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DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO

Tema em destaque
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO DA APNÉIA DO SONO NA CRIANÇA

CAMPANHA RESPIRE SÃO PAULO


2 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008
DIRETORIA - BIÊNIO 2008/2009 SUMÁRIO
DIRETORIA 4 EDITORIAL
Presidente: José Eduardo Delfini Cançado
Vice-Presidente: Jaquelina Sonoe Ota Arakaki 6 TEMAS EM DESTAQUE
Secretária Geral: Regina Maria de Carvalho Pinto • Avaliação e diagnóstico da Apnéia do Sono na
1º Secretário: Ricardo Millinavicius criança
2ª Secretária: Valéria Cristina Vigar Martins • Nasolaringoscopia como método auxiliar no
Diretor de Finanças: Oliver Augusto Nascimento diagnóstico da SAOS
Diretor de Assuntos Científicos: Gustavo F. Prado • Complicações cardiovasculares da SAOS
Diretor de Divulgação: Paulo Manuel Pêgo Fernandes • Avaliação e riscos peri-operatórios da Apnéia
Diretor Informática: Eduardo Henrique Genofre Obstrutiva do Sono no obeso
COMISSÕES 25 RESUMINDO ERECORDANDO
Assuntos do Interior: Alex Gonçalves Macedo • Distúrbios respiratórios do sono - classificação
Defesa Profissional: Eduardo Henrique Genofre e diagnóstico
Ensino: Mônica Corso Pereira • DPOC e distúrbios respiratórios do sono
Promoções: Nephtali Segal Grinbaum • Polissonografia - considerações técnicas,
Assuntos da Grande São Paulo: Sidney Bombarda registros, estudos completos e simplificados
DEPARTAMENTOS
44 RELATO DE CASO
Cirurgia Torácica:
Hipoventilação com múltiplas causas
Roberto Saad Júnior; João Aléssio Juliano Perfeito; Rodrigo
Caetano de Souza
Endoscopia Respiratória: 48 IMAGEM EM PNEUMOLOGIA
Viviane Rossi Figueiredo; Miguel Lia Tedde; Nilza Sayuri Abe Avaliação por métodos de imagem da SAOS
Pediatria:
Maria Helena Bussamra; Marina Buarque de Almeida 52 EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA
Ana Clara Toschi Gianotti de Souza Bases da estatística – estatística descritiva
Fisioterapia Respiratória:
Lara Maris Nápolis; Priscila Batista de Souza 55 CONTROVÉRSIA
Marisa Afonso A. Brunherotti Análise crítica do tratamento cirúrgico da apnéia
Conselho Fiscal - Efetivos: do sono
Ana Luisa Godoy Fernandes; Alberto Cukier;
Carlos Alberto de Castro Pereira 59 FUTURO DA PNEUMOLOGIA
Suplentes: Distúrbios respiratórios do sono - tratamento
Rafael Stelmach; Roberto Stirbulov; Mário Terra Filho clínico
Conselho Deliberativo
Fernando Augusto Fiuza de Melo; Francisco Vargas Suso 62 OPINIÕES E AÇÕES
Jorge Nakatani; José Antônio Baddini Martinez; Manuel Lopes Departamento de Fisioterapia
dos Santos; Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano
Miguel Bogossian; Nelson Morrone; Ricardo Beyruti; Sonia Maria 64 NOTÍCIAS
Faresin; Virgílio Alexandre Nunes de Aguiar
68 HISTÓRIA DA PNEUMOLOGIA
REGIONAIS De Fat Boy Joe à Leptina:
Regional do ABC Uma aventura digna do Sr. Pickwick
Presidente: Marcelo Gervilla Gregório
Secretario: Márcio Abreu Neis
Regional de Araraquara / Bauru / Botucatu NOSSA CAPA
Presidente: Eduardo Ferraz Hage A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Secretario: José Eduardo Bergami Antunes completa 96 anos em 2008. As Disciplinas de
Regional de Campinas Pneumologia e Cirurgia Torácica, bem mais novas, atingi-
Presidente: Ricardo Kalaf Mussi ram a maioridade científica e estão em franca ascensão.
Secretária: Ana Maria Camino As atividades de assistência, ensino e pesquisa são
Regional de Marilia desenvolvidas nas enfermarias, ambulatórios, centros
Presidente: Virgínia Maria Cavallari Strozze Catharin cirúrgicos, unidades de tratamento intensivo e laboratórios
Secretaria: Gisele César de Rossi Agostinho experimentais na faculdade e no complexo hospitalar. Os
Regional de Ribeirão Preto 50 médicos assistentes, 20 residentes, 3 preceptores e
Presidente: Ana Carla Souza de Araujo 30 pós-graduandos são responsáveis por 2.000
Secretaria: Hugo Alejandro Veja Ortega atendimentos ambulatoriais e 100 cirurgias por mês.
Regional de São José dos Campos Resultado da integração entre a Pneumologia e a Cirurgia
Presidente: Douglas Carlyle Belculfiné Torácica, os programas de transplante pulmonar e de
Secretaria: Maria Helena Magalhães Rezende tromboembolismo pulmonar crônico são líderes no Estado
Regional de São José do Rio Preto e no país. A produção científica, alavancada pela
Presidente: Benedito Aparecido Caiel descentralização dos assistentes em subgrupos, tem
Secretaria: Elaine Mara Cesaretti de Paula registrado um crescimento exponencial nos últimos anos
em diversas áreas das especialidades, tendo sido
PNEUMOLOGIA PAULISTA
traduzida em 50 artigos publicados em revistas de
Órgão Informativo da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia indexação internacional no ano de 2007.
Editor Responsável: Jaquelina Sonoe Ota Arakaki
Editoração Eletrônica: Miriam Miranda Prof.Dr. Francisco Vargas
Impressão: Gráfica Riopedrense • Tiragem: 1500 exemplares Professor titular da Universidade de São Paulo

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 3


PALAVRA DO PRESIDENTE

SPPT EM AÇÕES

Prezados sócios da SPPT, Dando continuidade a programação científica de 2008, a


SPPT realizou nos meses de junho e agosto, Jornada de
Os Distúrbios Respiratórios do Sono têm alta prevalência Educação Continuada, nas Regionais de Campinas, Ribeirão
e continuam sendo um desafio na prática diária dos Preto, São José do Rio Preto e Araraquara/Bauru/Botucatu.
pneumologistas. Nessa edição optamos por focar esse tema, Em todos os eventos houve participação de colegas
fazendo uma revisão do seu diagnóstico, repercussões pneumologistas, cirurgiões torácicos, alunos de medicina e
clínicas, interação com outras doenças e tratamento. fisioterapeutas, além de uma ampla divulgação da nossa
Nos meses de junho e julho, em comemoração a “1ª especialidade, nas mídias locais.
Semana Estadual de Educação e Conscientização sobre as Também realizamos, em 16 de agosto, em São Paulo, a
Doenças Respiratórias” e ao “Dia do Pneumologista”, O2 de Jornada de Cuidados Perioperatórios, na qual de maneira
junho, a SPPT realizou a maior Campanha de divulgação já interativa, foram discutidos cinco casos cirúrgicos que fazem
feita de nossa especialidade, a Campanha “Respire São Paulo”. parte do nosso dia a dia. Além da platéia presente participaram
Uma equipe de médicos e fisioterapeutas da SPPT, em como debatedores convidados cirurgiões, pneumologistas,
praças públicas, nas cidades de Ribeirão Preto, Santos, São cardiologistas e fisioterapeutas e, o foco principal das
José do Rio Preto, São Paulo, Sorocaba, Campinas e discussões foi a avaliação multidisciplinar do paciente
Piracicaba prestaram atendimento à população aplicando pneumológico. O evento foi de excelente qualidade científica
questionário de sintomas respiratórios (GOLD), realizando e um grande sucesso, pois, os colegas presentes puderam
Espirometrias, distribuindo materiais educativos sobre as se atualizar em conceitos teóricos e condutas práticas
principais doenças respiratórias (DPOC, asma, pneumonia, aplicáveis à maioria de seus pacientes candidatos a
tabagismo e tuberculose), além de expor vídeo educativo procedimentos cirúrgicos.
sobre qualidade de vida e orientar a população. Nossa próxima Jornada na capital já está marcada para o
Em todas as praças houve grande cobertura da mídia, e dia 8 de novembro e será a “Jornada Jorge Kavakama”, em
vários colegas pneumologistas sócios da SPPT deram parceria com a Sociedade Paulista de Radiologia. As vagas
entrevistas nas redes de TV, rádios e jornais, divulgando a serão limitadas e divididas entre as duas Sociedades. Não
Campanha e a importância de realizar avaliação respiratória deixe para a última hora, faça sua inscrição antecipadamente.
regularmente. Veja a matéria completa e os resultados da Um grande abraço e boa leitura,
Campanha “Respire São Paulo” nessa edição.
Além da Campanha, nesse mesmo período, as Regionais do
ABC, Araraquara/Bauru/Botucatu e São José dos Campos José Eduardo Delfini Cançado
também realizaram atividades para atualização médica, Presidente da SPPT
divulgação e orientação à população sobre doenças respiratórias. presidente@sppt.org.br

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EDITORIAL

APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO:


UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PUBLICA
Alguns aspectos chamam a atenção quando abordamos cardiovascular dos pacientes com AOS grave6. Esse risco
o tema apnéia obstrutiva do sono (AOS). A AOS só foi foi diminuído significativamente em pacientes
reconhecida há apenas 33 anos1, e só na última década de adequadamente tratados com pressão positiva contínua
fato ganhou um reconhecimento maior em nosso meio. Uma (CPAP).
dificuldade é derivada do fato de que a AOS era totalmente Apesar do grave problema, a maior parte dos pacientes
desconhecida durante a formação médica de uma com AOS segue não diagnosticada. O reconhecimento dos
significativa parcela dos pneumologistas. Ainda hoje, a pacientes nem sempre é simples, e necessita de uma busca
quantidade de horas que as escolas médicas dedicam a pró ativa dos médicos. O ronco alto, um dos sinais cardinais
ensinar medicina do sono é nula ou quase nula. Felizmente o da AOS, é frequentemente ignorado ou não relatado pelo
quadro tem se modificado rapidamente. Hoje sabemos que a paciente. Da mesma forma, a sonolência excessiva diurna
AOS é um grave problema de saúde pública. A prevalência nem sempre é reconhecida ou relatada pelos pacientes. A
da AOS na população geral chama a atenção. No estudo idéia de que a AOS só afeta os pacientes extremamente
mais citado na literatura, que investigou uma população de obesos, também é falsa. A única solução, é a busca pró ativa
indivíduos de meia idade em Wisconsin (EUA), encontrou- e manter a suspeita clínica de distúrbio do sono em todos os
se uma prevalência de AOS de 4% nos homens e 2% nas pacientes, independente do motivo inicial da consulta. Os
mulheres 2. Esses números são baseados numa definição pneumologistas devem assumir um papel pró ativo no
que considera uma polissonografia com índice de apnéia- diagnóstico e tratamento dos pacientes com AOS.
hipopnéia (IAH) > 5 eventos por hora de sono associado a
presença de sonolência excessiva diurna. No entanto, REFERÊNCIAS
sabemos hoje que uma grande parcela dos pacientes com 1. Guilleminault C, Tilkian A, Dement WC. The sleep apnea
AOS não se queixam de sonolência excessiva. A prevalência syndromes.Annu Rev Med 1976;27:465–484.
2. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr S.
de AOS, se for baseada somente nos dados de
The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-
polissonografia alterada (IAH > 5), salta para 24% nos
aged adults. N Engl J Med 1993;328:1230–1235.
homens e 9% nas mulheres2. Mesmo considerando um ponto
3. Moreno CR, Carvalho FA, Lorenzi C, Matuzaki LS, Prezotti
de corte restritivo, considerando-se somente os com IAH > S, Bighetti P, Louzada FM, Lorenzi-Filho G. High risk for
15 eventos por hora de sono, a prevalência de AOS obstructive sleep apnea in truck drivers estimated by the
permanece de 9% nos homens e 4% nas mulheres2. Em Berlin questionnaire: prevalence and associated factors.
algumas populações específicas, o problema pode ser ainda Chronobiol Int. 2004;21(6):871-9.
mais dramático. Em um estudo que aplicou questionário 4. Peppard PE, Young T, Palta M, Skatrud J. Prospective study
Moreno e colaboradores encontrou alto risco de AOS em of the association between sleep-disordered breathing and
cerca de 26% dos motoristas de caminhão, sendo que a maioria hypertension. N Engl J Med. 2000;342(19):1378-84.
admitiu que já tinha dormido na direção3. Não é difícil imaginar 5. Gozal D, Kheirandish-Gozal L. Cardiovascular morbidity in
as conseqüências desastrosas da AOS nessa população. obstructive sleep apnea: oxidative stress, inflammation, and
much more. Am J Respir Crit Care Med. 2008 Feb
Atualmente está bem estabelecido que a AOS não só
15;177(4):369-75.
causa sonolência excessiva, queda de produtividade,
6. Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term
diminuição de concentração e memória, queda da qualidade
cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep
de vida, risco aumentado de depressão, mas também gera apnoea-hypopnoea with or without treatment with
graves conseqüências para o sistema cardiovascular. A AOS continuous positive airway pressure: an observational study.
está associada com aumento do risco do desenvolvimento Lancet. 2005;365(9464):1046-53.
de hipertensão arterial sistêmica, acidente vascular cerebral,
infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca4,5. Num Geraldo Lorenzi Filho
estudo espanhol de acompanhamento de 10 anos de Lab. do Sono, Instituto do Coração,
pacientes encaminhados para polissonografia, foi Disciplina de Pneumologia, HC-FMUSP
demonstrado um aumento da mortalidade por causa geraldo.lorenzi@incor.usp.br

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TEMAS EM DESTAQUE

AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO DA APNÉIA


DO SONO NA CRIANÇA
Autor: Gustavo Antonio Moreira

Serviço: Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, UNIFESP

A síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) é uma meninos, nas crianças com sobrepeso e nas crianças de
entidade freqüente que pode comprometer crianças de ascendência africana.6 Apesar de vários autores sugerirem
qualquer idade e leva as conseqüências importantes, como maior prevalência da SAOS entre 3 e 6 anos, idade onde há o
problemas escolares, alterações comportamentais e maior crescimento adenotonsilar, atualmente não há dados
complicações cardiovasculares. 1-3 A SAOS apresenta suficientes que apontem diferenças de prevalência quanto à
diagnóstico difícil, pois necessita alto grau de suspeita, idade.5
interrogando-se sobre sinais e sintomas noturnos, o que
raramente é perguntado pelo profissional de saúde. O CONSEQÜÊNCIAS
diagnóstico da SAOS baseado somente em dados clínicos Se não for tratada, a SAOS pode evoluir para morbidade
tem baixa sensibilidade e especificidade, sendo necessário a significante que afeta diversos órgãos e sistemas, e algumas
polissonografia para a sua confirmação.1,4 Diferentemente da seqüelas podem ser permanentes com tratamento tardio. As
SAOS em adultos, a SAOS em crianças e adolescentes tem conseqüências da SAOS em crianças são distúrbios
epidemiologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento comportamentais7-9, déficit do aprendizado9-12, hipertensão
distintos.2 A Academia Americana de Pediatria recomenda o pulmonar13 e prejuízo do crescimento somático2-3. No entanto,
diagnóstico e tratamento precoce da SAOS em crianças, pois se for tratada rapidamente no início dos sintomas, a SAOS
o atraso na pode levar a seqüelas cognitivas permanentes.1 pode não levar a efeitos adversos nas funções neurocognitivos
e cardiovasculares, oferecendo um argumento forte para
DEFINIÇÃO diagnóstico e tratamento precoces.1
Os distúrbios respiratórios do sono incluem diversas Apesar de adultos com SAOS terem maior risco de morbi-
alterações como apnéia central, apnéia da prematuridade, mortalidade cardiovascular, só recentemente sabe-se que
hipoventilação e distúrbios de hipoventilação obstrutiva. Os crianças com SAOS apresentam elevação da pressão arterial
distúrbios obstrutivos durante o sono variam desde uma noturna, hipertensão arterial sistêmica diurna, mudanças da
situação benigna, como o ronco primário, passando pela geometria e função ventricular esquerda14, assim como,
síndrome da resistência de vias aéreas superiores (UARS) alterações endoteliais.10 Além disso, crianças com SAOS
associada à fragmentação do sono e sonolência excessiva apresentam ativação mantida do sistema nervoso simpático,
diurna; até a manifestação mais intensa desde distúrbios que inflamação sistêmica e alteração no metabolismo da glicose e
é a síndrome apnéia obstrutiva do sono.2 dos lipídeos, levando ao início e propagação de processos de
A síndrome da apnéia obstrutiva do sono é definida como aterogênese.10
obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores Diversos relatos descrevem a associação de SAOS com
associado à fragmentação do sono, hipoxemia e/ou hiperatividade, falta de atenção, agressividade e
hipercapnia, levando a sintomas diurnos. comportamento opositor.7-8 Uma revisão de literatura recente
relatou que há fortes evidências que a SAOS em crianças está
EPIDEMIOLOGIA associada com prejuizos na atenção, no comportamento, na
Estudos populacionais variam muito quando a definição e regulação de emoções, no desempenho acadêmico e no estado
coleta de dados. Uma revisão de literatura recente relatou que de alerta.8 Também há evidências que a SAOS tem algum efeito
a prevalência de ronco habitual, ou seja, ronco por 4 ou mais no humor, habilidades de expressão lingüísticas, percepção
noites na semana varia de 5% a 12%.5 Relato de apnéias visual e memória.
durante o sono varia de 0,2% a 4%. O diagnóstico da SAOS, Os mecanismos que levam a essas alterações parecem estar
combinando questionário e exames diagnósticos, apresenta relacionados à interação de hipóxia intermitente, hipercapnia,
prevalência de 1% a 4%.5 A SAOS é mais freqüente nos despertares freqüentes e variações nas pressões intratorácicas.

6 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Estudos experimentais em ratos mostraram que a hipóxia
intermitente leva a alteração na memória espacial,
hiperatividade e apoptose neuronal na região CA1 do córtex
pre-frontal.15 Ainda, o impacto da hipóxia intermitente em
diferentes idades, mostrou lesões mais intensas em ratos com
idade de 10 a 30 dias de vida, correspondente ao período pré- Classe I Classe II Classe III Classe IV
escolar de seres humanos.16 Em crianças com doenças que
levam a hipóxia crônica, como SAOS, cardiopatia congênita Fig. 1 – Mallampatti modificado
ou doença pulmonar crônica, também foi demonstrado
alterações comportamentais e déficits neurocognitivos.17 Esses
dados sustentam o argumento para diagnóstico e tratamento
precoces da SAOS em crianças.

QUADRO CLÍNICO
Os sintomas noturnos incluem uma combinação de ronco,
desconforto respiratório, apnéia, agitação, posições bizarras,
palidez, cianose, ronco ressuscitativo, sudorese profusa,
despertares freqüentes, movimento paradoxal de caixa torácica
e enurese.18-21 A sonolência excessiva diurna, a principal queixa
de adultos com SAOS, é observada com menor freqüência em
crianças. A sonolência excessiva diurna subjetiva
(questionário) é relatada em 30% das crianças, enquanto que
a objetiva (teste de múltiplas latências do sono) é de 15%. 2-3
Em crianças com SAOS encontra-se comportamento
hiperativo, agressividade, falta de atenção e mau desempenho
escolar.7-8 Estão também presentes sintomas relacionados aos
fatores de risco, como respiração bucal, voz anasalada,
obstrução e prurido nasal, otites ou amigdalites de repetição,
mas esses não são específicos da SAOS (Quadro 1). Visitas
freqüentes ao pediatra devido a sintomas respiratórios são
descritas, e se resolvem após adenotonsilectomia.
Fig. 2 – Brodsky
Quadro 1. Principais sinais e sintomas
Noturnos Diurnos aumento das tonsilas e da adenóide não necessariamente
Ronco habitual (>4 noites/sem) Hiperatividade indica a presença de SAOS. Por contraponto, amígdalas
Paradas respiratórias testemunhadas Falta de Atenção diminutas (+ ou ++) não excluem a SAOS, principalmente se
Desconforto respiratório Agressividade houver via aérea superior estreita e alteração do tônus
Agitação Sonolência excessiva muscular da faringe. A presença de 2ª bulha hiperfonética em
Sudorese profusa Problemas de aprendizado focos da base ou sopro sistólico em foco tricúspide sugerem
Cianose / palidez Respiração bucal hipertensão pulmonar. A presença de deformidade torácica
tipo pectus escavatum sugere aumento do esforço respiratório
No exame físico deve-se avaliar a presença de desnutrição de longa duração.
ou obesidade, através de medidas antropométricas (peso e Os principais fatores de risco são hipertrofia adenotonsilar,
estatura) e cálculo do estado nutricional com escalas de peso, malformações craniofaciais, síndromes genéticas22, obesidade,
estatura, e índice de massa corpórea adequados para idade e prematuridade e doenças neuromusculares. 1-3 Qualquer
sexo. No segmento cefálico procura-se observar a presença doença que obstrua a luz das vias aéreas superiores ou reduza
de obstrução nasal, hipertrofia de cornetos, fácies alongada o tônus da musculatura da faringe são potencialmente de risco
ou fácies típica de síndrome genética, hipoplasia mandibular para SAOS (Quadro 2).
ou maxilar, palato ogival, palato mole alongado, abertura de Nas últimas décadas, com o avanço da prevalência de
orofaringe pelo escore de Mallampati (Figura 1) e tamanho de obesidade, têm se descrito em crianças e adolescentes um
tonsilas palatinas (Figura 2). Vários estudos demonstraram padrão clínico distinto daquele usualmente observado em
que o tamanho de tonsilas palatinas não tem relação com a pediatria.11 Esse padrão segue mais as características da SAOS
presença de SAOS. Acredita-se que a SAOS em crianças seja em adultos, onde a hipertrofia adenotonsilar é mínima, não há
provocada por uma combinação de hipertrofia adenotonsilar alterações craniofaciais, mas observa-se obesidade, aumento
e alteração do tônus muscular de via aérea. Portanto, o da circunferência de pescoço e abdominal, sonolência

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 7


Quadro 2 - Fatores de Risco da Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono
ANATÔMICOS FUNCIONAIS
Nariz Controle neural deficiente
Estenose nasal anterior Injúria de sistema nervoso central (anóxia neonatal, paralisia
cerebral)
Estenose / atresia de coanas Disfunção de tronco cerebral (malformação de Arnold-
Chiari tipo II, meningomielocele, estenose do forame magno,
trauma, infecção, tumor)

Desvio de septo Hipotonia Muscular


Pólipo nasal Distrofia muscular de Duchenne
Rinite alérgica Distrofia muscular congênita
Corpo estranho Síndrome de Down
Hematoma Drogas

Nasofaringe ou orofaringe Narcóticos


Hipertrofia de tonsilas faríngeas e adenóides Anestésicos
Macroglossia (síndromes de Down, Beckwith-Wiedermann) Sedativos (hidrato de cloral, benzodiazepínicos, fenotiazinas)
Micrognatia Álcool
Obesidade Anti-histamínicos
Higroma cístico Outros
Reconstrução de fenda palatina Disfunção autonômica
Tumor de faringe Privação de sono

Craniofacial Tabagismo passivo


Hipoplasia mesofacial (síndromes de Crouzon, Binder e Apert) Secreção oral abundante
Hipoplasia mandibular (síndromes de Pierre-Robin,
Treacher-Collins, Sky-Drager e Cornelia de Lange) Disfagia
Acondroplasia
Trauma Craniofacial Prematuridade
Infiltração de tecidos moles (mucopolissacaridose) Hipotireoidismo

excessiva diurna, depressão, autoconfiança reduzida, timidez, Quadro 3 – Sintomas e Laboratório dos tipos clínicos 1 e 2
isolamento social, hipertensão arterial sistêmica, resistência à Sintoma / Laboratório Tipo 1 Tipo 2
insulina, anormalidades lipídicas, proteína Creativa elevada e Sonolência excessiva diurna + ++++
alteração das enzimas hepáticas (Quadro 3).
Ganho de peso - ++
Hiperatividade ++++ - ou +
FISIOPATOLOGIA
Falta de atenção ++++ +++
Os padrões associados ao estreitamento das vias aéreas
Obesidade visceral - ou + +++
superiores durante o sono são muito variáveis, incluindo
obstrução cíclica, aumento do esforço respiratório, limitação Aumento da circunferência cervical - ou + +++
de fluxo aéreo, taquipnéia e alteração das trocas gasosas.23 Hipertrofia adenotonsilar ++++ ++
Como conseqüência, há uma perturbação da homeostase do Otite média de repetição / timpanoplastia +++ +
sono. O aumento da resistência de vias aéreas é um Depressão, auto-confiança reduzida + +++
componente essencial da SAOS, incluindo qualquer Timidez, isolamento social + +++
combinação de estreitamento ou retroposição da maxila ou Hipertrofia de ventrículo esquerdo ++ ++++
mandíbula, e aumento do tecido adenotonsilar. No entanto, Hipertensão arterial sistêmica + ++++
além dos fatores anatômicos, a instabilidade das vias aéreas Resistência à Insulina - ++++
superiores é dependente da ativação neuromuscular24, do Alteração dos lipídeos séricos + ++++
controle ventilatório e do limiar de despertar.25-26 Durante o
Elevação da proteína C reativa ++ ++++
sono, a maioria das crianças com SAOS mantém um padrão
Elevação das enzimas hepáticas - ++
respiratório estável, indicando sucesso da ativação
neuromuscular. No início do sono há uma redução da ativação - ausente, + até ++++ freqüência

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dos músculos, a variabilidade ventilatória aumenta, e a de ronco primário. Os questionários clínicos têm melhor uso
respiração normal do sono NREM aproxima-se do limiar de quando utilizados para triagem daqueles indivíduos que irão
apnéia obstrutiva. O colapso de vias aéreas é compensado necessitar de diagnóstico definitivo com a polissonografia.
pela atividade dos músculos dilatadores da faringe em resposta Como a polissonografia (PSG) tem custo elevado, outros
a hipercapnia e a pressão negativa intraluminal.23 Crianças com métodos simplificados de diagnóstico como gravação em
SAOS apresentam maior atividade dos músculos dilatadores vídeo e oximetria noturna foram avaliados. Esses apresentam,
de faringe em vigília e, por ter uma via aérea instável, necessitam entretanto, baixa especificidade e não excluem a necessidade
elevar ainda mais essa atividade durante o sono NREM. Esse da PSG. Estudos de PSG diurna (sonecas) em crianças > 1 ano,
excesso de trabalho ventilatório leva a reduções abruptas mostraram valor preditivo positivo de 77% a 100% e valor
da ativação muscular, contribuindo para a obstrução durante preditivo negativo 17% a 49%, ou seja, as PSG diurnas
o sono NREM. O despertar do sono exagera a instabilidade subestimam a presença e a gravidade da SAOS. Atualmente
ventilatória, e consequentemente os ciclos obstrutivos. recomenda-se PSG diurna (~ 3 horas) apenas para lactentes.
Durante o sono REM existem reduções paroxísticas na Estudos polissonográficos domiciliares sem técnico, incluindo
ativação muscular dos músculos dilatadores de vias aéreas montagem cardio-respiratória e monitorização por vídeo, foram
superiores, típicas do controle central do sono REM, levando realizados com sucesso em projetos de pesquisa. Esses
a grande predisposição a eventos obstrutivos.23-24 estudos mostraram baixa sensibilidade e especificidade,
principalmente, pela falta de um profissional para corrigir
DIAGNÓSTICO artefatos. O uso da monitorização domiciliar na prática clínica
O diagnóstico da SAOS é baseado na suspeita clínica, em diversas idades ainda não foi estabelecido.1,18
história, exame físico e confirmação através da O padrão ouro para diagnóstico de SAOS em crianças é a
polissonografia.1-4 Alguns exames preliminares podem auxiliar PSG noturna. A PSG pode ser realizada adequadamente em
no manejo das crianças com SAOS.18 A nasolaringoscopia crianças de qualquer idade, desde que se utilizem
permite a avaliação dinâmica de vias aéreas e localização do(s) equipamentos adequados e profissionais habilitados. A
local (is) de obstrução, geralmente é realizada com sedação polissonografia é um exame que a monitora de diversas
ou anestesia. Na prática clínica, a nasolaringoscopia está variáveis biológicas:-eletroencefalograma, eletrooculograma,
reservada para crianças com vias aéreas difíceis (doenças eletromiograma submentoniano e tibial, medidas de fluxo aéreo
genéticas, malformações craniofaciais, cirurgia prévia) ou com oral e nasal, medida de esforço respiratório torácico e
alteração de colapsibilidade (paralisia cerebral). 27 A abdominal, medida da saturação percutânea de oxigênio (SpO2)
faringometria acústica, um método não invasivo que utiliza e do gás carbônico exalado (PETCO2), posição no leito,
sons para avaliar a área de secção transversa da faringe, tem microfone para registro de ronco, além de gravação em áudio
sido usada com sucesso em adultos, mas tem aplicação limitada e vídeo. Em situações selecionadas também se utiliza o balão
em crianças. esofágico para medir pressão esofágica/intratorácica, uma
A avaliação de vias aéreas pode ser feita por diversos medida de esforço respiratório. Em 2007, a Academia
estudos radiológicos, como raio-x de cavum, cefalometria, Americana de Medicina do Sono publicou uma força de
flouroscopia, tomografia computadoriza e ressonância nuclear trabalho revisando os padrões publicados em 1996.29
magnética (RNM). Esses estudos demonstraram que as vias Em pediatria, a PSG deve ser estagiada e interpretada
aéreas superiores de crianças com SAOS são mais estreitas utilizando-se critério específico para idade.4,29 Considera-se
do que em crianças saudáveis. A RNM permite reconstrução anormal um evento respiratório com duração de dois ou mais
de todas as estruturas óssea e tecidos moles de vias aéreas ciclos respiratórios. Os eventos respiratórios devem ter a
superior, além de observar a dinâmica respiratória. A utilidade duração mínima de 2 ciclos respiratórios e são classificados
desses exames varia, e devem ser usados de acordo com a em apnéia obstrutiva, apnéia central, apnéia mista, hipopnéia,
condição da criança. Estudos avançados devem ser aumento do esforço respiratório associado a despertar e
reservados para os casos mais complicados.18 hipoventilação obstrutiva. (figura 3) O índice de apnéia
Vários estudos tentaram utilizar história e/ou exame físico obstrutiva é a soma das apnéias obstrutivas e mistas divididas
para o diagnóstico da SAOS. Na década de 80, alguns autores pelo tempo total de sono, já o índice de apnéia-hipopnéia é a
utilizaram um escore clínico para diferenciar crianças com soma das apnéias obstrutivas, mistas, hipopnéias e aumento
SAOS ou ronco primário, porém, observou-se que esse escore do esforço respiratório associado a despertar divididas pelo
era indeterminado em três quartos das crianças roncadoras tempo total de sono.
com suspeita de SAOS.21 Posteriormente, demonstrou-se que
esse escore tem baixa sensibilidade (35%) e especificidade Apnéia obstrutiva: queda em mais de 90% da medida de fluxo
(39%).21 Recentemente, uma meta-análise demonstrou que a aéreo associado a esforço respiratório, observado nas cintas
história tem um valor preditivo positivo baixo (64%) quando tóraco-abdominais ou pressão esofágica, por pelo menos 2
comparado ao padrão ouro, a polissonografia. 28 Até o ciclos respiratórios.
momento, nenhum estudo conseguiu demonstrar que a Apnéia central: ausência de fluxo aéreo e esforço respiratório
avaliação clinica é capaz de discriminar com acurácia SAOS por 20 segundos, ou por pelo menos 2 ciclos respiratórios

