You are on page 1of 16

JUSTIÇA

CURSO

NA SALA DE AULA
Gra
tuit
o!
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

PODER JUDICIÁRIO,
POLÍTICAS PÚBLICAS
E O DIREITO À SAÚDE
RÔMULO
GUILHERME LEITÃO

6
FASCÍCULO
Copyright © 2018 by Fundação Demócrito Rocha

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)


Presidência: João Dummar Neto
Direção Geral: Marcos Tardin

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)


Gerência pedagógica: Viviane Pereira
Coordenação geral: Ana Paula Costa Salmin

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA


Concepção e coordenação geral: Cliff Villar
Coordenação pedagógica: Ana Cristina Pacheco de Araújo Barros
Gerência de marketing e projetos: Ricardo Pinheiro
Coordenação adjunta: Rebeca Sabóia
Direção de marketing: Cliff Villar
Analista de marketing: Sarah Dummar
Estratégia e relacionamento: Adryana Joca e Alexandre Medina
Direção administrativa: Cecília Eurides
Gerência de produção: Gilvana Marques
Produção: Ana Luisa Duavy
Coordenação de conteúdo: Gustavo Brígido
Edição de design e projeto gráfico: Amaurício Cortez
Editoração eletrônica: Marisa Marques de Melo
Ilustrações: Rafael Limaverde
Revisão de texto: Jonas Viana
Catalogação na fonte: Edvander Pires

Este fascículo é parte integrante do “Curso Justiça na Sala de Aula –


Ferramentas Pedagógicas para Difusão e Promoção de Temas e Conteúdos
Sobre o Papel da Justiça no Ambiente Escolar, composto por 12 fascículos
oferecido pela Universidade Aberta do Nordeste (UANE), em decorrência do
contrato celebrado entre Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE) e a
Fundação Demócrito Rocha (FDR), sob o nº 40/2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Fundação Demócrito Rocha
Ficha catalográfica elaborada por:
Francisco Edvander Pires Santos (CRB-3/1212)

C984

Curso Justiça na Sala de Aula: ferramentas pedagógicas para difusão e promoção de temas e
conteúdos sobre o papel da justiça no ambiente escolar / Gerência pedagógica: Viviane Pereira;
coordenação de conteúdo: Gustavo Brígido; ilustrações: Rafael Limaverde. – Fortaleza: Fundação
Demócrito Rocha/Universidade Aberta do Nordeste, 2018.
192 p. : il. color.

Dividido em 12 fascículos.

Concepção, coordenação geral e direção de marketing: Cliff Villar.


Coordenação pedagógica: Ana Cristina Pacheco de Araújo Barros.
Gerência de marketing e projetos: Ricardo Pinheiro.
Coordenação adjunta: Rebeca Sabóia.

1. Direito. 2. Poder Judiciário. 3. Organização judiciária. 4. Tribunais. 5. Ministérios públicos.


6. Defensorias públicas. I. Pereira, Viviane. II. Brígido, Gustavo. III. Limaverde, Rafael. IV. Fundação
Demócrito Rocha. V. Universidade Aberta do Nordeste. VI. Título.

CDD 340
Todos os direitos desta edição reservados a:

Fundação Demócrito Rocha


Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora
Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará
Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271
fundacaodemocritorocha.com.br
fundacao@fdr.com.br
SUMÁRIO
1- Conceitos úteis .................................................................................................................................. 84
2- O direito fundamental à saúde ............................................................................................... 85
3- Judicialização na área da saúde ..............................................................................................87
3.1. As questões judiciais mais comuns .............................................................................87
3.2. A posição do Supremo Tribunal Federal................................................................. 89
3.3. A atuação do Conselho Nacional de Justiça ........................................................90
3.4. Os números da judicialização da saúde .................................................................. 91
3.5. Judicialização da saúde e o Poder Executivo ...................................................... 93
Síntese do Fascículo .......................................................................................................................... 95
Referências ............................................................................................................................................. 95
Perfil do Autor ........................................................................................................................................ 95

OBJETIVOS DO FASCÍCULO
• Este fascículo examina uma das questões que tem despertado mais aten-
ção da comunidade jurídica brasileira: o papel do Poder Judiciário na efe-
tivação das políticas públicas na área da saúde, tema denominado de judi-
cialização da saúde.
• Para uma correta abordagem do assunto, o esclarecimento da terminolo-
gia jurídica é essencial. Assim, a princípio, um tópico do texto é dedicado à
compreensão do significado de expressões como direitos fundamentais e
direitos sociais, políticas públicas e judicialização da saúde.
• No tópico seguinte será examinado o direito fundamental à saúde a partir
do resgate histórico das discussões e resultados da 8a Conferência Nacional
da Saúde (1986), que definiram os parâmetros postos na Constituição Fede-
ral de 1988, e na Lei que instituiu em 1990 o Sistema Único de Saúde (SUS).
Aquele debate continua atual principalmente nos dias de hoje em que o
Poder Judiciário tem intervido e tentado assumir protagonismo na efetiva-
ção das políticas públicas na área da saúde, mas encontrado resistências em
setores da advocacia pública e de profissionais das áreas de saúde.
• O texto segue com uma análise da atuação do Supremo Tribunal Federal
(STF) e da maioria dos tribunais e juízes brasileiros que tem entendimento
consolidado no sentido mais amplo da obrigação de o Estado concretizar
os direitos fundamentais, principalmente o direito à saúde, fato que tem
imposto um crescimento dos gastos da União Federal, Estados e Municí-
pios na busca de cumprir as decisões judiciais, para além dos investimen-
tos ordinários que cada ente da Federação já disponibiliza e executa em
seus orçamentos públicos anuais. Esse fenômeno pode ser denominado
de judicialização da saúde e será abordado da perspectiva da atuação do
Poder Judiciário, bem como a partir da visão do Poder Executivo, principal
executor das políticas públicas.
• A atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também será examina-
do nesta última parte do texto em razão do relevante papel que este órgão
tem desempenhado na busca de orientar e uniformizar procedimentos
de juízes no trato de questões judiciais envolvendo a saúde.
PARA
REFLETIR
Os direitos não nascem
todos de uma vez,
“nascem quando devem

