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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

ALEXANDRE HENRIQUE DOS SANTOS

DISCUTINDO O CONHECIMENTO TECNOLÓGICO


PEDAGÓGICO DO CONTEÚDO NA EDUCAÇÃO MUSICAL

CAMPINAS
2018
ALEXANDRE HENRIQUE DOS SANTOS

DISCUTINDO O CONHECIMENTO TECNOLÓGICO


PEDAGÓGICO DO CONTEÚDO NA EDUCAÇÃO MUSICAL

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Música do Instituto de Artes da UNICAMP como
requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em
Música.

Orientadora: Profa. Dra. Adriana do Nascimento Araújo


Mendes

UNICAMP
2018
i
RESUMO
Com a crescente influência das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na educação,
tornou-se necessária uma reflexão sobre como utilizar estas ferramentas de forma eficiente de
maneira a contribuir no processo de ensino e aprendizagem. Em 2006 começou a emergir um
modelo teórico elaborado com o objetivo de servir como base de orientação para os professores
usarem as TIC de maneira eficaz em sala de aula. Esta metodologia foi nomeada Technological
Pedagogical and Content Knowledge (TPACK) (Conhecimento Tecnológico Pedagógico do
Conteúdo). O presente trabalho pretende discutir a construção deste modelo e como esta
abordagem pode ser usada na educação musical. A monografia também discutirá o conceito
teórico que proveu a base teórica para a formulação do TPACK: Conhecimento Pedagógico
do Conteúdo de Lee S. Shulman.

Palavras-chave: Educação Musical. Tecnologias e Educação. Educação Musical e


Tecnologias.

ii
ABSTRACT
With the growing influence of Information and Communication Technologies (ICT) on
education, it became necessary to reflect on how to use these tools efficiently in a way that
contributes to the teaching and learning process. In 2006 a theoretical model elaborated with
the objective of serving as a guide for teachers to use ICT in an effective way in the classroom
began to emerge. This methodology was named Technological Pedagogical and Content
Knowledge (TPACK). The present work intends to discuss the construction of this model and
how this approach can be used in music education. The research will also discuss the theoretical
concept that provided the theoretical basis for the formulation of TPACK: The Pedagogical
Knowledge of Content by Lee S. Shulman.

Keywords:. Musical education. Technologies and Education. Music Education and


Technologies.

iii
SUMÁRIO

Introdução 1
1 Dimensionando a questão do conhecimento ................................................. 4

1.1 Contextualização ......................................................................................... 4


1.2 O conhecimento do conteúdo ...................................................................... 5
1.3 O Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC) ..................................... 7

2 O Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo (CTPC)


(Technological Pedagogical and Content Knowledge - TPACK) .......................................... 11

2.1 Visão geral do TPACK ............................................................................. 11


2.2 Elementos Constituintes do TPACK ........................................................ 13
2.3 Conhecimento tecnológico pedagógico do conteúdo................................ 15
2.4 O conhecimento do contexto no TPACK ................................................. 16
2.5 Obstáculos para o TPACK na educação ................................................... 18

3 TPACK e educação musical ......................................................................... 20

3.1 Visão Geral: TPACK e Educação Musical ............................................... 20


3.2 Desafios para a formação do educador musical TPACK .......................... 23

Considerações finais ............................................................................................................... 27


Referências 29

iv
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representação do modelo TPACK ........................................................................... 13


Figura 2: Isolamento do CT ...................................................................................................... 19
Figura 3: TPACK adaptado por Gall (2017) ............................................................................ 22