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 9


Quadro 4 – Classificação da SAOS em crianças
% tempo
Índice de Pico do de sono Índice de
apnéia CO2 com CO2 micro-
obstrutiva Nadir da exalado exalado despertares
Diagnóstico (eventos/h) SpO2 (%) (mm Hg) > 50 mm Hg (ev/hora)

Ronco primário <1 > 92 < 53 < 10 EEG < 11


Síndr. de Resistência VAS <1 > 92 < 53 < 10 RERA > 1
SAOS leve 1–5 86 – 91 > 53 10 – 24 EEG > 11
SAOS moderada 5 – 10 76 – 85 > 60 25 – 49 EEG > 11
SAOS acentuada > 10 < 75 > 65 > 50 EEG > 11

desde que esteja associado a dessaturação de oxigênio > 3% REFERÊNCIAS


e/ou um despertar. 1. American Academy of Pediatrics. Section on Pediatric
Apnéia mista: ausência de esforço respiratório no início do Pulmonology. Subcommitee on Obstructive Sleep Apnea
evento, seguido de por esforço respiratório no final do evento. Syndrome. Clinical practice guideline: diagnosis and
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precedendo ao despertar há ronco, elevação do gás carbônico
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nasal, ou aumento progressivo do esforço respiratório cardiopulmonary sleep studies in children. Am Resp Criut
observado na medida de pressão esofágica.29-30 Care Med 1996, 153:866-878, 1996.
O diagnóstico polissonográfico da SAOS é feito quando o 5. Lumeng JC, Chevin R. Epidemiology of pediatric obstructive
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dessaturação da oxi-hemoglobina (< 92%) e/ou retenção de Graham G. Risk factors for sleep-disordered breathing in
gás carbônico (Pico do PETCO2 > 53 mmHg). Recomenda-se children. Associations with obesity, race, and respiratory
que o critério de adulto (índice de apnéia-hipopnéia > 5 problems. Am J Respir Crit Care Med 1999, 159(5 Pt
eventos/hora) seja utilizado em adolescentes com 13 ou mais 1):1527-32.
anos. O diagnóstico e a classificação de gravidade da SAOS 7. Hamasaki Uema SF, Nagata Pignatari SS, Fujita RR, Moreira
GA, Pradella-Hallinan M, Weckx L. Assessment of cognitive
em crianças é baseado no conjunto de achados clínicos e
learning function in children with obstructive sleep breathing
polissonográficos (Quadro 4). disorders. Rev Bras Otorrinolaringol 2007, 73(3):315-20
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CONCLUSÃO disordered breathing during sleep in children: A
A síndrome da apnéia obstrutiva do sono em crianças e comprehensive review. Sleep 2006, 29(9):1115-34.
9. Moreira GA, Thompson BM, Pradella-Hallinan M, Tufik
adolescentes tem características distintas da SAOS em
S. Snoring and behavioral problems in prepubertal children.
adultos, principalmente quanto ao quadro clínico e os critérios World Association of Sleep Medicine First Congress. Sleep
polissonográficos. O profissional de saúde deve estar atendo Medicine 2005, 6(2): S117.
a possibilidade da SAOS em crianças e adolescentes com 10. Gozal D. Sleep-disordered breathing and school performance
problemas escolares, alterações do comportamento, in children. Pediatrics 1998, 102:616-620.
síndromes genéticas, malformações craniofaciais, respiração 11. Ziliotto KN, dos Santos MF, Monteiro VG, Pradella-
Hallinan M, Moreira GA, Pereira LD, Weckx LL, Fujita
bucal, doença atópica e infecções freqüentes de vias aéreas
RR, Pizarro GU. Auditory processing assessment in children
superiores. É fundamental uma história detalhada de sinais with obstructive sleep apnea syndrome. Rev Bras
noturnos, como ronco, apnéia e desconforto respiratório. Isso Otorrinolaringol 2006, 72(3):321-7.
indica a realização da polissonografia, o padrão ouro no 12. Capdevilla OS, Kheirandish-Gozal L, Dayyat, Gozal D.
diagnóstico da SAOS. A hipóxia intermitente, a hipercapnia, Pediatic obstructive sleep apnea. Complications,
as alterações da pressão intratorácica e a fragmentação do management and long term outcomes. Proc Am Thorac Soc
2008, 5(2):274-282.
sono podem a levar a seqüelas permanentes se a SAOS não
13. Kuhn ML, Salomon ECX, Benvenutti RC, Barbisan BN,
for diagnosticada e tratada rapidamente. O profissional de Moreira GA, Gomes CET, Tufik S. Disfunção cardíaca associada
saúde deve estar atento para os aspectos clínicos, pois uma a apnéia do sono. Hypnos 2001, 2(2):57 (Abstract P-50)
vez diagnosticado a SAOS, o tratamento com 14. Amin RS, Kimball TR, Kalra M, Jeffries JL, Carroll JL,
adenotonsilectomia é eficaz na grande maioria das crianças.19 Bean JA, Witt SA, Glascock BJ, Daniels SR. Left ventricular

10 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


function in children with sleep-disordered breathing. Am J 24. Vuono IM, Zanoteli E, de Oliveira AS, Fujita RR, Pignatari
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Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 11


NASOLARINGOSCOPIA COMO MÉTODO
AUXILIAR NO DIAGNÓSTICO DA
SÍNDROME DE APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO
Autores: Márcia Jacomelli; Marcelo Gervilla Gregório

Serviço: Endoscopia Respiratória da Disciplina de Cardio-Pneumologia - HC-FMUSP

INTRODUÇÃO tonsilas faríngea e palatinas, inflamação de mucosa, hipertrofia


A síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) é uma de paredes laterais da faringe como ocorre, por exemplo, em
doença comum na população adulta de meia idade, 2 a 3 vezes obesos);
mais freqüente em homens do que em mulheres 1,2. É - Formações expansivas benignas ou malignas da faringe e
caracterizada por episódios recorrentes de colapso parcial ou laringe (cistos, pólipos, tumores, malácea);
completo da faringe 3, 4 responsáveis por fenômenos sonoros - Malformações craniofaciais: micrognatia, retrognatia,
(roncos) e por eventos de apnéia ou hipopnéia, com queda da alterações relacionadas à síndromes genéticas (Síndromes de
saturação de oxigênio e despertares freqüentes durante a Down, Pierre Robin, Treacher Collins Crouzon).
noite de sono. Os sintomas clínicos decorrentes destes Durante o período de sono, fatores como redução do tônus
fenômenos incluem: sonolência diurna excessiva, cefaléia, da musculatura dilatadora da faringe, desabamento de
alterações comportamentais e psicossociais, aumento do risco estruturas da faringe devido ao decúbito, abertura da boca e
de doenças cardiovasculares e de acidentes automobilísticos4. deslocamento posterior da mandíbula podem intensificar e
O diagnóstico da SAOS, segundo a American Academy of perpetuar a obstrução faríngea. Tais fenômenos culminam em
Sleep Medicine Task Force 3 depende de critérios clínicos (A vibração das paredes das estruturas com produção ronco ou
ou B) e de polissonografia (C), da seguinte maneira: eventos de apnéia-hipopnéia de natureza obstrutiva que
A - Sonolência diurna excessiva não explicada por outras podem ocorrer, em graus variados, em todo o trajeto da VAS 4.
causas;
B - Dois ou mais dos seguintes fatores (não explicado por MÉTODOS DIAGNÓSTICOS NA SAOS
outras causas): asfixia ou “respiração ofegante” durante o A polissonografia de noite inteira é o método de escolha
sono, despertares freqüentes durante o sono, sono não para diagnóstico da SAOS. Porém, vários exames
reparador, fadiga durante o dia e prejuízos de concentração; complementares são utilizados para estudar a VAS em relação
C- Índice de apnéia e hipopnéia (IAH) ³ 5 eventos respiratórios à função, dimensões e presença de anormalidades anatômicas
obstrutivos por hora de sono na polissonografia (PSG) que favorecem a obstrução. Estas técnicas fornecem
noturna. informações relacionadas à patogênese da SAOS e permitem
A classificação da gravidade da doença, de acordo com o individualizar a terapia. Os exames incluem cefalometria,
consenso americano 3, é baseada nos critérios de sonolência tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética
diurna excessiva e IAH registrados na PSG de noite inteira. (RM), fluoroscopia, nasolaringoscopia e o reflexo acústico.
Cada um apresenta vantagens e desvantagens e devem ser
FISIOPATOLOGIA DA SAOS: criteriosamente indicados de acordo com cada caso 6,7.
A via aérea superior (VAS) é uma estrutura dinâmica e A nasolaringoscopia, ou exame endoscópico da VAS, é um
complexa constituída por cavidades nasais, faringe e laringe método seguro, simples e de custo baixo, bastante utilizado
bastante estudada na SAOS. Especialmente a faringe, na prática médica. Tem por objetivo documentar doenças
segmento da VAS desprovido de arcabouço ósseo e anatômicas (estática) e funcionais (dinâmica) em toda a
cartilaginoso para sustentação, é bastante suscetível ao VAS9,10,11,12. Conforme descrito anteriormente, estas alterações
colapso durante o sono e parece estar comprometida na maioria anatômicas, ou estruturais, podem contribuir para originar ou
dos portadores de SAOS. O conjunto de alterações anatômicas perpetuar o colapso faríngeo durante o sono por reduzir o
e funcionais é responsável por graus variados de colapso calibre da via aérea, aumentar o esforço respiratório (para
durante o sono 4,5,6. As principais doenças que comprometem manter a permeabilidade do órgão) e aumentar as diferenças
a via aérea superior na SAOS são: de pressão no seu interior, favorecendo a ocorrência da
- Doença nasal (obstrução por desvios de septo nasal, obstrução durante o sono.
hipertrofia de conchas nasais, polipose nasal, rinite); A nasolaringoscopia também pode ser utilizada para
- Aumento de tecidos moles da faringe (hipertrofia de avaliação funcional da faringe, através da observação das

12 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


variações de calibre em dois pontos específicos: regiões pacientes avaliados 21. Este é um fator que pode explicar a
retropalatal (RP) e retrolingual (RL)12,13,14,15. O estudo do falha terapêutica da UPFP quando os pacientes são
colapso das regiões RP e RL pode ser realizado pela manobra submetidos somente à avaliação pela manobra de Muller. Em
de Muller e sono induzido. A manobra de Muller, realizada outras palavras, se utilizarmos somente a manobra de Muller
durante a vigília, documenta a obstrução faríngea durante a para excluir a obstrução retrolingual e indicar cirurgia,
inspiração vigorosa com a boca e o nariz ocluídos (o paciente provavelmente não estaremos utilizando o melhor método 21,22.
faz uma inspiração vigorosa enquanto o examinador observa A nasolaringoscopia, com estudo detalhado da via aérea
a obstrução RP e RL). O objetivo da manobra era estabelecer superior, na SAOS deve incluir a seguinte avaliação:
o valor preditivo do sucesso de cirurgias (por exemplo: a 1- Cavidades nasais por via anterior e retrógrada para
uvulopalatofaringopalstia - UPFP) destinadas à correção de diagnóstico de doenças nasais obstrutivas;
causas anatômicas da obstrução (retirar o excesso de tecidos 2 - Avaliação anatômica da rinofaringe, oro e hipofaringe
moles no palato mole e paredes laterais da faringe). A indicação para estudar estruturas moles, paredes laterais da faringe e
cirúrgica seria destinada somente aos pacientes com calibre da via aérea;
obstrução RP isolada (obstrução superior a 75%) e ausência 3 - Avaliação anatômica e funcional da laringe (na pesquisa
de obstrução RL10,11 . O resultado insatisfatório do tratamento de paralisias, malácea ou tumores obstrutivos de laringe);
pela UPFP (taxa de insucesso superior a 50%) trouxe descrédito 4 - Manobra de Muller: avaliação do colapso faríngeo
em relação à avaliação pela manobra de Muller. Outros fatores retropalatal e retrolingual durante a vigília. Se o paciente tiver
contribuíram para inúmeras críticas à manobra: avaliação com obstrução retolingual significativa na manobra de Muller será
o paciente sentado e acordado, métodos subjetivos para excluído do tratamento cirúrgico (UPFP);
descrever a obstrução e variabilidade do esforço exercido 5 - Sono induzido (Figuras 1, 2 e 3) naqueles pacientes que
pelo paciente durante a inspiração10,11,12,13,14,15. não apresentam obstrução retrolingual (ou seja, manobra de
Com a finalidade de esclarecer dúvidas referentes à Muller negativa retrolingual – obstrução inferior a 50%).
indicação cirúrgica pela manobra de Muller estudos foram Nestes casos, o sono induzido pode mostrar obstrução
realizados a partir da década de 1990, com objetivo de avaliar retrolingual não observado à manobra de Muller e o paciente
a obstrução faríngea durante o sono induzido16,17,18,19,20. Isto será excluído do tratamento cirúrgico. O exame deve ser feito
porque durante o sono fatores como redução do tônus da com o paciente em decúbito dorsal, com a cabeça em posição
musculatura dilatadora da faringe, desabamento de estruturas neutra. Acesso venoso periférico é necessário para infusão
da faringe devido ao decúbito, abertura da boca e do sedativo. A sala de exame deve estar equipada com material
deslocamento posterior da mandíbula, favorecem a obstrução. para intubação, oxigenioterapia, ventilação mecânica e
Estas alterações são intrinsecamente relacionadas ao período reanimação (vale lembrar que os pacientes portadores de
de sono e certamente contribuem para críticas à manobra de SAOS poderão apresentar alterações que dificultam a
Muller. Estudos recentes realizados no serviço de Endoscopia intubação em situações de emergências). Anestesia tópica
Respiratória e do Laboratório do sono do Hospital das Clínicas (solução aquosa ou gel) e uso de vasoconstritores (efedrina
da FMUSP mostraram que a manobra de Muller tem ou solução de adrenalina) nas cavidades nasais são
sensibilidade igual ao sono induzido para avaliar a obstrução importantes e proporcionam maior conforto durante o exame.
retropalatal, no entanto para diagnosticar a obstrução O aparelho é introduzido por uma das narinas, até faringe e
retrolingual (RL) a manobra não foi adequada no grupo de laringe. Avaliação anatômica da VAS é então realizada. A seguir,
o sono é induzido com dose mínima de midazolam venoso e a
obstrução faríngea é observada e analisada durante a
nasolaringoscopia. O exame pode ser documentado em vídeo
e análise quantitativa da obstrução pode ser obtida. Em nosso
estudo, o exame pela indução do sono se mostrou uma técnica
segura, de fácil realização e superior à manobra de Muller
para documentar a obstrução retrolingual.

Fig. 1 - Exame realizado durante o sono induzido com midazolam.


Observar a obstrução retrolingual (fotos superiores) e movimento
de vai e vem da úvula durante o ronco (fotos inferiores). Fig. 2 - imagens da obstrução multissegmentar (retropalatal e
retrolingual) obtidas durante o sono induzido com midazolam

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 13


Fig. 3 - obstrução retrolingual total durante o sono induzido com midazolam, em paciente com SAOS.

CONCLUSÃO 11. Katsantonis GP, Maas CS, Walsh JK. The predictive efficacy
A nasolaringoscopia é um método diagnóstico seguro, of the Muller maneuver in uvulopalatopharyngoplasty.
simples e de baixo custo. Representa uma técnica Laryngoscope. 1989; 99: 677-80.
complementar de avaliação para pacientes com SAOS, 12. Woodson BT, Wooten MR. Comparison of upper-airway
podendo ser utilizada em casos específicos onde a avaliação evaluations during wakefulness and sleep. Laryngoscope. 1994;
da via aérea superior é importante para otimizar o tratamento. 104: 821-8.
13. Aboussouan LS, Golish JA, Wood BG, Mehta AC, Wood
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14 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES DA
SÍNDROME DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO
Autores: Luciano F. Drager1; Pedro R. Genta2; Luzia Diegues-Silva3; Patrícia M. Diniz3;
Geraldo Lorenzi-Filho2

1
Serviço: Unidade de Hipertensão - Instituto do Coração (InCor) - Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
2
Laboratório do Sono - Disciplina de Pneumologia – Instituto do Coração (InCor) - Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
3
Iniciação científica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

INTRODUÇÃO SAOS E DOENÇA CARDIOVASCULAR:


A apnéia obstrutiva do sono é parte de um espectro de FISIOPATOLOGIA
distúrbios respiratórios relacionados ao sono que incluem o As apnéias e hipopnéias obstrutivas desencadeiam uma
ronco, a resistência aumentada de vias aéreas superiores série de respostas mecânicas, hemodinâmicas, químicas,
(aumento do esforço respiratório sem apnéia ou hipopnéia), neurais e inflamatórias com conseqüências cardiovasculares
hipopnéias (redução do fluxo inspiratório <50% associada significantes.9 Esforços respiratórios ineficazes contra uma
por mais que 10 segundos) e a apnéia (cessação do fluxo faringe ocluída causam abrupta redução na pressão
inspiratório por mais de 10 segundos) propriamente dita. Este intratorácica. Este fato promove o aumento da pressão
distúrbio caracteriza-se por episódios recorrentes de transmural do ventrículo esquerdo (VE), que é dado pela
hipopnéias e apnéias decorrente do colapso inspiratório das diferença entre a pressão intracardíaca e a pressão
vias aéreas durante o sono, seguida de queda da saturação intratorácica, com conseqüente aumento da pós-carga. O
arterial de oxigênio.1 Quando associada a sintomas diurnos, retorno venoso, por sua vez, também é aumentado,
principalmente sonolência e ou doença cardiovascular resultando na distensão do ventrículo direito (VD) e
denomina-se síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS). deslocamento do septo interventricular para a esquerda. Há
Estudos epidemiológicos mostram que a SAOS acomete comprometimento do enchimento ventricular habitual,
4% dos homens e 2% das mulheres em uma população geral.2 gerando uma diminuição da pré-carga. A combinação da
Além do sexo masculino, obesidade, raça oriental, redução da pré-carga, com aumento da pós-carga atuam
anormalidades estruturais de vias aéreas superiores, uso conjuntamente para a redução do volume de ejeção do VE.9
abusivo do álcool e história familiar são fatores de risco para O aumento da atividade simpática, um achado característico
a SAOS. Considerando apenas dados da polissonografia da SAOS, resulta da interação de diversos mecanismos
(apnéia obstrutiva do sono), sua prevalência chega a 24% em excitatórios normalmente quiescentes durante o sono. Em
homens e 9% em mulheres.2 situações normais, receptores de estiramento pulmonares
Nas últimas 2 décadas, observações clínicas têm suprimem a descarga simpática durante a respiração. Durante
persistentemente demonstrado uma freqüência maior da a apnéia, este reflexo cessa, havendo desinibição do fluxo
presença de doenças cardiovasculares em pacientes com simpático central. As apnéias e/ou hipopnéias recorrentes
SAOS do que a observada na população geral. De fato, estima- causam hipóxia e hipercapnia que amplificam a atividade
se que a SAOS está presente em 30% dos pacientes com simpática por estímulo de quimiorreceptores centrais e
insuficiência coronariana,3 50% dos pacientes portadores de periféricos. A vasoconstricção resultante aumenta a
fibrilação atrial4 e de 12 a 53% nos pacientes com insuficiência resistência vascular periférica; o aumento do estímulo
cardíaca.5-6 Particularmente na hipertensão arterial sistêmica, simpático promove aumento da frequência cardíaca e
estudos mostram uma prevalência de SAOS em 35% dos diminuição de sua variabilidade. Embora o despertar durante
hipertensos,7 chegando a 70% em casos de hipertensão arterial a noite gere o término da apnéia obstrutiva e facilite a
refratária.8 Isto estimulou a curiosidade do mundo científico retomada do fluxo de ar, a resultante carga excitatória dos
para a importância dos distúrbios do sono no ritmo circadiano centros corticais causa aumento da descarga simpática e
e a implicação sobre a gênese e evolução das doenças perda do tônus vagal. Posteriormente o sono retorna, e o
cardiovasculares. Os progressos obtidos até o momento ciclo se repete com novo colapso da faringe. Em pacientes
possibilitaram uma melhor compreensão dos mecanismos com SAOS grave, estes ciclos ocorrem centenas de vezes
fisiopatológicos envolvidos nesta associação. Na presente durante a noite expondo o coração e a circulação a altas
revisão, analisaremos as principais evidências da literatura oscilações do fluxo nervoso simpático e, portanto, da pressão
referentes ao impacto da SAOS no Sistema Cardiovascular. arterial e da freqüência cardíaca. É interessante notar que

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 15


Fig. 1- Mecanismos envolvidos na apnéia obstrutiva do sono que predispõem a um aumento do risco cardiovascular

muitos fenômenos que ocorrem durante a noite não são auto- obesidade, alcoolismo e pressão arterial presentes no início
limitados, uma vez que persistem durante o período de vigília.9 do estudo. Após seguimento de quatro anos, mostrou-se
Além da estimulação persistente da ativação simpática, uma associação independente entre presença de SAOS na
outros fenômenos que são prejudiciais ao sistema avaliação inicial e surgimento de HAS no seguimento.12
cardiovascular também estão presentes como a inflamação Adicionalmente os autores observaram uma relação dose-
sistêmica, a produção de espécies reativas de oxigênio, a resposta entre o IAH e o risco de aparecimento da
disfunção endotelial, o aumento da coagubilidade, entre hipertensão arterial. Dados desta coorte detectaram um
outros (Figura 1).10 aumento de 3 vezes no risco de hipertensão durante o
seguimento de 4 anos. Independente de outras doenças.
SAOS E HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS) Outras coortes que se seguiram mostraram resultados
A relação entre a SAOS e a HAS se deve, em grande semelhantes.13,14
parte, ao fato de a SAOS servir como um modelo de ativação Caracteristicamente, pacientes com SAOS apresentam
simpática persistente, com diminuição na sensibilidade dos repetitivos aumentos da pressão arterial associados aos
barorreceptores, hiperresponsividade vascular e alteração episódios de apnéia e freqüentemente são considerados
no metabolismo do sal e água que podem contribuir para a como “non-dippers” em decorrência de não haver uma queda
elevação da pressão arterial.9 O conjunto das evidências apropriada da pressão arterial durante a noite.15 Este padrão
experimentais e clínicas apontam nitidamente o papel da é considerado de risco aumentado para o surgimento de
SAOS como uma causa secundária de HAS.11 Na parte doença cardiovascular. Outro ponto importante é que a
clínica, os dados iniciais vieram de estudos epidemiológicos, maioria dos pacientes hipertensos com SAOS não tratados
inicialmente com desenho do tipo caso-controle e tem níveis pressóricos elevados, a despeito do uso de muitas
posteriormente com a realização de coortes prospectivas drogas anti-hipertensivas.8 Desta forma, em pacientes com
com seguimento prolongado dos pacientes com SAOS. Em hipertensão refratária ao tratamento, a SAOS pode se
um destes estudos, 709 indivíduos que trabalhavam na constituir em uma das principais causas de ausência de
Universidade de Wisconsin responderam a um questionário resposta ao tratamento anti-hipertensivo.
sobre hábitos de vida e história médica, além da aferição da O tratamento da SAOS como coadjuvante no controle da
pressão arterial, peso, altura e estudo polissonográfico. pressão arterial foi abordado em diversos estudos. Nos
Realizou-se análise multivariada com ajuste para outros estudos que avaliaram pacientes com HAS, a redução da
fatores de risco para doença cardiovascular, como tabagismo, pressão arterial após o tratamento com o CPAP por um

16 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


período de até 3 meses foi de 5 a 10 mmHg.16,17 No entanto, associadas à apnéia acontecem durante o sono REM,
Bazzano et al.18 em recente meta-análise demonstrou a mostrando a vulnerabilidade do coração às influências
redução da pressão arterial de 818 participantes em 2,46 autonômicas durante esta fase do sono.27 O mecanismo de
mmHg na pressão sistólica e 1,83 mmHg na pressão diastólica taquicardia pós-apnéia é provavelmente causado pela
através do uso do CPAP. Essa redução modesta da PA obtida combinação do microdespertar e pela inibição do vago pelo
nessa meta-análise é sujeita a críticas, uma vez que englobou reflexo de insuflação pulmonar resultando aumento da
uma população muito heterogênea, incluindo um número freqüência cardíaca, diminuição da resistência vascular
significante de pacientes com HAS limítrofe ou mesmo periférica e broncodilatação. A taquicardia não é sustentada
normotensos, o que pode ter contribuído para a observação provavelmente por retorno da influência parassimpática
de uma redução modesta da pressão arterial.19 assim que a respiração retorna.27
No que diz respeito ao tratamento da SAOS em pacientes As ectopias ventriculares têm sido relatadas de forma
com HAS refratária, as evidências são muito escassas. Logan muito mais freqüente em pacientes com SAOS do que em
et al.20 trataram 11 pacientes com SAOS e HAS refratária com pessoas sem esta condição clínica.28 Outras arritmias que
CPAP e demonstraram uma queda de 11 mm Hg na pressão têm sido relacionadas com a SAOS incluem a pausa sinusal
arterial sistólica nas 24 horas. Posteriormente, Martinez- e o bloqueio átrio-ventricular de 2o grau, Mobitz II.29
Garcia et al.21 demonstraram que o tratamento com o CPAP Evidências consistentes sugerem que pacientes com
promoveu uma redução da pressão sistólica de 5,2 mm Hg SAOS desenvolvem mais fibrilação atrial do que pessoas
nas 24 horas em pacientes com HAS refratária. Apesar das sem SAOS, independente de qualquer outro fator de risco,
limitações, estes estudos fornecem dados iniciais do impacto incluindo a obesidade.30 Dentre os possíveis mecanismos
do tratamento da SAOS nesse subgrupo de pacientes de responsáveis pela maior ocorrência de fibrilação atrial,
maior risco cardiovascular. destaca-se a evidência de remodelamento atrial promovido
pela SAOS. Pacientes com SAOS, mesmo na ausência de
SAOS E HIPERTENSÃO PULMONAR hipertensão arterial, apresentam um aumento no tamanho
A prevalência da hipertensão pulmonar em pacientes com atrial, conhecido fator que aumenta a predisposição para a
SAOS gira em trono de 17 a 53%, dependendo principalmente ocorrência de arritmias.31 De forma interessante, um estudo
do critério adotado para o diagnóstico da hipertensão mostrou que o tratamento da SAOS com o CPAP promove
pulmonar.22,23 Em geral, a hipertensão pulmonar observada uma redução da recorrência de fibrilação atrial após 1 ano.32
na SAOS é leve embora haja formas graves que resultam em Este dado sugere a importância do tratamento de pacientes
cor pulmonale. A hipertensão pulmonar na SAOS está em com SAOS e este tipo de arritmia, uma vez que a recorrência
geral associada com a gravidade deste distúrbio do sono e pode aumentar o risco de complicações tais como eventos
associada com um remodelamento vascular e menor cardio-embólicos.
biodisponibilidade de óxido nítrico.24 Além da gravidade da
SAOS, outros fatores associados com a hipertensão SAOS E A RELAÇÃO COM AATEROSCLEROSE,
pulmonar na SAOS incluem idade avançada, obesidade e a DOENÇA CORONARIANA E ACIDENTE VASCULAR
presença de doença pulmonar concomitante, tais como o CEREBRAL
doença pulmonar obstrutiva crônica.22 Recentes evidências Há um interesse crescente na literatura da possível relação
sugerem que o tratamento com o CPAP promove uma redução entre a SAOS, aterosclerose, doença coronariana e acidente
significante na pressão sistólica de artéria pulmonar o que vascular cerebral. Recentemente tem sido descrito na
pode ter um benefício no remodelamento do VD que tem literatura que pacientes com SAOS apresentam uma
sido observado nestes pacientes.25Apesar destas evidências, aceleração no processo de aterosclerose. Em uma destas
não existem recomendações nos consensos americanos26 evidências, dados do nosso grupo 33 evidenciaram a
de investigação da presença de hipertensão pulmonar em ocorrência de sinais precoces de aterosclerose (aumento da
pacientes com SAOS. rigidez arterial, aumento da espessura íntima-média da
carótida e do diâmetro da carótida) em pacientes
SAOS E ARRITMIAS aparentemente saudáveis com SAOS grave. Além disto,
A maioria das arritmias ocorre em pacientes com SAOS houve uma correlação entre a gravidade dos marcadores de
moderada a grave. A arritmia mais freqüentemente observada aterosclerose com a gravidade da SAOS.
em pacientes com SAOS consiste na variação cíclica da No que diz respeito à doença coronariana, até o momento
freqüência cardíaca.27 Esta arritmia é caracterizada por as evidências são relativamente escassas e baseadas em
bradicardia progressiva durante o período de apnéia com uma relação de associação e não de uma relação causal.
subseqüente taquicardia durante o período de retorno da Estima-se que a prevalência de doença coronariana nos
respiração. A bradicardia geralmente começa com o início da pacientes com SAOS esteja em torno de 25%, sendo esta
apnéia com uma intensidade proporcional ao grau de porcentagem mais alta nos pacientes com SAOS moderada
hipoxemia e reflete uma mudança no tônus autonômico. e grave.34 Já a prevalência da SAOS em pacientes com
Evidências mostram que cerca de 80% das bradicardias doença coronariana é estimada em 30%.35,36 A importância

