocou.
Mas isso é um capítulo em que a gente tem que ter clareza. Vocês
estão dizendo o seguinte, eu interpreto assim: o hip hop é um capítulo
da indústria cultural do estado do Rio de Janeiro, da cidade do Rio de
Janeiro e tem que ser tratado como tal. Não é só o mendigo cultural, da
periferia, coitada, lá, não tem o que fazer, está infeliz, querendo se
manifestar, como se fosse uma coisa assim. Não, é um mercado, tem
capacidade, tem que movimentar esse mercado.
O SR. VINIMAX – Criar o mercado.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – E tem que criar o
mercado.
O SR. VINIMAX – Junto, paralelo, sim, manter a cultura viva. Não
é dali sair realmente a questão...
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Deixar essa
criatividade rolar.
O SR. VINIMAX – Rolar e com direitos, porque infelizmente as
coisas para o hip hop sempre rolam quando tem alguém – quando falo
hip hop, é o hip hop do outro lado – que diz assim: “Ah, o apresentador
está dentro, o diretor da televisão está dentro, o fulaninho está dentro.”
Aí as coisas ficam muito mais fáceis e se atropela, vão passando por
cima dos preconceitos, daquilo que o hip hop emprega, que é contra o
sistema. É porque gera interesse, entendeu? Realmente, a coisa
funciona desse jeito.
Tudo que eu falei aqui, gente, eu tenho realmente um sentimento
de muito tempo aqui, de que a luta parece que foi em vão. Não foi em
vão porque a galera continua, mas é complicado. Tipo assim, essa coisa
de a Secretaria liberar qualquer coisa tem que ter interesse, é
impressionante.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Bem, eu acho que a
mensagem está passada. Vocês têm aqui um espaço aberto para
aprofundar isso. Eu acho que um dos grupos que a gente cria aqui é o
grupo do negócio, negócio no bom sentido, indústria cultural, economia
criativa, é isso aí. O outro nitidamente é a formação, a regeneração, que
o pastor colocou muito bem, você também, esse lado regenerador que
é educativo, sem dúvida, mas uma educação num nível, digamos, muito
superior, cultural mesmo.
Meu Deus, tem toda uma história do Bispo do Rosário, dessa
coisa toda. Nos hospícios se cria uma arte de primeira linha, então, a
gente sabe que a arte e a marginalidade se amam. Muitas vezes, tudo
começa com um ato rebelde e marginal e depois essas coisas vão
sendo assimiladas, vão sendo, digamos, incorporadas, às vezes, com
valores mais profundos que depois ninguém sabe nem de onde aquilo
veio. Essa é a realidade.
Eu estou aqui registrando essas grandes contribuições que vocês
deram, essa questão da forma com que o ator improvisa os seus
próprios meios ou aproveita o meio que lhe é acessível para alavancar
uma questão cultural. Vamos dizer, no teu caso, é mais uma questão
de dizer: “Olha, eu mesmo acabo me financiando. Já que ninguém me
financia...” É outra vertente muito impressionante.
Tenho agora, infelizmente, um minuto para cada um dos três, que
ainda querem falar. Vocês desculpem, mas o hangout, vamos
continuar. Espero que vocês topem isso, essa proposta minha.
O SR. ROBSON RAMOS – Boa-tarde! Com licença dos mais
novos, dos mais velhos, mas quero aproveitar o gancho do Vini, eu me
chamo Robson Ramos, empresário da grife DNG, mais conhecida como
DNegro, e o que o Vini falou é isso, correr atrás. É difícil fazer cultura
sem falar de dinheiro, sem falar de negócios. Há muito tempo, já subi
morro, já desci morro, somente pela cultura, sem um tostão no bolso.
Hoje, a grife está no mercado há dez anos com 35 pontos de venda e é
uma resistência hoje, em Madureira, só que, eu sou o lado cultural da
coisa. O meu sócio Gerson Júnior é o lado empresário, porque tem que
ter essa veia, esse cunho empresarial, porque hoje, antes de ele chegar
na empresa, há cinco anos, eu só sabia falar de cultura, sem dinheiro
no bolso. Ele chegou – a cultura ainda existe – mas chegou o lado, a
veia empresarial.