1
ou podem nascer.
Nascem quando o
aumento do poder
do homem sobre o
homem cria novas
ameaças à liberdade do
indivíduo ou permite
CONCEITOS ÚTEIS
novos remédios para
Este tópico busca facilitar a
as suas indigências:
compreensão de algumas expres-
ameaças que são
sões que serão utilizadas neste vêm expressos no texto da Consti-
enfrentadas através de
fascículo, porque cada área do co- tuição e variam de país para país.
demandas de limitação
nhecimento tem um conjunto de Os direitos (e garantias) funda-
de poder; remédios
expressões técnicas e jargões que mentais postos no artigo 5o e em
que são providenciados
acabam por atrapalhar a compreen- outros artigos da Constituição Fe-
através da exigência de
são daqueles que não atuam ou não deral são divididos em capítulos,
que o mesmo poder
estão familiarizados com o denomi- sendo os mais relevantes para este
intervenha de modo
nado “juridiquês”; as pessoas enten- texto os direitos individuais e cole-
protetor” (Bobbio, 1992)
dem as palavras, mas não assimilam tivos e os direitos sociais, que serão
o significado no universo jurídico. tratados em seguida. Os direitos in-
dividuais e coletivos tem relação ao
Direitos Fundamentais: “é (ex- conceito de pessoa humana, tais
pressão) reservada aos direitos rela- como, o direito à vida, à igualdade,
cionados com posições básicas de à segurança, à honra, à liberdade e
pessoas, inscritos em diplomas nor- à propriedade.
mativos de cada Estado. São direi- Os direitos sociais, que tam-
tos que vigem numa ordem jurídica bém são direitos fundamentais,
concreta, sendo, por isso, garantidos consistem em prestações positivas
e limitados no espaço e no tempo, do Estado, ou seja, obrigações que
pois são assegurados na medida em devem ser providas pelo poder pú-
que cada Estado os consagra” (Go- blico nas áreas da educação, saúde,
net Branco, p. 234). Os direitos fun- trabalho e previdência social, lazer,
damentais (e os direitos humanos) segurança, proteção à maternidade,
são herdeiros da Declaração dos à infância e a assistência aos desam-
Direitos do Homem e do Cidadão e parados. Os direitos sociais estão
de seguidas e concretas realizações previstos no art. 6o. da Constituição
por meio de revoluções. Diferem os Federal e buscam garantir que as
direitos fundamentais dos direitos pessoas tenham acesso a serviços
humanos, porque estes possuem que garantam uma qualidade de
um caráter universal e atemporal, vida mínima.
aplicando-se a todas as pessoas, E o que são as políticas pú-
enquanto os direitos fundamentais blicas? A professora Maria Paula

84 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


dos como superpotência mundial, por conferências estaduais e reu-
livre para expandir a revisão judicial niu aproximadamente quatro mil
(judicial review) a sua zona de influ- pessoas em Brasília. As conclusões
ência, passando por uma melhor dessa conferência histórica serviram
estruturação das carreiras jurídicas de base para o texto constitucional
(mais juízes, mais defensores pú- que seria discutido e votado entre
blicos, fortalecimento do ministério os anos 1987 e 1988.
público, especialização de advoga- As principais metas da confe-
dos), o que acaba permitindo a to- rência foram: a) a saúde como di-
dos as pessoas um acesso à justiça reito de todos; b) reformulação do
mais universal e menos oneroso. Sistema Nacional de Saúde e c) fi-
No caso brasileiro, a discussão nanciamento do setor. No tema 01
Dallari Bucci ensina que é a coor- no âmbito de processos judiciais de – saúde como direito – ficou defini-
denação dos meios à disposição do assuntos relacionados à questões do que o “direito à saúde significa a
Estado, harmonizando as atividades de saúde é denominado de judicia- garantia, pelo Estado, de condições
estatais e privadas para a realização lização da sáude, que é a busca de dignas de vida e de acesso universal
de objetivos socialmente relevantes medicamentos, exames, cirurgias, e igualitário às ações e serviços de
e politicamente determinados, ou internações e tratamentos que as promoção, proteção e recuperação
de forma mais clara, as ações con- pessoas não conseguem obter pe- de saúde, em todos os seus níveis, a
cretas, materiais, desenvolvidas ou las vias normais (no posto de saúde todos os habitantes do território na-
levadas a cabo pelo próprio Poder ou hospitais públicos, por exemplo). cional, levando ao desenvolvimento
Público. Nos limites da discussão A demanda por decisões judiciais pleno do ser humano em sua indivi-
deste fascículo, a política pública na área da sáude tem crescido mui- dualidade” (Resolução n. 3 do Rela-
que interessa é da área da saúde, to na última década e por envolver tório Final).
ou seja, o conjunto de ações e pro- decisões dramáticas (fornecer ou As responsabilidades básicas
gramas desenvolvidos pelo poder não o medicamento; internar ou do Estado brasileiro quanto ao di-
público para garantir e concretizar não o paciente em um leito de UTI) reito à saúde foram postas na Reso-
o que está previso na Constituição o tema gera intensas discussões. lução n. 11: a) a adoção de políticas
Federal: atendimento em postos de sociais e econômicas que propi-