v
INTRODUÇÃO
As tecnologias estiveram e continuam presentes no campo da educação de diversas
formas. Podemos fazer uma primeira reflexão, por exemplo, sobre como a descoberta e a
implementação de tecnologias como a escrita, impressão, papel, quadro negro, lápis, caneta,
giz, projetores de transparência e mais recentemente projetores digitais e computadores,
contribuíram para a prática pedagógica dos professores em sala de aula. Estas tecnologias
permitiram e permitem aos docentes criarem uma série de processos representativos, que tem
como propósito, ajudar na compreensão dos conteúdos abordados.
Fazendo uma segunda reflexão em relação ao contexto tecnológico, podemos
inferir que, nas últimas duas décadas estamos vivendo interagindo, em diversos níveis, com a
chamada cultura digital ou cibercultura1, (LEVY, 2010). Nesta realidade, utilizamos recursos
advindos do campo das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). O termo TIC2 será
utilizado neste texto fazendo referência aos dispositivos e possibilidades de interações advindas
da área da informática e das telecomunicações. Neste contexto se referem a dispositivos como
computadores, celulares inteligentes (smarthphones), internet, softwares e hardwares,
(AFONSO, 2010, p. 16).
É natural que essas TIC de alguma maneira cheguem ao ambiente escolar. Porém,
a velocidade com que as mesmas cresceram, a partir da última década do século XX até os dias
atuais, fez com que as experiências de implementação destas ferramentas na sala de aula, por
vezes fizessem emergir uma série de conflitos relacionados a metodologias para utilização,
formação do professor, infraestrutura e mudanças curriculares. Outro espaço que teve grande
influência dos recursos das TIC foi o campo da música e educação musical. Atualmente, estão
disponíveis uma série de ferramentas de hardwares e softwares que podem ser usadas, tanto
pelo estudante de música, como pelo educador musical em suas práticas.
Partindo desse pressuposto, o presente trabalho pretende trazer uma discussão sobre
um modelo teórico que foi elaborado tendo como objetivo oferecer um caminho metodológico
para que os professores possam utilizar as TIC no ensino de forma a colaborar com o processo
de ensino e aprendizagem. O modelo é chamado Technological Pedagogical and Content

1
O ciberespaço [...] é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos
computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o
universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que nela navegam (LEVY, 2010,
p. 17).
2
Segundo Pereira (2013), esta terminologia originou-se em 1996 a partir de um pedido de relatório
do governo britânico para analisar o uso de computadores nas escolas básicas, afim de planejar o uso das TIC na
educação. Este relatório tem como título: Information and Communications Technology in UK Schools: an
independent inquiry, e foi elaborado para os parâmetros curriculares de 2000 (PEREIRA, 2013, p. 14).

1
Knowledge (TPACK) – Conhecimento Tecnológico e Pedagógico do Conteúdo (CTPC) –
(MISHA e KOEHLER, 2006).
O presente trabalho pretende discutir o modelo no contexto da educação básica e
da educação musical. As bases teóricas deste modelo estão em outro trabalho publicado pelo
professor e psicólogo da Stanford Graduate School of Education, Lee S. Schulman, durante a
década de 1980 e é chamado: Pedagogical content knowledge (PCK) – Conhecimento
Pedagógico do Conteúdo (CPC). Neste caso, entende-se que, para melhor situar o leitor, seja
prudente contextualizar o pensamento de Shulman antes de abordar o TPACK. Esta
monografia está dividido em três capítulos, sendo que o primeiro aborda o CPC de Shulman,
o segundo discorre sobre o TPACK, e o terceiro aborda o TPACK e suas abordagens na
educação musical.
No primeiro capítulo foram utilizados como referências os dois artigos publicados
pelo autor na década de 1980: Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching (1986)
e Knowledge and Teaching: Foundations of the New Reform (1987). Também foram utilizados
neste tópico os trabalhos de Lopes e Macedo (2014), Fernandes (2015) e Lopes e Pontuscha
(2015).
O segundo capítulo aborda a contextualização teórica do modelo TPACK. Já o
terceiro capítulo discute o TPACK na educação musical. Na primeira parte foram utilizados
como referências o artigo inaugural do modelo publicado em 2006, de autoria dos professores
Punya Mishra e Matthew Koehler: Technological Pedagogical and Content Knowledge: A
Framework for Teacher Knowledge (MISHA e KOEHLER, 2006) e o Handbook:
Technological Pedagogical and Content Knowledge (TPACK) for Educators (HERRING,
MISHA e KOEHLER, 2016). Esta publicação dispõe de uma série de artigos que discutem o
modelo teórico e trazem resultados de trabalhos desenvolvidos em diversos contextos
educacionais utilizando o mesmo. Já na área referente ao TPACK na educação musical estão
as publicações de Gall (2017), Bauer (2013, 2014 e 2017) e Dorfman (2013).
A metodologia utilizada foi a revisão de literatura, que, segundo Costa e Costa
(2013), é a base de sustentação teórica de um trabalho monográfico. Reflete o nível de
envolvimento do autor com o tema (COSTA e COSTA, 2013, pos. 1073). Segundo os autores,
a revisão de literatura também visa fornecer, a partir do diálogo com a literatura especializada,
uma análise crítica que ofereça as bases para hipóteses e fundamentação de um determinado
tema.
Espera-se, com o presente trabalho, trazer uma reflexão sobre um objeto de ampla
relevância nos dias atuais. As TIC estão evoluindo em alta velocidade e pressupõem-se que

