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Universidade Federal
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[Artigo] É preciso enxergar além das paredes…

Doutoranda da Faculdade de Direito escreve em defesa da


universidade: "Lugar de pensamento, de expressão, de
construção do conhecimento"
quinta-feira, 25 de outubro 2018, às 18h09 atualizado em sexta-feira, 26 de outubro 2018,
às 11h23

Fachada do prédio da Faculdade de Direito, na região central de Belo Horizonte Acervo


Amanda Bastos

Há poucos dias, a malfadada corrente de ataques à Faculdade de Direito da UFMG chegou


até a minha mãe. Aparentemente, alguém pretendia fazer troça daquela instituição, onde
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sua filha cursou a graduação, o mestrado e, hoje, faz doutorado. As fotos, que circularam
entre whatsapps de Belo Horizonte, mostravam as paredes “pichadas” da Faculdade de
Direito da UFMG. Nas mensagens, seus detratores referiam-se a ela como uma
“cracolândia” e classificavam o ensino público do Brasil como “anarquia total”.

Em resposta a esses ataques, a Faculdade já se manifestou por meio de diversos


professores e também pela atual Diretoria, que se comprometeu a revitalizar o espaço
conhecido como Território Livre. Ex-alunos se dispuseram a colaborar com a reforma do
espaço. Outros alunos empenharam-se nas redes sociais em demonstrar para a sociedade
a importância e a excelência da Faculdade de Direito da UFMG, entre os quais a autora
deste texto, que surgiu originalmente como um post no facebook.

Implicitamente, talvez aquela corrente de whatsapp representasse algum ataque ao viés


"esquerdista", "feminista", quem sabe "defensor de bandido" desta filha – pontos de vista
que vêm sendo tratados, hoje em dia, como predicados necessariamente pejorativos.

Explicitamente, representava um ataque ao bem público, ao Estado, à educação gratuita, à


sua face inclusiva – cotas para quê? –, à produção do conhecimento, aos professores e
aos alunos – não só desta, como de todas as universidades públicas do país. Tudo isso a
partir de sentença limitada a um par de fotos de paredes "pichadas".

Necessário recordar que o artigo 65, da Lei 9.60598, preconiza como crime ambiental
“pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”. Ocorre, contudo,
que há intensa discussão no que tange à configuração de “pixo” (termo preferido entre os
adeptos) como meio de desobediência civil e forma legítima de manifestação política e
artística. Seria, enfim, uma maneira de intervenção urbana ligada a movimentos de
resistência. Dois documentários, Pichar é humano e Pixoação, retratam bem esse universo
político-cultural.

O que não se via, porém, em tais ataques, era tudo aquilo que se encontra "além daquelas
paredes".

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Atividade acadêmica em sala da Faculdade de Direito Acervo Amanda Bastos

Felizmente, minha mãe não se acanhou. Levou para o lado pessoal. Disse que quem critica
tem ressentimento de o filho não ter, segundo ela, "competência para estar lá". E que ela
própria, se pudesse, teria o outro filho estudando na mesma instituição, já que gasta uma
nota para mantê-lo em escola particular, sem perceber tamanha qualidade no ensino. Ela
ligou indignada. Eu, já sabendo do caso, respondi calmamente: – Mãe, isso é ataque
neoliberal. Querem privatizar a Universidade! Para isso precisam difamá-la primeiro.

Não é a primeira vez que isso ocorre no Brasil. Tiraram fotos tendenciosas de muros com
"picho", apelando para o moralismo e a indignação seletiva. A já questionável
criminalização do "picho" e o repúdio a tudo que representa o Estado, o público, tornam-se
mais uma corrente de whatsapp enviesada nesta disputa de discursos.

Minha mãe ficou aliviada. Não é a primeira vez que ela exclama: “Que privilégio ter você,
filha!”. Certamente ela se referia à oportunidade de ter por perto alguém que a provoque a
"enxergar além". A ver que uma simples corrente de whatsapp pode carregar uma série de
questões e interesses ocultos.