2
saúde e hospitais, campanhas de ciem melhores condições de vida,
vacinação, fornecimento de medi- sobretudo, para os segmentos mais
camentos, realização de cirurgias, carentes da população; b) defini-
campanhas educativas, etc. ção, financiamento e administração
O que é judicialização (da de um sistema de saúde de acesso
saúde)? A judicialização (da políti-
ca) “ocorre porque os tribunais são
O DIREITO universal e igualitário; c) operação
descentralizada de serviços de saú-
chamados a se pronunciar onde o FUNDAMENTAL de; d) normatização e controle das
ações de saúde desenvolvidas por
funcionamento do legislativo e do
executivo se mostra falhos, insufi- À SAÚDE qualquer agente público ou privado
cientes ou insatisfatórios. Sob tais de forma a garantir padrões de qua-
condições ocorre uma aproximação lidade adequados.
entre “Direito e Política” e, em vários O marco inicial da discussão O tema 2 da conferência – re-
casos, torna-se difícil distinguir en- sobre o direito à saúde previsto na fomulação do Sistema Nacional de
tre um “direito” e um “interesse polí- Constituição Federal e nas leis brasi- Saúde – lançou as bases do Sistema
tico” (Castro, 1997). É a judicialização leiras, por razões didáticas, será o re- Único de Saúde (SUS), e lê-se na
um fenômeno mundial que tem sultado da 8a Conferência Nacional Resolução 01: “A reestruturação do
relação com causas bem genéricas de Saúde realizada em 1986, a pri- Sistema Nacional de Saúde deve re-
que vão do poder dos Estados Uni- meira do gênero que contou com a sultar de um Sistema Único de Saú-
participação popular, foi precedida de que efetivamente represente a

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 85


construção de um novo arcabouço Tratando-se o direito à saúde
institucional separando totalmen- de um direito de todos não pode ser
te a saúde de previdência, através entendido apenas como uma de-
de uma ampla Reforma Sanitária”. claração de boa vontade da Cons-
E mais adiante na Resolução 03: tituição, mas também não deve ser
“O novo Sistema Nacional de Saú- instrumento de realização de inte-
de deverá reger-se pelos seguintes resses individuais, totalmente des-
princípios: a) descentralização na conectado com a realidade em que
gestão dos serviços; b) integraliza- se vive. Essas duas balizas – não é
ção das ações, superando a dico- um direito decorativo, mas também
tomia preventivo-curativo; c) re- não deve servir para garantir direitos
gionalização e hierarquização das individuais -, tem gerado um impas-
unidades prestadoras de serviços; c) se em relação à efetivação (concre- garantir que a saúde é um direito
participação da população, através tização) desse direito. de todos e dever do Estado (nas três
de suas entidades representativas, De um lado os agentes do po- esferas: federal, estadual e munici-
na formulação da política, no plane- deres executivos (prefeitos, secre- pal), explica que este direito deve
jamento, na gestão, na execução e tários de saúde, governadores, mi- ser garantido através de políticas
na avaliação das ações de sáude; d) nistros) reclamando das limitações sociais e econômicas que busquem
fortalecimento do papel do Municí- orçamentárias e financeiras que reduzir o risco de doença e garan-
pio; e) universalização em relação à não permitem concretizar o direito tir o acesso universal e igualitário às
cobertura populacional a começar à saúde como ele deveria ser con- ações e serviços para sua promoção,
pelas áreas carentes ou totalmen- cretizado; de outro lado o Poder Ju- proteção e recuperação. No plano
te desassistidas; f) atendimento de diciário dando interpretação ampla infraconstitucional (abaixo da Cons-
qualidade compatível com o está- à obrigação dos governos em ga- tituição), a Lei Federal n. 8.080, de
gio de desenvolvimento do conhe- rantir o direito à saúde, seja custe- 19 de setembro de 1990 (Lei do SUS,
cimento e com recursos disponíveis; ando medicamentos, ou realizando que é o Sistema Único de Saúde) é
g) composição multiprofissional das cirurgias e garantindo a internação o instrumento legal que organiza o
equipes, considerando as necessi- de pacientes em leitos de UTI. sistema de saúde pública.
dades da demanda de atendimen- Voltando ao direito à saúde, o De acordo com a legislação, as
to de cada região e em consonância art. 196 da Constituição, depois de ações e serviços de saúde executa-
com os critérios estabelecidos pelos
padrões mínimos de cobertura as-
sistencial.
O relatório final da 8a. Confe-
rência Nacional de Saúde indica a
origem coletiva do direito à saúde
e que se transformou no art. 196 da
Constituição Federal com a seguin-
te redação:
Art. 196. A saúde é direito
de todos e dever do Estado,
garantido mediante políti-
cas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e
ao acesso universal e iguali-
tário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e re-
cuperação.

86 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


braço do Estado responsável pri-
mordiamente pela implementação
das políticas públicas. O exame das
questões mais comuns submetidas
ao conhecimento do Poder Judici- VOCÊ SABIA?
ário cearense será dividido em três
partes: fornecimento de medica-
A 8ª Conferência
mentos, busca de vagas para aten-
Nacional da Saúde,
dimentos de emergência e inter-
realizada em março
nações para fins de realização de
de 1986, é considerada
cirurgias (eletivas ou emergenciais).
um marco na história
Um outro ator importante nes-
das conferências. Foi a
ta equação tão difícil é o Conselho
primeira Conferência
dos pelo SUS serão organizados de Nacional de Justiça (CNJ), órgão
Nacional da Saúde
forma regionalizada e hierarquizada que busca aperfeiçoar o trabalho
aberta à sociedade e
em níveis de complexidade cres- do sistema judiciário brasileiro e
resultou na implantação
centes, envolvendo, no âmbito da tem produzido relevante material
do Sistema Unificado
União, o Ministério da Saúde, nos de orientação e difusão de encon-
e Descentralizado
âmbitos estaduais e do Distrito Fe- tros entre as principais autoridades
de Saúde (SUDS),
deral, as Secretarias de Saúde Esta- do assunto, além de produzir dados
um convênio entre o
duais e distrital e no âmbito muni- estatísticos que tem servido de guia
INAMPS e os governos
cipal, as Secretarias Municipais de para a comunidade jurídica brasilei-
estaduais, mas o mais
Saúde, cada esfera com atribuições ra na busca de aperfeiçoar os meca-
importante foi ter
próprias que são definidas em lei. nismos de gestão judiciária.
formado as bases para
A questão mais importante so-
a seção “Da Saúde” da
bre o direito fundamental à saúde
Constituição Brasileira
é saber como esse direitos estão se 3.1. AS QUESTÕES de 5 de outubro de
tornando realidade e quais meca- JUDICIAIS MAIS COMUNS 1988. Além disso
nismos as pessoas estão utilizando
desempenhou um
para obrigar o Estado a cumprir suas A atuação do Poder Judiciário importante papel
atribuições. Discutiremos a seguir. na busca da efetivação das políti- na propagação do