2
cada vez mais estarão influenciando a vida dos alunos e a rotina da escola em diferentes níveis.
É imprescindível pensar em utilizar essas ferramentas de formas favoráveis na sala de aula, pois
a formação tecnológica do professor da escola educação básica e do professor de música é um
dos caminhos para melhorar o sistema educacional. O próximo tópico traz o primeiro capítulo
discutindo as bases do conhecimento a partir da visão de Shulman.

3
1 DIMENSIONANDO A QUESTÃO DO CONHECIMENTO
Neste capítulo será abordada a visão de Lee S. Shulman discutindo a relação do
conhecimento do conteúdo a ser ensinado e o processo de transformação pedagógica para a
instrução. Também serão visitados aqui importantes autores como Bruner e Schwab para a
compreensão do que Shulman chama de conhecimento do conteúdo e consequentemente utiliza
para embasar seu conceito: o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo.

1.1 Contextualização
Lee S. Schulman (1938 -), professor e psicólogo da Universidade de Stanford
(EUA), foi o precursor do quadro teórico que conhecemos hoje como Pedagogical content
knowledge (PCK) (Conhecimento Pedagógico do Conteúdo – CPC). O autor, ao observar e
analisar testes para seleção de professores um século antes de 1986 (ano de publicação de seu
artigo), como também exames contemporâneos, identificou que 95% das questões estavam
centradas no conteúdo, ou seja, as questões a serem respondidas davam mais ênfase ao assunto
que devia ser ensinado (SHULMAN, 1986, p. 2). Embora as técnicas pedagógicas sejam de
total importância para o processo de ensino e aprendizagem, elas ocupavam um papel
secundário nestes testes, visto que a pontuação para a aprovação do professor tinha mais
influência nos acertos relacionados ao domínio do mesmo no conteúdo (SHULMAN, 1986, p.
2).
Shulman (1986) observou que estes testes não contemplavam questões de como
estes conteúdos deveriam ser ensinados, como afirma Fernandes (2015): “Shulman valoriza o
conhecimento do conteúdo específico, mas enfatiza que o professor precisa “pedagogizar” esse
conteúdo de modo a fazer com que seus alunos consigam entendê-lo” (FERNANDES, 2015, p.
505). Para isto o autor propõe um tipo de conhecimento que o professor precisa construir
relacionando duas áreas: o domínio do conteúdo e a pedagogia.
Na concepção de Shulman (1986), a formação do professor deve contemplar três
níveis de conhecimento: a) o conhecimento geral dos processos pedagógicos, o b)
conhecimento do conteúdo e finalmente o c) conhecimento pedagógico do conteúdo (CPC).
Shulman (1987) diz que o professor deve primeiro compreender, depois, transformar e
posteriormente instruir: “o ensino necessariamente começa com o professor entendendo o que
deve ser aprendido e como deve ser ensinado” (SHULMAN, 1987, p. 204).
Shulman (1987) chamou os conhecimentos necessários ao professor de bases do
conhecimento, englobando o conhecimento do conteúdo, o conhecimento pedagógico e uma

4
série de outros conhecimentos relacionados ao contexto cultural dos alunos, políticas
educacionais e noções de gestão escolar. Veremos esta abordagem de maneira mais específica
no próximo tópico.