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 17


do reconhecimento da SAOS é respaldada por evidências ativação crônica do sistema simpático incluem a necrose do
sugerindo que a SAOS pode contribuir tanto para a miócito, apoptose, downregulation e dessensibilização do
progressão da doença coronariana, quanto para a receptor β-adrenérgico, arritmogênese e aumento das taxas
instabilização de uma doença coronariana estabelecida. Neste de mortalidade.43 Estímulo nos nervos simpáticos do território
sentido, estudos com registros simultâneos da renal promove a ativação do sistema renina-angiotensina-
polissonografia e do eletrocardiograma demonstraram a aldosterona, bem como a retenção de sódio e água. O
ocorrência de episódios de isquemia noturna em pacientes comprometimento do barorreflexo e do controle da freqüência
com SAOS, sendo mais comum durante o sono REM, fase cardíaca são achados adicionais que cooperam para o
onde os eventos respiratórios são mais comuns.37 De forma aumento do risco de morte súbita nestes pacientes.9 Em
interessante, o tratamento com o CPAP promoveu redução contraste com o que acontece em pacientes com ICC isolada,
dos eventos isquêmicos noturnos. a presença conjunta da SAOS coopera para amplificar os
Outro dado interessante é o que se refere à carga distúrbios do controle cardiovascular também durante o sono.
aterosclerótica coronariana. Em um estudo, o escore de Portanto, torna-se uma combinação altamente desfavorável
Gensini, indicador da gravidade da aterosclerose para gerar uma piora da função ventricular, surgimento de
coronariana, foi maior em apnéicos com eventos de arritmias e por conseqüência a uma piora da sobrevida.
dessaturação >5 eventos/hora de sono (evento de
dessaturação definido como queda na saturação O2 >3% SAOS E MORTE SÚBITA
com duração de no mínimo 10 seg.) do que nos não O risco de eventos cardiovasculares na população geral é
dessaturadores.38 Recentemente, Sorajja et al. encontraram significativamente maior nas primeiras horas da manhã após
que pacientes com SAOS apresentavam níveis de escore de o despertar (habitualmente entre às 6 horas da manhã e o
cálcio coronariano maiores do que pacientes sem SAOS, meio-dia). Existem muitas explicações para justificar este
independente de outros fatores de confusão.39 padrão. O aumento dos eventos durante a manhã pode ser
Com relação ao acidente vascular cerebral (AVC), estudos explicado em parte por mudanças no comportamento da
têm sugerido que a SAOS está associada à ocorrência de atividade simpática, alterações circadianas do barorreflexo,
AVC e morte, sendo que a prevalência desta síndrome no aumento da coagulabilidade e de anormalidades
AVC pode chegar a 60%40,41 em comparação com 2 a 4% na eletrofisiológicas. Recentes evidências mostraram que o
população de meia idade. Poucos estudos, no entanto, padrão circadiano de eventos cardiovasculares na SAOS é
avaliaram o papel da SAOS como fator de risco independente diferente da população em geral. Nesse sentido, Gami e
para estes desfechos após ajustar para outros fatores de colaboradores44 avaliaram 112 pacientes com SAOS que
risco. Em um destes estudos, Yaggi e colaboradores40 em tiveram quadro de morte súbita de origem cardíaca.
estudo observacional de coorte incluiu 1022 pacientes dos Diferentemente da população em geral, estes autores
quais 68% apresentavam SAOS sendo o IAH>5 e 32% eram observaram que pacientes com SAOS morrem mais no período
os controles com IAH < 5 eventos/hora. A apnéia do sono da meia-noite às 6 horas da manhã do que no período da
foi independentemente associada à AVC e morte (OR: 2,24) manhã. Além disso, esses autores observaram que quanto
após ajustar para os fatores confundidores (idade, sexo, raça, mais grave a SAOS maior a chance do indivíduo ter morte
IMC, diabetes mellitus, hiperlipidemia, fibrilação atrial e HAS). súbita de madrugada do que em relação aos outros períodos.
Esses dados sugerem que os eventos respiratórios durante
SAOS E INSUFICIÊNCIACARDÍACACONGESTIVA(ICC) a noite podem desencadear a ocorrência de doenças
Os dados até o momento não permitem considerar a SAOS cardiovasculares tais como o infarto agudo do miocárdio e o
como uma causa de ICC. No entanto, a SAOS pode contribuir acidente vascular cerebral em pacientes susceptíveis.
para a piora da classe funcional e da função ventricular em
pacientes com ICC estabelecida. No “Sleep Heart Study”, CONCLUSÕES
que envolveu mais de 6000 homens e mulheres, evidenciou- A SAOS constitui um importante problema de saúde
se que a presença da SAOS aumentou em 2,38 vezes a pública não só pela sua prevalência, mas também pelas
probabilidade de um indivíduo ter ICC, independente de repercussões na qualidade de vida, e conseqüências
outros fatores de risco.41 Um estudo recente mostrou que a cardiovasculares. No entanto, esta condição clínica é
presença da SAOS em pacientes com insuficiência cardíaca subestimada e, como conseqüência, subdiagnosticada. Há
estabelecida está associada com um aumento da mortalidade evidências claras de que a SAOS exerce repercussões
no seguimento médio de três anos. 42 Como vimos importantes sobre Sistema Cardiovascular: a SAOS é uma
anteriormente, o substrato fisiopatológico para o causa secundária de HAS; participa ativamente no
estabelecimento desta relação baseia-se no impacto da surgimento e/ou no agravamento da aterosclerose, infarto
ativação simpática persistente em detrimento da inibição agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, arritmias e
vagal do sistema cardiovascular em geral, bem como os acidente vascular cerebral. Por outro lado, inúmeras
efeitos deletérios do aumento da sobrecarga e da hipóxia evidências demonstram que o tratamento da SAOS com o
sobre o miocárdio. Neste sentido, as conseqüências da CPAP é efetivo em reduzir a morbidade e mortalidade

18 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


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20 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


AVALIAÇÃO PERI-OPERATÓRIA DA APNÉIA
OBSTRUTIVA DO SONO NO OBESO
Autora: Sônia Maria Guimarães Pereira Togeiro

Serviço: Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia - Universidade


Federal de São Paulo

INTRODUÇÃO Fatores genéticos também têm sido implicados, sendo


Independente dos riscos cardiovasculares, cognitivos que uma significante proporção do gene ApoE epsilon4
e na qualidade de vida relacionados a Síndrome da Apnéia está associada á apnéia obstrutiva9,10.
Obstrutiva do Sono (SAOS), estes indivíduos apresentam Num estudo realizado no laboratório do sono da
considerável risco de complicações peri-operatórias UNIFESP (no prelo) avaliando 206 pacientes com IMC de
relacionadas principalmente a anestesia e analgesia, 30+5,2Kg/m2 a AOS foi de grau leve, moderado e grave em
entretanto não ainda bem definido. A literatura é 35,4%, 29,6% e 35%, respectivamente.
relativamente pobre no manejo peri-operatório e não existe Estudos revelam que a proporção de AOS em obesos
consenso publicado sobre a conduta mais adequada neste mórbidos alcança ate 80% dos homens e 50% das
período para estes pacientes. Este artigo pretende sintetizar mulhere 1,2,11 . Num estudo nacional, recentemente
a avaliação diagnóstica e sugerir a terapêutica peri- publicado, a AOS acometeu 98% dos obesos mórbidos,12
operatória para minimizar tais complicações. entretanto há de se considerar o espectro de gravidade da
doença, sendo que 35.2% apresentavam AOS de grau leve,
DIAGNÓSTICO DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO 30.6% de grau moderado e 27.8% de grau intenso. A
Vários estudos confirmam ser a obesidade o principal dessaturação da oxi-hemoglobina correlacionou-se com o
fator de risco para a SAOS, sendo que até 70% dos apneicos IAH sendo mais grave no sexo masculino. Entre os obesos
são obesos,1,2,3 havendo uma relação entre o peso corporal mórbidos, uma pequena minoria apresenta Síndrome de
e o índice de apnéia-hipopneia (IAH). Foi demonstrado Obesidade – Hipoventilação caracterizada pela presença
que o aumento de 10% do peso associa-se ao aumento de de hipoventilação durante a vigília e o sono13. Em geral,
32% do IAH e em 6 vezes a chance de desenvolver SAOS estes indivíduos apresentam SAOS acentuada e as
de grau moderado a grave2. Inversamente, 10% da perda complicações da hipoxemia grave com cor-pulmonale,
ponderal prediz um decréscimo de 26% no IAH. A hipertensão pulmonar, poliglobulia e alta mortalidade14
obesidade pode causar estreitamento das vias aéreas Neste contexto pacientes obesos, particularmente os
superiores (VAS) como resultado do depósito de gordura mórbidos, deveriam ser submetidos ao rastreamento para
na região cervical sendo que a circunferência cervical os distúrbios respiratórios do sono.
corrigida para a altura tem se mostrado um útil preditor Na prática clínica, alguns questionários têm sido
para a SAOS4. utilizados com este objetivo sendo o mais utilizado o
Mais recentemente foi descrito que a obesidade central questionário de Berlim 15 . A presença de 3 domínios
pode estar fortementemente relacionada a SAOS e alguns positivos em 5, indica alta probabilidade de SAOS. Ou seja,
autores propuseram que a AOS deveria fazer parte dos a presença de sintomas como sonolência ou ronco habitual
componentes da síndrome metabólica5. e intenso tem o mesmo peso que a HAS ou o IMC para
Os outros fatores de risco incluem o sexo masculino, a predizer a doença (quadro 1).
idade, o aumento das adenóides e tonsilas palatinas e as Achados de exame físico como hipertrofia adeno-
alterações crânio-faciais (retro e micrognatia). amigdaliana, aumento da base de língua dificultando a
Quanto à idade, a SAOS está presente em, aproximada- visualização da oro-faringe (Sinal de Mallampati III ou IV),
mente, 6% dos homens com a idade de 50-70 anos6. O palato e úvula alongados e alterações esqueléticas faciais
“Sleep Heart Health Study” demonstrou que 25% dos como retro e micrognatia freqüentemente estão presentes
homens e 11% das mulheres com idade de 40 a 98 anos nestes indivíduos16.
apresentam IAH maior que 15 eventos por hora de sono7. Tal diagnóstico deverá ser idealmente confirmado pela
Entretanto, sintomas diurnos são menos comuns com o PSG para que o tratamento adequado seja proposto, sendo
avançar da idade8. que, para os casos de grau moderado e grave o tratamento

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 21


Quadro 1 de escolha é a pressão positiva continua em vias aéreas
(CPAP).
QUESTIONÁRIO CLÍNICO DE BERLIN
COMPLICAÇÕES PERI-OPERATÓRIAS
Categoria 1 A importância do diagnóstico deste distúrbio respiratório
1. Você ronca?
( ) Sim na avaliação pré-operatória decorre das complicações peri-
( ) Não operatórias incluindo aquelas devido ao uso de
( ) Não sei
anestésicos e analgésicos ou ao ato da intubação oro-
2. Seu ronco é: traqueal.17, 18
Pouco mais alto que sua respiração?
Tão mais alto que sua respiração? A incidência das complicações peri-operatórias bem
Mais alto do que falando? como com a gravidade da SAOS não foram ainda bem
Muito alto que pode ser ouvido nos quartos próximos?
estabelecidas, entretanto o estudo de Hwang et al 19
3. Com que freqüência você ronca? demonstrou que complicações respiratórias,
( ) Praticamente todos os dias
( ) 3-4 vezes por semana cardiovasculares e sangramento no período peri-operatório
( ) 1-2 vezes por semana associavam-se à gravidade da hipoxemia durante o sono.
( ) 1-2 vezes por semana
( ) Nunca ou praticamente nunca Considerando que os sedativos, os anestésicos e os
analgésicos, particularmente os opióides, promovem
4. O seu ronco incomoda alguém?
( ) Sim depressão ventilatória, estes pacientes estariam mais
( ) Não suscetíveis ao agravamento do distúrbio respiratório do
5. Alguém notou que você para de respirar sono. Ocorre dificuldade de desintubação e até mesmo
enquanto dorme? morte nos casos em que o diagnóstico de SAOS não havia
( ) Praticamente todos os dias
( ) 3-4 vezes por semana sido reconhecido. Potenciais efeitos sinérgicos de
( ) 1-2 vezes por semana medicamentos também devem ser considerados,
( ) 1-2 vezes por semana
( ) Nunca ou praticamente nunca especialmente, como já referido, os com efeito depressor
no sistema nervoso central. Assim, os hipnóticos sedativos,
Categoria 2 ansiolíticos e outros sedativos sempre que utilizados,
6. Quantas vezes você se sente cansado ou
com fadiga depois de acordar? impõe-se cuidado e monitoramento do paciente.
( ) Praticamente todos os dias Quanto à analgesia, a dose deve ser estabelecida de
( ) 3-4 vezes por semana
( ) 1-2 vezes por semana forma a garantir o alívio da dor sem comprometer o tônus
( ) 1-2 vezes por semana muscular das vias aéreas superiores. O uso da analgesia
( ) Nunca ou praticamente nunca
controlada pelo paciente pode ser inadequada nos pacientes
7. Quando você está acordado você se sente com SAOS se não for cuidadosamente estabelecida a dose
cansado, fadigado ou não sente bem?
( ) Praticamente todos os dias limite que mantém a patência das VAS.
( )3-4 vezes por semana As primeiras 24 horas do pós-operatório é o período
( )1-2 vezes por semana
( )1-2 vezes por semana mais crítico, no entanto as mortes pela SAOS podem ocorrer
( )Nunca ou praticamente nunca após estas 24 horas, sendo provável que também concorra
8. Alguma vez você cochilou ou caiu no sono para tal, a privação do sono com rebote de sono REM 20,21,
enquanto dirigia? período em que as apnéias são mais prolongadas. Tendo-
( ) Sim
( ) Não se em mente o aumento de tempo do pós-operatório para
as complicações, alerta deve ser considerado para os
Categoria 3
9. Você tem pressão alta? procedimentos ambulatoriais
( ) Sim Frente ao exposto torna-se indiscutível a necessidade
( ) Não
( ) Não sei do monitoramento contínuo da oximetria de pulso e da
freqüência cardíaca com alarmes acionados no período pós-
IMC=
operatório.
Pontuação das perguntas:
Qualquer resposta circulada é considerada positiva Outro aspecto relevante seria que as alterações
Pontuação das categorias: anatômicas em via aérea superior nestes pacientes,
Categoria 1 é positiva com 2 ou mais respostas positivas
para as questões 1-5 compreendendo o aumento da base da língua, palato e
Categoria 2 é positiva com 2 ou mais respostas positivas úvula alongados, cavidade oral de tamanho reduzido,
para as questões 6-8
Categoria 3 é positiva se a resposta para a questão 9 é presença de retro ou micrognatia e por vezes hipertrofia
positiva ou o IMC > 30
Resultado final:
adeno-amigdaliana concorreriam para a dificuldade de
2 ou mais categorias positivas indica alto risco para AOS intubação traqueal 22 . Frente a estes achados e caso o
diagnóstico prévio de SAOS não tenha sido contemplado,

22 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


a suspeita deste diagnóstico ocorrerá durante o ato da monitoramento dos eventos respiratórios anormais e uso
intubação traqueal. Um estudo recente demonstrou que o de CPAP são fundamentais para otimizar os cuidados peri-
IAH predisse a dificuldade de intubação, sendo tanto mais operatórios nestes pacientes. Tais recomendações são
difícil quanto maior era o IAH 23. baseadas em experiência clínica e opinião de especialistas
publicadas na escassa literatura disponível sobre este tema.
CONDUTA NO PÉRI-OPERATÓRIO
É fundamental o seguimento de um protocolo pelo REFERÊNCIAS
anestesiologista e pelo pneumologista que identifique os 1. Young T, Peppard PE, Gottlieb DJ. Epidemiology of
fatores de risco para a SAOS e contemple este diagnostico obstructive sleep apnea: a population health perspective.
objetivando a escolha do procedimento anestésico mais Am J Respir Crit Care Med 2002;165(9):1217–39.
adequado e de cuidados peri-operatórios individualizados17. 2. Peppard PE, Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud
O uso do CPAP nestes indivíduos é preconizado durante J.Longitudinal study of moderate weight change and
os períodos pré e pós-operatório, sendo altamente efetivo sleepdisordered breathing. JAMA 2000;284(23):3015–21.
em controlar as sérias complicações, incluindo não 3. Tishler PV, Larkin EK, Schluchter MD, Redline S. Incidence
somente as respiratórias, mas as decorrentes da hipoxemia, of sleep-disordered breathing in an urban adult population:
the relative importance of risk factors in the development of
como as arritmias cardíacas e as isquemias coronarianas e
sleep disordered breathing. JAMA 2003;289(17):2230–7.
cerebrais 24,25. O CPAP promove suporte vital das VAS
4. Davies RJ, Ali NJ, Stradling JR. Neck circumference and
mesmo naqueles que não estavam em uso domiciliar.
other clinical features in the diagnosis of the obstructive
A titulação pressórica do CPAP deve ser monitorada sleep apnea syndrome. Thorax 1992;47(2):101–5.
com o objetivo de se normalizar as trocas gasosas e a 5. Ip MSM, Lam B, Ng MMT, Lam WKT, Tsang KWT, Lam
obstrução das VAS. Se há alguma evidencia de ronco ou KSL. Obstructive Sleep apnea is independently associated
apnéias enquanto o CPAP está sendo utilizado, preconiza- with insulin resistence. Am J Respir Crit Care Med 2002;165:
se aumentar sua pressão para eliminar a obstrução das VAS. 670-676.
As equipes devem estar treinadas em ventilação não 6. Zamarron C, Gude F, Otero Y, Alvarez JM, Golpe
invasiva e atentas ao fato de que aumentos pressóricos A,Rodriguez JR. Prevalence of sleep disordered breathing
adicionais aos valores prévios à condição cirúrgica podem and sleep apnea in 50- to 70-year-old individuals. A survey
ser necessários, decorrente dos efeitos da anestesia e Respiration 1999;66(4):317–22.
analgesia. Adicionalmente, pacientes podem ser incapazes 7. Young T, Shahar E, Nieto FJ, Redline S, Newman AB,
Gottlieb DJ, et al. Sleep Heart Health Study Research Group.
de usar CPAP sem assistência no período do pós-operatório
Predictors of sleep-disordered breathing in community-
ou estar relutantes devido à dor, náusea ou outro
dwelling adults: the Sleep Heart Health Study. Arch Intern
desconforto. Sonda naso- gástrica ou cirurgia abdominal
Med 2002;162(8):893–900.
não contra-indicam o CPAP. Em situações em que há 8. Young T. Sleep-disordered breathing in older adults: is it a
comprometimento da respiração nasal, máscaras faciais condition distinct from that in middle-aged adults? Sleep
podem ser necessárias. Nos casos daqueles que não 1996;19(7):529–30.
toleram ou há falha do CPAP, opta-se pelo o uso de oxigênio 9. Redline S, Tosteson T, Tishler PV, Carskadon MA, Millman
e outras modalidades de ventilação. RP. Studies in the genetics of obstructive sleep apnea.
Idealmente, considerando-se os casos com diagnóstico Familial aggregation of symptoms associated with sleep-
de SAOS, mas não tratados, alguns centros preconizam o related breathing disturbances. Am Rev Respir Dis
uso do CPAP, iniciando-se pelo menos 3 semanas antes da 1992;145(2, Pt. 1):440–4.
cirurgia para garantir o melhor controle das comorbidades 10. Kadotani H, Kadotani T, Young T, Peppard PE, Finn L,
Colrain IM, et al. Association between apolipoprotein E
associadas a SAOS, como da HAS, das arritmias cardíacas
epsilon4 and sleep-disordered breathing in adults. JAMA
e das alterações cognitivas com melhora da condição clínica
2001;285(22):2888–90.
para a cirurgia.
11. Obesos Pack AI. Obstructive sleep apnea. Adv Intern Med.
1994;39:517-67.
CONCLUSÃO 12. Daltro C, Gregorio PB, Alves E, Abreu M, Bonfim D,
Frente ao exposto neste artigo a SAOS apresenta-se Chicourel MH, Araujo L, Cotrim HP. Prevalence and
como um desafio para os cuidados peri-operatórios. Este Severity of Obstructive Sleep Apnea in a group of morbidily
distúrbio respiratório do sono aumenta o risco de obeses patients. Obes Surg 2007,17(6) 809-14.
complicações por anestésicos, analgésicos e sedativos, 13. American Academy of Sleep Medicine Task Force: Sleep-
incluindo complicações cardiorrespiratórias e risco de Related Breathing Disorders in Adults: Recommendations
morte. Avaliação sistemática para identificar estes for Syndrome Definition and Measurement Techniques in
pacientes, bem como a constante vigilância para o risco de Clinical Research. Sleep 1999 , 22( 5)667-89
obstrução da VAS, uso criterioso de medicamentos, 14. MacGregor MI, Block AJ, Ball Jr WC. Topics in clinical

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 23


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Gooneratne, MD5; Robert Neal Aguillard, MD6; Robert 14º andar / Rua Pedro de Toledo, 1800
Fayle, MD7; Robert Troell, MD8; Ronald Kramer, MD9;
Kenneth R. Casey, MD, MPH10; Jack Coleman, Jr., MD, SANTA CASA
FACS11- Report of the AASM Clinical Practice Review 6ªs feiras, das 8 às 9h
Unidade de Pulmão e Coração (UPCOR) -
Committee -Upper Airway Management of the Adult
Anfiteatro
Patient with Obstructive Sleep Apnea in the Perioperative Rua Dr. Cesário Motta Jr, 112
Period - Avoiding Complications SLEEP,2003,
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18. Ostermeier AM, Roizen MF, Hautkappe M, Klock PA, 6ªs feiras, das 8h30 às 10h30
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Rua Henrique Calderazzo, 321 - Paraíso - Santo André
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24 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


RESUMINDO E RECORDANDO

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS RELACIONADOS


AO SONO: CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO
Autores: Lia Rita Azeredo Bittencourt, Silvério Aparecido Garbuio

Serviço: Disciplina de Medicina e Biologia do Sono - Departamento de Psicobiologia –


Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

INTRODUÇÃO CLASSIFICAÇÃO DOS DISTÚRBIOS


As alterações fisiológicas do sistema respiratório RESPIRATÓRIOS RELACIONADOS AO SONO
durante o sono predispõem para que alguns distúrbios Segundo a Classificação Internacional dos Distúrbios do
que ainda não se manifestaram na vigília já ocorram durante Sono (CIDS) 8, os distúrbios respiratórios relacionados ao
o sono1,2. sono são: Síndromes da Apnéia Central do Sono (SACS),
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono são Síndromes da Apnéia Obstrutiva do Sono (SAOS), Síndromes
prevalentes e nem sempre diagnosticados adequadamente3,4. da Hipoventilação/Hipoxemia relacionada ao Sono,
As conseqüências desses, envolvem sonolência excessiva Síndromes da Hipoventilação/Hipoxemia relacionadas ao
e risco de acidentes de trabalho e de trânsito, além de déficits Sono causadas por Condições Médicas e outros distúrbios
cognitivos e doenças cardiovasculares 5,6,7. respiratórios relacionados ao sono. Nessas categorias
Atualmente esses distúrbios são classificados segundo encontram-se os distúrbios do adulto, da criança e do
suas características fisiopatológicas e clínicas 8. adolescente (tabela 1).

Tabela 1 - Classificação dos Distúrbios Respiratórios relacionados ao Sono

Síndromes da Apnéia Central do Sono


Apnéia Central do Sono Primária
Apnéia Central do Sono causada pelo Padrão de Respiração de Cheyne-Stokes
Apnéia Central do Sono causada pela Respiração Periódica da Alta Altitude
Apnéia Central do Sono causada por Condições Médicas que não Cheyne-Stokes
Apnéia Central do Sono causada por Drogas ou Substâncias
Apnéia do Sono Primária da Infância (do recém-nascido)
Síndromes da Apnéia Obstrutiva do Sono
Apnéia Obstrutiva do Sono, adulto
Apnéia Obstrutiva do Sono, pediátrica
Síndromes da Hipoventilação/Hipoxemia relacionadas ao Sono
Hipoventilação Alveolar não-obstrutiva relacionada ao sono, idiopática
Síndrome da Hipoventilação Alveolar Central Congênita
Síndromes da Hipoventilação/Hipoxemia relacionadas ao Sono causadas por Condições Médicas
Síndromes da Hipoventilação/Hipoxemia relacionadas ao Sono causadas doenças do parênquima e vasculatura pulmonar
Síndromes da Hipoventilação/Hipoxemia relacionadas ao Sono causadas por obstrução das vias aéreas inferiores
Síndromes da Hipoventilação/Hipoxemia relacionadas ao Sono causadas por doenças neuromusculares e da caixa
torácica
Outros Distúrbios Respiratórios relacionados ao Sono
Apnéia do Sono/ Distúrbios Respiratórios relacionados ao Sono, inespecíficos

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 25


Nas SACS incluem-se aquelas nas quais o esforço Quadro 4 - Apnéia do Sono Central Condições Médicas
respiratório é diminuído ou ausente, que ocorre intermitente não Cheyne Stokes
ou de forma cíclica devido às disfunções do sistema nervoso
central ou cardíaca. Essas síndromes são divididas em As apnéias centrais não se apresentam como padrão
idiopáticas ou aquelas devidas às condições patológicas de Cheyne Stokes e são geralmente são associadas à:
prévias ou ambientais 8. • Lesões de tronco cerebral (vascular, neoplásica,
Os principais critérios diagnósticos das SACS degenerativa, dismielinizante, traumática)
encontram-se nos quadros 1 à 6 8.
• Doenças cardíacas

Quadro 1 - Apnéia do Sono Central Primária • Doenças renais

A) uma ou mais dessas queixas:


• Sonolência Diurna Excessiva (SDE) Quadro 5 - Apnéia do Sono Central por Drogas ou
• Despertares noturnos freqüentes ou queixa de insônia Substâncias
• Despertares com falta de ar

B) Polissonografia (PSG) revelando 5 ou mais A) Uso de opióides de longa ação (mínimo 2 meses)
apnéias centrais/hora de sono
B) Apnéias centrais > 5/hora de sono ou respiração
C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por periódica
outro distúrbio do sono, doenças médicas ou
neurológicas, uso de medicações ou distúrbio por C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
uso de substâncias distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas

Quadro 2 - Apnéia do Sono Central: Padrão da Respiração Quadro 6 - Apnéia do Sono Central Primária da Infância
de Cheyne-Stokes
Apnéia da Prematuridade (menos do que 37 semanas
A) PSG revelando 10 ou mais apnéias ou hipopnéias de idade gestacional)
centrais/hora de sono, sendo acompanhadas tem um
padrão de volume corrente crescendo e decrescendo A) Apnéias centrais ³ 20" ou obstrutivas e mistas mais
acompanhado por despertares freqüentes e alteração curtas com bradicardia, hipoxemia, necessitando
da arquitetura do sono intervenção
Apnéia da Infância (maior que 37 semanas de idade
Obs: Podem ocorrer: SDE, despertares e vigília durante gestacional)
o período de sono, queixa de insônia e despertares com
falta de ar B) Apnéias centrais ³ 20" ou obstrutivas e mistas mais
curtas com bradicardia, cianose, palidez e hipotonia.
B) Associação com Insuficiência Cardíaca Congestiva,
Acidente Vascular Encefálico ou Insuficiência Renal C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
Crônica distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas,
uso de medicações ou distúrbio por uso de substâncias
C) Ausência de outro distúrbio do sono, uso de
medicações ou distúrbio por uso de substâncias
Nas SAOS são incluídas aquelas em que há obstrução da
Quadro 3 - Apnéia do Sono Central: Respiração Periódica via aérea resultando em esforço respiratório, porém na
da Alta Altitude ausência de ventilação adequada. Adultos e crianças são
identificados separadamente devidos aos diferentes métodos
diagnósticos e tratamento.
A) Recente subida a altitudes de 4000m
Os principais critérios diagnósticos das SAOS se
B) PSG revelando apnéias centrais recorrentes > 5/hora encontram nos quadros 7 e 8 8.
de sono, na fase NREM (ciclo de apnéias e hiperpnéias Nas Síndromes da Hipoventilação relacionadas ao Sono
de 12 a 34") são englobadas aquelas doenças em que estão associadas à
hipoventilação alveolar por limitação na habilidade de
Obs: Podem ocorrer despertares e fadiga eliminação do gás carbônico (CO2). Como durante o sono
ocorre um aumento fisiológico da pressão parcial de CO2
arterial (PaCO2 ), esse aumento excede o esperado e pode