3
cas de saúde é denominado de ju- movimento da Reforma
dicialização da saúde e as disputas Sanitária (Mobiliza
judiciais mais corriqueiras são as Saúde).
seguintes: a) fornecimento de me-
dicamentos e insumos; b) busca de
vagas hospitalares para atendimen-
A JUDICIALIZAÇÃO to de emergência (UTI) e c) interna-
ções para fins de realização de ci-
DA SAÚDE rurgias (eletivas ou emergenciais) e
outros tratamentos.
A demanda por bens e servi-
Este tópico é o núcleo da dis- ços relacionados com as políticas
cussão e abordará a questão da de saúde é uma realidade em to-
judicialização da saúde a partir de dos os centros urbanos brasileiros e
duas perspectivas: a do papel do tem se agravado nos últimos anos
Poder Judiciário na efetivação de a quantidade de ações judiciais e o
políticas públicas na área da saúde amplitude das decisões judiciais. No
e a perspectiva do Poder Executivo, Ceará as açoes judiciais são iniciadas

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 87


em geral pelas Defensorias Públicas nadas pela Defensoria Pública (Es-
(estadual e federal), que na última tadual ou Federal) e a concessão de
década obtiveram melhor estrutu- antecipação de tutela e julgamento
ra física e recursos humanos mais procedente é regra geral, tomando
qualificados e o Ministério Público, por base o entendimento firmado
com atuação mais localizada em no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
ações para fornecimento de insu- de que “o tratamento médico ade-
mos e alimentações especiais. Na quado aos necessitados se insere
realidade cearense o patrocínio de no rol dos deveres do Estado, sendo
causas na área da judicialização da responsabilidade solidária dos en-
saúde por advogados particulares tes federados, podendo figurar no
ainda é bem inferior à atuação de pólo passivo qualquer um deles em
instituições públicas. conjunto ou isoladamente” (Recur- (estadual e municipal) e buscam
A questão em torno de medi- so Extraordinário n. 855178) maximizar as vagas disponíveis. O
camentos não é recente, remonta à Um segundo grupo de ações trabalho dos médicos reguladores
década de 1990, mas naquele mo- busca vagas hospitalares em Uni- consiste em avaliar a situação clíni-
mento a discussão era limitada a dade de Terapia Intensiva (UTI) para ca do paciente em conjunto com o
demandas que envolviam o forneci- internação de pacientes em estado outro profissional médico que o en-
mento de anti-retrovirais, para trata- grave. Esse tipo de ação tem nature- caminhou a partir de critérios técni-
mento de AIDS, em que os usuários, za dramática porque a demora em cos e níveis de prioridade.
demonstrando poder de organiza- localização de vagas disponíveis ou O papel dos profissionais mé-
ção e pressão, representavam em a inexistência de vagas, em geral, dicos na judicialização da saúde é
1998, a quase totalidade das ações leva o paciente a óbito, o que acaba central e delicado, na medida em
judiciais tramitando no Estado do por gerar uma nova ação judicial em que é a partir de uma prescrição
Rio de Janeiro evolvendo o tema. busca de indenização pela inexis- médica do fármaco, ou a indicação
Esta realidade acabou por deflagrar tência da vaga. No âmbito local essa para cirurgia ou a internação em
uma atuação do governo federal no demanda por vagas é administrada leito de UTI que todo o processo é
sentido de suprir a demanda ad- por órgãos centrais de regulação deflagrado. O juiz ao apreciar um
ministrativamente e ver reduzido o que localizam vagas e encaminham pedido de providências na área da
percentual de ações judiciais, tendo os pacientes para a internação saúde observa um laudo ou relató-
em vista que o SUS incorporou os rio médico; o defensor público
medicamentos. ou promotor de justiça ajuiza a
Nos dias de hoje, princi- ação com base no mesmo do-
palmente na Capital do Es- cumento; as perícias eventual-
tado que concentra a maio- mente realizadas contam com
ra dos processos judiciais, o a participação de médicos. Não
fornecimento de medica- cabe nos limites deste texto en-
mentos tem grande reper- veredar para essa discussão,
cussão e impacto, tendo em mas há por parte dos profis-
vista os custos individuais sionais um dever de buscar o
que se multiplicam em razão melhor tratatamento clínico,
do grande número de demandas. cirúrgico ou medicamentoso, e o
O fornecimento de fármacos on- paciente que não tem recursos ou
cológicos, insulinas, dietas protéi- planos de saúde privados acabam
cas e outros medicamentos para por buscar o Poder Judiciário para
combate de uma extensa gama de obter o tratamento médico ade-
doenças têm mantido um padrão quado.
bem peculiar: as ações são indivi- Um último grupo de ações judi-
duais (não mais coletivas), patroci- ciais que induzem a uma ativa parti-