Quero deixar bem claro e registrado que temos amigos em
comum e sabemos com quem estamos lidando. O TR é meu amigo
pessoal, Bruno, o LP e a gente discute muito isso. O Bruno diz: “- Pô,
olha aí, está fechando, não sei o quê”. Só que a nossa loja é uma igreja,
a gente não pode descartar os fieis, mas sabemos quem é quem. E lá
tem uma veia empresarial, que se chama Gerson Júnior, porque não se
fala de cultura sem dinheiro, não se fala de cultura sem falar de
negócios, então, tenho um negócio e o que o Vini falou, realmente: “ –
como fazer a cultura se transformar em dinheiro ?” Isso não é vergonha.
As pessoas têm medo de falar de dinheiro. Não podemos ter medo de
falar de dinheiro, temos que falar de dinheiro, só que também temos
que lidar com o dinheiro, saber lidar com o dinheiro, sem deixar a cultura
ir pelo ralo. Boa-tarde.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Mais um depoimento
para se juntar ao do Vinimax, que é realmente essa vinculação da
cultura com os negócios, com a indústria, com a economia da cidade,
mas que foi uma coisa maravilhosa porque temos mais um depoimento.
Quero também homenagear Madureira, que é uma espécie de
milagre cívico da cidade do Rio de Janeiro, por que o samba nasce lá.
Digo, Madureira e adjacências, como Oswaldo Cruz, aquela área toda.
Meu Deus do Céu, é uma coisa explosiva. Aquilo nasce e ninguém sabe
nem como e de onde surge – é o ritmo, é o samba, é a criatividade. E
estamos vendo que Madureira agora está se espalhando por muitos
lugares. Então, que bom que está cidade tem isso. Como isso provoca
uma esperança e, sobretudo, podermos dizer: podemos fazer esta
criatividade funcionar economicamente, dando empregos e não
empreguinho, mas emprego de tecnologia especial. Você falou muito
bem quando disse que gosta de tecnologia. Olha que coisa! Eu gosto
de tecnologia. Temos que gostar de tecnologia.
O SR. DJ TR – O hip hop é tecnológico.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – O hip hop é
tecnológico, então, nós gostamos de tecnologia, porque é o futuro é a
modernidade que com ela se pode fazer muitas combinações,
imprevisíveis. Que bom.
Quem vai se pronunciar?
O SR. LEANDRO NEVES – Boa tarde a todos. Boa tarde,
Deputada. Eu sou Leandro Neves, conhecido como DJ LP.
Eu comecei nessa luta aí em 89, eu tinha 10 anos - eu era criança
ainda -, através de um primo da minha mãe, que tinha uma equipe de
som. Enfim, no subúrbio do Rio, e fui muito discriminado pelos meus
pais. Os meus pais não tinham conhecimento e dali o meu pai “pô, você
vai entrar nessa vida de DJ e tal. Tem que estudar”. Eu falei: “Tem que
estudar, então, está bom”. Passei a entrar no estudo, estudar com
firmeza. E dali eu pegava o dinheiro da merenda e, em vez de comprar
a merenda, eu comprava discos, e discos, na época, era vendido em
dólares. Porque era na época do cruzeiro. Então, a gente não tinha essa
facilidade de trocar a moeda do cruzeiro pro dólar. Então, tinha que ter
alguém mais velho do que eu ou então maior de idade para chegar no...
Como se diz o nome? Casa de câmbio, pra trocar moeda para eu
comprar um disco de 18 dólares, que na época, hoje seria mais ou
menos uns 80, 100 reais. E daí, beleza.
Em 93, passei a conhecer o hip hop de verdade, através do skate.
Até porque também o skate tem uma afinidade também, um
agregamento. E eu fui, em 96, fiz o evento em rua, no subúrbio do Rio,
em Ramos; em 97, participei de um festival no Imperator – o TR estava
até comigo; em 2002, fiz o programa de hip hop, na Rádio Roquete
Pinto, que é do Governo do Estado, e daí a minha mãe e o meu pai
acreditaram que o movimento dava certo; acreditaram que eu era DJ
mesmo, depois de 13 anos que minha mãe e meu pai acreditaram.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – E você estudou?
Você seguiu o conselho de seu pai e estudou?
O SR LEANDRO NEVES – Sim, senhora.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – O que você estudou?