1.2 O conhecimento do conteúdo


Para Shulman, o conhecimento do conteúdo é a quantidade e organização do
conhecimento, no sentido estrutural, que permanece na mente do professor. O conhecimento
do conteúdo vai além dos conhecimentos dos fatos. Segundo o autor, é necessário pensar na
estrutura da disciplina na perspectiva curricular. O autor propõe, no entanto, investigar as
abordagens de estudiosos como Joseph Schwab e Jerome Bruner.
Segundo Lopes e Macedo (2014), para Bruner, se o estudante entende a disciplina
de maneira estrutural, aprendendo a interagir com as ferramentas de resolução de problemas da
matéria, ele passa a ter autonomia sobre o conteúdo e avança no conhecimento. Como nos diz
o autor:

O domínio das ideias fundamentais em dado campo implica não só captar os


princípios gerais, mas também desenvolver uma atitude em relação à
aprendizagem e à investigação, em relação ao modo de imaginar a solução, de
ter intuições e palpites quanto à possibilidade de alguém resolver por si só os
problemas (BRUNER, 1978, p. 18).

Bruner (1978) argumenta que entender os fundamentos torna a matéria mais


compreensível. Exemplificando uma ideia estrutural de disciplinas, o autor propõe que quando
o aluno compreende, por exemplo, a necessidade de comércio interno e externo de uma nação
para sua sobrevivência, torna-se mais simples entender um conteúdo mais específico, como o
“comércio triangular das colônias americanas” (BRUNER, 1978, p. 21).
Em um paralelo com o ensino de música, pela visão de Bruner, seria ideal que ao
invés do professor ensinar ao aluno um acorde, o mesmo poderia trabalhar na perspectiva de
fazê-lo compreender que os acordes são formados por uma estrutura de intervalos sobrepostos
(pressupondo que o mesmo já tivesse ensinado o conteúdo intervalos para o aluno). Estes,
podem ser organizados em distâncias específicas para formarem blocos de três, quatro ou mais
sons. Posteriormente o professor poderia explicar a estrutura tradicional de tríades ou tétrades
em intervalos de terças, mas deixar um caminho pedagógico aberto, para que retorne mais tarde
em contextos mais complexos de harmonia (acordes quartais, com notas de tensão, outras
estruturas presentes no repertório popular e erudito do século XX, etc.).

5
Já para Schwab, a abordagem do conteúdo da disciplina inclui duas estruturas que
ele nomeou como estruturas substantivas e estruturas sintáticas. Segundo Shulman (1986):

As estruturas substantivas são as várias maneiras pelas quais os conceitos


básicos e princípios da disciplina estão organizados para incorporar os fatos.
Já a estrutura sintática é o conjunto de maneiras em qual a verdade ou
falsidade, validade ou invalidade, são estabelecidas (SHULMAN, 1986, p. 9).

Segundo Lopes e Macedo (2014), para Schwab, as disciplinas acadêmicas são


fontes para o conteúdo curricular, porém os autores consideram que o ponto de partida deve ser
o entendimento dos alunos. Para as autoras as “estruturas substantivas são as que condicionam
como o conhecimento é produzido, pois definem as questões e os caminhos da pesquisa”
(LOPES e MACEDO, 2014, pos. 1170, formato kindle). Nesses processos estão conceitos
como o entendimento do professor em relação à estrutura e ao estado da arte da mesma.
Também estão em questão os princípios de organização conceitual e investigação. O professor
precisa também compreender como as ideias evoluem ou deixam de ter validade em sua área
de atuação. Segundo o autor “o professor deve ter a profundidade das disciplinas que ensina e
ainda ter outros conhecimentos como educação humanista abrangente e conseguir enquadrar o
conteúdo aprendido no contexto dos alunos para facilitar a compreensão” (SHULMAN, 1987,
p. 208).
Segundo o autor a responsabilidade do professor é enorme, pois o mesmo é a fonte
primária para o aluno. Precisa ainda ter uma compreensão multifacetada do conteúdo a ser
ensinado, pois, é preciso saber expô-lo em diferentes perspectivas. O professor transmite a ideia
de como a “verdade” naquele assunto é construída.
De modo geral, Shulman, concordando com Schwab, afirma que o professor não
deve ensinar os resultados da pesquisa, mas sim as estruturas substantivas e sintáticas de
produção de conhecimento. Shulman (1986) diz que os professores não devem ser capazes
somente de definir para os estudantes as teorias aceitas de um determinado assunto; devem, no
entanto, ser habilitados a explicar porque a proposta em questão é considerada verdadeira ou
justificada, porque vale a pena conhecer esse assunto e como esse conteúdo se relacionará com
outros dentro da própria disciplina (SHULMAN, 1986, p. 9).
Para Schwab, as disciplinas escolares são caminhos de revisão das pesquisas já
feitas pelos cientistas, ou seja, o aluno redescobre a experiência, tornando assim o processo de
aprendizagem mais significativo, (LOPES e MACEDO 2013).
Nesta perspectiva, Schwab defende que os estudos de currículos nas escolas devem
partir para a prática de pesquisa empírica em sala de aula. Assim, a parte complexa seria definir