88 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


nal que tem a última palavra em obrigatoriedade de internação de
qualquer decisão judicial que che- paciente em leito de UTI/CTI, o STF
gue ao seu conhecimento. decidiu que a ausência de vaga em
O acórdão (decisão coletiva de UTI de hospital público obriga o Po-
um tribunal) relatado pelo ministro der Público a custear, em hospital
Celso de Melo no Recurso Extraordi- privado, a internação do paciente
nário nº 271.286 (Rio Grande do Sul), que for hipossuficiente2.
em 2000, é o precedente célebre e Atualmente, aguarda-se do Ple-
ponto de partida na consolidação nário do STF a definição sobre um
do entendimento acerca da apli- assunto que tem grande impacto
cabilidade imediata do artigo 196 financeiro e orçamentário, que é a
da Constituição Federal. Ou seja, é obrigatoriedade do fornecimen-
cipação do Poder Judiciário trata da
uma das decisões que influencia- to de medicamentos de alto custo
busca por cirurgias eletivas em hos-
ram diretamente o Poder Judiciário não disponíveis na lista do SUS e de
pitais terciários, ou até mesmo a re-
no sentido de dar ampla interpre- medicamentos não registrados na
alização de exames específicos (to-
tação ao artigo da Constituição que Agência Nacional de Vigilância Sa-
mografias, ressonâncias). Em razão
assegura o direito à saúde. Nesse re- nitária (Anvisa). Os dois recursos que
da crescente demanda por cirurgias
curso, é dito que “o direito público tratam dessa matéria (RE 566471
em grandes centros urbanos, há fi-
subjetivo à saúde representa prer- e RE 657718, que tramitam desde
las de espera com centenas de pes-
rogativa jurídica indisponível asse- 2007 e 2011, serão julgados em con-
soas aguardando por longos perío-
gurada à generalidade das pessoas junto) já receberam votos dos mi-
dos de tempo (anos, até). As ações
pela própria Constituição da Repú- nistros Marco Aurélio, Luis Roberto
dessa natureza, quando concedi-
blica (art. 196). Traduz bem jurídico
das, acabam criando uma distor-
constitucionalmente tutelado, por
ção, na medida em que pacientes Fundamental nº 45/RS. Brasília-DF, 04 de
cuja integridade deve velar, de ma- maio de 2004.
com menor gravidade podem são
neira responsável, o Poder Público, a
atendidos em detrimento de outros 2 Supremo Tribunal Federal. ARE
quem incumbe formular – e imple-
casos de pessoas que não ajuizaram 867.023/RJ, Rel. Min.º Celso de Mello,
mentar – políticas sociais e econô-
demandas judiciais, mas ações judi- Diário da Justiça, 02 de maio de 2015.
micas idôneas que visem a garan-
ciais determinando ao poder públi-
tir, aos cidadãos, inclusive, àqueles
co que organizem as filas de espera
portadores do vírus HIV, o acesso
por cirurgias têm se tornado mais
universal e igualitário à assistência
comum nos dias de hoje.
farmacêutica e médico-hospitalar”
(Celso de Melo).
O STF também reconheceu
3.2. A POSIÇÃO DO que o Poder Judiciário pode in-
SUPREMO TRIBUNAL tervir em temas de efetivação
FEDERAL de políticas públicas para pre-
servar o mínimo existencial a
O Supremo Tribunal Federal é qualquer pessoa que busque
o guardião da Constituição Federal a tutela jurisdicional, ou seja, é
e o órgão de cúpula do Poder Judi- possível a intervenção para as-
ciário brasileiro. As decisões dos mi- segurar os direitos relacionados
nistros que compõem essa corte de às necessidades que garantam
justiça servem de parâmetro para uma qualidade de vida mínima
todos os demais tribunais e juízes. e com dignidade1. Em relação à
As questões relacionadas ao direito
à saúde são discutidas neste tribu- 1 Supremo Tribunal Federal. Ar-
guição de Descumprimento de Preceito

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 89


Barroso e Edson Fachin, mas não há um modelo que é a relação nacio-
previsão de conclusão. nal de medicamentos e um órgão
Até o momento, o ministro técnico que estuda quais medica-
Marco Aurélio entendeu que o re- mentos podem entrar na lista e
conhecimento “do direito individu- sugerir a incorporação ao sistema.
al ao fornecimento, pelo Estado, de O voto ainda reconhece que “não
medicamento de alto custo, não há sistema de saúde que possa re- 3.3. A ATUAÇÃO DO
incluído em Política Nacional de sistir a um modelo em que todos CONSELHO NACIONAL
Medicamentos ou em Programa de os remédios, independentemente DE JUSTIÇA
Medicamentos de Dispensação em de seu custo e impacto financeiro,
Caráter Excepcional, constante de devam ser oferecidos pelo Estado O Conselho Nacional de Justi-
rol dos aprovados, depende da de- a todas as pessoas”3. ça (CNJ) é uma instituição pública
monstração da imprescindibilida- O terceiro voto tornado público, que visa aperfeiçoar o trabalho do
de – adequação e necessidade –, da do ministro Edson Fachin, conside- sistema judiciário brasileiro, prin-
impossibilidade de substituição do rou que há direito subjetivo às políti- cipalmente no que diz respeito ao
fármaco, da incapacidade financei- cas públicas de assistência à saúde, controle e à transparência adminis-
ra do enfermo e da falta de espon- configurando-se violação a direito trativa e processual5. O órgão foi cria-
taneidade dos membros da família individual líquido e certo a sua omis- do pela Emenda Constitucional nº
solidária em custeá-lo”. são ou falha na prestação, quando 45, de 2004, tem sede em Brasília/
O ministro Luis Roberto Barro- injustificada a demora em sua im- DF e é composto por quinze mem-
so, por sua vez, entende que o “o plementação. De acordo com ele, bros, dentre eles, o Presidente do
Poder Judiciário não é a instância “as tutelas de implementação (con- Supremo Tribunal Federal, ministros
adequada para a definição de po- denatórias) de dispensa de medica- dos tribunais superiores, desembar-
líticas públicas de saúde”, devendo mento ou tratamento ainda não in- gadores, juízes, membros do Minis-
intervir apenas em situações extre- corporado à rede pública devem ser tério Público, advogados e cidadãos.
mas, tendo em vista que já existe – preferencialmente – pleiteadas em Em razão do “elevado número
ações coletivas ou coletivizáveis, de e da ampla diversidade dos litígios
forma a se conferir máxima eficácia referentes ao direito à saúde, bem
ao comando de universalidade que como o forte impacto dos dispên-
rege o direito à saúde”4. dios decorrentes sobre os orçamen-
O julgamento dessa questão tos públicos”, e a partir dos resulta-
no STF é aguardado com muita dos coletados na audiência pública
atenção pela comunidade jurídica nº 04, realizada no STF para deba-
(juízes, promotores, procuradores, ter questões relativas às demandas
advogados) e pelos interessados di- judiciais que objetivam prestações
retos, as diversas associações que de saúde, foi instituído em 2010 o
congregam pacientes que preci- Fórum Nacional do Judiciário para
sam de medicamentos de alto cus- monitoramento e resolução das de-
to ou experimentais. mandas de assistência à saúde6.