26 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Quadro 7 - Apnéia do Sono Obstrutiva do adulto ainda não estar ocorrendo durante a vigília nessas síndromes8.
Critérios (A + B + D) ou (C + D) Os principais critérios diagnósticos das Síndromes
A) No mínimo 01 queixa: Hipoventilação relacionadas ao Sono se encontram nos
• Episódios de sono não intencionais durante a vigília, quadros 9 a 13 8.
SDE, sono não reparador, fadiga ou insônia
• Acordar com pausas respiratórias, engasgos ou asfixia Quadro 9 - Hipoventilação Alveolar Não-Obstrutiva
• Companheiro relatar ronco alto e/ou pausas respiratórias relacionada ao Sono Idiopática
no sono
PSG:
B) PSG: A) Episódios de diminuição da ventilação >10" com queda
• 5 ou mais eventos respiratórios detectáveis (apnéias e/ da saturação da oxi-hemoglobina, despertares relacionados
ou hipopnéias e/ou despertares relacionados à esforço ou bradi-taquicardia
respiratório) / hora de sono Obs:Podem ocorrer: sonolência diurna excessiva,
• Evidência de esforço respiratório durante todo ou parte despertares e vigília durante o sono ou insônia
de cada eventos
B) Ausência de doenças pulmonares, esquelética ou
C) PSG: neuromuscular que afete a ventilação
15 ou mais eventos respiratorios detectáveis (apnéias e/
ou hipopnéias e/ou despertares relacionados à esforço C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
respiratório) / hora de sono distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas, uso
evidência de esforço respiratório durante todo ou parte de medicações ou distúrbio por uso de substâncias
de cada eventos
Quadro 10 - Hipoventilação Alveolar Central Congênita
D) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
A) Período neonatal durante o sono: diminuição da
distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas,
uso de medicações ou distúrbio por uso de substâncias ventilação ou cianose e apnéia
Obs: Hipertensão pulmonar e cor pulmonale podem
estar presente
Quadro 8 - Apnéia do Sono Obstrutiva Pediátrica
B) Hipoventilação que piora no sono comparado à vigília
A) Relato de ronco e/ou respiração laboriosa durante o sono
C) Teste da resposta ventilatória à hipercapnia e à
B) No míninmo um desses achados:
hipoxemia diminuída ou abolida
• Movimento paradoxal da caixa torácica na inspiração
• Despertares com movimentos
• Sudorese D) PSG: hipoxemia e hipercapnia acentuada sem
• Sonolência Diurna Excessiva, hiperatividade ou apnéias
comportamento agressivo
• Taxa de crescimento lenta E) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
• Cefaléia matinal distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas,
• Enurese uso de medicações ou distúrbio por uso de substâncias

C) PSG: Quadro 11 - Hipoventilação/Hipoxemia relacionada ao


• Um ou mais eventos respiratórios detectáveis (apnéias sono causada por Doenças do Parênquima ou Vasculatura
e/ou hipopnéias com duração de no mínimo 02 ciclos
respiratórios) / hora de sono Pulmonar
A) Doença do parênquima ou vasculatura pulmonar
D) PSG com a ou b: causando hipoxemia
a. No mínimo 1:
• Despertares freqüentes relacionados ao esforço
respiratório aumentado B)Polisonografia ou medidas de gases arterias no sono
• Queda da saturação da oxi-hemoglobina relacionada ao mostrando no mínimo um desses achados:
eventos obstrutivos • Saturação mínima da oxi-hemoglobina (SpO2) menor
• Hipercapnia no sono
• Episódios marcados de pressão esofágica negativa que 90% por mais de 5 min e SpO2 min de 85%
• 30% do Tempo Total de Sono (TTS) com SpO2 menor
b. Períodos de hipoxemia, hipercapnia ou ambas no sono, que 90%
associados a ronco, movimento paradoxal da caixa
• PaCO2 acentuadamente elevado ou desproporcional-
torácica na inspiração e no mínimo:
• Despertares freqüentes mente maior que na vigília
• Episódios marcados de pressão esofágica negativa
C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
E) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro
distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas,
distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas, uso
de medicações ou distúrbio por uso de substâncias uso de medicações ou distúrbio por uso de substâncias

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 27


Quadro 12 - Hipoventilação/Hipoxemia relacionada ao Sono 2. Andersen ML, Bittencourt LRA. Fisiologia do Sono. In: Tufik
causada por Obstrução das Vias Aéreas Inferiores S, editor. Medicina e Biologia do Sono. 1st ed. São Paulo: Manole,
2007. p. 48-58.
A) Doença obstrutiva das vias aéreas inferiores (VEF1/ 3. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr S. The
CVF: < 70%) causando hipoxemia occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged
adults. N Engl J Med. 1993;328:1230-5.
B) PSG ou medidas de gases arteriais no sono mostrando 4. Conway SG, Tufik S, Frussa Filho R, Bittencourt LRA.
no mínimo um desses achados: Repercussions of a sleep medicine outreach program. Brazilian
· Saturação mínima da oxi-hemoglobina (SpO2) menor que Journal of Medical and Biological Research. 2006;39:1057-63.
90% por mais de 5 min e SpO2 min de 85% 5. Beebe DW, Gozal D. Obstructive sleep apnea and the prefrontal
· 30% do Tempo Total de Sono (TTS) com SpO2 menor cortex: towards a comprehensive model linking noc turnal upper
que 90% airway obstruction to daytime cognitive and behavioral deficits.
· PaCO2 acentuadamente elevado ou desproporcional- J Sleep Res. 2002;11:1-16.
mente maior que na vigília 6. Barbé F, Pericás J, Muñoz A, Findley L, Antó JM, Agustí AG.
Automobile accidents in patients with sleep apnea syndrome:
C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro an epidemiological and mechanistic study. Am J Respir Crit
distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas, uso Care Med. 1998;158:18-22.
de medicações ou distúrbio por uso de substâncias 7. Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term
cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep apnea-
hypopnoea with or without treatment with continuous positive
Quadro 13 - Hipoventilação/Hipoxemia relacionada ao
airway pressure: an observational study. Lancet.
Sono causada por Doenças Neuromusculares e da Caixa
2005;365:1046-53.
Torácica
8. The International Classification of Sleep Disorders. Diagnostic
& Coding Manual American Academy of Sleep Medicine. 2nd
A) Doença Neuromuscular ou da caixa torácica causando ed. Westchester: 2005.
hipoxemia
lia@psicobio.epm.br
B) PSG ou medidas de gases arteriais no sono mostrando
no mínimo um desses achados:
• Saturação mínima da oxi-hemoglobina (SpO2) menor REGIONAL ABC
que 90% por mais de 5 min e SpO2 min de 85%
• 30% do Tempo Total de Sono (TTS) com SpO2 menor
que 90% ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS
• PaCO2 acentuadamente elevado ou desproporcional-
RESPIRATÓRIAS
mente maior que na vigília
Data: 25/09/2008
C) O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro Horario: 20h
distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas, APM São Bernardo do Campo
uso de medicações ou distúrbio por uso de substâncias Rua Pedro Jacobucci 400 - Centro
São Bernardo do Campo - SP

PROGRAMA
CONCLUSÃO
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono são 20h as 20h30 Abordagem do Derrame Pleural
Dr. Luiz Francisco Ribeiro Médici
classificados segundos suas características fisiopatológicas
específicas e possuem critérios diagnósticos clínicos e 20h30 as 21h Diagnóstico de Tuberculose Pulmonar
polissonográficos. Dra. Luciene Franza Degering
O reconhecimento precoce dos distúrbios respiratórios Coquetel
relacionados ao sono permite uma abordagem terapêutica
Inscrições:
mais efetiva com melhor prognóstico e sobrevidas dos
APM - Associação Paulista Medicina
pacientes acometidos pelos mesmos. (Srta. Márcia - 11 4330-6166 / 4125-4439

Apoio:
REFERÊNCIAS Boehringer Ingelheim
1. Douglas NJ. Respiratory physiology: control of ventilation. Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia
In: Kryger MH, Roth T, Dement WC, editors. Principles and Associação Paulista de Medicina
Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo
Practice of Sleep Medicine. 4th ed. 2005. p. 224-31.

28 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA
E DISTÚRBIO RESPIRATÓRIO DO SONO
Autora: Marília Montenegro Cabral

Serviço: Hospital Otávio de Freitas - Recife - PE

1. INTRODUÇÃO hipoventilação pode ser ainda maior na fase do sono REM


A fisiologia respiratória durante o sono é quando ocorre uma acentuada hipotonia da musculatura
consideravelmente diferente quando comparada à vigília. O acessória e intercostal da respiração, resultando em
controle respiratório, a função neuromuscular e a resistência diminuição da contribuição da caixa torácica para a ventilação
da via aérea superior são alterados durante o sono em e tornando o diafragma o principal músculo responsável pela
indivíduos saudáveis1. A passagem da vigília ao sono está ventilação. A hiperinsuflação pulmonar da DPOC
associada à queda de 5 a 10% da ventilação minuto com promovendo a retificação de cúpulas diafragmáticas e,
queda adicional de até 40% durante o sono de movimentos portanto uma contração diafragmática ineficaz faz com que a
rápidos dos olhos (REM)2. Também foi demonstrado em musculatura acessória da respiração exerça um papel
indivíduos saudáveis a redução da resposta ventilatória à fundamental na ventilação. A hipotonia fisiológica da
hipóxia e hipercapnia durante a transição vigília e sono não musculatura acessória que ocorre durante o sono REM,
REM além de redução maior durante o sono REM. Essas acarreta hipoventilação com acentuada hipoxemia. A figura
alterações fisiológicas que ocorrem normalmente durante o 1 exemplifica um paciente portador da DPOC com quedas
sono não promovem efeitos deletérios em indivíduos acentuadas da saturação periférica de oxigênio (SpO2) durante
saudáveis, entretanto em portadores da Doença Pulmonar a fase REM.
Obstrutiva Crônica (DPOC) acentuadas hipoxemia e
hipercapnia podem ocorrer3,4. Portanto, a hipoxemia durante
o sono é frequente na DPOC e é mais acentuada em relação
à vigília e à encontrada durante um exercício máximo5.
Além das alterações fisiológicas encontradas durante o
sono algumas patologias próprias do sono, em especial a
Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono (SAOS), quando
presente em portadores da DPOC, causa grandes
repercussões e contribui para hipoxemia, hipercapnia e
hipertensão pulmonar.
Esse artigo pretende revisar os mecanismos
fisiopatológicos da hipoxemia noturna no portador da DPOC, Fig. 1 - Hipnograma e traçado de oximetria de um paciente
suas conseqüências e tratamento enfatizando a associação DPOC: nota-se profunda hipoxemia relacionada ao sono
DPOC e SAOS. REM 17.
2. Patogênese da hipoxemia noturna
Os principais mecanismos fisiopatológicos responsáveis 2.2. Alteração da ventilação/perfusão: Especula-se que
pela hipoxemia noturna na DPOC são: hipoventilação, alteração da ventilação/perfusão durante o sono contribua
alteração da ventilação/perfusão e SAOS. para a hipoxemia. Essa alteração é sugerida pela diminuição
2.1. Hipoventilação: Diversos estudos6,7 consideram que proporcionalmente maior da saturação arterial de oxigênio
a hipoventilação é a principal causa de hipoxemia noturna e (SaO2) em relação a PaCO2 durante o sono no portador da
existe documentação de redução da ventilação minuto DPOC. A piora da alteração ventilação/perfusão durante o
quando comparada à vigília de 12% no estágio 2 do sono sono pode ser explicada por alterações da ventilação
não REM, 19% no estágios 3 e 4 do sono não REM e 35% no enquanto o débito cardíaco mantém-se relativamente estável.
sono REM 8 . As alterações da ventilação durante o sono podem ser
Os mecanismos que levam a hipoventilação são: redução explicadas por pelo menos dois mecanismos: 1. Redução da
da taxa metabólica basal, aumento da resistência da via aérea tosse com tendência ao acúmulo de secreções. 2. Redução
superior e perda do estímulo da vigília para respirar. A da capacidade residual funcional contribuindo para o

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 29


fechamento de pequenas vias aéreas em zonas pulmonares evidenciaram prevalência da DPOC de 14% e 11%,
dependentes. respectivamente. Viegas e col.15 estudaram 21 portadores da
2.3. Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono: A SAOS é DPOC e encontraram a SAOS em 9,5% dos pacientes. O
caracterizada por obstruções recorrentes das vias aéreas número pequeno de pacientes desses estudos e a seleção
superiores durante o sono, com conseqüente, hipoxia e dos mesmos através de laboratórios de sono ou de clínicas
hipercapnia, associadas à fragmentação do sono e de doenças respiratórias não permitem conclusões definitivas
sonolência excessiva diurna. A SAOS é encontrada em 2 a em relação à prevalência da associação SAOS e DPOC.
4% da população adulta saudável9 e pode ser ainda mais Atualmente a prevalência da DPOC, definida pela relação
prevalente em populações específicas, tais como em VEF1/CVF < 70%, é descrita em torno de 10% em populações
portadores de obesidade, hipertensão arterial sistêmica, de adultos com idade maior ou igual a 40 anos e pode alcançar
insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão pulmonar. 20%16. A questão da prevalência da SAOS em portadores da
Tanto a SAOS como a DPOC são condições clínicas DPOC com leve limitação do fluxo aéreo foi recentemente
comuns e, portanto é de se esperar que a associação entre esclarecida através de uma grande estudo prospectivo
as duas patologias não seja rara. Foi cunhado o termo populacional multicêntrico14. Os participantes pertenciam ao
“overlap syndrome”10 quando as duas condições clínicas “Sleep Heart Health Study” e um total de 5954 participantes
estão presentes num mesmo paciente. A “overlap syndrome” foram submetidos à espirometria e polissonografia noturna.
(figura 2) resulta em hipoxemia relacionada ao sono Os principais achados foram: 1) Prevalência da DPOC de
acentuada com maior tendência a hipercapnia, hipertensão 19%, destes, apenas 3,8% apresentavam relação VEF1/CVF
pulmonar e cor pulmonale, conferindo a esses pacientes um < 60%; 2) Prevalência da SAOS, IAH > 10/h e IAH > 15/h, de
pior prognóstico11. 22% e 14% respectivamente entre portadores da DPOC e 3)
Prevalência da SAOS, IAH > 10/h e IAH > 15/h, de 29% e
19% respectivamente entre não portadores da DPOC. Neste
grande estudo populacional a maioria da população
portadora da DPOC apresentava leve limitação do fluxo aéreo
(relação VEF1/CVF > 60%) e, portanto esses resultados não
podem ser extrapolados para populações com moderada a
acentuada limitação do fluxo aéreo.
Em estudo também recente, embora com portadores da
DPOC apenas com moderada a acentuada limitação do fluxo
aéreo (n = 50 pacientes) e aleatoriamente estudados através
Fig. 2 - Traçado da monitorização respiratória de uma de polissonografia completa no laboratório de sono, Cabral
polissonografia de um portador da DPOC: nota-se apnéia MM, encontrou uma prevalência de 28% da SAOS nesta
obstrutiva levando à dessaturação acentuada17 população17.
Portanto, de acordo com as evidências recentes da
Uma revisão cuidadosa da literatura mostra que há literatura, a prevalência da SAOS em portadores da DPOC é
escassos estudos com metodologia adequada e que os elevada embora não seja superior à população geral de mesma
resultados de prevalência da SAOS em pacientes com idade.
diagnóstico da DPOC são variáveis na dependência de como 3. Definições e preditores de hipoxemia noturna e SAOS
a população alvo foi selecionada. O próprio valor de eventos no portador da DPOC. Indicações para realização de
respiratórios mínimo, determinado pelo índice de apnéia e polissonografia.
hipopnéia (IAH), utilizado como critério polissonográfico Um evento de dessaturação é usualmente definido na
para o diagnóstico da SAOS, é variável de estudo para literatura como a queda de 4% da SaO2 em relação ao nível
estudo. Também é variável a definição da DPOC adotada basal obtido durante uma respiração tranqüila imediatamente
pelos diversos estudos. Estudos iniciais documentaram antes do episódio de hipoxemia18. É provável que o número
prevalência da SAOS em portadores da DPOC e prevalência de eventos de dessaturação não seja o melhor índice de
da DPOC em portadores da SAOS elevada11,12,13. Já estudos oxigenação no portador da DPOC. Alguns autores (19,20)
mais recentes citam prevalência da SAOS semelhante à identificaram um percentual de duração de registro com a
população geral14. SpO2 abaixo de 90% ou 80% para definição da presença de
A primeira descrição de ocorrência da SAOS em dessaturação noturna e abaixo do valor preconizado
população com diagnóstico da DPOC foi de Guilleminault e observaram aumento da pressão em artéria pulmonar com
col. 12 que estudaram 26 pacientes encaminhados ao maior tendência ao desenvolvimento de hipertensão
laboratório de sono por sonolência excessiva diurna e pulmonar. Por exemplo, Levi-Valensi e col19 definiram
evidenciaram a SAOS em 80% dos pacientes. Bradley e col.13 dessaturação noturna em portadores da DPOC com PaO2 >
e Chaouat e col.11 ao estudarem pacientes (n = 50 e 265, 60 mmHg como a documentação de SpO2 abaixo de 90% por
respectivamente) consecutivos portadores da SAOS > 30% de duração do registro. Outra definição proposta por

30 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Fletcher e col.20 é a documentação de queda da SpO2 abaixo independente da gravidade da limitação do fluxo aéreo e
de 90% > 5 minutos e com o nadir da dessaturação de no dependente da presença da SAOS 14 . A causa é
mínimo 85%. Outro parâmetro utilizado é a média da SpO2 provavelmente multifatorial e inclui tosse noturna; dispnéia;
durante o sono. uso de medicações, como a teofilina, e hipoxemia recorrente.
Em geral existe uma boa correlação entre os níveis de Os portadores da “overlap syndrome” em comparação com
hipoxemia diurna e a gravidade da hipoxemia noturna. Este os portadores da DPOC isolada apresentam pior qualidade
fato é facilmente explicado pelo formato da curva de de sono.
dissociação da oxi-hemoglobina. Embora seja mais freqüente 4.2. Circulação pulmonar: Os estudos que avaliaram a
e grave a dessaturação noturna em pacientes com hipoxemia hemodinâmica pulmonar durante o sono em portadores da
diurna significativa, Fletcher e col20 documentaram a presença DPOC grave com PaO2 < 55/60 mmHg e em sua maioria com
de dessaturação noturna em 30% dos pacientes com PaO2 > hipertensão pulmonar permanente, demonstraram que os
60 mmHg. episódios de hipoxemia não relacionados a SAOS,
O nível de hipercapnia diurno também é um importante especialmente durante o sono REM, foram acompanhados
preditor de dessaturação noturna21, embora poucos estudos de elevações da pressão de artéria pulmonar. Já em pacientes
da literatura monitorizaram a PaCO2 durante o sono. A com PaO2 > 60 mmHg e ausência da SAOS, não há uma clara
obesidade presente em um subgrupo de pacientes também evidência se a hipoxemia noturna isolada poderá levar ao
é responsável pela maior dessaturação noturna. aumento de risco de hipertensão pulmonar 21,24. No entanto,
A definição da SAOS significativa é baseada na os portadores da “overlap syndrome” apresentam risco
documentação polissonográfica de IAH alterado (e” 10 ou aumentado de desenvolver hipertensão pulmonar (11) ,
e” 15 eventos/hora de sono) associado a sintomas clínicos, especialmente se hipoxêmicos e com grave limitação ao fluxo
tais como, fragmentação do sono e sonolência diurna aéreo.
excessiva18. 4.3. Aumento de risco cardiovascular: Shepard e col25
Pelo fato da “overlap syndrome” ser freqüente devemos documentaram que os episódios de hipoxemia noturna
sempre pensar nesta possibilidade e procurar afastá-la. As aumentavam a demanda de oxigênio para o miocárdio em
variáveis clínicas de correlação positiva para SAOS no nível superior ao encontrado no exercício. Também foi
portador da DPOC são: a presença de ronco alto e freqüente, descrito 26 aumento do número de arritmias cardíacas
grande circunferência do pescoço, e padrão clínico-funcional representadas por extra-sístoles ventriculares e supra-
definido como “polo bronquite” (inclui pacientes com índice ventriculares à noite em portadores da DPOC, especialmente
de massa corpórea maior) 17. Vários estudos demonstraram em pacientes com hipoxemia noturna acentuada.
que os achados da prova de função pulmonar não se A SAOS deflagra uma cascata de fatores chaves
correlacionam com a SAOS 14,15. envolvidos na gênese da aterosclerose, incluindo a produção
As recomendações da literatura4,22 para indicação de de espécimes reativas de oxigênio, fatores de coagulação e,
polissonografia nos portadores da DPOC estão especialmente, inflamação sistêmica, os quais podem ser
discriminadas na tabela 1. responsáveis pelo aumento do risco de infarto miocárdico27,28
4. Conseqûencias principais da hipoxemia noturna, e acidente vascular cerebral29. Lorenzi-Filho G. e col.30
especialmente da “Overlap Syndrome”. recentemente estudaram um grupo de portadores da SAOS
4.1. Qualidade do sono: Muitos portadores da DPOC e um grupo controle sem doença concomitante e livre de
apresentam reduzida qualidade do sono23 caracterizada por medicação e documentaram que, em contraste com o grupo
eficiência do sono reduzida, latência para o início do sono controle, os portadores da SAOS apresentavam sinais
aumentada e fragmentação da arquitetura do sono, precoce de aterosclerose. Portanto, a presença da SAOS no
portador da DPOC pode aumentar o risco de mortalidade
por doença cardiovascular.
Tabela 1 - Indicações de polissonografia em portadores da
4.4. Policitemia: Hipoxemia permanente é causa bem
DPOC.
conhecida de policitemia embora ainda não está
1. Sintomas sugestivos da SAOS (ronco alto, apnéia definitivamente demonstrada que a hipoxemia noturna
presenciada por familiar e sonolência excessiva isolada também induz policitemia.
diurna). 5. Tratamento da hipoxemia noturna no portador da
DPOC
2. Policitemia na presença de PaO2 em vigília > 60 mmHg.
Um dos maiores objetivos do tratamento da DPOC com
insuficiência respiratória avançada é corrigir a hipoxemia, já
3. Hipertensão pulmonar na presença de PaO2 em vigília
que desde 1980 se documentou redução de mortalidade nos
> 60 mmHg
portadores da DPOC hipoxêmicos que faziam uso de
4. Pacientes com queixa de cefaléia matinal em oxigenoterapia31.
programa de oxigenoterapia. 5.1 Oxigênio: Não há dúvidas na literatura sobre a
indicação de oxigenoterapia contínua nos portadores da

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 31


DPOC estável que apresentam acentuada e persistente 6. CONCLUSÃO
hipoxemia, caracterizada por PaO2 < 55 mmHg ou PaO2 < 60 Como descrevemos, hipoxemias acentuadas, recorrentes
mmHg associada a sinais de cor pulmonale31,32. A duração ou persistentes são freqüentes no portador da DPOC e
diária da oxigenoterapia deve ser no mínimo 16 horas/dia, podem contribuir para o desenvolvimento precoce de
sendo mandatória durante o sono, para que os benefícios hipertensão pulmonar e contribuir para sua piora clínica.
responsáveis pela redução da mortalidade sejam alcançados. Devemos procurar identificar o subgrupo de pacientes de
Por outro lado, para os portadores da DPOC que não risco para SAOS já que merece uma abordagem terapêutica
preenchem os critérios para oxigenoterapia contínua, mas específica. Sintomas clássicos para SAOS, tais como ronco
que apresentam dessaturação noturna, não existem dados alto e freqüente associado a apnéia testemunhada e
suficientes na literatura que justifiquem o uso de portador da DPOC onde o grau de hipertensão pulmonar e
oxigenoterapia noturna isolada 33,34. policitemia não são justificados pela SaO2 de vigília devem
5.2. Gerador de fluxo de pressão positiva contínua e ter o diagnóstico da SAOS descartado através de
ventilação não invasiva: Para os portadores da “overlap polissonografia.
syndrome” está bem definida na literatura o uso do gerador
de fluxo que mantém pressão positiva contínua na via aérea REFRÊNCIAS
(CPAP) o qual pode ser associado ao oxigênio nos pacientes 1. Hudgel DW, Martin RJ, Johnson B et al. Mechanics of
hipoxêmicos35. O CPAP promove a abertura da via aérea the respiratory system and breathing during sleep in
superior prevenindo o colapso e apnéias obstrutivas e todas normal humans. J Appl Physiol 1984;56:133-37.
as suas consequências deletérias: hipóxia, hipercapnia, 2. Gould GA, Molloy J. Breathing pattern and eye movement
aumento da pós-carga do ventrículo esquerdo e estimulação density during REM sleep in man. Am Rev Respir Dis.
simpática excessiva. O controle da hipoxemia reduz a 1988;138:874-77.
progressão da hipertensão pulmonar presente nesses 3. Weitzenblum E, Chaouat A. Sleep and chronic obstructive
pacientes. Vários ensaios clínicos recentes randomizados36,37, pulmonary disease. Sleep Med Rev.2004;8:281-94.
em portadores da SAOS tratados com CPAP demonstraram 4. McNicholas WT. Impact of sleep in COPD. Chest
2000;117:48-53.
melhora do desempenho cognitivo, da sonolência diurna e
5. Mulloy E, McNicholas WT. Ventilation and gas exchange
redução do risco de complicações cardiovasculares.
during sleep and exercise in severe COPD. Chest
Pelo fato da hipoventilação alveolar representar um
1996;109:387-94.
importante mecanismo responsável pela hipoxemia noturna
6. Catterall JR, Calverley PMA, MacNee W, et al.
no portador da DPOC, vários estudos38,39 foram realizados
Mechanism of transient nocturnal hypoxemia in hypoxic
com o uso da ventilação não invasiva noturna (VNI)
chronic bronchitis and emphysema. J Appl Physiol
domiciliar associada ao oxigênio em portadores da DPOC 1985;59:1698-703.
estável com hipoxemia e hipercapnia e não portadores da 7. Catterall JR, Douglas NJ, Calverley PMA, et al. Transient
SAOS. Os resultados dos estudos foram conflitantes em hypoxemia during sleep in chronic obstructive pulmonary
relação à redução da hipercapnia diurna, ao aumento do disease is not a sleep apnea syndrome. Am Rev Respir
tempo total de sono, à melhora da qualidade de vida e à Dis 1983;128:24-9.
redução de internação hospitalar. Entretanto, em estudo 8. Ballard RD, Such BY. Influence of sleep on respiratory
recente multicêntrico40, o benefício da VNI associada ao function in emphysema. Am J Respir Crit Care Med
oxigênio foi definitivamente demonstrado em relação a 1995;151:945-51.
redução da hipercapnia, melhora da dispnéia e qualidade de 9. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr
vida. As recomendações da literatura38 para uso da VNI estão S. The occurrence of sleep disordered breathing among
discriminadas na tabela 2. middle aged adults. N Engl J Med 1993;323:1230-35.
10. Flenley, DC. Sleep in chronic obstructive lung disease.
Clin Chest Med 1985;6:51-61.
Tabela 2 - Indicações de ventilação não invasiva domiciliar 11. Chaouat A, Weitzenblum E, Krieger J, et al. Association
para os portadores da DPOC estável hipercápnica. of chronic obstructive pulmonary disease and sleep apnea
1. DPOC estável sintomático apesar de tratamento syndrome. Am J Respir Crit Care Med 1995;151:82-6.
medicamentoso otimizado e se um dos itens abaixo 12. Guilleminault C, Cumminskey J, Motta J. Chronic
estiver presente: obstructive airflow disease and sleep studies. Am Rev
a. PaCO2 > 55 mmHg. Respir Dis 1980;122:397-406.
b. PaCO2 de 50 a 54 mmHg e dessaturação noturna 13. Bradley TD, Butherford A, Grossmann RF, Lue F, Zamel
(SaO2 de 88% por 5 minutos consecutivos apesar de O2 N, Moldofsky H, Phillipson EA. Role of diffuse airway
suplementar de 2l/min) obstruction in the hypercapnia of obstructive apnea. Am
c. PaCO2 de 50 a 54 mmHg e uma ou mais Rev Respir Dis 1986;134:920-24.
hospitalização por descompensação da DPOC em 12 14. Sanders MH, Newman AB, Haggerty CL, Redline S,
meses. Lebowitz M, Samet J, O’Connor GT, Punjabi NM, Shahar

32 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


E for the Sleep Heart Health Study. Sleep and sleep- 28. Shahar E, Whitney CW, Redline S, Lee ET, Newman AB,
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2003;167:7-14. disease:cross-sectional results of the Sleep Heart Health
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J Pneumol. 2003;39:69-74. occurrence of stroke. Am J Respir Crit Care Med
16. Menezes AM, Perez-Padilha R, Jardim JR, Muino A, 2005;172:1447 –1451.
Lopez MV, Vadivia G, Montes de Oca M, Talamo C, Hallal 30. Drager LF,Bortolotto LA,Lorenzi MC,Figueiredo
PC, Victora CG. PLATINO Team. Chronic obstructive AC,Krieger EM, Lorenzi-Filho G. Early signs of
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Flenley DC. The effect of oxygenation on sleep quality in 2006;19:CD001106.
bronchitis and emphysema. Am Rev Repir Dis. 36. Marin JM,Carrizo SJ,Vicente E,Augusti AG. Long-term
1982;126:206-10. cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep
24. Chaout A, Weitzenblum E, Kessler R, Schott R, Charpentier apnoea-hypopnoea with or without treatment with
C, Levi-Valensi P et al. Outcome of COPD patients with continuous positive airway pressure:an observational
mild daytime hypoxaemia with or without sleep-related study. Lancet 2000;365:1046-53.
oxygen desaturation. Eur Respir J 2001;17:848-55. 37. Hill NS. Noninvasive ventilation in chronic obstructive
25. Shepard JW, Schweitzer PK, et al. Relationship of pulmonary disease. Clin Chest Med. 2000; 21(4):783-97.
ventricular ectopy to nocturnal oxygen desaturation in 38. Peter C. Gay, Jeffry Meecham Jones and Roger S.
patients with chronic obstructive pulmonary disease. Am Goldstein, Peter J. Wijkstra, Yves Lacasse, Gordon H.
J Med 1985;78:28-34. Guyatt, Ciro Casanova. A Meta-analysis of Nocturnal
26. Trilapur VG, Mir MA, et al. Nocturnal hypoxemia and Noninvasive positive pressure ventilation in patients with
associated electrocardiographic changes in patient with stable COPD. Chest 2003;124;337-343.
chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med 39. Chini E, Sturani C, Rossi A, Viaggi S, Conrrado A, Donner
1982;306:125-30. CF, Ambrosino N, on behalf of AIPO. The Italian
27. Peker Y, Kraiczi H, Hedner J, et al. Respiratory disturbance multicentre study on noninvasive ventilation in chronic
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artery disease. Am J Respir Crit Care Med 2002;20:529-38.
2000:162(1):181-186. montcabral@hotmail.com