6
quais são os conteúdos que formam as estruturas substantivas e sintáticas das disciplinas, suas
organizações curriculares e como elas se relacionam entre si. Também é importante lembrar
que o professor nesta perspectiva precisa ter profundidade e domínio do conteúdo. Shulman
(1986) chama a atenção para que o professor entenda o conteúdo de modo a estruturar quais
elementos do assunto são considerados essenciais ou substantivos para o ensino da disciplina e
quais são os elementos considerados periféricos, mas necessários para o entendimento do todo.
Estas ações irão favorecer a construção do próximo conhecimento: o Conhecimento
Pedagógico do Conteúdo.

1.3 O Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC)


O CPC é a base do quadro teórico de Shulman. É o espaço que existe na intersecção
entre o campo do conhecimento do conteúdo e o campo da pedagogia. Como diz o autor: “este
espaço compreende o ambiente para o meio especial de compreensão profissional do professor”
(SHULMAN, 1987, p. 206).
O autor ainda afirma: “O conhecimento pedagógico do conteúdo é de especial
interesse, porque identifica os distintos corpus de conhecimentos necessários para ensinar”
(SHULMAN, 1987, p. 207). Segundo o autor o CPC “está na capacidade do professor em
transformar o conhecimento de conteúdo que possui em formas que são pedagogicamente
poderosas e, mesmo assim, adaptáveis às variações em habilidade e contexto histórico
apresentados pelos alunos (SHULMAN, 1987, p. 22). Segundo Fernandes (2015), para
Shulman, ainda, é “essa capacidade de transformação do conteúdo que distingue, por exemplo,
um professor de química de um especialista em química” (FERNANDES, 2015, p. 506).
Essas formas de transformação, esses aspectos do processo pelo qual se vai da
compreensão pessoal à preparação da compreensão por outrem são a essência do ato de
raciocinar pedagogicamente (SHULMAN, 1987, p. 218). O autor ainda afirma:

Dentro da categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo, incluo, para


os tópicos a serem ensinados na disciplina, as formas mais úteis de
representação dessas ideias, as mais poderosas analogias, ilustrações,
exemplos, explicações e demonstrações - em outras palavras, as formas de
representação deste conteúdo são abordadas formulando o assunto para que se
torne compreensível para os estudantes (SHULMAN, 1986, p. 6).

Shulman (1986) ainda afirma que o professor deve estar imbuído de diversas formas
de representação. Estas, podem emergir do campo da pesquisa acadêmica científica ou mesmo
da própria prática cotidiana do mesmo avaliando as ações bem-sucedidas ou corrigindo as que