3 Supremo Tribunal Federal. Notí-


cias STF, 28 de setembro de 2016. 5 www.cnj.jus.br

4 Supremo Tribunal Federal. Notí- 6 Resolução nº 107 de 06 de abril de


cias STF, 28 de setembro de 2016. 2010 do Conselho Nacional de Justiça.

90 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


Enunciado nº 06: A determinação não constante das políticas públicas
judicial de fornecimento de do Sistema Único de Saúde.
fármacos deve evitar os medicamen-
tos ainda não registrados na Anvisa, Enunciado nº 17: Na composição
ou em fase experimental, ressalva- dos Núcleos de Assessoramento
das as exceções expressamente pre- Técnico (NAT’s), será franqueada a
vistas em lei. participação de profissionais dos
Serviços de Saúde dos Municípios.
Enunciado nº 08: Nas condenações Ao todo são sessenta e oito
judiciais sobre ações e serviços de enunciados que buscam orientar e
saúde, devem ser observadas, quan- uniformizar as decisões dos órgãos
O Fórum Nacional tem atri- do possível, as regras administrativas e juízes brasileiros. Os enunciados
buições (art. 2ª da Resolução nº de repartição de competência entre não têm força de lei, não obrigam
107/2010) variadas: monitoramento os gestores. o magistrado a segui-lo, mas é um
das ações judiciais que envolvam indicativo do esforço do CNJ no sen-
prestações de assistência à saúde, Enunciado nº 11: Nos casos em que tido de garantir uma boa prestação
como o fornecimento de medica- o pedido em ação judicial seja de jurisdicional, ou seja, boas decisões
mentos, produtos ou insumos em medicamento, produto ou procedi- judiciais em casos semelhantes.
geral, tratamentos e disponibiliza- mento já previsto nas listas oficiais
ção de leitos hospitalares; o moni- do SUS ou em Protocolos Clínicos
toramento das ações judiciais rela- e Diretrizes Terapêuticas (PDCT), re- 3.4. OS NÚMEROS
tivas ao Sistema Único de Saúde; a comenda-se que seja determinada
proposição de medidas concretas e
DA JUDICIALIZAÇÃO
pelo Poder Judiciário a inclusão do
normativas voltadas à otimização de demandante em serviço ou progra-
DA SAÚDE
rotinas processuais, à organização e ma já existentes no Sistema Único
estruturação de unidades judiciárias O levantamento de dados sobre
de Saúde (SUS), para fins de acom-
especializadas; até a proposição de processos judiciais que tramitam no
panhamento e controle clínico.
medidas concretas e normativas vol- Brasil na área da saúde permite uma
tadas à prevenção de conflitos judi- compreensão sobre a gravidade da
Enunciado nº 12: A inefetividade do
ciais e à definição de estratégias nas questão. Desde o ano 2004, o CNJ
tratamento oferecido pelo SUS, no
questões de direito sanitário. vem publicando anualmente o Re-
caso concreto, deve ser demonstra-
Ao longo desses oito anos de latório Justiça em Números, que é a
da por relatório médico que a in-
funcionamento, o fórum sobre a principal fonte das estatísticas oficiais
dique e descreva as normas éticas,
Saúde produziu um grande nú- do Poder Judiciário. O levantamento
sanitárias, farmacológicas (princípio
mero de resoluções, portarias, re- divulga detalhadamente a realidade
ativo segundo a Denominação Co-
comendações, análises técnicas e dos tribunais brasileiros e aponta in-
mum Brasileira) e que estabeleça o
roteiros para monitoramento das dicadores e análises para subsidiar a
diagnóstico da doença (Classificação
ações relativas à saúde no âmbito gestão judiciária brasileira.
Internacional de Doenças), trata-
do Poder Judiciário brasileiro. Nes- Do relatório 20177, apresentado
mento e periodicidade, medica-
se período, realizou, ainda, diversos pela ministra Carmen Lúcia, presi-
mentos, doses e fazendo referência
eventos, inclusive audiências públi- dente do STF e do CNJ, é interessan-
ainda sobre a situação do registro
cas, a primeira e segunda Jornada te colher alguns trechos:
na Anvisa (Agência Nacional de
de Direito da Saúde e o 4º Con- Vigilância Sanitária).
gresso Brasileiro Médico e Jurídico.
A aprovação de enunciados tem Enunciado nº 14: Caso não compro-
caracterizado a atuação do Fórum vada a inefetividade ou improprieda-
7 Disponível em http://www.cnj.
Nacional e guiado a atuação de tri- de dos medicamentos e tratamen- jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/
bunais e de juízes. Abaixo, alguns tos fornecidos pela rede pública de b60a659e5d5cb79337945c1d-
enunciados relevantes: saúde, deve ser indeferido o pedido d137496c.pdf