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 33


34 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008
POLISSONOGRAFIA:
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS, REGISTROS,
ESTUDOS COMPLETOS E SIMPLIFICADOS
Autor: Rogério Santos da Silva

Serviço: Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia - Universidade


Federal de São Paulo - UNIFESP

INTRODUÇÃO pesquisadores em fisiologia e distúrbios do sono publicou,


A polissonografia (PSG) é um termo genérico que se junto ao “Brain Information Service”, um manual de
refere ao registro simultâneo de algumas variáveis estagiamento de sono e técnica polissonográfica 6 .
fisiológicas durante o sono, tais como: eletroencefalograma Entretanto, esse manual não incluía a análise e marcação
(EEG), eletrooculograma (EOG), eletromiograma (EMG), de eventos associados. Em 2007, a AASM publicou um
eletrocardiograma (ECG), fluxo aéreo (nasal e oral), esforço novo manual para estagiamento do sono e eventos
respiratório (torácico e abdominal), outros movimentos associados, na tentativa de padronizar as regras,
corporais (através do EMG), gases sangüíneos (saturação terminologia e especificações técnicas relacionadas à PSG7.
da oxi-hemoglobina – SpO2, concentração de dióxido de Com base em evidências acumuladas na literatura, esse
carbono), posição corporal, entre outras. É considerada, novo manual recomenda o registro mínimo de três
pela Academia Americana de Medicina do Sono (AASM), derivações do EEG, duas derivações do EOG, EMG da região
o método diagnóstico “padrão-ouro” para os distúrbios mentoniana, duas derivações de EMG do músculo tibial
do sono 1 . O registro polissonográfico é realizado no anterior (pernas esquerda e direita), parâmetros de fluxo
laboratório, durante uma noite inteira de sono, com aéreo, esforço respiratório, SpO2, posição corporal e ECG.
acompanhamento por um técnico especializado em PSG 2,3. Deve-se utilizar equipamentos de registro (polígrafos) com
Além da PSG de noite inteira (Tipo 1), outros três tipos de boa qualidade, sendo recomendada resolução digital mínima
registros, para diagnóstico da Sindrome da Apnéia obstrutiva de 12 bits/amostra e freqüência de amostragem mínima de
do Sono (SAOS), são descritos na literatura 4, sendo: 200 Hz para EEG, EOG, EMG, ECG, e ronco, 25 Hz para fluxo
Tipo 2 – possui, no mínimo, sete canais de registro, aéreo, pressão esofágica e esforço respiratório, 10 Hz para
incluindo EEG, EOG, EMG da região mentoniana, ECG, fluxo oximetria e 1 Hz para posição corporal8. O conjunto de
aéreo, esforço respiratório e SpO2. O registro é realizado filtros recomendado para a PSG está descrito na Tabela 1.
na casa do paciente, sem acompanhamento técnico. A De acordo com o novo manual, o estagiamento do sono
literatura ainda não apresenta evidências validando este deve ser feito visualmente, por profissional treinado, já
método de registro. que não existem evidências de que os equipamentos
Tipo 3 – possui, pelo menos, quatro canais de registro, digitais de registro do sono possam fazer a análise
incluindo fluxo aéreo, esforço respiratório, freqüência automática de maneira confiável 9.
cardíaca e SpO2. É considerada uma alternativa para
diagnóstico em pacientes selecionados, com alta Tabela 1 - Conjunto de filtros rotineiramente utilizados na
probabilidade clínica de SAOS. Recentemente, a força tarefa polissonografia
da AASM 5 recomenda o uso apenas em adultos, referindo
a inexistência de dados que validem o seu uso na população Filtro de baixa Filtro de alta
acima de 65 anos, crianças e indivíduos com comorbidades Variável freqüência (Hz) freqüência (Hz)
(portadores de doenças pulmonares, neurológicas ou com EEG 0,3 35
doença cardiovascular).
EOG 0,3 35
Tipo 4 - mede saturação e/ou fluxo aéreo. Não há evidências
que suportem a recomendação para diagnostico de SAOS 5. EMG 10 100
ECG 0,3 70
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS DA PSG Respiração 0,1 15
REGISTRO DO SONO Ronco 10 100
Em 1968, um comitê formado por experientes

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 35


O estagiamento do sono é baseado na observação de As seguintes regras são recomendadas pela AASM para
grafoelementos específicos do EEG durante o sono, que estagiamento do sono7,9:
permite a identificação dos padrões do sono não REM Estágio V
(NREM) e do sono REM. É recomendada a colocação das A. Considerar estágio V para épocas que apresentem
derivações F4-M1(mastóide esquerdo), C4-M1 e O2-M1, mais de 50% de ritmo alfa (8 a 13 Hz) na região occipital.
para observação das ondas lentas do sono profundo e dos B. Considerar como estágio V as épocas sem alfa
complexos K, ondas agudas do vértex e fusos do sono, e característico, mas que apresentem:
do ritmo alfa, respectivamente. Os eletrodos F3, C3, O1 e 1) Piscamentos com freqüência de 0,5 a 2 Hz;
M2 (mastóide direito) também devem ser colocados como 2) Movimentos oculares de leitura (fase lenta seguida
reserva, em caso de artefatos com os eletrodos por fase rápida na direção oposta);
recomendados. São colocados no couro cabeludo de acordo 3) Movimentos irregulares dos olhos em associação ao
com o Sistema 10-20 de colocação de eletrodos10, após a tônus muscular preservado.
adequada preparação da pele. Devem ser bem fixados, para
que resistam ao longo período de registro do sono, Estágio N1
geralmente com a utilização de colódio elástico. A. Em indivíduos com presença de ritmo alfa
Eletrodos para observação dos movimentos rápidos dos proeminente, considerar estágio N1 para épocas que
olhos que ajudam na identificação do sono REM, além dos apresentem atenuação do ritmo alfa pela intrusão de
movimentos rotatórios lentos dos olhos, característicos da atividade EEG com freqüências mistas de baixa voltagem
transição da vigília-sono. Esses eletrodos registram a (predominantemente 4-7 Hz) em mais de 50% da época.
diferença de potencial do globo ocular, sendo a córnea B. Em indivíduos sem presença de ritmo alfa
positiva em relação à retina. Um eletrodo é colocado um proeminente, considerar o aparecimento do 1º dos seguintes
centímetro acima do canto externo do olho direito e outro eventos:
eletrodo é posicionado um centímetro abaixo do canto 1) Atividade EEG com freqüências mistas de baixa
externo do olho esquerdo. Ambos são referidos com M2 e voltagem, com lentificação maior que 1 Hz da linha de base
fixados com fita adesiva. do estágio V.
A outra variável fisiológica recomendada para 2) Ondas agudas do vértex (ondas agudas com duração
estagiamento do sono é o EMG da região mento/ menor que 0,5 segundo, que destacam-se da linha de base,
submentoniana. Três eletrodos são colocados, sendo que com maior amplitude na região central).
dois eletrodos são utilizados para o registro e o 3º eletrodo 3) Movimentos oculares rotatórios lentos.
e utilizado como reserva. O 1º eletrodo é posicionado na
linha media do queixo e um cm acima do osso da mandíbula, Estágio N2
o 2º é colocado um cm abaixo do osso da mandíbula e dois A. As seguintes regras definem o início de um período
cm a direita da linha média, e o 3º eletrodo é fixado dois cm de estágio N2:
abaixo do osso da mandíbula e dois cm a esquerda da linha 1) Começar o estagiamento de N2 se pelo menos um dos
média. Essa derivação permite a observação da diminuição seguintes eventos ocorrerem na 1ª metade da época ou na
do tônus muscular característico do sono REM, em 2ª metade da época anterior:
comparação com o sono NREM. a. Um ou mais complexos K (onda com componente
negativo rápido seguido por componente positivo mais
ESTAGIAMENTO DO SONO lento, com duração maior ou igual a 0,5 segundo, com máxima
O novo manual da AASM recomenda a seguinte amplitude na região frontal) não associados a despertares;
terminologia para denominação dos estágios do sono: a b. Um ou mais fusos do sono (trem de ondas com
vigília é denominada como Estagio V (ou estágio W, do freqüências de 11 a 16 Hz – geralmente de 12-14 Hz), com
termo inglês “Wakefulness”); o sono NREM é dividido em maior amplitude em regiões centrais).
três estágios - N1, N2 e N3, no sentido do mais superficial
para o mais profundo; e o sono REM é denominado estágio Estágio N3
REM 9. A. Considerar estágio N3 quando 20% ou mais da
Para o estagiamento do sono, o registro polissonográfico duração da época apresentar atividade EEG com ondas
é dividido em intervalos de tempo com 30 segundos de lentas (freqüências de 0,5 a 2 Hz e amplitude maior que 75
duração, denominados épocas. Esse “sistema de épocas” µV, de pico-a-pico).
para estagiamento do sono assegura que toda a PSG seja
dividida em segmentos consecutivos de tamanhos iguais e Estágio R
que cada segmento represente um único estágio. Quando, A. Marcar com estágio R as épocas que apresentarem
numa mesma época, mais de um estágio estiver presente, todos os seguintes eventos:
deve-se considerar o estágio que compreender a maior a. Freqüências mistas com baixa amplitude no EEG, com
porção da época. ou sem presença de ondas em dentes-de-serra (triangulares,

36 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


2 a 6 Hz, com maior amplitude em regiões centrais); registro do fluxo aéreo, quando o tempo entre eles for menor
b. Baixo tônus no EMG do queixo; que 0,5 segundo. Entretanto, estes movimentos não devem
c. Movimentos rápidos dos olhos. ser incluídos nos parâmetros de MPPS. Pacientes com
SAOS podem apresentar associação com MPPS, mas o
Essa terminologia para estagiamento do sono pode ser clínico deve tratar a SAOS para desmascarar o MPPS.
aplicada para crianças acima dois meses pós-termo. O
estagiamento do sono em crianças com menos de dois BRUXISMO
meses de idade foi discutido pela Força Tarefa de Pediatria De acordo com a AASM 7,14, a identificação de bruxismo
da AASM 11. pode ser feita pela observação do registro da derivação do
EMG do queixo. Entretanto, a critério do investigador,
EVENTOS ASSOCIADOS AO SONO eletrodos nos músculos masseteres podem ser incluídos
Despertares do EEG na montagem da PSG. As seguintes regras são
Os despertares do EEG são eventos observados durante recomendadas para definição de Bruxismo:
a PSG e estão associados à fragmentação do sono. De 1) Elevação mantida (evento tônico) ou em abalos
acordo com a recomendação do novo manual da AASM7, (evento fásico) da atividade do EMG do queixo, com
os despertares do EEG são definidos como uma alteração aumento da amplitude superior à duas vezes a linha de
abrupta na freqüência do EEG (teta, alfa ou beta – excluindo- base.
se fusos) com, pelo menos, três segundos de duração, 2) Breves elevações da atividade do EMG do queixo são
precedido por, no mínimo 10 segundo de sono estável. A marcadas como bruxismo se durarem 0,25 a 2 seg e se
marcação dos despertares do EEG deve incorporar ocorrerem numa seqüência de pelo 3 eventos.
informações da atividade das regiões central e occipital. 3) Elevações mantidas do EMG do queixo são marcadas
Pode ser marcado nos estágios N1, N2, N3 e REM. se durarem mais que 2 segundos.
Entretanto, durante o estágio REM, a marcação do despertar 4) Entre dois eventos de bruxismo deve ocorrer um
do EEG requer aumento concomitante do EMG do queixo período maior que três segundos sem aumento da atividade
com, no mínimo, um segundo de duração12. Os despertares do EMG.
do EEG devem ser marcados independentemente do 5) Bruxismo pode ser estagiado confiavelmente na PSG
estagiamento do sono, isto é, despertares do EEG podem associado a dois ou mais episódios audíveis, na ausência
ser marcados em épocas de vigília, desde que nela ocorram de epilepsia.
10 segundos consecutivos de sono antes da alteração
abrupta da freqüência do EEG13. DISTÚRBIO COMPORTAMENTAL DO SONO REM
(DCSREM)
MOVIMENTOS ANORMAIS A PSG apresenta uma ou ambas características em
O novo manual da AASM 7 recomenda que sejam indivíduos com DCSREM 14:
marcados rotineiramente na PSG, pois têm características 1) Atividade do EMG do queixo mantida (em mais de
PSG específicas, os seguintes movimentos anormais14: 50% da época) durante estágio R.
2) Atividade muscular transitória excessiva durante o
MOVIMENTOS PERIÓDICOS DE PERNAS estágio R, no EMG do queixo ou pernas.
DURANTE O SONO (MPPS)
Para registro dos movimentos de perna durante o sono DISTÚRBIO RÍTMICO DE MOVIMENTO
são colocados dois eletrodos sobre o músculo tibial anterior A AASM 7,14 recomenda, para identificação de Distúrbio
de cada perna. É considerado movimento de perna um rítmico de movimento, que sejam colocados eletrodos de
aumento da amplitude do EMG maior ou igual a 8 µV acima superfície para registro de EMG dos grandes grupos
da linha do repouso, com duração mínima de 0,5 e máxima musculares envolvidos, observando-se as seguintes regras
de 10 segundos. O critério de fim do movimento é baseado de identificação:
na diminuição da amplitude do EMG para menos de 2 µV 1) Freqüência mínima para marcação de movimentos
acima da linha do repouso, por mais de 0,5 segundo. Para rítmicos = 0,5 Hz.
que o movimento seja considerado periódico, deve estar 2) Freqüência máxima para marcação de movimentos
incluído numa sequência de, pelo menos, 4 movimentos, rítmicos = 2,0 Hz.
com intervalo de 5 a 90 segundos entre dois movimentos 3) Número mínimo de movimentos para fazer um “cluster”
consecutivos. de movimentos rítmicos = 4.
MPPS devem ser associados com despertares do EEG 4) A amplitude mínima de um abalo deve ser igual a duas
quando o tempo entre eles for menor que 0,5 segundo (não vezes a amplitude do EMG basal.
importando quem ocorreu primeiro). A PSG com vídeo sincronizado, em adição ao critério
Movimentos de pernas podem estar associados com o PSG, é necessária para diagnóstico de Distúrbio Rítmico
final do evento respiratório ou promover um aumento no do Movimento7.

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EVENTOS RESPIRATÓRIOS apnéia ou hipopnéia)7,15.
De acordo com a AASM 7,15, a identificação da apnéia do Hipoventilação pode, opcionalmente, ser marcada na
sono deve ser feita com base no registro do fluxo aéreo PSG se houver aumento maior ou igual a 10 mmHg na
realizado pelo sensor denominado termístor (ou termopar). PaCO2, durante o sono, em comparação aos valores em
O termistor é capaz de detectar as variações na temperatura vigília, em posição supina. A AASM 7,15 ressalta que a
do fluxo aéreo por variação da sua resistência elétrica. dessaturação persistente da oxi-hemoglobina não é
Alguns termístores combinam sensores capazes de suficiente para marcação de hipoventilação e que não há
determinar o fluxo aéreo de ambas as fossas nasais e da evidências de que sensores de medida indireta (CO 2
boca, simultaneamente. São colocados imediatamente transcutâneo ou exalado) substituam a medida da PaCO2,
abaixo do nariz e fixados por fita adesiva ou esparadrapo. em adultos.
As hipopnéias devem ser identificadas a partir do sinal de É recomendada a marcação da Respiração de Cheyne-
fluxo aéreo registrado por uma cânula nasal conectada a Stokes quando houver presença de, no mínimo, três ciclos
um transdutor de pressão. Para classificação da apnéia, o consecutivos do padrão respiratório cíclico (padrão
esforço respiratório do tórax e do abdome deve ser crescendo – decrescendo), em associação a, pelo menos,
registrado. A pressão esofágica ou a pletismografia de um dos seguintes critérios: cinco ou mais apnéias ou
indutância são os métodos recomendados para registro do hipopnéias centrais por hora de sono e/ou duração do
esforço respiratório. padrão respiratório cíclico maior ou igual a 10 minutos
A AASM 7,15 recomenda, para marcação de apnéias, que consecutivos7,15.
o evento respiratório deve encontrar todos os seguintes
critérios: 1) Queda da amplitude do registro do termístor RELATÓRIO DA PSG
maior ou igual a 90% da linha de base; 2) A duração mínima Após o estagiamento do sono e marcação dos eventos
do evento é de 10 segundos; 3) Pelo menos 90% da duração associados, deve ser criado um relatório resumindo os
do evento encontra o critério de redução da amplitude. A principais achados da PSG. A AASM recomenda a inclusão
presença de dessaturação da oxi-hemoglobina não é critério dos seguintes parâmetros no relatório da PSG7:
para marcação de apnéias. Baseada no esforço inspiratório,
a apnéia do sono pode ser classificada em: apnéia Dados do estagiamento do sono
obstrutiva: ausência do fluxo aéreo e manutenção do 1) Horário de “luzes apagadas” (h:min)
esforço respiratório; apnéia central: ausência do fluxo aéreo 2) Horário de “luzes acesas” (h:min)
e ausência do esforço respiratório; e apnéia mista: o início 3) Tempo total de sono (TTS; em min)
do evento respiratório apresenta ausência do fluxo aéreo e 4) Tempo total de registro (TTR; de “luzes apagadas” até
ausência do esforço respiratório e, no final do evento, a “luzes acesas”, em min)
ausência do fluxo aéreo persiste mesmo após a retomada 5) Latência do sono (LS; de “luzes apagadas” até a primeira
do esforço respiratório. época de qualquer estágio de sono, em min)
A definição recomendada para hipopnéia inclui uma 6) Latência de estágio R (do início do sono até a primeira
queda maior que 30% da amplitude do fluxo aéreo pela época do estágio R, em min)
cânula nasal, com duração mínima de 10 segundos, 7) Vigília após o início do sono (estágio V durante TTR,
associada a dessaturação da oxi-hemoglobina maior de 4%. menos LS, em min)
A AASM oferece, ainda, uma definição alternativa para 8) Porcentual de eficiência do sono (TTS/TTR) x 100
hipopnéia, que sugere marcar o evento respiratório que 9) Tempo em cada estágio do sono (min)
encontrar queda da amplitude do registro da cânula nasal 10) Porcentual do TTS em cada estágio do sono (Tempo
maior ou igual a 50% da linha de base, com duração mínima em cada estágio (min)/TTS) x 100
de 10 segundos, associada a dessaturação da oxi-
hemoglobina maior de 3% ou a um despertar do EEG. Apenas Despertares
uma das definições deve ser utilizada para marcação da 1) Número de despertares
hipopnéia durante a análise de uma PSG. 2) Índice de despertares (número de despertares/TTS)
A análise da PSG pode incluir, opcionalmente, a marcação
do Despertares Relacionados ao Evento Respiratório Eventos respiratórios
(“Respiratory Effort Related Arousals” – RERA), quando 1) Número de apnéias obstrutivas
ocorrer um evento maior ou igual a 10 segundos, 2) Número de apnéias mistas
caracterizado por aumento do esforço respiratório, 3) Número de apnéias centrais
mensurado pela pressão esofágica, ou achatamento da 4) Número de hipopnéias
onda da pressão nasal, que leve a um despertar do EEG 5) Número de apnéias + hipopnéias
(quando o evento não encontrar critérios para marcação de 6) Índice de apnéia (IA = (número de apnéias obstrutivas +

38 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


número de apnéias mistas + número de apnéias centrais) x REFERÊNCIAS
60/TTS 1. Kushida CA, Littner MR, Morgenthaler T, Alessi CA,
7) Índice de hipopnéia (IH = número de hipopnéias x 60/ Bailey D, et al. Practice parameters for the indications for
TTS) polysomnography and related procedures: an update for
2005. Sleep 2005;28(4):499-523.
8) Índice de apnéia + hipopnéia (IAH = número de apnéias
2. Bittencourt LRA, Silva RS, Conway SG. Laboratório do
+ hipopnéias x 60/TTS)
sono – Estrutura física e pessoal, técnica polissonográfica,
9) Despertares relacionados ao esforço respiratório, número questionário de sono e banco de dados. Sao Paulo: AFIP-
total (opcional) Associacao Fundo de Incentivo a Psicofarmacologia, 2005.
10) Índice de despertares relacionados ao esforço 3. AASM – American Academy of Sleep Medicine. ICDS-2
respiratório (número total de despertares relacionados ao - International Classification of Sleep Disorders, 2nd ed.,
esforço respiratório x 60/TTS) (opcional) Diagnostic and Coding Manual. Westchester,Il. 2005.
11) Dessaturações da oxi-hemoglobina e” 3% ou e” 4%, 4. ASDA - American Sleep Disorders Association. Practice
número total (opcional) parameters for use of portable recording in the assessment
of obstructive sleep apnea. Sleep 1994; 17:372-377.
12) Índice de dessaturação da oxi-hemoglobina e” 3% ou
5. Collop NA, Anderson WM, Boehlecke B, et al. Portable
e” 4% (número total de dessaturações da oxi-hemoglobina
Monitoring Task Force of the American Academy of Sleep
e” 3% ou e” 4% x 60/TTS) (opcional) Medicine. Clinical guidelines for the use of unattended
13) Saturação da oxi-hemoglobina contínua, valor médio portable monitors in the diagnosis of obstructive sleep
14) Saturação da oxi-hemoglobina mínima durante o sono apnea in adult patients. Portable Monitoring Task Force
15) Ocorrência de hipoventilação (sim / não) (opcional) of the American Academy of Sleep Medicine. J Clin Sleep
16) Ocorrência de respiração de Cheyne-Stokes (sim / não) Med 2007;3:737-47.
6. Rechtschaffen A, Kales A. A Manual of Standardized
Eventos cardíacos Terminology, Techniques and Scoring System for Sleep
Stages of Human Subjects. Los Angeles: UCLA. Brain
1) Freqüência cardíaca média durante o sono
Information Service/Brain Research Institute, 1968.
2) Maior freqüência cardíaca durante o sono
7. Iber C, Ancoli-Israel S, Chesson Jr A, Quan S. The AASM
3) Maior freqüência cardíaca durante o registro Manual for the Scoring of Sleep and Associated Events:
Deve-se relatar a ocorrência (sim / não) de arritmias Rules, Terminology and Technical Specifications,
cardíacas. Se presente, deve-se listar a freqüência cardíaca Westchester, IL: American Academy of Sleep Medicine,
ou a duração da pausa. 2007.
8. Penzel T, Hirshkowitz M, Harsh J, Chervin RD, Butkov5
Movimentos N; Kryger M, et al. Digital Analysis and Technical
1) Número de movimentos periódicos de membros durante Specications. J Clin Sleep Med 2007; 3( 2):109-20.
o sono (MPMS) 9. Silber MH, Ancoli-Israel S, Bonnet MH, Chokroverty S,
Grigg-Damberger MM. et al. The Visual Scoring of Sleep
2) Número de movimentos periódicos de membros durante
in Adults. J Clin Sleep Med 2007; 3( 2):121-31.
o sono (MPMS) associados a despertares
10. Jasper HH. The Ten Twenty Electrode System of the
3) Índice de MPMS (MPMS x 60/TTS) Intemational Federation. Electroenceph Clin Neurophysiol
4) Índice de MPMS associados a despertares (MPMS 1958;10:371-75.
associados a despertares x 60/TTS) 11. Grigg-Damberger MM, Gozal D, Marcus CL, Quan SF,
et al. The Visual Scoring of Sleep and Arousal in Infants
Resumo and Children. J Clin Sleep Med 2007; 3( 2):201-40.
1) Achados relacionados a diagnósticos do sono 12. Bonnet MH, Doghramji K, Roehrs T, Stepanski EJ,
2) Anormalidades do EEG Sheldon SH, et al. The Scoring of Arousal in Sleep:
3) Anormalidades do ECG Reliability, Validity, and Alternatives. J Clin Sleep Med
4) Observações comportamentais 2007; 3( 2):133-45.
5) Hipnograma (opcional) 13. ASDA - American Sleep Disorders Association. EEG
arousals: scoring rules and examples - Atlas Task Force.
CONCLUSÃO Sleep 1992;15:174-82.
O novo manual para estagiamento do sono da AASM 14. Walters AS, Lavigne G, Hening W, Picchietti DL, Allen
representa uma tentativa de combinar as evidências RP, eta al. The Scoring of Movements in Sleep. Clin Sleep
disponíveis com a opinião de experientes investigadores Med 2007; 3( 2):155-67.
em ciência e medicina do sono. Entretanto, como o campo 15. Redline S, Budhiraja R, Kapur V, Marcus CL, Mateika
do sono não é estático, o manual da AASM não pretende JH, et al. The Scoring of Respiratory Events in Sleep:
Reliability and Validity. J Clin Sleep Med 2007; 3(2):169-
permanecer imutável. Assim, as regras sugeridas deverão
200.
ser periodicamente revisadas e modificadas com base em
novos achados científicos. roger.ss@psicobio.epm.br

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 39


RELATO DE CASO

HIPOVENTILAÇÃO COM
MÚLTIPLAS CAUSAS
Autores: Sérgio Roberto Nacif; Mauri Monteiro Rodrigues

Serviço: Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório do Hospital do Servidor Público Estadual


de São Paulo

INTRODUÇÃO MEDICAMENTOS
A hipoventilação do sono na polissonografia noturna • Enalapril, amlodipino e hidroclorotiazida
ocorre quando se observa aumento acima de 10mmHg na • Ziprasidona 80mg/ dia, biperideno 2 mg/dia e clonazepan
PaCO 2 , em relação ao basal, geralmente associado à 2 mg/dia.
dessaturação da oxi-hemoglobina, na ausência de eventos
respiratórios obstrutivos. EXAME FÍSICO
A Síndrome Obesidade/Hipoventilação (SOH) ocorre Torporosa, confusa, IMC= 25kg/m2; Respiratório – cianótica,
quando estão presentes obesidade (IMC>30Kgm²) e f=24irpm, roncos e sibilos difusos; Cardiovascular – ritmo
hipercapnia crônica (PaCO2>45mmHg), acompanhadas de regular e P2 hiperfonética, fc=100bpm e PA=150x95mmHg;
SAOS em aproximadamente 90% dos casos (SAOS MMII – edema +++/4+
hipercápnica). Nos demais pacientes que não apresentam
eventos obstrutivos do sono, a síndrome é chamada de EXAMES
hipoventilação do sono2. • HMG: Hb-19,6g/dl e Ht-65%, Leucócitos-normais e PLT-
A associação entre DPOC e SAOS, conhecida como 36000
“Overlap Syndrome”, produz alterações nas trocas gasosas • Gasometria arterial (FiO2=0,21)
mais acentuadas, hipertensão pulmonar. Estes pacientes são pH=7,43 PaO2=39,4mmHg PaCO2= 71mmHg BE=+20
mais graves, internam-se mais freqüentemente. • Uréia e creatinina – normais
• ECG – ritmo sinusal, regular, eixo QRS negativo e P
RELATO DE CASO pulmonale
ID - Mulher, 61 anos, branca, aposentada, natural e • Radiograma de tórax (figura 1)
procedente de São Paulo.

HPMA
Paciente internada, procurou o hospital com queixa de
dispnéia progressiva há alguns meses, associada à fraqueza
dos membros inferiores, maior na perna direita, e edema.
Referiu piora dos sintomas na última semana, agora com
ortopnéia e dificuldade para caminhar devido à fraqueza dos
membros.
Negava perda ponderal e sintomas compatíveis com infecção.

COMORBIDADES
HAS, DPOC, esquizofrenia. Investigação na hematologia de
eritrocitose e plaquetopenia de causa desconhecida.

HÁBITOS
Tabagista 45maços/ano

Fig 1 - Radiograma Tórax PA – presença de cardiomegalia

40 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS:
• HAS
• DPOC
• Poliglobulia secundária à hipoxemia
• Cor pulmonale
• Insuficiência cardíaca esquerda?
• Narcose pelo CO2 e ou AVC?
• Esquizofrenia

EVOLUÇÃO
Realizada TC de crânio que afastou AVC e processo
expansivo. Iniciadas medidas para broncoespasmo,
diurético, sangria de 500ml e oxigênio suplementar 4L/min,
via cateter nasal. Após as medidas terapêuticas, a paciente
teve melhora importante da parte cognitiva. Foram
Fig 2 - Tomografia de Tórax com protocolo para embolia
solicitados gasometria arterial e hemograma de controle, CT Torax c/ protocolo para TEP: ausência de falhas de
além de ecocardiograma. Por indicação da psiquiatria, foram enchimento
suspensos ziprasidona e biperideno, por se tratar de
antipsicóticos de ação central com possível efeito sedativo da HP, porém o parênquima pulmonar normal, sem padrão
e que poderiam interferir na ventilação da paciente. em mosaico, ou opacidades subpleurais, torna esta
Introduzida olanzapina e mantido clonazepan. possibilidade pouco provável. Embora não exista relação da
gravidade do enfisema na tomografia com o grau de
Hemograma (após sangria) obstrução na prova de função pulmonar, geralmente a HP
Hb-17,6g/dl e Ht- 56% secundária à DPOC é de leve à moderada e os pacientes são
Gasometria arterial com O2 3l/min: hipoxêmicos e com obstrução acentuada na prova de função
pH-7,43 PaO2=61mmHg PaCO2=53mmHg e BE=+5 pulmonar.
Ainda que não tenha sido realizada tomografia de alta
Ecocardiograma com doppler resolução para excluir doença do parênquima pulmonar
• Disfunção importante do VD como causa da hipoxemia, a paciente apresentava hipercapnia
• Insuficiência tricúspide acentuada acentuada na gasometria arterial e após manobra de
• PSAP – 75mmHg hiperventilação voluntária forçada em ar ambiente, houve
• AE- 42 mm (aumento leve) correção da hipoxemia (SaO2 84 para 94%) o que corrobora
• FEVE – 55% redução do “drive” central como causa principal da
• Disfunção diastólica leve do VE hipoxemia4.
Durante a internação, a paciente apresentou roncos
O ecocardiograma diagnosticou hipertensão pulmonar intensos com apnéias presenciadas, sendo solicitada a
(HP) com disfunção cardíaca direita. polissonografia, que foi realizada com titulação de pressão
AE de tamanho normal, associado com FE>50%, torna positiva em vias aéreas na segunda metade da noite.
pouco provável o componente venoso como a causa da HP,
mesmo havendo grau leve de disfunção diastólica no Polissonografia com titulação (“split night”) e O2 3 L/min
ecocardiograma. Sendo assim, foram solicitadas prova de • IAH aumentado (10 eventos obstrutivos/hora). Ausência
função pulmonar e tomografia de tórax com protocolo para de apnéia central.
embolia, para afastar hipertensão pulmonar tromboembólica. • SaO2 basal sentada – 84%. Após O2 a 3 l/min – 92%
A ausência de falhas de enchimento na tomografia não • SaO2 média durante o sono - 92% e a mínima de 82%
afasta tromboembolismo pulmonar crônico como a causa • Titulação - CPAP 9 cm H2O, com bom resultado.