7
achar que foi malsucedida. O desenvolvimento do conhecimento ancorado às ferramentas de
pesquisa é o cerne da definição do CPC (SHULMAN, 1986, p. 8). Ou seja, o CPC marca a
“descoberta” da prática pedagógica do professor no contexto escolar, como lugar de pesquisa
para a melhora da experiência docente. Neste contexto o professor passa a ser o seu próprio
pesquisador e o seu campo é a própria prática e a sala de aula. Contrapondo o papel tradicional
de simples reprodutor de conhecimentos produzidos por peritos ou especialistas, o professor
passa a ser (re)valorizado como protagonista do trabalho escolar (LOPES e PONTUSCHA,
2015, p. 77).
Shulman (1986) também chama a atenção para as concepções e preconceitos que
os estudantes de diferentes idades e origens já trazem com eles para a aprendizagem. O CPC
precisa ser (re) organizado, para que possa interagir com o conhecimento cultural do aluno, pois
como nos diz o autor “com certeza estes alunos não chegam na aula como uma folha em branco”
(SHULMAN, 1986, p. 8).
Shulman (1987) enumera quatro grandes fontes para a construção do CPC sendo 1)
formação acadêmica na área, 2) materiais do entorno do processo educacional, ou seja, toda a
estrutura que envolve a profissão docente (currículos, materiais didáticos, etc.), 3) pesquisas
sobre escolarização, organizações sociais, aprendizagem e desenvolvimento humano,
fenômenos sociais e culturais e, por último, 4) a sabedoria da prática, ou seja, a sabedoria
docente adquirida durante o período de exercício da profissão.
Além dos conceitos supracitados, outros processos compõem as bases para o CPC.
São eles: a compreensão, a transformação, a instrução, a avaliação e a reflexão. Vejamos cada
um dos elementos:
• Compreensão: compreender criticamente um conjunto de ideias ou conteúdos a
serem ensinados. O professor deve entender o conteúdo de diversas maneiras e
saber fazer relações estruturais do conceito.
• Transformação: significa transformar as ideias para que possam ser ensinadas. Neste
aspecto seria a preparação para a “pedagogização do conteúdo”. O professor deve
traçar o caminho entre o seu entendimento e o contexto motivacional e mental dos
alunos. Inclui a preparação de materiais, interpretação crítica, representação das
ideias nas formas de analogias e metáforas.
• Instrução: neste ponto o autor descreve o ato de transmitir a informação, ou seja, o
exercício do ensino em si. A execução da pedagogia do conteúdo ou do CPC. Inclui
organizar e gerenciar a sala de aula, apresentar explicações claras e vívidas,
relacionar com o contexto cultural dos alunos, interagir por meio de perguntas
8
provocativas, respostas, reações, além de elogios e críticas (SHULMAN, 1987, p.
218). Neste contexto também estão relacionados todos os recursos, técnicas e
tecnologias que o professor pode utilizar na execução da aula.
• Avaliação: é a verificação imediata da compreensão ou se houve algum mal-
entendido. O professor deve utilizar diversos mecanismos de avaliação e ainda deve
compreender de maneira profunda o assunto para compreender como o aluno
entendeu ou absorveu o conteúdo abordado. O desempenho do professor também
está no contexto da avaliação. O professor deve avaliar a aula como um todo e as
estratégias e materiais empregados.
• Reflexão: Shulman afirma que neste ponto o professor olha para a aula que acabou
de ministrar e reconstrói e recaptura os eventos e realizações. Shulman (1987) diz:
“É por meio desse conjunto de processos que um profissional aprende com a
experiência” (SHULMAN, 1987, p. 221). É preciso ainda ter um olhar crítico sobre
a aula que acabou de ministrar e como pode realizá-la melhor na próxima
oportunidade.
• Nova compreensão: aqui o professor adquire uma nova compreensão tanto de
propósitos e conteúdo a serem ensinados, como também dos alunos e do próprio
processo didático (SHULMAN, 1987, p. 221).

O autor ainda categoriza outras áreas do conhecimento do ambiente escolar que


considera importantes:
• Conhecimento pedagógico geral: aqui estão os princípios e estratégias para o
gerenciamento e organização da sala de aula.
• Conhecimento do currículo: é necessário conhecer os materiais e programas que
servem como ofícios para a ação docente; documentos de políticas educacionais em
níveis municipais, estaduais e nacionais, como os Referenciais Curriculares
Nacionais (RCN), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Projeto
Pedagógico da instituição em que trabalha.
• Conhecimento de contextos educacionais: aborda questões desde a compreensão do
funcionamento da sala de aula, passando pela gestão e financiamento dos sistemas
educacionais. Também deve ser contextualizado o contexto cultural e as
características da comunidade.
• Conhecimento das propostas e valores relacionados à base histórica e filosófica da
educação; Shulman diz que o professor deve visitar constantemente as teorias de

9
aprendizagem tradicionais e também conhecer como a escola é estruturada a partir
de uma visão filosófica e histórica.
A partir do que foi exposto anteriormente, podemos entender que a relação do
conhecimento do conteúdo e da pedagogia, embora possam parecer óbvios no início, são
bastante complexos. A proposta de Shulman orienta para um equilíbrio na formação do
professor. Além do domínio do conteúdo, devem estar na formação dos mesmos constructos
ideológicos para que ele possa saber como ensinar o conteúdo que domina. Outra importante
abordagem conceitual de Shulman é a ideia da prática do professor se tornar seu próprio campo
de pesquisa. Assim, na perspectiva de Shulman, este processo coloca o professor em um
constante caminho para a melhoria das suas práticas, pois a reflexão prevista na estrutura do
CPC faz o professor se autoanalisar criticamente e desta maneira cria-se um círculo virtuoso de
melhoria em que o maior beneficiário de tal processo é o aluno.
No próximo tópico será abordado o modelo TPACK.