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 91


A importância deste O juiz federal Clenio Jair Schulze,
Relatório é reconhecida pela que foi auxiliar da presidência do CNJ
sequência administrativa entre 2013 e 2014, a partir dos dados
própria do Poder Público e deste último relatório (2017, ano base
pela consequência social que 2016) elaborou um relatório especí-
a gestão responsável impõe. fico com dados referentes apenas à
Sem a ciência dos dados judicialização da saúde e chegou ao
apurados e apresentados no impressionante número de 1.346.931
Relatório Justiça em Números, processos tramitando perante o Po-
a efetividade da prestação dos der Judiciário até o dia 21/12/2016. O
serviços judiciais seria fruto de quadro abaixo permite examinar os
escolhas aleatórias e a legiti- números por tipos de processos:
midade das opções não seria
atingida.
A eficiência do serviço
prestado pelo Judiciário RELATÓRIO JUSTIÇA EM NÚMEROS 2017
é exigência do cidadão e QUANTIDADE
obrigação do Estado. A socie- TIPOS DE PROCESSOS
DE PROCESSOS
dade se transformou e não
quer qualquer instituição ou Saúde (direito administrativo e outras 103.907
órgão desconhecido do Poder matérias de direito público)
Público. Fornecimento de medicamentos – SUS 312.147
E mais:
Tratamento médico-hospitalar – SUS 98.579
Não há milagre no
serviço público. Não é permi- Tratamento Médico hospitalar e/ou 214.947
tida, também, a indolência fornecimento de medicamentos – SUS
de conhecimento para que Assistência à Saúde 28.097
se propiciem as melhorias
reclamadas, legitimamen- Ressarcimento ao SUS 3.489
te, pela sociedade. O Justiça Reajuste da tabela do SUS 2.439
em Números 2017 responde
Convênio médico com o SUS 1.037
a esta exigência de conheci-
mento para que não se viva Repasse de verbas do SUS 786
de crença milagreira. Por Terceirização do SUS 676
igual, oferece dados para que
se vença o desânimo diante Planos de saúde (direito do consumidor) 427.267
de problemas que não são Serviços hospitalares – Consumidor 23.725
pequenos. Inova pela maior
Planos de saúde (benefício trabalhista) 56.105
densidade e especificida-
de dos dados, pela maestria Doação e transplante órgãos/tecidos 597
com que o Departamento Saúde mental 4.612
de Pesquisas Judiciárias do
Conselho Nacional de Justiça Controle social e Conselhos de saúde 2.008
esquadrinhou os elementos Hospitais e outras unidades de saúde 8.774
obtidos e os examinou. (Mi-
Erro médico 57.739
nistra Carmen Lúcia do STF e
do CNJ). TOTAL 1346931

92 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


VOCÊ SABIA?
As primeiras ações judiciais
que buscavam obrigar o
Poder Público a custear
medicamentos surgiram
3.5. JUDICIALIZAÇÃO na década de 1990 e os
DA SAÚDE E O PODER retrovirais para tratamendo
EXECUTIVO de AIDS representavam
a quase totalidade dos
Os números incluem todo tipo É responsabilidade do Poder processos.
de processo judicial, inclusive con- Executivo a efetivação das políticas
tra planos de saúde privados e em públicas de saúde por meio dos ór- O número de decisões
razão de erros médicos, que não gão integrantes da rede pública de judiciais determinando a
tem relação direta com o tema dis- sáude (secretarias de saúde, hospi- internação de pacientes
cutido neste fascículo, mas é possí- tais, postos de saúde, laboratórios, em leitos de UTI na cidade
vel reconhecer que existe uma forte farmácias, etc). A manutenção dos de Fortaleza passou de 75
judicialização da saúde brasileira, e equipamentos de saúde, a contrata- liminares em 2013 para 247
que vem crescendo ano a ano. Ape- ção e o pagamento de médicos, en- decisões em 2014; 407 em
nas a título comparativo, processos fermeiros, dentistas, fisioterapêutas e 2015; 740 em 2016 e chegou
judiciais que buscam o fornecimen- outros profissionais da área, a aquisi- a 771 liminares em 2017.
to de medicamento pelo SUS, a de- ção e a distribuição de medicamen-
manda cresceu de 200.090 proces- tos, o planejamento e a realização O Conselho Nacional
sos em 2016 para 312.147 processos de programas de vacinação, a cons- de Justiça – CNJ é uma
em 2017, um aumento de 56%; em trução de hospitais, a contratação de instituição pública que visa
relação a tratamento médico hospi- fornecedores, a realização de convê- aperfeiçoar o trabalho do
talar e/ou fornecimento de medica- nios com outros prestadores de servi- sistema judiciário brasileiro,
mentos, o crescimento é de 42%. ços de saúde, tudo que for necessário principalmente no que diz
O aumento do número de para cuidar da saúde das pessoas é respeito ao controle e à
ações judiciais tem impacto em vá- atribuição do Poder Executivo. transparência administrativa
rios setores da Administração Públi- A prestação desse serviço pú- e processual . O órgão
ca, inclusive no Poder Judiciário que blico, apesar dos avanços alcança- foi criado pela Emenda
precisa dar conta de um grande vo- dos após a Constituição de 1988 e Constitucional n. 45, de
lume de processos que diariamen- da instituição de um sistema único 2004, tem sede em Brasília/
te são distribuídos entre os juízes e em 1990, ainda possui fragilidades DF e é composto por quinze
tribunais, mas a perspectiva do Po- e gargalhos, enfrenta subfinancia- membros, dentre eles, o
der Executivo, que tem a função pri- mento, má administração e outros Presidente do Supremo
mordial de executar políticas públi- problemas que qualquer pessoa Tribunal Federal, ministros
cas, também deve ser examinada, que tenha lidado ou necessitado dos tribunais superiores,
haja vista os fortes impactos que a do serviço de saúde pública tem desembargadores, juízes,
judicialização da saúde tem trazido conhecimento; não é o escopo des- membros do Ministério
para a União Federal, Estados e mu- te fascículo tratar dessa questão de Público, advogados e
nicípios brasileiros. forma ampla. cidadãos.

