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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Programa de Pós-graduação em História


HIPG0014 – Teoria da História e Historiografia – Prof. Dr. Temístocles Cezar

Título provisório: Autoficção e a experiência do tempo: a aids em Hervé Guibert

Guilherme da Silva Cardoso

Linha de Pesquisa: Teoria da História e Historiografia/ Orientação: Fernando Nicolazzi

Essa pesquisa investiga de que modo o tempo, em suas múltiplas acepções, se inscreve
na vida e na obra do escritor e fotógrafo francês Hervé Guibert (1955 – 1991), a partir de sua
experiência com a aids entre o final da década de 1980 e começo de 1990. Tornando-se um
dos principais nomes da intelectualidade francesa, em suas obras finais dedicou-se a falar e
escrever sobre a epidemia de HIV/aids, a qual impactou diretamente vida e obra de seus
amigos mais próximos, entre eles, o filósofo Michel Foucault. Sua produção faz parte dos
desdobramentos não somente da literatura contemporânea, mas das artes como um todo, e
assim, agregar seu trabalho a algum único gênero ou movimento torna-se uma tarefa
complicada, no qual se evidenciam as transformações e provocações que emergem a partir de
maio de 1968. Nesse sentido, o projeto literário desenvolvido por Hervé Guibert é marcado
por dois fatores: a intertextualidade delineada com a fotografia, o cinema e as ciências
humanas; e, especialmente, pelas inúmeras maneiras de inscrever a si mesmo no texto, em
uma cáustica interpretação da realidade. Produzindo uma escrita que se apropria de
experiências pessoais, amigos e familiares para elaborá-las ficcionalmente, demonstrou tanto
as fissuras do noveau roman como dos “biografismos”1, naquele momento tão em voga. Nas
brechas abertas por esses movimentos, incluiu os temas de sua preferência: a relação
sexualidade/morte, as margens do círculo intelectual, a fotografia na construção textual, e
principalmente, a escrita do corpo. Se, por um lado, trata-se de outro representante das
escritas de si, por outro, a sua ficcionalização do “fato bruto” aliada à corrosiva honestidade
sobre um contexto tão cruel como a epidemia da HIV/aids, projeta outras maneiras de
escrever sobre a enfermidade e também, de vivenciá-la.

1
“narrativas que envolvem a seleção, descrição e análise de uma trajetória individual a partir de diversos
enfoques (autobiografias, memórias, testemunhos), da literatura escolar e das biografias propriamente ditas”. Cf.
AURELL, Jaime. Textos autobiográficos como fontes historiográficas: relendo Fernand Braudel e Anne Kriegel.
In: História. São Paulo, v.33, n.1, 2014, p.340.
Por isso, entendo a escrita de Guibert no espectro da autoficção, concebida aqui como
gênero literário e também como prática, no sentido de dar conta da escrita do sujeito que
habita o tempo presente, após a crítica à sua base iluminista, centrada e racional. Definida
inicialmente pelo escritor Serge Doubrovsky em 1977 com o romance Fils, a autoficção visa
ocupar, literalmente, a lacuna nos pactos autobiográficos de Phillipe Lejeune, propostos no
início daquela década. Suas definições, próximas a uma questionada “verdade da arte” em
paralelo à realidade, foram alterando-se (e muito) com o tempo, inspirando e também
conflitando com os referenciais utilizados neste trabalho, como os teóricos Vincent Colonna
(EHESS), Philippe Gasparini, e, especialmente, a professora brasileira Diana Klinger (UFF).
Trata-se de um gênero/prática que, mais do que levar a um “borramento” entre a ficção e a
não-ficção, tem sua base e sua projeção nesse espaço entre as fronteiras das escritas
(auto)biográficas. Por isso, a escolha da autoficção para pensar a escrita como uma elaboração
de si no trauma, na catástrofe: frente a uma experiência-limite com tamanho potencial de
dessubjetivação, como a aids, de que maneira se escreve o sujeito que se pensa ser? As
práticas biográficas, com suas delimitações, podem descrever as múltiplas experiências
decorrentes do processo de adoecimento?
Nesse sentido, a orientação de Hervé Guibert pela escrita autoficcional segue a vasta
quantidade de enunciados da “epidemia discursiva” que envolve a aids e pessoas
soropositivas naquele momento, provocando outras maneiras de habitar o tempo, até então
compreendido de maneira linear. Esse “tempo da doença” que retira agência (Handeln),
provocando, através das suas fases e enunciados, uma reelaboração da espessura da vivência
(entendido como a experiência passada) e também daquilo que significaria o futuro. Assim,
visando contribuir para o estudo de narrativas e escritas de si relativas à aids, bem como caracterizar a
epidemia discursiva sobre a enfermidade, que ocorre entre as décadas de 1980 e 1990 na literatura,
considero o seguinte problema: frente à experiência-limite da aids, como se percebe a experiência do
tempo, enquanto formadora de sujeitos, na narrativa autoficcional de Hervé Guibert?

GUIBERT, H. À l’ami quis ne m’a pas sauvé la vie. Paris: Gallimard, 1990..
______. Para o Amigo que não me salvou a vida. Tradução: Mariza Campos da Paz. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1995.
______. Protocolo da compaixão. Tradução: Mariza Campos da Paz. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
______. Le protocole compassionel. Paris: Galimard, 1991.
______. O homem do chapéu vermelho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
______. Cytomegalovirus. Hospitalization diary. NY: University Press, 2016.

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