O SR. LEANDRO NEVES – Eu terminei o 2° grau. Mas, agora,
teM uma parte que é complicada, que é o vestibular.
Eu fui atleta, já fui atleta do Olaria Atlético Clube, graduado a faixa
preta, tanto no judô, como no jui jitsu, e já dei aula para crianças
também, através da música do hip hop.
Na época, ninguém fazia isso. “Pô, mas você vai botar música pra
gente treinar e tal?”. Qual é a música que vocês gostam? “Ah, gosto da
música do Snoop, do Tupac e tal”. Botava a música, o pessoal se
concentrava na música e, ao mesmo tempo treinando.
Mas, enfim, participei dos eventos West Coast, que o Bruno pode
até falar isso aí mais lá pra frente. Eu mostrei para ele o que era a
cultura hip hop. Na verdade, ele fez o evento Black Music, mas
envolvendo uns quatro ou cinco elementos hip hop, que não tinha.
Eu fiz os eventos, era tudo chopada, era tudo bebida, chopada,
essas coisas. Eu participei dos eventos também da Batalha dos MCs,
que se chamava a tradicional Batalha do Real, de onde o MCida – não
sei se a senhora já ouviu falar em MCida, lá de São Paulo -, ele foi um
MC que saía de São Paulo, ia para Porto Alegre, ia para Salvador, tudo
sustentado pelo selo dele mesmo. Ele copiava o CD e vendia através
da passagem que ele tinha que pegar pra chegar até a cidade dele e
outras cidades. E hoje ele se tornou o MCida. Já foi campeão da Batalha
do Real, já foi campeão da Liga dos MCs, e hoje em dia é um artista
que todo mundo vê.
Eu já fui vice-presidente do Morro Santo Amaro, aqui no Catete.
A questão que o Arcélio estava falando, que eu já estava quase
esquecendo, eu consegui fazer uma vez, mas tentei fazer outras vezes,
e fui impedido pelo órgão público da Polícia Militar. Aí o pessoal: “Pô,
não pode fazer o evento?”. Não, tem que falar com o comandante do
batalhão, que é o 2° Batalhão. Cheguei lá, falei com o comandante do
2° Batalhão para fazer o evento. “Ah, você vai fazer evento para o
tráfico”. Eu falei: “Não senhor. Vou fazer evento para a comunidade e
para as pessoas que vão participar.” “Não, então nós não vamos
autorizar porque aqui tá dizendo que é pra tráfico.” Eu falei “Mas quem
disse que era pra tráfico?” Como já aconteceu no Santa Marta, como já
aconteceu no Morro da Lagartixa e outras comunidades. E ali eu tinha
que fazer no braço. Fiz no braço o evento, tentei fazer outros, mas não
consegui.
Mas, enfim, hoje, resumindo, não sou mais vice-presidente. Já
terminou o meu mandato. Mas o presidente que estava junto comigo,
ele continua lá, eles estão querendo fazer outros eventos de hip hop lá
e é isso aí. Eu consegui ganhar a experiência com o hip hop. Eu, apesar
de estar há 25 anos nesse negócio, eu aprendo até hoje. E é isso aí.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Boa história. Boa
vida. Muito sucesso que você teve na sua paixão.
Eu vou ter que encerrar aqui porque começou a votação lá
embaixo. Então, eu agradeço a todos. Estamos abertos aqui. Se você
quiser poder agendar rapidamente um hangout. Vocês vão estar nos
lugares que tiverem e a gente escolhe três pessoas, podemos talvez
dividir os temas e começar, não sei, essa área dos negócios me
pareceu uma coisa fantástica, a área da regeneração também. Então,
a gente podia fazer uma divisão do tempo aí, com uma hora e pouco de
debate, uma hora e meia. A gente dava meia-hora para mim, meia-hora
para outro tema. Que tal? Vocês gostam da ideia? E aí vamos ver o que
pode resultar disso concretamente além das coisas que a gente já
combinou.
