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Universidade Federal
de Minas Gerais
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Institucional
Necessário recordar que o artigo 65, da Lei 9.60598, preconiza como crime ambiental
“pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”. Ocorre, contudo,
que há intensa discussão no que tange à configuração de “pixo” (termo preferido entre os
adeptos) como meio de desobediência civil e forma legítima de manifestação política e
artística. Seria, enfim, uma maneira de intervenção urbana ligada a movimentos de
resistência. Dois documentários, Pichar é humano e Pixoação, retratam bem esse universo
político-cultural.
O que não se via, porém, em tais ataques, era tudo aquilo que se encontra "além daquelas
paredes".
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Atividade acadêmica em sala da Faculdade de Direito Acervo Amanda Bastos
Felizmente, minha mãe não se acanhou. Levou para o lado pessoal. Disse que quem critica
tem ressentimento de o filho não ter, segundo ela, "competência para estar lá". E que ela
própria, se pudesse, teria o outro filho estudando na mesma instituição, já que gasta uma
nota para mantê-lo em escola particular, sem perceber tamanha qualidade no ensino. Ela
ligou indignada. Eu, já sabendo do caso, respondi calmamente: – Mãe, isso é ataque
neoliberal. Querem privatizar a Universidade! Para isso precisam difamá-la primeiro.
Não é a primeira vez que isso ocorre no Brasil. Tiraram fotos tendenciosas de muros com
"picho", apelando para o moralismo e a indignação seletiva. A já questionável
criminalização do "picho" e o repúdio a tudo que representa o Estado, o público, tornam-se
mais uma corrente de whatsapp enviesada nesta disputa de discursos.
Minha mãe ficou aliviada. Não é a primeira vez que ela exclama: “Que privilégio ter você,
filha!”. Certamente ela se referia à oportunidade de ter por perto alguém que a provoque a
"enxergar além". A ver que uma simples corrente de whatsapp pode carregar uma série de
questões e interesses ocultos.
Sim, essa mesma mãe que já reviu seu posicionamento sobre política de drogas,
criminalização (moralista e simbólica) do aborto, seletividade da mídia, distribuição de
renda, meritocracia, sistema tributário. Todas essas reflexões, enfim, como frutos de
conversas atentas e abertas, em uma casa onde se valoriza uma formação crítica, que faz
enxergar "além das paredes pichadas" – expressão que pode ser deslocada para se referir
às primeiras impressões enviesadas por um senso comum acrítico, em diversos temas.
E isso não vem de hoje. A UFMG está em nossas vidas desde 1997. E esse vínculo é
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recheado de elementos e acontecimentos de difícil enumeração. As aulas de filosofia do
Centro Pedagógico, nas quais aprendi a questionar o que é a verdade; as olimpíadas de
matemática; a feira de ciência da UFMG Jovem; as aulas de língua a preço popular no
Cenex; o curso técnico nos laboratórios de excelência no Coltec; a alegria de ver todos os
colegas aprovados com facilidade no vestibular da UFMG; o curso de Direito diversas
vezes considerado o melhor do país; a oportunidade de participar de grupos de estudo; o
intercâmbio de graduação na Sorbonne (viabilizado pela UFMG, uma das universidades
com maior número de convênios deste tipo no Brasil); os colegas aprovados com
facilidade na OAB; o departamento de assistência jurídica gratuita para a população; a
clínica de direitos humanos; o Polos de Cidadania, programa transdisciplinar destinado à
efetivação de direitos humanos; colegas premiados em competições internacionais;
colegas aprovados em concursos das carreiras mais difíceis do país; colegas publicando
livros e artigos; apresentações em congressos, inclusive internacionais; professores
qualificados (aqui e no exterior) com produção acadêmica incomparável com qualquer
instituição privada; ex-alunos ocupando cargos de destaque em instituições brasileiras e
internacionais.
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pública. Sou apenas um grão de poeira nesse universo chamado UFMG e não me
considero porta-voz qualificada da sua grandiosidade
E se há, sim, alguns pontos a debater criticamente – falta de recursos para pesquisa, de
materiais nos laboratórios, de investimento para reformas e manutenção –, eles passam
longe daquela primeira impressão que uma corrente de whatsapp oportunista e
difamatória sugere. Uma corrente limitada a um par de fotos de paredes.
É necessário, afinal, enxergar tudo que vai além das paredes que contêm "picho": os
professores qualificados e comprometidos, os alunos, a produção do conhecimento, os
rankings de avaliação, a pluralidade de manifestações, o espaço de debates, o lamentável
corte de gastos do governo, a pressão do mercado, o anti-intelectualismo, a campanha
neoliberal de privatização dos serviços mais importantes do país, a PEC que congela os
gastos com educação por 20 anos.
Enfim, é impossível chegar ao fim deste texto sem parar para chorar algumas vezes. A
universidade é um espaço democrático, plural. É lugar de liberdade, de pensamento, de
expressão, de construção do conhecimento. Definitivamente não se resume a um par de
fotos de paredes!
E a Faculdade de Direito? Posso afirmar que ela não é uma fábrica remunerada de
diplomas. Nela se compreende que "Direito" não é um mero emaranhado de leis e códigos.
Nela se debate que direito tem mais a ver com política do que se imagina, que a lei nem
sempre é legítima e que democracia requer construção contínua. Nela são debatidas
questões afetas a gênero, a direitos de minorias, à (ir)racionalidade do judiciário, a direitos
humanos e à bioética. Muita reflexão crítica, pesquisa e produção diuturna de
conhecimento.
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