Sim, essa mesma mãe que já reviu seu posicionamento sobre política de drogas,
criminalização (moralista e simbólica) do aborto, seletividade da mídia, distribuição de
renda, meritocracia, sistema tributário. Todas essas reflexões, enfim, como frutos de
conversas atentas e abertas, em uma casa onde se valoriza uma formação crítica, que faz
enxergar "além das paredes pichadas" – expressão que pode ser deslocada para se referir
às primeiras impressões enviesadas por um senso comum acrítico, em diversos temas.

E isso não vem de hoje. A UFMG está em nossas vidas desde 1997. E esse vínculo é
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recheado de elementos e acontecimentos de difícil enumeração. As aulas de filosofia do
Centro Pedagógico, nas quais aprendi a questionar o que é a verdade; as olimpíadas de
matemática; a feira de ciência da UFMG Jovem; as aulas de língua a preço popular no
Cenex; o curso técnico nos laboratórios de excelência no Coltec; a alegria de ver todos os
colegas aprovados com facilidade no vestibular da UFMG; o curso de Direito diversas
vezes considerado o melhor do país; a oportunidade de participar de grupos de estudo; o
intercâmbio de graduação na Sorbonne (viabilizado pela UFMG, uma das universidades
com maior número de convênios deste tipo no Brasil); os colegas aprovados com
facilidade na OAB; o departamento de assistência jurídica gratuita para a população; a
clínica de direitos humanos; o Polos de Cidadania, programa transdisciplinar destinado à
efetivação de direitos humanos; colegas premiados em competições internacionais;
colegas aprovados em concursos das carreiras mais difíceis do país; colegas publicando
livros e artigos; apresentações em congressos, inclusive internacionais; professores
qualificados (aqui e no exterior) com produção acadêmica incomparável com qualquer
instituição privada; ex-alunos ocupando cargos de destaque em instituições brasileiras e
internacionais.

Evento no principal auditório da Faculdade de Direito Acervo Amanda Bastos

É inegável o valor da universidade pública – e eu jamais poderia resumi-lo em um pequeno


artigo. Peço desculpas, inclusive, pela omissão de inúmeros projetos importantes. Este
texto originou-se de um mero desabafo nas redes sociais, em defesa da universidade

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pública. Sou apenas um grão de poeira nesse universo chamado UFMG e não me
considero porta-voz qualificada da sua grandiosidade

E se há, sim, alguns pontos a debater criticamente – falta de recursos para pesquisa, de
materiais nos laboratórios, de investimento para reformas e manutenção –, eles passam
longe daquela primeira impressão que uma corrente de whatsapp oportunista e
difamatória sugere. Uma corrente limitada a um par de fotos de paredes.

É necessário, afinal, enxergar tudo que vai além das paredes que contêm "picho": os
professores qualificados e comprometidos, os alunos, a produção do conhecimento, os
rankings de avaliação, a pluralidade de manifestações, o espaço de debates, o lamentável
corte de gastos do governo, a pressão do mercado, o anti-intelectualismo, a campanha
neoliberal de privatização dos serviços mais importantes do país, a PEC que congela os
gastos com educação por 20 anos.

Enfim, é impossível chegar ao fim deste texto sem parar para chorar algumas vezes. A
universidade é um espaço democrático, plural. É lugar de liberdade, de pensamento, de
expressão, de construção do conhecimento. Definitivamente não se resume a um par de
fotos de paredes!

E a Faculdade de Direito? Posso afirmar que ela não é uma fábrica remunerada de
diplomas. Nela se compreende que "Direito" não é um mero emaranhado de leis e códigos.
Nela se debate que direito tem mais a ver com política do que se imagina, que a lei nem
sempre é legítima e que democracia requer construção contínua. Nela são debatidas
questões afetas a gênero, a direitos de minorias, à (ir)racionalidade do judiciário, a direitos
humanos e à bioética. Muita reflexão crítica, pesquisa e produção diuturna de
conhecimento.

De lá de dentro, sabemos bem que a educação, enfim, transforma vidas. E vidas


transformam a sociedade, o mundo. A Paulo Freire atribuiu-se uma frase célebre: "Quando
a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor". Eu tive a sorte de ter
uma educação libertadora. Devo isso à UFMG.

Quanto a vocês que espalharam ou receberam esta campanha difamatória contra a


universidade pública, fica meu apelo: é preciso enxergar além das paredes...

Faculdade de Direito Artigo científico


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