Prova de função pulmonar

PREVISTO PRÉ BD % PREV PÓS BD %PREV


CVF (L) 3.11 2.35 76% 2.44 79%
VEF1 (L) 2.47 1.17 47% 1.31 53%
VEF1/CVF 79% 50% 54%

Laudo: Distúrbio ventilatório obstrutivo moderado com CVF reduzida por provável hiperinsuflação.
Ausência de variação significativa de VEF1 e CVF após BD.

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 41


Após 3 meses de acompanhamento ambulatorial e
cessação do tabagismo, a paciente encontra-se sem queixas
Estágios respiratórias e psiquiátricas, com melhora na qualidade do
do sono sono, em uso de β 2 de longa duração associado com
corticóide inalatório, oxigênio domiciliar >19h/dia e CPAP
Posição noturno com pressão de 9 cm H2O, além das medicações
corporal
habituais já citadas. Clinicamente a força muscular está
LM/PLM preservada.
SaO2
Realizada gasometria arterial de controle, em ar ambiente,
que revelou melhora principalmente na PaCO2:pH= 7.44;
Pulso PaO2= 58.7 mmHg; PaCO2= 39mmHg; BE=+5 e SaO2= 92%.
Nova polissonografia será realizada para reavaliação das
Ronco trocas gasosas noturnas, controle da titulação do CPAP e
da qualidade do sono.
Obstrutivo
CONCLUSÃO
Central Apresentamos discussão do caso de uma paciente
Misto
psiquiátrica de 61 anos de idade, 20 anos em tratamento
intensivo para esquizofrenia, com agravamento nos últimos
Hipopnéia anos. Grande fumante. Diagnóstico de DPOC moderada há
2 anos, sem tratamento. Atendida no PS cianótica, com
Fig. 3 - Hipnograma com O² 3L/min. hipoxemia e hipercapnia acentuadas e hipertensão
Titulação CPAP últimas 3 hs de sono pulmonar. História de sono de má qualidade com roncos
intensos. Cessação do tabagismo, tratamento com
broncodilatadores, substituição de ziprasidona por
DISCUSSÃO olanzapina, uso de oxigênio domiciliar e CPAP noturno,
O índice de apneia/hipopneia leve não explica a causa trouxeram grande melhora clinica para a paciente e,
isolada da HP. A hipoxemia acentuada provavelmente é a praticamente, normalização do quadro gasométrico. Houve
principal causa da hipertensão pulmonar, secundária à melhora importante dos sintomas psiquiátricos.
síndrome de hipoventilação alveolar e apnéia do sono em
paciente com DPOC. REFERÊNCIAS
As alterações nas trocas gasosas são acentuadas, em 1. American Academy of Sleep Medicine. International
paciente psiquiátrica não obesa, com IAH leve, DPOC Classification of Sleep Disorders. 2a. Edition: Diagnostic and
moderada e redução no controle ventilatório central. Outra coding manual I(ICSD-2). Westchester: IL; 2005
causa de hipoventilação central que pode estar presente 2. Mokhlesi B, Tulaimat A. Recent advances in Obesity
na idade adulta é a Síndrome de Hipoventilação Central Hypoventilation Syndrome. Chest 2007;132;1322-1336
congênita, própria do período neonatal, determinada por 3. Weitzenblum E, Chaouat A, Kessler R and Canuet M. Overlap
mutação do gene PHOX2B5,6. Syndrome. Proc Am Thorac Soc 2008;5: 237–241.
Barratt e cols7 relatam caso de hipoventilação central 4. Leech J, Onal E, Aronson R and Lopata M. Voluntary
associada à mutação no gene PHOX2B, desenvolvendo hyperventilation in obesity hipoventilation. Chest
1991;100:1334-1338.
insuficiência respiratória crônica tardia, com resposta
5. Weese-Mayer DE, Berry-Kravis EM and Marizita ML. In
reduzida à hipercapnia (medida por reduzida pressão de
pursuit (and discovery) of a genetic basis for congenital central
oclusão em 100 milissegundos), podendo estender o hypoventilation syndrome. Respiratory Physiology &
espectro da hipoventilação central congênita para a idade Neurobiology 2005; 149:73-82.
adulta. 6. Berry-Kravis EM, Zhou L, Rand CM and Weese-Mayer
A melhora do padrão ventilatório e do quadro psicótico DE. Congenital Central Hypoventilation Syndrome. Am J
com a interrupção de algumas drogas, nos leva a pensar Respir Crit Care Med 2006; 174:1139-1144.
que as alterações acentuadas nas trocas gasosas poderiam 7. Barratt S, Kendrick AH, Buchanan F, and Whittle AT. Central
estar agravando a esquizofrenia. hypoventilation with PHOX2B expansion mutation
Relato de caso recente descreve paciente de 63 anos presenting in adulthood. Thorax 2007; 62:010-20.
com esquizofrenia, alucinações resistentes ao tratamento e 8. Karanti A, Landén M. Treatment refractory psychosis
fadiga diurna acentuada, que apresentou remissão do remitted upon treatment with CPAP:a case report.
Psychopharmacol Bull, 2007; 40(1):113-7.
quadro psiquiátrico após diagnostico de SAOS hipercápnica
ou Síndrome da Obesidade-Hipoventilação, e tratamento
com CPAP noturno8. pro_ar@uol.com.br

42 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 43
IMAGEM EM PNEUMOLOGIA

AVALIAÇÃO POR MÉTODOS DE IMAGEM DA


SÍNDROME DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO
Autores: Carlos Toyama; Carlos Jorge da Silva

Serviço: Fleury Medicina Diagnóstica

INTRODUÇÃO Apesar de representar um considerável problema de


Define-se síndrome da apnéia obstrutiva do sono saúde pública, não se conhece inteiramente sua
(SAOS) como obstruções intermitentes, completas ou patogênese.
parciais, das vias aéreas superiores que ocorrem durante o
sono 1 . ACHADOS DE IMAGEM
Estudos epidemiológicos demonstraram que a SAOS Cefalometria, tomografia computadorizada (TC) e
sintomática ocorre em até 9% dos homens de meia idade e ressonância magnética (RM) são exames de imagem que
em aproximadamente metade deste número na população demonstram a anatomia das vias aéreas superiores.
feminina. Sua incidência é maior em pacientes com faixa A cefalometria (radiografia em perfil da cabeça) avalia a
etária mais avançada, embora possa ocorrer em qualquer relação maxilomandibular, as medidas do espaço aéreo, o
idade. Acomete principalmente homens obesos entre 40 e comprimento e a espessura do palato mole e a posição do
60 anos, sendo incomum em mulheres não obesas antes da osso hióide em relação à mandíbula. Suas principais
menopausa2. Ocorre também em crianças, principalmente vantagens são o baixo custo e a facilidade de realização.
relacionada à hipertrofia das tonsilas faríngeas (adenóides). As suas desvantagens são o uso de radiação ionizante e a
Há também outras causas como malformação craniofacial, produção de imagem bidimensional, impossibilitando a
doenças neuromusculares e obesidade. análise do plano axial.
Admite-se que a SAOS resulte de vias aéreas superiores A TC helicoidal com multidetectores (multislice) obtém
estruturalmente pequenas, associadas à perda fisiológica imagens axiais de alta resolução (Figuras 1 e 2),
do tônus muscular durante o sono, o que se torna crítico possibilitando a reconstrução multiplanar e avaliação de
durante a respiração, quando a pressão negativa da via partes moles e ósseas da face e pescoço (Figura 4).
aérea tende a colabar a orofaringe 3. A RM possibilita uma melhor resolução anatômica dos

A B C

Fig 1 - TC axial no nível do palato mole. A) Paciente normal: observe a forma elíptica habitual da faringe. B) Na SAOS
moderada, note a redução do calibre faríngeo, notadamente no eixo laterolateral. C) Na SAOS grave, o paciente apresenta
acentuada redução da coluna aérea faríngea no eixo laterolateral, com conseqüente predomínio do eixo anteroposterior.

44 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Fig 2 - TC axial dinâmica (durante o ciclo respiratório) no nível do palato mole, em um paciente com SAOS,
demonstrando acentuada redução da coluna aérea durante a respiração, indicando maior complacência.

Fig 3 - Paciente com SAOS. A RM com seqüências T1 no plano sagital (A) e axial (B) demonstra aumento do
palato mole no eixo craniocaudal e a forma arredondada da faringe, respectivamente.

tecidos moles em relação à TC, com aquisições multiplanares • Osso hióide: rebaixamento desta estrutura óssea.
e dinâmicas (durante o ciclo respiratório), sem o uso de • Mandíbula: presença de retrognatia.
radiação ionizante (Figura 3). • Coluna aérea da faringe: estreitamento da coluna aérea da
Várias estruturas anatômicas possivelmente relacionadas faringe nos níveis do complexo uvulopalatal e língua,
à fisiopatologia da SAOS e os locais de obstrução das vias redução do diâmetro laterolateral da luz faríngea em
aéreas superiores foram estudados por estes métodos de detrimento do diâmetro anteroposterior, promovendo a
imagem, a saber: mudança da forma da coluna aérea que passa de oval com
• Língua: aumento dos seus diâmetros transverso, predomínio do diâmetro laterolateral em indivíduos normais
anteroposterior e craniocaudal. (Figura 1A), para arredondada ou oval com predomínio do
• Complexo uvulopalatal: aumento da área e de suas medidas diâmetro anteroposterior em pacientes com SAOS grave
lineares, como o diâmetro craniocaudal e a espessura (Figura 3A). (Figura 1C).

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 45


A B C D

Fig 4 - Pacientes com SAOS. As seqüências T1 sagitais adquiridas durante a manobra de Müller demonstram obstrução da
faringe no nível do palato mole em um indivíduo (A) e nos níveis do palato mole e da língua em outro (B). Achados
semelhantes podem ser caracterizados pela reconstrução sagital da TC em outros pacientes com obstrução no nível do
palato mole (C) e nos níveis do palato mole e da língua.

assim como as estruturas adjacentes. A TC apresenta como


vantagem o menor custo. As suas desvantagens são a
radiação ionizante e a impossibilidade de aquisição sagital
dinâmica durante a respiração. A RM tem maior resolução
anatômica para os tecidos moles, realiza cortes em todos
planos e com aquisições dinâmicas, sem radiação ionizante,
porém as maiores desvantagens são o seu alto custo e a
dificuldade de execução em pacientes claustrofóbicos.
Estudos de RM em pacientes com SAOS, realizados
durante o sono espontâneo, evidenciaram obstruções e
estreitamentos de vários sítios das vias aéreas superiores
em decorrência da perda dos mecanismos compensatórios
essenciais que mantêm o tônus muscular1, 4. A RM também
foi realizada nestes pacientes em vigília, demonstrando um
transitório estreitamento nos mesmos sítios das vias aéreas
superiores. Estes estudos sugerem que a RM realizada no
paciente acordado pode identificar o local da obstrução da
vias aéreas e auxiliar na escolha da conduta terapêutica.
Fig 5 - A TC com reconstrução 3D das vias aéreas superiores Pesquisas têm comprovado que não há significativa
demonstra redução da luz da faringe no nível do palato redução ou obstrução das vias áreas da faringe em
mole em um paciente com SAOS. pacientes sem SAOS, mesmo naqueles obesos e
roncadores1, 3-6. A complacência das vias aéreas superiores
DISCUSSÃO: (mudança da área da coluna aérea durante a respiração)
A polissonografia é o método de escolha para o também é maior nos pacientes com SAOS avaliados por TC
diagnóstico da SAOS, porém não avalia o local de obstrução (Figura 2) 7 ou por RM dinâmica.
ou o prognóstico cirúrgico dos pacientes. A manobra de Müller (esforço inspiratório contra narinas
As fossas nasais obstruídas por rinite, infecção sinusal, e boca fechadas) tem sido descrita como uma das mais
deformidades do nariz, desvio de septo e hipertrofia das fáceis para a análise do colapso dinâmico da faringe,
conchas podem causar um esforço extra para a respiração, identificando os focos de obstrução na região do palato
determinando uma pressão negativa na faringe, retraindo mole e/ou língua, podendo ser realizada durante a
os tecidos moles e ocasionando o ronco. A TC é o principal endoscopia ou durante os exames de imagem (Figura 4). A
exame de imagem para a análise dos seios da face e fossas RM com a manobra de Müller (Figuras 4A e 4B) avaliou a
nasais com esse intuito. extensão craniocaudal da obstrução das vias aéreas
Os exames de imagem como a TC e RM também são superiores melhor que a endoscopia em alguns pacientes8.
úteis para afastar outras patologias relacionadas, analisar O CPAP (continuous positive airway pressure) é o
a anatomia da faringe, bem como o local e o grau de tratamento padrão para a SAOS, porém alguns pacientes
obstrução das vias aéreas superiores. não se adaptam ao seu uso, sendo o tratamento cirúrgico
A TC e RM demonstram bem a anatomia das vias aéreas, uma alternativa terapêutica. O sucesso de tratamento

46 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


cirúrgico, como a uvulopalatofaringosplatia, é variável e a
identificação do local da redução da coluna aérea pode PROGRAMAÇÃO ANUAL DA SPPT
fornecer informações relevantes para o planejamento
cirúrgico (Figura 4) 9.
A TC com reconstrução tridimensional (3D) também pode SETEMBRO
auxiliar na conduta cirúrgica e na avaliação pós-operatória,
pois demonstra com clareza a diferença no volume das vias 04 Pizza Cirúrgica
aéreas em pacientes que responderam bem a 07 Proclamação da Independência
uvulopalatofaringoplastia, os quais apresentavam menor
OUTUBRO
volume das vias aéreas superiores, menor índice de volume
das vias aéreas em relação à língua e menor índice de volume
02 Pizza Cirúrgica
da orofaringe em relação ao palato mole (Figura 5)10.
04/08 ERS
12 Nossa Senhora Aparecida
REFERÊNCIAS
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1. Ikeda K, Ogura M, Oshima T, Suzuki H, Higano S, Takahashi
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2. Ferreira DP. Ronco e Apnéia-Hipopnéia Obstrutiva do Sono:
02 Finados
Indicações da Somnoplastia e da Uvulopalatofaringoplastia
06 Pizza Cirúrgica
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3. Galvin JR, Rooholamini SA, Stanford W. Obstructive sleep
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Hopp ML, et al. Occlusion and narrowing of the pharyngeal
airway in obstructive sleep apnea: evaluation by ultrafast
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upper airway computed tomography in obstructive sleep Dia Nacional de Combate à Tuberculose
apnea. A prospective study in patients treated by Dia Mundial da DPOC
uvulopalatopharyngoplasty. Am Rev Respir Dis
27 DE NOVEMBRO
1991;144(2):428-32.
Dia Nacional de Combate ao Câncer
carlos.toyama@fleury.com.br

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 47


EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA

BASES DA ESTATÍSTICA:
ESTATÍSTICA DESCRITIVA
Autora: Valdelis Novis Okamoto

Serviço: Hospital AC Camargo – Unidade de Terapia Intensiva

A estatística é um ramo da matemática que se preocupa tamanho da amostra geralmente é representado pela letra n.
com a organização, descrição, análise e interpretação dos Os dados a respeito da amostra – as variáveis - podem
dados experimentais. Portanto, ela é uma ferramenta ser agrupadas em dois tipos básicos: categóricas ou
fundamental na Ciência e também está presente em nosso contínuas.
cotidiano. Quando discutimos os resultados de uma Categóricas: distribuídas em categorias. Exemplos: sexo:
pesquisa eleitoral, ou conferimos os números do IBOPE feminino ou masculino, cor dos olhos: azuis, verdes,
sobre os programas de TV, ou simplesmente discutimos os castanhos, pretos, etc., classificação das aulas: ruim,
dados sobre o desempenho dos alunos nas provas do regular, bom ou ótimo. Essas categorias podem ou não ter
nosso curso, estamos usando a estatística. Ainda assim, a ordenação.
estatística tem uma certa má fama. Isso acontece porque Contínuas: valores numéricos intrinsecamente
ela é, muitas vezes, mal aplicada, excessivamente enfatizada significantes. Exemplos: peso, altura.
ou, em última análise, mal compreendida. Se os dados forem imprecisos, provenientes de amostras
A estatística pode ser usada para descrever os dados de viciadas, populações mal definidas e com critérios subjetivos
uma pesquisa, mostrando suas médias, porcentagens, de avaliação, os resultados do estudo também serão
variabilidade, subtipos, etc. Isso é chamado de estatística imprecisos, não havendo estatística que os salvem (como
descritiva. Por outro lado, ela também pode ser usada para diz a famosa frase: “garbage in, garbage out”, que pode
analisar as semelhanças e diferenças entre dois grupos de ser traduzida como “se entrar lixo, sairá lixo”).
estudo. É a chamada estatística analítica, que está A função mais importante da Estatística Descritiva é
intimamente relacionada à teoria das probabilidades. resumir os dados da amostra ou população em poucos
Embora o ensino da estatística não seja enfatizado números. Por exemplo: ao final de um estudo sobre valores
durante a formação acadêmica da maioria dos profissionais de pressão arterial em uma amostra de 200 pessoas, os
de saúde, conhecimentos básicos sobre a matéria são pesquisadores têm em mãos 200 medidas de pressão arterial.
necessários para uma leitura crítica e qualificada da literatura Como expressar esses valores resumidamente, sem perder
das ciências da saúde (e até mesmo para compreender informação? Através das medidas de tendência central e
melhor os números do IBOPE sobre as próximas eleições). de dispersão.
A estatística tem fama de “complicada” – e ela pode As medidas de tendência central dão uma idéia de onde
mesmo ser bem complicada, com aquelas fórmulas enormes. se localiza o centro de determinado conjunto de dados.
Mas, por sorte, o conhecimento que nos é necessário para São medidas de tendência central: média, mediana e
o nosso objetivo – avaliarmos estudos científicos – é moda.
simples e intuitivo. Média (Mean ou Average, em inglês): é a soma dos
valores, dividida pelo número de observações. É a medida
ESTATÍSTICA DESCRITIVA de tendência central mais utilizada e famosa.
Em um estudo, a estatística descritiva (como o próprio Mediana (Median, em inglês): é o valor que divide a
nome diz) serve para descrever as característica mais amostra em duas metades de valores crescentes. É também
importantes da amostra ou da população estudada. Os conhecida como percentil 50.
estudos populacionais abrangem populações inteiras e Moda (Mode, em inglês): é o valor mais freqüentemente
geralmente são caros e difíceis de fazer. A maior parte dos observado na amostra. Não é uma medida muito utilizada
estudos da literatura médica envolve amostras. Amostras na prática.
são subconjuntos de uma determinada população. Elas Ao expressar a medida de tendência central, damos uma
devem ser preferencialmente grandes e representativas. O idéia aproximada de que valor encontramos nas nossas

48 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


observações. No exemplo do estudo da pressão arterial, 2. Na distribuição normal, 95% dos valores estão a 2
podemos expressar que a média das medidas de pressão desvios padrão para mais e para menos da média. Um exemplo:
arterial sistólica foi 125mmHg. Isso não significa que todos se em uma amostra de 200 adultos, a média de altura foi de
os 200 participantes tiveram pressão de 125mmHg – significa 175cm e o desvio padrão foi de 15 cm, sabemos que 95% das
que, em média, a pressão arterial sistólica na amostra medidas de altura estão entre 145cm e 205cm. A conta para
estudada foi de 125mmHg - mas dá uma idéia aproximada da chegar a essa conclusão foi:
pressão arterial sistólica na amostra.
Para refinar um pouco mais o resumo dos dados, além Média = 175cm
das medidas de tendência central, utilizamos as medidas de Desvio padrão = 15cm
dispersão. As medidas de dispersão são aquelas que 2X desvio padrão = 30 cm
descrevem como os dados se posicionam ao redor do ponto Dispersão da amostra: 95% dos valores entre 145 – 205 cm
central. A medida de dispersão mais conhecida é o desvio (175 ± 30cm)
padrão (standard deviation, em inglês). No exemplo da
pressão arterial, posso dizer que a média foi 125mmHg. Para Chamamos de uma amostra homogênea aquela que tem
detalhar melhor, posso dizer que o desvio padrão foi uma dispersão pequena ao redor do seu ponto central, ou
45mmHg. O desvio padrão nos diz muito sobre como os seja, todos os componentes da amostra são parecidos.
dados variam ao redor da média, para mais e para menos. Quando a distribuição dos valores é normal – simétrica
Vamos entender melhor isso a seguir. em torno da média – usamos a média e o desvio padrão
Observe o gráfico abaixo. como um bom resumo desses valores. Se a distribuição é
assimétrica, ou não normal, o uso da média e do desvio
padrão não está indicado, pois eles se influenciam muito por
valores muito altos ou baixos. Vejam os dois conjuntos de
TENDÊNCIA CENTRAL
dados a seguir:
8

AMOSTRA 1
Pessoa Renda mensal (R$)
6
1 1200
Média= R$1240
2 1300
Mediana= R$1200
3 1100
FREQÜÊNCIA

4 Desvio Padrão= R$149


4 1500
Percentis:
5 1400
25%= R$1138
6 1150
2
50%= R$1200
7 1200
75%= R$1363
8 1350
9 1200
0 10 1000
1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0

DISPERSÃO
AMOSTRA 2
Pessoa Renda mensal (R$)
1 1200 Média= R$26.140
Esse gráfico denomina-se histograma, e expressa a 2 1300 Mediana= R$1350
freqüência de valores em uma amostra ou população. No 3 1100 Desvio Padrão =
exemplo abaixo, notamos que a distribuição da freqüência 4 1500 R$78.656
dos valores no gráfico se apresenta de modo simétrico, 5 1400 Percentis:
lembrando a forma de um “sino”. Essa distribuição simétrica
6 1150 25%= R$1187
da freqüência de valores é denominada distribuição normal.
7 1200 50%= R$1250
Muitos dados biológicos têm distribuição normal, por
8 1350 75%= R$1425
exemplo, a altura da população adulta. Matematicamente, a
9 1200
distribuição normal apresenta algumas propriedades muito
10 250.000
interessantes:
1. Quando valores têm distribuição normal em uma
população, a média,a mediana e a moda são iguais ou muito As duas amostras são praticamente iguais, com a exceção
semelhantes; de que a pessoa #10 tem renda mensal de R$ 1000,00 na

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 49


Amostra 1 e R$ 250.000,00 na Amostra 2. Isso trouxe uma estimativa depende diretamente do tamanho da amostra,
enorme diferença entre as médias e desvios padrão das expressa pelo intervalo de confiança, o intervalo que mais
amostras. Se alguém analisar apenas a média de renda mesal provavelmente contém o real valor da média da glicemia na
da Amostra 2, terá a falsa impressão de que as pessoas nessa população.
amostra estão muito bem de vida! Agora comparem as O cálculo do intervalo de confiança de 95% é feito através
medianas das duas amostras - R$1200 e R$ 1350. A mediana da seguinte fórmula para variáveis contínuas:
é menos afetada por valores extremos e reflete melhor a
verdade, em amostras de distribuição não normal. IC 95% = média da amostra ± 2. (DP/ “N)
Como leitores de revistas científicas, nós não temos IC 95%= intervalo de confiança de 95%
acesso aos dados originais, apenas à medidas de tendência DP = desvio padrão
central e dispersão. Mas é possível detectar se as medidas N= tamanho da amostra
de tendência central e dispersão estão sendo utilizadas de
maneira correta. O principal indício de que média e desvio Assim, no caso do estudo da glicemia em habitantes de
padrão estão sendo incorretamente utilizados para descrever São Paulo, se observe o efeito do aumento do tamanho da
uma amostra de distribuição não normal é que o desvio amostra sobre o intervalo de confiança:
padrão é muito elevado, aproximando-se do valor da média.
E se quando usamos o valor do desvio padrão para obter os Amostra 1: N= 25
valores que abarcam 95% dos valores da amostra (média ± 2
desvios padrão), obtemos valores negativos ou impossíveis, IC 95% = média da amostra ± 2. (DP/ “N)
isso significa que a distribuição dos valores na amostra não IC 95% = 110 ± 2 (20/”25) = 110 ± 2(4)
é normal. Assim, média e desvio padrão não são bons IC 95% entre 102 e 118 => o real valor da média de
descritores (melhores seriam mediana e intervalo interquartil) glicemia da população está entre 102 e 118, com 95% de
para essa amostra. Além disso, os testes estatísticos probabilidade.
utilizados na análise devem ser os adequados para amostras
de distribuição não normal (os chamados testes não Amostra 2: N= 625
paramétricos).
IC 95% = média da amostra ± 2. (DP/ “N)
INTERVALOS DE CONFIANÇA IC 95% = 110 ± 2 (20/”625) = 110 ± 2(0,8)
Como já mencionado, é muito difícil estudar IC 95% entre 108,4 e 111,6 => o real valor da média de
cientificamente populações inteiras. Por isso, a maioria dos glicemia da população está entre 108,4 e 111,6 com 95% de
estudos científicos valem-se de amostras das populações probabilidade.
de interesse. É muito importante que a amostra seja Ambas as amostras tiveram média de 110 mg/dL, mas a
representativa da população e não apenas de um subgrupo amostra maior resultou em um intervalo de confiança mais
dela, como freqüentemente ocorre na literatura médica – os estreito, portanto uma estimativa mais precisa.
estudos científicos avaliam preferencialmente homens O termo (DP/ “N) é conhecido como erro padrão da média
brancos. Além disso, é importante que o número de pessoas e serve para construir intervalos de confiança ao redor de
incluídas na amostra seja suficiente para responder a variáveis contínuas. O erro padrão da média (standard error
pergunta do estudo. Uma das principais funções dos of the mean, SEM, em inglês) muitas vezes é utilizado para
estaticistas que trabalham em pesquisa clínica é fazer esses expressar a variabilidade da amostra, o que é errado – para
cálculos. Intuitivamente, supomos que quanto maior o expressar a variabilidade da amostra, utilizamos o desvio
número de pessoas estudadas na amostra, mais válido é o padrão.
estudo. Os intervalos de confiança são a tradução numérica Na próxima edição do Pneumologia Paulista, discutiremos
dessa intuição. as bases da estatística analítica. Até lá!
Intervalos de confiança podem ser estimados ao redor de
praticamente qualquer estimativa. Para fins didáticos, vamos REFERÊNCIAS
discutir o cálculo do intervalo de confiança de uma variável 1. Introdução à bioestatística para simples mortais. Ulysses
contínua. Como exemplo, vamos supor que estamos Doria Filho.Primeira edição, 1999. Editora Negócio.
2. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. Robert H.
interessados em conhecer o nível de glicose plasmática dos
Fletcher, Suzanne W. Fletcher, Edward H. Wagner. Terceira
habitantes da cidade de São Paulo. Como seria inviável fazer edição, 1996. Artes Médicas.
dosagens de glicemia de jejum de todos os habitantes, 3. Primer of biostatistics. Stanton Glantz. Fourth edition,
resolvemos estudar uma amostra. Encontramos uma média 1996. Mc Graw Hill.
de 110 mg/dL. Sendo a distribuição normal, a média da 4. Practical Statistics for Medical Research. Douglas G. Altman.
glicemia nesta amostra é a melhor estimativa que temos da First edition, 1991. Chapman & Hall / CRC.
média de glicemia na população de São Paulo. O desvio
padrão encontrado foi 20 mg/dL. A precisão da nossa val.okamoto@hcancer.org.br

50 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


CONTROVÉRSIA

ANÁLISE CRÍTICA DA INDICAÇÃO DO


TRATAMENTO CIRÚRGICO NA SAOS
Autores: Fernanda Louise Martinho1,2; Lia Rita Azeredo Bittencourt2; Luiz Carlos Gregório3;
Sérgio Tufik4

1
Serviços: Disciplina de Medicina e Biologia do Sono - Departamento de Psicobiologia - Universidade
Federal de São Paulo
2
Disciplina de Otorrinolaringologia - Universidade Federal de São Paulo