Eu queria agradecer muito a todos vocês pela contribuição. E
quero dizer que emocionada eu constato que tivemos neste lugar, aqui
nesse momento, uma discussão que é muito difícil de acontecer com
outros segmentos. Porque há segmentos que dependem tanto do
estado que têm medo até de pensar. Porque se pensar uma coisa
diferente do que é oferecido pode perder o pouco que têm. E vocês
tiveram aqui a independência de falar o que o Brasil quer ouvir, que a
cultura brasileira é uma coisa poderosa, seja ela global, nós temos aqui
as nossas raízes. E, exatamente porque ela é poderosa, ela merece ser
tratada como um destino, uma vocação e não apenas como um,
digamos, paliativo, ou uma compensação por uma coisa que nos foi
tirada ou que foi tirada àqueles que vivem nas periferias, que vivem
tendo que lutar muito para sobreviver nesse mundo difícil que nós
vivemos.
Então, eu acho que as contribuições foram extraordinárias. Eu
saio enriquecida, emocionada e, mais do que isso, consciente de que
nós, como se diz? Colocamos o dedo na moleira. A gente tá realmente
no caminho certo, que é o caminho de transformar uma vocação num
destino, que é uma coisa muito maior e muito mais importante para
poder fazer esse movimento, continuar vivo e vingar e se reproduzir da
forma como todos os movimentos dessa magnitude evoluem.
Muito obrigada pela atenção e, sobretudo, participação de vocês.
Foi uma reunião muito democrática onde todos, praticamente quase
todos puderam falar. E nós estamos abertos para os próximos voos. Tá
bom? Muito obrigada...
O SR. MANO GEORGE – Para encerrar, eu queria agradecer
primeiramente a Deus por estar aqui nessa plenária. Agradecer ao DJ
TR, à Deputada Aspásia Camargo.
Infelizmente, nós estamos já encerrando, eu queria falar
rapidamente, só pra encerrar. Para quem não me conhece, eu estou no
hip hop há mais de dez anos. Participei do projeto Geração Hip hop,
junto com o DJ TR, onde ele também teve a oportunidade de lançar o
livro dele. Um projeto patrocinado pela FINEP e idealizado pelo Sesc
Rio. Estou no hip hop há mais de dez anos e o hip hop me ajudou a
comprar o meu primeiro computador. E graças ao hip hop hoje eu sou
formando em jornalismo, sou jornalista do Sindicato dos Trabalhadores
do Serviço Público Federal no Estado do Rio de Janeiro. Então, eu acho
que é por aí.
Eu acho que todos nós devemos ver, observar o nosso valor, e
acreditar. É um pouquinho do que cada um aqui já falou. É correr atrás,
se formar, se profissionalizar e incentivar as nossas comunidades de
que é possível nós realizarmos os nossos sonhos. Se nós traçarmos
um objetivo a gente consegue alcançar. A gente consegue chamar a
atenção dos nossos governantes, como hoje, nós estamos aqui com
uma deputada nos ajudando, nos ouvindo, parando para nos ouvir. E
se a gente se unir cada vez mais com um propósito, com um objetivo,
a gente vai cada vez mais longe.
Eu entrei nesse movimento através do hip hop gospel, junto com
um grupo de rap chamado Aliados de Deus, onde pude ter a
oportunidade de narrar na rádio comunitária, estar inserido na
comunicação; onde pude fazer entrevista de grandes artistas em
grandes eventos de hip hop, que até a um tempo atrás existia e, hoje,
já não existe mais. E está na hora de a gente colocar nas mãos do hip
hop um movimento que nos represente, um movimento que lute por
nossa causa, que defenda a nossa causa. E, por que não, continuar
com prêmios de hip hop, com incentivos, trabalhos, projetos, onde a
gente possa mostrar a nossa cara, mostrar o nosso valor. Não é isso
mesmo, TR?
Estou aqui com o meu amigo MV Santos, também, que está
comigo nessa caminhada, nessa longa caminhada, onde a gente faz os
eventos sem patrocínio, sem financiamento nenhum. A gente leva o
movimento hip hop gospel. O primeiro movimento hip hop gospel no Rio
de Janeiro foi levantado pela gente, com muito esforço, com muito suor,
com muita batalha, sangue, suor, determinação. A gente acredita. E
hoje nós estamos aqui.
Muito obrigado a todos vocês. E vamos à luta.
A SRA. PRESIDENTE (Aspásia Camargo) – Obrigada, George.
Foi um prazer.
Está encerrada a nossa reunião.

Data de Publicação: 24/09/2014


Assunto: Audiência Pública Da Comissão De Cultura

You might also like