CURSO JUSTIÇA NA SALA DE AULA 93


A questão posta neste item é cial pode “tirar-lhe a vez”, gerando a
tentar mostrar a perspectiva do Po- judicialização mais judicialização.
der Executivo no trato da questão A questão da imprevisibilida-
da saúde judicializada, que diaria- de do que pode vir a ser pedido (e
mente é notificado para fornecer deferido) em um processo judicial,
um medicamento, custear um tra- seja o medicamento, o insumo ou a
tamento, prover uma vaga de lei- cirurgia é uma das principais quei-
to de UTI ou realizar uma cirurgia xas dos secretários de saúde que
emergencial. Nas considerações fi- têm que lidar com um orçamento
nais do Relatório Justiça Pesquisa inferior às necessidades se já não
– Judicialização da Saúde no Brasil existisse a judicialização da sáude.
(2015), análise do CNJ, é possível ler Um outro aspecto que causa
que “a progressiva influência que preocupação principalmente no
o Judiciário exerce nas políticas âmbito dos municípios brasileiros
públicas de saúde não o isenta de é o entendimento da solidarie-
contradições e desafios, além de dade passiva na judicialização da
trazer um debate sobre quais são os saúde, que significa a possibilidade se for demandado judicialmente.
limites e possibilidades do CNJ em do autor da ação poder escolher O resultado pode gerar (e tem ge-
contribuir para a efetivação desse qualquer entre público (União, Es- rado) distorções como a que exige
direito. De fato, qualquer interven- tados e Municípios) para exigir o de pequenos municípios o custeio
ção judicial que seja mais contínua medicamento de que necessita. A de tratamentos milionários, quando
e perene pode influenciar decisiva- lei do SUS divide as atribuições de o financiamento caberia à União ou
mente o rumo das políticas públi- cada esfera de governo, mas o STF Estados-membros. Enfim, se a ju-
cas do ponto de vista do orçamen- entende que qualquer um dos en- dicialização tem gerado muita dis-
to, planejamento, gestão, riscos etc., tes deve prover o serviço ou bem cussão é porque existe duas visões
e com a saúde não é diferente”. sobre a matéria.
Trazendo as contradições e de- A questão em torno de medi-
safios do relatório do CNJ para a re- camentos não é recente, remonta à
alidade local, a decisão judicial que década de 1990, mas naquele mo-
determina a aquisição e entrega mento a discussão era limitada a
ao paciente de um medica- demandas que envolviam o for-
mento de baixo ou alto custo necimento de anti-retrovirais,
muitas vezes obriga o poder para tratamento de AIDS, em
público a adquirir o fármaco que os usuários, demons-
por um preço superior ao trando poder de organiza-
de uma compra centrali- ção e pressão, represen-
zada e planejada; a deter- tavam em 1998, a quase
minação para realizar uma totalidade das ações judi-
cirurgia eletiva “indepen- ciais tramitando no Estado
dentemente da fila de es- do Rio de Janeiro evolven-
pera”, cria uma situação de do o tema. Esta realidade
apreensão entre os demais acabou por deflagrar uma
pacientes que aguardam a atuação do governo federal
sua vez de ser operado. Em no sentido de suprir a de-
muitos casos, os pacientes manda administrativamente
que aguardam o tratamento e ver reduzido o percentual
buscam o Poder Judiciário para de ações judiciais, tendo em
garantir seu atendimento exata- vista que o SUS incorporou os
mente porque uma decisão judi- medicamentos.

94 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


PERFIL
SÍNTESE DO DO AUTOR
FASCÍCULO
A efetivação do direito fundamental à saúde é Rômulo
um tema polêmico que envolve diversos aspectos da Guilherme Leitão
atuação do Estado brasileiro. Não existe fórmula sim-
plista porque envolve necessidades de milhões de O autor é doutor em Direito Consti-
brasileiros e demanda recursos na ordem de bilhões tucional, professor do Programa de
de reais. Mestrado e Doutorado e do Mestra-
O desafio de compatibilizar a gênese do modelo do Profissional em Direito e Gestão
de saúde pública idealizado na Oitava Conferência de Conflitos da Universidade de
da Saúde (1986), de um gestão de serviços integral, Fortaleza – UNIFOR e Procurador
regionalizado, hierarquizado em unidade presta- do Município de Fortaleza.
doras de serviços com efetiva participação popular,
convive atualmente com uma aumento da deman-
da judicial por atendimentos de saúde de forma in-
dividualizada, em que cada pessoa busca a proteção
judicial porque se ressente ou não tem acesso a uma
saúde de qualidade.
O Poder Judiciário, a partir do entendimento do REFERÊNCIAS
Supremo Tribunal Federal (STF) deu ampla interpre-
tação à cláusula do art. 196 da Constituição Federal,
que consagrou a fórmula “saúde é direito de todos BOBBIO, Norberto. A Era dos Direi-
e dever do Estado”, mas os modos de atingir e tor- tos.Trad. Carlos Coutinho. Rio de Ja-
nar realidade a promessa que não é vã ou meramen- neiro: Campos, 1992.
te decorativa, exige esforços cotidianos de todos os BUCCI, Maria Paula Dallari. As polí-
agentes públicos que lidam com a matéria. ticas públicas e o direito adminis-
Há desafios sobre a concepção do direito à saú- trativo. Revista Trimestral de Direito
de; há desafios orçamentários e institucionais de Público 13:135/6, 1996
como as políticas públicas devam ser implementa- CASTRO, Marcos Faro. O Supremo
das; há pressões de setores da iniciativa privada e da Tribunal Federal e a judicialização
sociedade por incorporações de novos medicamen- da política. Revista Brasileira de Ci-
tos; há desinformação e desilusões, mas por outro ências Sociais, São Paulo n. 34, 1997.
lado, a busca por aperfeiçoar mecanismos que tor-
nem efetivo a dignidade da pessoa humana, funda- SARLET, Ingo Wolfgang e TIMM, Lu-
mento da República Federativa do Brasil, conta com ciano Bebetti. Direitos Fundamen-
profissionais de todos os setores da sociedade coti- tais – orçamento e “reserva do pos-
dianamente trabalhando para encontrar soluções sível”. Porto Alegre: Editora Livraria
para esse grande problema. do Advogado, 2013.
Este fascículo é parte integrante do curso online gratuito
“Justiça na Sala de Aula”.
Acesse: http://fdr.org.br/uane/justicanasaladeaula/

Realização

Apoio Promoção

You might also like