INTRODUÇÃO imediato deve ser bem assistido, principalmente em


A síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) pacientes obesos, devido ao risco de depressão do sistema
caracteriza-se pela presença de estreitamento parcial respiratório. Outro fator a ser considerado e que pode
(hipopnéia) ou colapso total (apnéia) da via aérea superior agravar o quadro é o edema pós-operatório, que também
(VAS) durante o sono, proporcionando diferentes graus de pode trazer algum desconforto respiratório. O uso do CPAP
dessaturação da oxihemoglobina e fragmentação do sono no pré e pós-operatório pode ser válido na tentativa de
decorrente dos freqüentes despertares1. compensar clinicamente o paciente e de minimizar essas
Várias teorias têm sido propostas para explicar a complicações.
fisiopatologia da doença que é multifatorial, provavelmente Alem disso, é de fundamental importância que o paciente
decorrente de alterações funcionais e anatômicas associadas esteja ciente das outras modalidades de tratamento possíveis
a alterações neuromusculares da faringe, principal sitio da e que em concordância com o médico, opte pelo tratamento
doença2. As principais alterações anatômicas relacionadas à cirúrgico5.
doença são as que abrangem a VAS e o esqueleto facial, em
especial a hipoplasia maxilar e/ou mandibular3. TIPOS DE PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS
Por ser uma doença de fisiopatologia multifatorial, vários A seguir estão listados os procedimentos que podem ser
tratamentos têm sido propostos, porém os aparelhos de realizados para o tratamento da SAOS. Existem alguns
pressão aérea positiva são considerados tratamento de procedimentos novos que vêm sendo estudados, como a
escolha para esses casos, em especial, para a SAOS moderada aplicação de substâncias esclerosantes no palato mole e os
a grave. A principal limitação desse tipo de terapia é a adesão4. implantes palatais, mas que ainda encontram-se em fase de
Devido ao fato do sitio de colapso da VAS ser a faringe e pesquisa e que, por este motivo não serão citados neste
das dificuldades em relação à adesão à terapia com aparelhos trabalho.
de pressão aérea positiva, alguns procedimentos cirúrgicos • Cirurgias nasais: septoplastia, turbinectomia e cauterização
que envolvem tanto a VAS quanto o esqueleto facial são linear ou radiofreqüência de conchas nasais inferiores
propostos para o controle da doença. • Cirurgias faríngeas: amigdalectomia, uvulopalatofaringo-
O objetivo desse artigo é mostrar quais são os possíveis plastia e suas variações, uvulopalatoplastia a laser de CO2
procedimentos cirúrgicos para o tratamento da SAOS. (LAUP), radiofreqüência de palato mole, glossectomia
mediana, radiofreqüência de base de língua
TRATAMENTO CIRÚRGICO • Cirurgias crânio-faciais: avanço do músculo genioglosso e
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA avanço maxilo-mandibular
A indicação da maior parte dos procedimentos cirúrgicos é • Traqueostomia
baseada na presença de alterações anatômicas e na gravidade
da SAOS. Desta forma, uma adequada avaliação desses CIRURGIAS NASAIS
pacientes, incluindo avaliação clínica, exame físico da VAS e Os trabalhos mostram que as cirurgias nasais muitas vezes
crânio-facial e polissonografia, é fundamental para que são limitadas no controle da SAOS quando consideramos a
obtenhamos a melhor resposta terapêutica5 . redução do índice de apnéia e hipopnéia (IAH) na
Também é necessária uma adequada avaliação pré- polissonografia, porém observa-se redução dos despertares
anestésica. Sabemos que a maior parte dos pacientes com e da fragmentação do sono. Desta forma, as cirurgias nasais
SAOS apresenta, além da obesidade, alterações anatômicas podem melhorar a qualidade de vida e a sonolência diurna
em VAS e crânio-faciais, fatores que podem dificultar a desses pacientes 6-8.
intubação oro-traqueal. Além disso, o pós-operatório As cirurgias nasais também podem ser realizadas com

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 51


intuito co-adjuvante, ou seja, na tentativa de permeabilizar CIRURGIAS FARÍNGEAS: UVULOPALATOPLASTIA A
as fossas nasais visando otimizar o uso do CPAP. Vários LASER DE CO2 (LAUP)
trabalhos na literatura 9-11 vêm nos mostrando que a A LAUP consiste na realização da exerése de parte do
cirurgia nasal é capaz de reduzir os níveis pressóricos palato mole e da úvula com laser de dióxido de carbono. Sua
terapêuticos de uso do CPAP, em especial nos pacientes indicação está baseada nas mesmas características expostas
que necessitam pressões mais elevadas 11 , podendo para a UPFP, porém não inclui a realização de tonsilectomia
contribuir para uma melhora na sua aceitação e adesão. devendo, portanto ser indicada apenas em pacientes com
Os melhores resultados das cirurgias nasais são em tonsilas palatinas normotróficas.
pacientes com SAOS leve/moderada, jovens, não obesos Essa técnica foi introduzida por Kamami 18 em 1990 para o
e sem alterações anatômicas em outros sítios. tratamento do ronco. O procedimento pode ser realizado
ambulatorialmente sob anestesia local e pode ser necessária
CIRURGIAS FARÍNGEAS: UVULOPALATOFARINGO- mais de uma aplicação.
PLASTIA (UPFP) E SUAS VARIAÇÕES TÉCNICAS A eficácia do procedimento para o tratamento do ronco
A UPFP inclui a exerése de parte do palato mole e da varia na literatura de 48% a 86% 19-21 e para o tratamento da
úvula, com ou sem tonsilectomia. Foi popularizada em SAOS varia de 24% a 48% 19-21.
1981 por Fujita12 e desde então vem sendo realizada de Baseada em uma revisão de literatura, a Academia
diversas formas por variadas técnicas cirúrgicas. Americana de Medicina do Sono desenvolveu um guia
Inicialmente era indicada para todos os pacientes com prático para a utilização da LAUP, o qual preconiza o uso
SAOS, porém os resultados mostraram-se limitados 13. dessa técnica apenas para o tratamento do ronco, não
Sher e cols 13 através de uma revisão por metanálise devendo ser empregada para o tratamento da SAOS22.
questionaram a sua eficácia e sugeriram que os pacientes Desta forma, os pacientes que podem se beneficiar com o
fossem melhor selecionados. Neste trabalho os autores procedimento são aqueles que apresentam quadro de ronco
encontraram 40,7% de sucesso com o procedimento. sem SAOS, com alteração anatômica orofaríngea sem
A partir de então se passou a selecionar os pacientes hipertrofia das tonsilas palatinas, não obesos e que não
de acordo com a gravidade da doença e observou-se que apresentem alterações em outros sítios anatômicos.
os melhores resultados eram encontrados em pacientes É importante lembrar que essa técnica, aborda
com quadros mais leves. Janson e cols14 mostraram que a principalmente a linha média da orofaringe, e que a tendência
média do IAH dos pacientes que obtiveram sucesso com atual é a de se poupar a linha média e atuar principalmente na
o procedimento era de 25/hora de sono e dos insucessos parede lateral5, 17.
era de 48/h de sono; e Dunlevy e cols15 encontraram 49%
de sucesso nos pacientes como um todo, porém essa taxa CIRURGIAS FARÍNGEAS: RADIOFREQUÊNCIA DE
subiu para 69% quando foram selecionados pacientes com PALATO MOLE
A radiofreqüência de palato mole é um procedimento
SAOS leve e moderada.
cirúrgico ambulatorial realizado sob anestesia local e que
Além da gravidade da SAOS, o sucesso da UPFP foi
promove hidrólise por desnaturação protéica celular
relacionado à presença de alterações anatômicas na
decorrente do aumento de temperatura tecidual fornecido
orofaringe como hipertrofia das tonsilas palatinas, pilares
pelo procedimento. A maior parte dos aparelhos trabalha
medianizados, palato redundante e úvula alongada.
entre as freqüências de 300 e 500KHz e a empresa americana
Friedman e cols 16 encontraram melhores resultados da
Somnus® foi quem o desenvolveu com esse intuito e de
UPFP em pacientes com tonsilas palatinas hipertróficas
onde se originou o nome somnoplastia, como também é
grau III e IV (obstrução superior a 50% do espaço
chamado, o procedimento23.
orofaríngeo) associados ao índice de Mallampatti
A aplicação é realizada na submucosa, onde se espera
modificado classe I ou II (adequada relação entre base de
que ocorra fibrose tecidual e conseqüente aumento do
língua e orofaringe) e com índice de massa corpórea inferior
espaço retro palatal, devendo ser indicada apenas em
a 40 Kg/m2, que ele classificou como estágio 1, com 80,6%
pacientes com tonsilas palatinas normotróficas, pois não
de sucesso; diminuindo progressivamente conforme a inclui tonsilectomia e não há exerése tecidual alguma. Pode
variação desses parâmetros (estágios 2, 3 e 4). ser necessária mais de uma aplicação e não há um consenso
Além disso, a tendência atual, é a de se realizar de quantas aplicações seriam necessárias. Nos trabalhos
procedimentos mais conservadores, abordando preconiza-se em média de três a quatro aplicações24-27.
principalmente a parede lateral da faringe, poupando a Trabalhos mostram taxas de sucesso variando de 30 a
linha média, a fim de se evitar que o paciente tenha 86%24-27, sendo que a sua indicação é semelhante ao da LAUP,
dificuldade para utilizar os aparelhos de pressão aérea com a vantagem de poder ser indicada também em pacientes
positiva, se for necessário5, 17. com SAOS leve e de ser um procedimento menos doloroso28.
Deste modo, os melhores resultados da UPFP são em Deste modo, os pacientes que apresentam melhores
pacientes com SAOS leve/moderada, não obesos, com resultados com essa técnica cirúrgica são os pacientes com
hipertrofia das tonsilas palatinas grau III e IV, com índice SAOS leve, com alterações orofaríngeas sem hipertrofia das
de Mallampati modificado classe I e II e sem alterações tonsilas palatinas, sem alterações anatômicas em outros
anatômicas em outros sítios. sítios e não obesos.

52 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


PROCEDIMENTOS SOBRE A BASE DA LÍNGUA que não obtiveram os resultados esperados.
As glossectomia realizadas para o tratamento da SAOS são O AMM pode ser indicado também como forma inicial de
parciais e medianas, visando diminuir seu volume em relação à tratamento para SAOS em pacientes com alterações
orofaringe. Várias técnicas são descritas na literatura. ortognáticas evidentes independente da gravidade da SAOS76.
Podem ser associadas a outros procedimentos como Deste modo o AMM pode ser indicado em pacientes com
epiglotectomia e UPFP. Os resultados são insatisfatórios com SAOS grave que não toleraram o uso do CPAP
taxas de sucesso variando de 25% a 83%, sendo que os independentemente da presença de alterações crânio-faciais.
piores resultados foram os associados à epiglotectomia29-30. Pode ser indicado também como forma inicial de tratamento
A radiofrequência de base de língua apresenta as mesmas em pacientes com alterações anatômicas crânio - faciais
características da de palato já citada, e foi primeiramente evidentes, independente da gravidade da SAOS.
realizada por Powell e cols 31 . Estudos mais recentes mostram
uma taxa de sucesso variando de 20% a 83% 32-34 . TRAQUEOSTOMIA
Apesar de apresentar resultados variáveis e limitados na A traqueostomia é o único procedimento cirúrgico com
literatura, os pacientes que podem se beneficiar com esses eficácia de 100% no tratamento da SAOS, porém, é realizada
procedimentos cirúrgicos são aqueles que apresentam a base como última opção devido às repercussões sociais que ela
da língua como principal sítio obstrutivo propicia.
Sua indicação é reservada a pacientes com SAOS grave
CIRURGIAS ESQUELÉTICAS FACIAIS: que não se adaptem ao CPAP ou BiPAP/ViPAP e que possuam
AVANÇO DO MÚSCULO GENIOGLOSSO contra-indicação cirúrgica para a realização do AMM.
O avanço do músculo genioglosso é realizado através da Normalmente trata-se de pacientes com obesidade mórbida
confecção de uma janela óssea no mento (mandíbula), que é ou com alteração crânio- facial exuberante ou com doenças
fixada anteriormente, na qual o músculo em questão que está associadas descompensadas5.
aí inserido é tracionado, proporcionando a anteriorização da Esses pacientes normalmente utilizam a traqueostomia
língua e, portanto, aumento do espaço retro palatal. durante a noite, deixando-a tampada durante o dia.
Pode ser associado a outros procedimentos faríngeos Alguns pacientes podem necessitar de traqueostomia
como a suspensão do hióide e a UPFP, como proposto pelo preventiva pré operatória, principalmente quando se espera
edema acentuado de VAS; ou forem submetidos à
grupo de Stanford e denominado como fase I 35-37.
traqueostomia pós operatória na vigência de alguma
Os resultados cirúrgicos variam de 25 a 78% 35-37, sendo
complicação; mas nestes casos o seu uso é transitório.
que na maior parte dos artigos a técnica foi combinada à
suspensão do hióide e/ou UPFP.
CONCLUSÕES
Deste modo, o avanço do músculo genioglosso pode ser
A SAOS é uma doença de fisiopatologia multifatorial e
realizado isoladamente ou associado a outros procedimentos
evolutiva. O tratamento de escolha, em especial para os
cirúrgicos como a suspensão do hióide e a UPFP e os melhores
quadros moderados a grave, é o uso de aparelhos de pressão
resultados encontram-se em pacientes com SAOS leve/
aérea positiva.
moderada, não obesos e que apresentam a base da língua
O tratamento cirúrgico é uma outra opção de tratamento e
como principal sítio obstrutivo.
sua indicação normalmente é baseada na presença de
alterações anatômicas e na gravidade da SAOS. Além disso, o
CIRURGIAS ESQUELÉTICAS FACIAIS: AVANÇO
tratamento cirúrgico pode ser realizado tanto com intuito
MAXILO-MANDIBULAR (AMM)
curativo como coadjuvante, na tentativa de amenizar a doença
O AMM é realizado através de osteotomia maxilar do tipo ou de facilitar a adesão aos aparelhos de pressão aérea positiva.
Leffort I, com fixação por microplacas, associada à osteotomia A adequada avaliação e seleção dos pacientes é fundamental
sagital da mandíbula com fixação bi cortical por parafusos. para que possamos otimizar os resultados terapêuticos,
Juntamente com as estruturas ósseas, todo o tecido mole independentemente do tipo de tratamento a ser empregado.
faríngeo aderido é anteriorizado, na tentativa de aumentar o
espaço aéreo posterior e diminuir a colapsibilidade faríngea REFERÊNCIAS
durante o sono. 1. Sleep-Related Breathing Disorders in Adults:
Inicialmente essa técnica vinha sendo utilizada para o Recommendations for Syndrome Definition and
tratamento de oclusões dentárias alteradas e de dismorfismos Measurement Techiniques in Clinical Research – AASM
crânio faciais e posteriormente foi proposta para o tratamento Task Force. 1999; Sleep ; 22(5) 667-689.
2. Badr MS. Pathophysiology of upper airway obstruction during
da SAOS pelo grupo de Stanford, chamada de Fase II de
sleep.Clin. in Chest Med. 1998; 19(1):21-32.
Stanford67.
3. Zonato AI, Martinho FL, Bittencourt LRA, Brasil OOC,
As taxas de sucesso na literatura variam de 75% a Gregório LC & Tufik S. Head and neck physical examination:
100%38,39. Estudos demonstram eficácia de 90% do AMM no Comparision between non-apneic and OSA patients.
longo prazo40. Na maior parte desses artigos a realização do Laringoscope. 2005; 115:1030-34.
AMM foi indicada em pacientes com SAOS grave que não 4. Bixieux-Thaminy A, Gagnadoux F, Blinquet C, Meslier N,
toleraram o uso do CPAP ou como resgate de outras cirurgias Person C, Racineux J. Long term compliance with CPAP in

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 53


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54 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


FUTURO DA PNEUMOLOGIA

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO:


TRATAMENTO CLÍNICO
Autores: Pedro Rodrigues Genta; Geraldo Lorenzi Filho

Serviço: Laboratório do Sono – Instituto do Coração – InCor – Disciplina de Pneumologia -


Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo

Os distúrbios respiratórios obstrutivos do sono fazem parte há pacientes com AOS moderada a grave, pouco sintomáticos
de um espectro clínico. A apnéia obstrutiva do sono e a e pacientes com AOS leve muito sintomáticos. A intensidade
síndrome da hipoventilação da obesidade são as condições dos sintomas correlaciona-se com a adesão ao tratamento,
mais relevantes deste espectro pela prevalência e gravidade. como será descrito abaixo. Assim, pacientes assintomáticos
Abordaremos o tratamento não-farmacológico destas duas terão maior dificuldade para aceitar e aderir ao tratamento. A
entidades. ocupação do paciente pode determinar tratamento imediato e
mais rigoroso. Motoristas profissionais, pilotos de avião,
APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO operadores de máquinas, por exemplo, devem receber atenção
A apnéia obstrutiva do sono (AOS) é definida pela especial. A presença de comorbidades também deve ser
obstrução total (apnéia) ou parcial (hipopnéia), recorrente, da valorizada para a decisão de tratamento, sobretudo os
via aérea superior durante o sono. A AOS é comum entre portadores de doença cardiovascular, frente ao pior
adultos, sendo sua prevalência entre homens adultos de 4% e prognóstico já descrito neste grupo de pacientes 4.
de 2% entre mulheres.1 Na decisão sobre quando e como tratar o paciente portador
As conseqüências da AOS são bem conhecidas e incluem de AOS deve-se considerar as expectativas do paciente e
sonolência excessiva diurna, comprometimento neuro- seus familiares. O paciente consciente de seu problema, das
cognitivo, redução da qualidade de vida e risco de acidentes conseqüências para sua saúde e bem estar, além do bem estar
(automobilísticos e de trabalho) 2. Portadores de AOS não de seu (sua) companheiro(a) facilitam a aceitação do
tratados tem maior mortalidade cardiovascular quando tratamento e melhoram a sua adesão.
comparados com indivíduos sem AOS ou com tratamento O tratamento da apnéia obstrutiva do sono envolve
adequado3. O tratamento do paciente com AOS objetiva, a medidas comportamentais:
curto prazo, tratar os sintomas associados e a longo prazo Perda de peso: nos indivíduos com excesso de peso pode
tratar ou evitar as complicações da doença, sobretudo as levar a melhora significativa dos sintomas e do índice de apnéia
cardiovasculares. Existem diversas evidências que a AOS pode e hipopnéia. Considera-se significativa a perda de pelo menos
causar hipertensão arterial sistêmica e o tratamento da AOS 10% do peso, a partir da qual já há impacto na AOS.
reduz os níveis pressóricos. Do mesmo modo, diversas Infelizmente, uma pequena porcentagem dos pacientes
doenças cardiovasculares têm sido associadas à AOS e seu conseguem perder peso e mantê-lo a longo prazo. Este fato
tratamento leva à melhora de prognóstico. Neste caso se deve ser lembrado sobretudo em pacientes com AOS grave,
incluem o acidente vascular cerebral, a insuficiência cardíaca sintomáticos ou sob risco de acidentes. Nestes casos, deve-
congestiva, a insuficiência coronariana e a fibrilação atrial se considerar uma forma mais imediata de tratamento
paroxística 4. A associação entre AOS e doenças concomitante à perda de peso. A cirurgia bariátrica também
cardiovasculares é assunto discutido em profundidade em pode auxiliar no tratamento da AOS, tendo resolvido 86% dos
outro artigo deste númerto da Pneumologia Paulista. casos em uma meta-análise6. Deve-se ter atenção especial no
Classificação: A apnéia obstrutiva do sono é classificada tratamento da AOS no período peri-operatório destes pacientes
de acordo com o índice de apnéia e hipopnéia. Este índice é pelo risco elevado de complicações 7.
obtido na polissonografia e revela o número total de apnéias Álcool e medicamentos: há evidências que o álcool piora a
e hipopnéias dividido pelo número de horas de sono (IAH) e AOS e deve ser evitado8. Da mesma forma, benzodiazepínicos
classificado desta maneira: leve, IAH 5-15; moderada, IAH podem acentuar a gravidade da AOS e de seus sintomas.
15-30 e grave, IAH >30 eventos/hora. Além da gravidade, para Terapia posicional: a AOS relacionada à posição supina é
a decisão do tratamento da AOS deve-se considerar os definida de forma diferente segundo alguns autores. Alguns
sintomas, presença de comorbidades e ocupação profissional. a definem quando há pelo menos o dobro de eventos na
A correlação entre sintomas e gravidade não é alta 5. Assim, posição supina em relação ao decúbito lateral, outros quando

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 55


o índice de apnéia e hipopnéia na posição lateral é menor que relato do paciente14. Existem potenciais efeitos adversos
5/hora9, 10. Poucos estudos avaliaram a eficácia da posição relacionados ao uso dos dispositivos de avanço mandibular.
lateral no tratamento da AOS relacionada à posição supina. Salivação, dor nos dentes, irritação gengival, cefaléia e
Um estudo comparou a técnica de colocação de bola de tênis desconforto da articulação temporo-mandibular podem ocorrer,
dentro de um bolso costurado ao dorso do pijama. Houve em geral no período inicial de uso. Alteração da posição dos
melhor controle do IAH e melhora da saturação de oxigênio dentes pode ocorrer no longo prazo.
após a utilização de CPAP do que após a colocação da bola. A A Academia Americana de Medicina do Sono recomenda o
redução dos sintomas foi similar 9. Outros dispositivos como uso de dispositivos de avanço mandibular no tratamento de
um colete que impede o paciente de deitar em decúbito dorsal, AOS leve a moderada nos pacientes que prefiram o uso de
travesseiros que elevam o tronco ou melhoram a posição dispositivo de avanço mandibular ao CPAP ou que não tiveram
cervical também foram testados com melhora dos sintomas10. sucesso com o CPAP. Recomenda-se uma nova polissono-
A adesão ao tratamento com bola de tênis em um estudo foi de grafia com o dispositivo a fim de se assegurar a sua eficácia.
38 % em 6 meses11. Estes dados mostram que a terapia Entre os pacientes com AOS grave ou que necessitam de
posicional é uma opção em casos selecionados. A tratamento imediato devido à sintomas importantes ou co-
polissonografia utilizando-se o dispositivo posicional pode morbidades associadas, O CPAP deve ser a primeira opção
assegurar a eficácia do tratamento. pela sua maior eficácia15.
Diagnósticos diferenciais: outros distúrbios do sono
podem estar associados à AOS. O diagnóstico de narcolepsia, TRATAMENTO COM PRESSÃO POSITIVA
movimentação periódica de membros ou hipersonolência CPAP
idiopática envolvem tratamento específico e a falha em seu O tratamento com CPAP é a primeira opção para AOS
diagnóstico pode explicar a persistência de sintomas como a grave 16. A pressão de CPAP para controle dos eventos
sonolência excessiva mesmo após o tratamento adequado da respiratórios deve ser determinada por titulação manual ou
AOS. A privação de sono é muito comum em nosso meio e automática no laboratório do sono, utilizando-se
pode acentuar os sintomas de sonolência diurna, fadiga e polissonografia. A Academia Americana de medicina do sono
irritabilidade dos portadores de AOS. A orientação quanto à recomenda a titulação de CPAP durante uma noite inteira, mas
adequada higiene do sono deve fazer parte do tratamento do aceita a titulação durante metade da noite como alternativa
paciente portador de AOS. Sintomas de depressão também (“split night”)16. Neste caso, o exame de polissonografia é
devem ser procurados não só pela semelhança com os sintomas interrompido após 2 horas para ser titulada a pressão de CPAP,
da AOS, mas também porque a privação do sono associado à desde que o índice de apnéia e hipopnéia tenha sido maior
AOS pode levar a ideações suicidas12. O “screening” para que 40/hora e idealmente tenha incluído um período de sono
hipotireoidismo é indicado em portadores de AOS, pois a REM 17. A pressão de CPAP, no entanto, pode ser subestimada
deficiência de hormônio tireoideano pode provocar a apnéia se não houver um período de sono REM ou posição supina
obstrutiva e a reposição de tiroxina pode resolver a AOS13. durante a titulação ou se os eventos se concentrarem na
primeira metade da noite.
DISPOSITIVOS DE AVANÇO MANDIBULAR Uma alternativa foi descrita em um estudo no qual, pacientes
Os dispositivos de avanço mandibular têm como objetivo com alto risco de AOS foram randomizados para titulação com
protruir a mandíbula e melhorar a patência da via aérea superior dispositivo de CPAP automático em casa, dispensando-se a
a fim de se evitar o ronco e apnéias/hipopnéias durante o polissonografia, ou diagnóstico convencional seguido de
sono. Estes dispositivos devem ser adaptados individualmente titulação no laboratório. Pacientes submetidos à titulação em
para cada paciente. No entanto, é necessária dentição suficiente casa tiveram controle da AOS similar àqueles com titulação no
para suporte do aparelho. Deve-se ter cuidado naqueles com laboratório mas com melhor adesão ao CPAP após 3 meses18.
doença periodontal ou com disfunção temporo-mandibular. Algumas fórmulas foram testadas para predizer a pressão
Outro tipo de dispositivo oral são aqueles de protusão da de CPAP. Sua acurácia, no entanto não permite eliminar a
língua por sucção, os quais não dependem da dentição para titulação de pressão de CPAP19.
suporte. A primeira noite de uso do CPAP pode predizer a adesão ao
Eficácia: estes dispositivos promovem a redução de 50% CPAP no longo prazo20. Esta evidência revela a importância
do IAH em aproximadamente 65% dos pacientes. Porém, de apresentar o CPAP de forma adequada e escolher a melhor
apenas 35% dos pacientes normalizam o IAH14. Apesar de não interface para o paciente (máscara nasal, prong nasal, máscara
haver controle total dos eventos respiratórios em todos os facial) de acordo com sua anatomia facial e preferências. A
pacientes, há evidências ainda de redução da sonolência diurna, máscara de uso mais comum é a nasal. Poucos estudos
melhora da qualidade de vida e redução da pressão arterial. compararam a adesão no longo prazo quando utilizadas
No entanto, nem todos os pacientes têm controle adequado interfaces diferentes. Um estudo revelou que a adesão é pior
da AOS com os dispositivos de avanço mandibular e não há quando utilizada máscara facial em comparação à nasal, sendo
como prever na prática clínica aqueles que se beneficiarão10. a nasal preferida e relacionada à maior redução na escala de
Alguns dados sugerem que os dispositivos de avanço sonolência de Epworth 21. Um estudo comparou almofada nasal
mandibular são melhores aceitos pelos pacientes que o CPAP14. (“nasal pillow”) com máscara nasal. A almofada nasal teve
A adesão ao tratamento é em média de 77% se considerado o maior adesão, menos efeitos colaterais e maior satisfação22.

56 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


No entanto, pressões elevadas podem impedir o uso desta pressão (BIPAP) está indicada em pacientes que apresentam
interface. Umidificador aquecido: o uso de umidificador hipoventilação associada. Pacientes que requerem níveis
melhora a adesão ao CPAP e reduz efeitos colaterais. A elevados de pressão de CPAP também podem preferir o BIPAP,
Academia Americana de medicina do sono recomenda a pois é possível utilizar pressão expiratória menor. No entanto,
utilização de umidificação aquecida com o dispositivo de quando avaliada a adesão ou eficácia utilizando-se BIPAP,
CPAP16. Em nosso meio, o clima mais quente e úmido reduz a não houve diferença em relação ao CPAP 25.
necessidade de umidificação aquecida, mas deve ser usado
quando há queixa de ressecamento do nariz e boca. SÍNDROME DA HIPOVENTILAÇÃO DA OBESIDADE
Deve-se tratar a obstrução nasal, pois ela está relacionada A síndrome da hipoventilação da obesidade (SHO) ou
à pior adesão ao CPAP. O uso de corticóide nasal, síndrome de Pickwick é definida como obesidade (índice de
antihistamínicos ou cirurgia de correção do desvio de septo e massa corpórea >30Kg/m2) associado à hipoventilação alveolar
turbinectomia podem ser necessários. (PaCO2>45mmHg) enquanto acordado, excluindo-se outras
A adesão ao CPAP também está relacionada ao grau de causas de hipoventilação 27. Sua real prevalência não é
sonolência do paciente, à gravidade da doença e se a iniciativa conhecida, mas 31% dos pacientes com IMC>35 kg/m2
de procurar o diagnóstico de AOS foi do próprio paciente. apresentavam este diagnóstico em um estudo realizado em
Nos pacientes pouco sintomáticos, mas com indicação de pacientes internados. A morbidade e mortalidade são elevadas.
CPAP pela gravidade ou presença de co-morbidades, um Em pacientes hospitalizados, a mortalidade foi de 23% em 18
cuidado ainda maior deve ser tomado. A adesão ao CPAP na meses, enquanto 9% dos indivíduos obesos sem hipoventilação
primeira semana também prediz seu uso no longo prazo. Assim, evoluiram a óbito no mesmo período em um estudo27.
é na primeira semana de uso do CPAP que o suporte ao O tratamento da SHO é importante, pois estes pacientes
paciente e supervisão devem ser mais intensivos.26 freqüentemente desenvolvem insuficiência respiratória aguda
A Academia Americana de Medicina do Sono recomenda e óbito na evolução. Na sala de emergência, estes pacientes
a monitorização do uso de CPAP através do registro feito devem ser prontamente identificados, pois a oxigenioterapia
pelo aparelho, uma vez que o relato do paciente superestima pode levar à acentuação da hipercapnia e narcose.
o uso real 16. Existem duas formas de registro: por horímetro, A perda de peso deve sempre ser orientada. A mudança
o qual registra o número de horas que o aparelho ficou nos hábitos alimentares e o exercício físico são essenciais.
ligado e outro, mais preciso, que registra o uso por dia de Pode-se optar pelo uso de inibidores de apetite. A SHO pode
uso efetivo. ser indicação isolada para a cirurgia bariátrica. Neste caso, a
Os efeitos colaterais do uso de CPAP mais comuns são: a adaptação de dispositivo de pressão positiva e seu uso no
congestão nasal, rinorréia, boca seca e irritação ocular. O peri-operatório são necessários para a redução dos riscos
aparecimento de efeitos colaterais pode levar o paciente a associados à cirurgia. A traqueostomia foi o tratamento
desistir de usar o dispositivo. Desta forma, a orientação ao inicialmente usado para o tratamento da SHO, porém é
paciente quanto aos efeitos colaterais auxiliam na sua detecção raramente utilizada atualmente devido ao desenvolvimento dos
precoce e tratamento imediato. dispositivos de pressão positiva. A maioria dos pacientes
Auto-CPAP: outros modos de ventilação não-invasiva com normaliza os níveis de hipercapnia apenas com a
pressão positiva podem ser utilizados. O CPAP com pressão traqueostomia, sugerindo que a obstrução recorrente da via
automática (auto-CPAP) varia a pressão de CPAP de acordo aérea superior durante o sono tem papel fisiopatológico
com a necessidade, baseado na detecção de restrição ao fluxo importante. O uso de estimulantes respiratórios como
e vibração. Pacientes que necessitam de pressões mais progesterona e teofilina foram pouco estudados e não são
elevadas de CPAP podem se adaptar melhor ao auto-CPAP, indicados no momento28.
pois a pressão média de CPAP tende a ser menor, melhorando Duas modalidades de dispositivos de pressão positiva
seu conforto. De fato, a maioria dos estudos revela preferência podem ser utilizadas para o tratamento da SHO. O CPAP é
ao auto-CPAP pelos pacientes. No entanto, a eficácia é igual indicado no tratamento da SHO e comprovadamente melhora
e a maior parte dos estudos não mostrou que a utilização de a hipercapnia. O CPAP não proporciona aumento imediato da
auto-CPAP aumentasse a adesão ao tratamento. Pacientes ventilação alveolar, porém alivia a fadiga da musculatura
portadores de insuficiência cardíaca congestiva, doença respiratória por impedir a obstrução recorrente da via aérea
pulmonar grave, dessaturação noturna relacionada à superior. Pode haver também aumento do “drive” ventilatório
hipoventilação da obesidade, pacientes que não roncam e central pela redução da fragmentação do sono29. O dispositivo
pacientes que tem número significativo de apnéias centrais de BIPAP proporciona aumento imediato da ventilação
não devem utilizar este modo de tratamento.23 alveolar e, portanto da PCO2 arterial. Em pacientes com
C-Flex: mais recentemente, foi introduzida nova tecnologia insuficiência respiratória aguda, é o tratamento de escolha
de alívio de pressão (C-flex), a qual proporciona alívio da para a redução mais rápida da PaCO2 (29). Um estudo recente
pressão positiva durante a expiração. Um estudo avaliou comparou CPAP e BIPAP no tratamento de pacientes com
eficácia e adesão comparando o dispositivo com alívio de hipoventilação da obesidade sem hipoxemia acentuada durante
pressão com CPAP convencional. Ambos foram igualmente o sono e sem acidose respiratória. A redução dos níveis de
eficazes, sem diferença na adesão após 7 semanas.24 PCO2 arterial na vigília foi similar em ambos os métodos.
BIPAP: a utilização de pressão positiva em dois níveis de Apesar da síndrome da hipoventilaçâo da obesidade não

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 57


requerer o diagnóstico com polissonografia, deve-se Oral appliances for snoring and obstructive sleep apnea: a
proceder à titulação de CPAP ou BIPAP e oxigeniooterapia review. Sleep 2006; 29:244–262.
se necessário, a fim de se controlar os eventos obstrutivos e 15. Kushida CA, Morgenthaler TI, Littner MR, Alessi CA, Bailey
hipoventilação. D, Coleman J Jr, Friedman L, Hirshkowitz M, Kapen S, Kramer
M, et al. Practice parameters for the treatment of snoring and
obstructive sleep apnea with oral appliances: an update for
CONCLUSÃO
2005. Sleep 2006; 29:240–243.
O tratamento da AOS deve ser decidido conforme a
16. Kushida CA, Littner MR, Hirshkowitz M, Morgenthaler TI,
intensidade dos sintomas, gravidade, presença de Alessi CA, Bailey D, Boehlecke B, Brown TM, Coleman J Jr,
comorbidades e ocupação profissional. Em pacientes Friedman L, et al. Practice parameters for the use of continuous
portadores de AOS grave, recomenda-se tratamento and bilevel positive airway pressure devices to treat adult patients
independentemente de sintomas. Neste caso, o CPAP é o with sleep-related breathing disorders. Sleep 2006; 29: 375-80.
tratamento de eleição. Nos pacientes portadores de AOS leve 17. Chesson AL Jr, Ferber RA, Fry JM, Grigg-Damberger M, Hartse
a moderada, a opção terapêutica entre dispositivo de avanço KM, Hurwitz TD et al. The indications for polysomnography
mandibular, CPAP, cirurgia e/ou medidas comportamentais and related procedures. Sleep 1997; 20: 423-87.
devem ser discutidas com o paciente. 18. Mulgrew AT, Fox N, Ayas NT, Ryan CF. Diagnosis and initial
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58 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


OPINIÕES E AÇÕES

DEPARTAMENTO DE FISIOTERAPIA

ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA


APNÉIA E HIPOPNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO
(SAHOS)
Dentre as alterações do sono estão descritas quatro Por esta maior proximidade com o paciente e sua família o
síndromes principais: a síndrome da apnéia e hipopnéia fisioterapeuta pode ainda orientar quanto à manutenção de
obstrutiva do sono (SAHOS), a síndrome da apnéia central uma boa higiene do sono, ou seja, dormir sempre no mesmo
do sono, a síndrome de hipoventilação do sono e a horário, em ambientes com luminosidade, som e temperatura
síndrome da respiração de Cheyne-Stokes. A SAHOS adequadas, evitando a privação do sono e a posição supina,
devido à sua maior prevalência, gravidade e morbidade e eliminar ou evitar fatores que possam aumentar a gravidade
conseqüências neurocognitivas e cardiovasculares tem se da resistência das VAS, tais como: a obesidade, a cafeína, o
tornado um problema crescente de saúde pública.1,2, 3 álcool, agentes sedativos, hipnóticos, narcóticos,
A escolha do tratamento mais adequado a cada paciente benzodiazepínicos, tabaco e outros.5,7
depende da gravidade da apnéia e das suas conseqüências. Além disso, a Fisioterapia pode auxiliar em requisitos
Os objetivos do tratamento são: promover uma ventilação importantes para o sucesso da terapia como: a educação
e oxigenação noturnas normais; reduzir ou abolir o ronco; prévia através da explicação sobre a doença, o uso do CPAP
e eliminar a fragmentação do sono.4 e seus efeitos, fatores estes de extrema relevância para
Diversos estudos têm sido realizados para verificar a incentivar a adesão ao tratamento. Quanto maior o empenho
eficácia das várias terapêuticas que podem ser aplicadas em motivar o paciente, maior a probabilidade do uso de
no combate à SAHOS, sendo, a Pressão Positiva Contínua acordo com a prescrição, especialmente nos casos em que
nas Vias Aéreas (CPAP), o tratamento clínico mais tal intervenção se faz precocemente. Pode ainda, orientar o
recomendado atualmente.1,4,5 uso de máscara adequada, que quando bem ajustada elimina
O CPAP consiste num tipo de ventilação mecânica não- os vazamentos e previne ferimentos na pele, o que deixa a
invasiva que através de um fluxo de ar contínuo, estabiliza terapia mais confortável e aumenta a adesão ao tratamento
as vias aéreas superiores, prevenindo seu colapso. Deste e o uso de umidificador aquecido, principalmente, em
modo, a fragmentação do sono desaparece e a arquitetura condições de baixa temperatura e umidade relativa do ar,
normal do sono é restaurada.6 bem como medidas para higiene nasal com solução
A prescrição do CPAP nasal é médica, no entanto, o fisiológica.7
profissional que geralmente ajusta e monitora esses Uma alternativa interessante para aumentar a adesão aos
equipamentos nos hospitais é principalmente o aparelhos de pressão aérea positiva seria a inclusão de um
fisioterapeuta, isto porque este profissional está mais teste prévio com o aparelho na rotina de um laboratório de
familiarizado com o aparelho e pode acompanhar o paciente sono, visando à familiarização do paciente com a máquina e
por um período de tempo maior. com as sensações nunca antes experimentadas.7
E o que se observa atualmente é que essa parceria Essa já é uma rotina adotada pelo Laboratório do Sono
estabelecida entre a medicina e a fisioterapia, tem se do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
estendido para clínicas e centros de distúrbios do sono, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde
onde após o médico haver diagnosticado a SAHOS e os pacientes do experimento de Figueiredo et al (2004),1
indicar o CPAP nasal como tratamento, o fisioterapeuta fizeram uma sessão de fisioterapia respiratória para a
instala, ajusta e orienta sobre o correto uso do adaptação ao dispositivo. Nessa ocasião, os pacientes
equipamento, auxiliando o médico na assistência domiciliar, vivenciaram a máscara nasal por cerca de 60 minutos e foram
contribuindo para a melhoria da qualidade de vida destes orientados sobre os conceitos básicos da utilização do
pacientes. aparelho.1

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 59


No estudo de Ballester et al (1999), ocorreu o mesmo.
Os sujeitos do estudo foram instruídos sobre o uso do
CPAP e passaram um dia inteiro em uma unidade de sono,
CALENDÁRIO DE ATIVIDADES
onde puderam ser acomodados à máscara e se familiarizar DAS REGIONAIS
com o tratamento, auxiliados por um fisioterapeuta.6
E apesar de observar-se na literatura uma escassez de REGIONAL- ARARAQUARA/BAURU/BOTUCATU
trabalhos publicados discutindo o papel fisioterapêutico 06 de setembro em São Carlos - Doenças Ocupacionais
no tratamento da SAHOS, entendemos como é importante 04 de outubro em Araraquara - Pulmão e Colagenoses
a atuação do fisioterapeuta nas orientações que serão
prestadas ao paciente acerca de sua patologia e na REGIONAL - MARÍLIA
adaptação deste paciente à máscara, contribuindo para a Último sábado da cada mês, às 09h30 - Reuniões
Reuniões alternadas entre as Faculdades FAMEMA e
melhora no índice de adesão à terapia.
UNIMAR
Deste modo, concluímos que o CPAP nasal é um método
de tratamento efetivo, em que a fisioterapia pode atuar REGIONAL - SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
positivamente, prestando assistência domiciliar e 26 de setembro - Asma
orientando os portadores desta síndrome a respeito de sua 24 de outubro - Avaliação Pré-operatória no DPOC
patologia e da correta utilização e manutenção do aparelho, 21 de novembro - Queima de Biomassa e Pol, Atmosférica
visando à melhoria da qualidade de vida destes pacientes.
REGIONAL - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Outubro em Catanduva - Tabagismo
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de patologistas, pneumologistas, cirurgiões torácicos,
5. Nery LE, et al. Síndrome da apnéia do sono obstrutiva. In:
radiologista, residentes e alunos.
Prado FC, Ramos JA, Valle JR. Atualização terapêutica:
Local: Anfiteatro de Anatomia Patológica, segundo andar,
manual prático de diagnóstico e tratamento. 19.ed. São Paulo: Hospital de Clínicas da Unicamp.
Artes Médicas, 1999. Departamento de Pneumologia e Cirurgia Torácica da
6. Ballester E, et al. Evidence of the effectiveness of continuous Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas
positive airway pressure in the treatment of sleep apnea/ • Todas as quartas 4as feiras do mês, das 20:00 às 22:00h
hypopnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 1999; (discussão de casos clínicos ou palestras sobre temas
159:495-501. diversos)
Local: Anfiteatro da Sociedade de Medicina e Cirurgia
7. Sociedade Brasileira de Sono. Consenso Brasileiro em Ronco
de Campinas. Rua Delfino Cintra, número 63, Centro.
e Apnéia do Sono. Hypnos 2001;2:8-13.
Telefone: (19) 3231 2811.

Ft. Lara Maris Nápolis REGIONAL - RIBEIRÃO PRETO


Presidente do Departamento de Fisioterapia SPPT Reuniões - última quinta-feira do mês, às 20h
Especialista em Fisioterapia Respiratória Local: Chopp Time Street, Av. independência, 2579, 2° andar
pela UNIFESP-EPM Discussão de Casos clínicos com a participação do
Mestre e Doutora em Ciências pela UNIFESP-EPM HCFFMRP-USP, Hospital São Francisco e Santa Casa.
Discussão de Casos Clínicos com a participação do
HCFFMRP-USP, Hospital São Francisco e Santa Casa.
25 de setembro; 30 de outubro; 27 de novembro

60 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


NOTÍCIAS

ATIVIDADES DO TRIMESTRE

No sentido horário, membros da diretoria da SPPT, palestrantes e presidentes de regionais nas Jornadas Paulistas realizadas
em Botucatu, Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto

No último trimestre tivemos uma atividade científica Na capital, as Reuniões Clínicas com discussão de casos
intensa. na “Pizza Clínica” e “Pizza Cirúrgica” continuam
As Jornadas Paulistas aconteceram nas cidades de Ribeirão proporcionando a oportunidade de aprender e trocar
Preto, Campinas, São José do Rio Preto e Botucatu. Temas experiências de uma forma lúdica e descontraída. As duas
como a hipertensão pulmonar, a DPOC, a asma e a insuficiência reuniões neste ano tornaram-se eventos oficiais da Associação
respiratória crônica foram abordados por palestrantes com Médica Brasileira, passando a valer pontos no programa de
grande experiência e conhecimento nas respectivas áreas. acreditação da AMB.
As Jornadas Paulistas não só atingiram o objetivo de A “Pizza Cirúrgica” que é marcada pela presença e
educação continuada, mas também o da valorização da participação ativa dos principais cirurgiões do Estado São
pneumologia, divulgando a nossa especialidade nas Paulo, continua com discussões calorosas e de alto conteúdo
diferentes regiões. Contamos também com um número científico. Em julho em comemoração à inauguração da sede
expressivo de acadêmicos. Os futuros pneumologistas. A da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT) na cidade
totalidade dos presentes avaliou os eventos no interior como de São Paulo ( Sala Vicente Forte), contamos com a presença
ótimo ou bom. de diversos cirurgiões torácicos de outros estados.

REGIONAIS SPPT 2008/2009 SUB-SEDE MARÍLIA


Rua 24 de dezembro, 435 - 17500-060 - Marilia
SUB-SEDE ABC Telefone: (14) - 3433-3412 - strozze@terra.com.br
Av. Príncipe de Gales, 821 - Príncipe de Gales
09060-650 - Santo André - Telefone: (11) - 4993-5469 SUB-SEDE RIBEIRÃO PRETO
greg.ops@terra.com.br Av. Bandeirantes, 3900 - 14040-030 - Ribeirão Preto
Telefone: (16) - 3602-2631 - ana_carla_sousa@hotmail.com
SUB-SEDE ARARAQUARA / BAURU / BOTUCATU
Av. Prof. Dorival De Oliveira, 77 - Vila João Godoi SUB-SEDE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
14802-378 - Araraquara - Telefone: (16) - 3336-8953 Av. Vinte e Três, 1205 - 14780-000 - Barretos
eduardohage2004@uol.com.br Telefone: (17) - 3322-8544 - benedito.caiel@terra.com.br

SUB-SEDE CAMPINAS SUB-SEDE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS


Zeferino Vaz, S/N - Barão Geraldo - 13086-002 - Campinas Rua Cel. José Monteiro, 740 - 12243-730 - São José dos Campos
Telefone: (19) - 3521-7907 - rkm@unicamp.br Telefone: (12) - 3922-5935 - drdoc@uol.com.br

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 61


NOTÍCIAS

CAMPANHA “RESPIRE SÃO PAULO”

SEMANA DE EDUCAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO


SOBRE AS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS
SPPT promove eventos públicos no Estado de São Paulo com realização de exames
de rastreamento de doenças abertos à população

A Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT),


com o apoio da Boehringer Ingelheim/Pfizer, colocou nas TOTAL DE PARTICIPANTES
583
ruas de várias cidades do Estado de São Paulo, no início de
411 422
junho, a Campanha “Respire São Paulo”. O intuito principal 270 264
207
foi alertar a população sobre as doenças respiratórias e sobre 175

a importância da avaliação com um pneumologista


RIBEIRÃO SÃO PAULO SANTOS S.J. RIO PRETO SOROCABA CAMPINAS PIRACICABA
PRETO
regularmente. A iniciativa faz parte das comemorações da
“1ª Semana Estadual de Educação e Conscientização sobre
as Doenças Respiratórias” que, a partir de 2008, ocorrerá
TOTAL DE EXAMES
anualmente, conforme determina a recém-promulgada Lei nº 403
397

12.749. A data também coincide com “Dia do Pneumologista”, 302


260
233
O2 de junho. 186
143

A Campanha “Respire São Paulo” foi realizada em Ribeirão


Preto, Santos, São José do Rio Preto, São Paulo, Sorocaba, RIBEIRÃO SÃO PAULO SANTOS S.J. RIO PRETO SOROCABA CAMPINAS PIRACICABA
PRETO
Campinas e Piracicaba. Em todas as cidades, em praças
públicas e com grande divulgação pela mídia local, uma equipe
de médicos e técnicos da SPPT, aplicou questionário de • A cidade de São José do Rio Preto teve a maior quantidade
sintomas respiratórios (GOLD), realizou Espirometrias, de público abordado na triagem, 583 pessoas.
distribuiu materiais educativos sobre as principais doenças • As praças São Paulo e São José do Rio Preto realizaram os
respiratórias (DPOC, asma, pneumonia, tabagismo e maiores números de Espirometrias, 403 e 397, respectivamente.
tuberculose), expôs vídeo educativo sobre qualidade de vida • Em média, em 32% das Espirometrias realizadas foi
e orientou a população. observado Distúrbio Ventilatório Obstrutivo (GOLD).
O atendimento foi totalmente gratuito e considerado, em • 6,56% da população total que realizou Espirometria
todas as praças, como uma grande prestação de serviço da apresentaram Obstrução Grave ou Muito Grave (GOLD).
SPPT para a comunidade. • 75,5% da população que passou pela triagem nunca tinham
Números Gerais da Campanha “Respire São Paulo”: ouvido falar sobre a DPOC.
• Nas sete cidades realizadas foram avaliadas 2.312 pessoas • Todos os casos diagnosticados receberam orientação e
e realizadas 1.956 Espirometrias (82,5% da população foram encaminhados para avaliação e tratamento com
avaliada). pneumologista já nos locais.

Índices de DPOC Índices de DPOC (Percentual) Índices de DPOC Índices de DPOC (Percentual)

62 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Índices de DPOC Índices de DPOC (Percentual)
A Campanha “Respire São Paulo” conseguiu despertar a
atenção da comunidade, divulgar as principais doenças
respiratórias, ensinar medidas preventivas, fazer diagnóstico
precoce e referir os pacientes para tratamento adequado
divulgando o pneumologista. Temos certeza que a campanha
foi um grande sucesso e deve ser repetida nos próximos anos.
A diretoria da SPPT agradece a todos os médicos e técnicos
da SPPT que atuaram na campanha, a Boheringer/Pfizer pela
parceria, às Prefeituras Municipais, pela liberação dos espaços
públicos, a imprensa que nos deu total apoio e cobertura e, a
Índices de DPOC (Percentual)
todas as pessoas que trabalharam no desenvolvimento e
Índices de DPOC
realização da Campanha “Respire São Paulo”.

“RESPIRE SÃO PAULO”


NA MÍDIA
SÃO PAULO:
Bom Dia SP - Globo
Telejornal Gazeta News
Índices de DPOC Índices de DPOC (Percentual) Radio Gazeta
Rádio Jovem Pan
Rádio Bandeirantes
BandNews FM
Rádio Record
Portal SEGS
Rádio Mundial

SOROCABA:
Bom Dia Cidade – TV Globo
Programa Noticidade / SBT
Jornal Cruzeiro do Sul
Radio Vanguarda/Alo Noticia
Radio Cruzeiro
Clube Virtual
Índices de DPOC Índices de DPOC (Percentual)
RIBEIRÃO PRETO:
EPTV – Globo
TV Record Ribeirão Preto
TV CLUB - Band
Gazeta de Ribeirão On Line

SANTOS:
TV Record
Radio Globo
A Tribuna Digital

S.José do Rio Preto:


TV TEM - Globo
Rádio Novo Tempo
Índices de DPOC Índices de DPOC (Percentual)
CAMPINAS:
Rádio Globo
TVB Noticias/SBT
Rádio CBN
Radio Bandeirantes
Radio Educativa

PIRACICABA:
Jornal de Piracicaba
Jornal Gazeta de Piracicaba
Rádio Onda Livre
Rádio Difusora

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 63


HISTÓRIA DA PNEUMOLOGIA

DE FAT BOY JOE À LEPTINA:


UMA AVENTURA DIGNA DO SR. PICKWICK
Autor: Mauro Gomes

Serviço: Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

“... e no caixote sentou-se um garoto gordo e de


rosto vermelho em estado de sonolência (...). -
Joe! – que droga, aquele garoto foi dormir
novamente! (...) Todas as pessoas estavam
excitadas exceto o garoto gordo, e ele dormia
profundamente como se o barulho do canhão
fosse a sua canção de ninar... – Senhor, será que
é possível beliscá-lo na sua perna? Nada mais o
acorda!”

O trecho acima foi extraído do romance “Os Escritos


Póstumos do Clube Pickwick” (The Posthumous Papers
of the Pickwick Club), publicado em 1836 por Charles
Dickens. Neste, que foi seu primeiro livro, Dickens parece
ter descrito o primeiro paciente portador de apnéia do sono.
Há ainda diversas outras referências no livro a esse
personagem – Fat Boy Joe -, sugerindo que ele tinha uma
forma grave da doença. O romance gira em torno das
peripécias de certo Sr. Pickwick, que junto a seus três
inseparáveis amigos - Tupman, Snodgrass e Winkle,
integrantes do Clube Pickwick -, saem em aventuras pela
capital inglesa do século XIX. É um retrato comovente e
humorístico da sociedade de seu tempo. Em 1918 Sir Willian
Osler usou o termo “Pickwickian” pela primeira vez para
referir-se a paciente obeso e sonolento, em referência ao
título do livro. O epônimo, consagrado em 1956 por Burwell
e col., remete ao romance de Charles Dickens, e não a algum
suposto médico que primeiro descreveu a doença. A partir
daí, muitos acreditam que o personagem Pickwick é que
possuía a síndrome, o que não é verdade. O garoto Joe era
o apneico do romance de Dickens.
Durante a evolução em nosso planeta, as primeiras Fig. 1 - Uma das primeiras edições de “The posthumous papers
formas de vida provavelmente se desenvolveram nos of the Pickwick Club”, quando Charles Dickens ainda utilizava o
climas equatoriais e não nos pólos. Isso deve ter induzido pseudônimo “Boz”.

64 Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008


Fig. 2 - Ilustração de Joe – The Fat Boy, à época do lançamento do Fig. 3 - Charles Dickens
livro “The posthumous papers of the Pickwick Club”

nos primatas e nos primeiros seres humanos o surgimento correlação com as fases do sono, com os sonhos e os
dos ciclos de sono e vigília, conseqüência do movimento batimentos cardíacos por Aserinsky e Kleitman. Em 1956,
de rotação da Terra e do contato visual com o meio. O Burwell e col. consagraram o termo “pickwickiano” para
interesse pelo estudo do sono é relativamente recente. descrever pacientes obesos e sonolentos, portadores de
Talvez o maior obstáculo ao estudo do sono ao longo do hipoventilação, cianose, policitemia e cor pulmonale. No
tempo tenha sido o fato dos pesquisadores terem que ficar entanto, suas conclusões são hoje contestadas, pois eles
acordados à noite, o que só se tornou possível após o atribuíram a sonolência à hipercapnia. A importância do
advento da luz elétrica. seu trabalho está na criação com sucesso do termo
O primeiro médico a descrever uma apnéia foi Broadbent “Síndrome de Pickwick”, o que despertou o interesse sobre
em 1877, referindo-se a uma pessoa de idade avançada, o estudo do assunto e a lenta popularização dos distúrbios
deitada de costas, em sono profundo e roncando do sono na classe médica.
ruidosamente e que, de tempos em tempos, apresentava Pouco depois, na Europa, grupos diferentes de
falha da inspiração. “Então, ocorrerão dois, três ou quatro pesquisas chegaram a conclusões semelhantes. Gastaut,
períodos respiratórios de movimentos torácicos Tassinari e Duron, na França, e Jung e Kuhlo, na Alemanha,
ineficientes, para finalmente o ar entrar com um ronco observaram que doentes tidos como “pickwickianos”
barulhento ou rugido, após o qual ocorrerão várias apresentavam repetidos episódios de apnéia durante o
inspirações profundas compensatórias”. sono. Em 1965, o grupo francês descreveu a apnéia
Alguns momentos na história foram importantes para o obstrutiva do sono, a importância do ronco, a hiper-
desenvolvimento do estudo das doenças do sono e o sonolência e correlacionaram tais achados a doenças
primeiro deles foi a descoberta da atividade elétrica do cardíacas, além de observar sua ocorrência mesmo nos não
sistema nervoso por Richard Caton, em 1875. O psiquiatra obesos. Kuhlo e col., em 1969, conseguiram melhorar esses
alemão Hans Berger foi o primeiro a descrever as ondas doentes através da traqueostomia, consolidando o conceito
cerebrais no final dos anos 1920 e, na década de 1930, um que a apnéia do sono ocorre como conseqüência da
grupo de Harvard descreveu os diferentes padrões de obstrução ou do colapso das vias aéreas durante o sono.
ondas cerebrais durante o sono. Avanços maiores nas Finalmente, em 1973, Christian Guilleminault reuniu os
pesquisas nesta área foram atrasados devido a Segunda conhecimentos e cunhou o termo Síndrome da Apnéia
Grande Guerra. Obstrutiva do Sono (SAOS), diferenciando dos achados
Foi somente em 1953 que um fato marcou uma nova era da síndrome da hipoventilação do obeso. Mas foi em 1978
neste campo: a descoberta dos movimentos oculares e sua que John Remmers descreveu a interação entre sono,

Pneumologia Paulista Vol. 21, No.3/2008 65


músculos da caixa torácica e da via aérea superior, o que quando ele tinha pouco mais de vinte anos, remediou a sua
elucidou o colapso da via aérea superior durante o sono. vida. Após vender 400 exemplares no seu ano de
Guilleminaut, em 1982, relatou uma nova síndrome em lançamento, no segundo ano a cifra atingiu o espantoso
crianças (Síndrome de Resistência de Vias Aéreas número de 40 mil, sendo um grande sucesso editorial.
Superiores - SRVAS), também descrita em adultos em 1993. Seguiram-se Oliver Twist, Canção de Natal, David
Nesse mesmo ano, importante estudo de Young e col. Copperfield e muitos outros, consolidando uma extensa e
reconheceu a importância dos distúrbios do sono como produtiva carreira. Reconhecido como um dos maiores
problema de saúde pública, documentando sua prevalência escritores de todos os tempos, há um museu em sua
na população. homenagem em Londres e outro em Rochester, cidade onde
Mais recentemente, os avanços neste campo alcançaram anualmente se realiza o Festival Dickens.
a genética. Hoje se discute o papel da leptina (do grego
leptos, magro) no controle da respiração, particularmente
em obesos. Em modelos animais, a perda do gen responsável
pela produção da leptina levou à disfunção no controle da REFERÊNCIAS
respiração, particularmente durante o sono REM, à
obesidade e insuficiência respiratória. Tais alterações foram 1. Dickens C. The posthumous papers of the Pickwick
revertidas após reposição de leptina e não ocorreram em club. London: Chapman and Hall; 1836.
animais sem anormalidades dessa proteína e com obesidade 2. Aserinsky E, Kleitman N. Regularly occurring
induzida artificialmente. Como é rara a deficiência de leptina periods of eye motility, and concomitant
em humanos, postula-se que nos homens obesos ocorra phenomena, during sleep. Science 1953;118:273–4.
um estado de resistência periférica à leptina. 3. Gastaut H et al. Polygraphic study of diurnal and
Se os avanços no conhecimento da SAOS avançaram nocturnal (hyponic and respiratory) episodal
lentamente, o tratamento da mesma é muito mais recente. manifestations of Pickwick Syndrome. Rev Neurol
Embora divulgada em 1964 por Ikematsu para o tratamento (Paris) 1965; 112:568-79.
do ronco, a uvulopalatofaringoplastia só foi utilizada para 4. Guilleminault C et al. Insomnia with sleep apnea: a
o tratamento da SAOS em 1981. Neste mesmo ano, na new syndrome. Science 1973; 181: 856-8.
Austrália, Sullivan, Berthon-Jones, Issa e Eves publicaram 5. Kuhlo W et al. Successful management of
os resultados de doentes que utilizaram a primeira máquina pickwickian syndrome using long-term
de pressão positiva contínua na via aérea (CPAP) para tracheostomy. Dtsch Med Wochenschr 1969;
controle da apnéia obstrutiva do sono. Atualmente, o uso 94:1286-90.
de CPAP é considerado a forma mais eficaz de tratamento 6. Dement WC. History of Sleep Medicine. Sleep Med
da SAOS moderada e grave em adultos, e o seu uso também Clin 2008;147–156.
mostrou reduzir os níveis de leptina circulantes. 7. Young T, Palta M, Dempsey J, et al. The occurrence
Há apenas poucas décadas que desordens respiratórias of sleep-disordered breathing among middle-aged
foram correlacionadas com a obesidade. No entanto, há adults. N Engl J Med 1993;328:1230-5.
mais de um século Charles Dickens antecipou a ciência 8. Lavie P. Sleep Med Rev 2008; 12(1): 5-17.
nesta sua obra, onde nos apresentava de modo caricatural 9. Rabec C. Leptin, obesity and control of breathing :
um clássico portador do distúrbio do sono. Sem ser médico, the new aventures of Mr. Pickwick. Electron J
Dickens era um sujeito pobre vindo de uma família cujo pai Biomed 2006;1:3-7.
esteve preso por não pagar as suas dívidas. Possuía um
profundo senso de observação das pessoas e de crítica
social, e, com “Os Escritos Póstumos do Clube Pickwick”,
gomesm@uol.com.br
publicado inicialmente em episódios inseridos em jornal

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Edição comermorativa dos 30 anos da SPPT


Doenças Pulmonares Obstrutivas

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