10
2 O CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E PEDAGÓGICO DO
CONTEÚDO (CTPC) (TECHNOLOGICAL PEDAGOGICAL AND
CONTENT KNOWLEDGE - TPACK)
Neste capítulo será exposto como o elemento do conhecimento tecnológico foi
inserido no CPC de Shulman. O capítulo também aborda como o educador musical pode utilizar
esta metodologia na educação musical. Além destes itens também será discutida a importância
do conhecimento do contexto no TPACK.

2.1 Visão geral do TPACK


Segundo Angeli et. all (2016), em 2005, o TPACK foi introduzido na área
acadêmica. Embora o termo já tenha surgido antes com Person (2001) apud Angeli et. all (2016)
atribui-se a inserção oficial do modelo aos professores e autores Punya Misha e Matthew
Khoehler. O objetivo dos mesmos foi pesquisar e elaborar um modelo teórico pedagógico para
que os professores pudessem ensinar de maneira eficiente utilizando as TIC. No artigo original
de 20063, os autores propuseram abordar uma estrutura conceitual com a tecnologia educacional
a partir da proposta formulada por Shulman uma década antes, e que já foi anteriormente
discutida no presente trabalho. O modelo teórico foi elaborado como resultado de cinco anos
de pesquisa em um programa objetivando o desenvolvimento profissional de professores no
ensino superior (MISHRA e KOEHLER, 2006, p. 1017).
Este modelo busca - a partir dos conhecimentos necessários ao professor abordados
no contexto de Shulman - elaborar quais conhecimentos em tecnologias são necessários ao
professor para a integração eficiente destas ferramentas no processo pedagógico, sem
desconsiderar a natureza complexa e multifacetada deste tipo de conhecimento. Os autores
argumentaram neste trabalho que o uso pedagógico e efetivo das TIC requer o desenvolvimento
de um conhecimento específico que eles chamaram de Conhecimento Tecnológico Pedagógico
do Conteúdo (Technological Pedagogical Content Knowledge) (TPACK), (MISHRA e
KOEHLER, 2006, p. 1017). No presente trabalho a sigla adotada para a referência deste
modelo será sua representação em inglês TPACK4.
Segundo Angeli et. all (2016), até 2005, não havia uma base teórica que orientasse
o uso das TIC em sala de aula. No entanto, a velocidade de avanço das mesmas e

3
Teachers College Record Volume 108, Number 6, June 2006, pp. 1017–1054 Copyright r by
Teachers College, Columbia University.
4
Em 2007, Mishra Koehler alteraram o termo TPCK para TPACK, que foi proposto como um
termo que poderia ser mais facilmente falado e lembrado (Thompson & Mishra, 2007, apud Angeli
et. all 2016). Atualmente o “A” da sigla representa a conjunção “and” no nome do modelo.

11
consequentemente seu aparecimento natural e gradual na sala de aula revelou a necessidade da
criação de uma proposta teórica (ANGELI, et. all, 2016, p. 26).
O desenvolvimento do TPACK pode ser visto como uma continuação do CPC
proposto por Shulman (1986), mas também pode assumir autonomia dada a ideia conceitual de
sobreposição dos conceitos (a ser abordada mais adiante). Retomando Shulman (1986), que nos
diz que a base do CPC era a ideia de que o conteúdo e a pedagogia não poderiam ser vistos
como elementos separados, mas sim integrados, os autores seguiram os mesmos padrões
conceituais ao integrar o conhecimento tecnológico ao CPC.
A partir destas perspectivas, e da crescente percepção em torno das TIC, os teóricos
do TPACK integraram o conhecimento tecnológico (CT) ou (TK) ao CPC ou (PCK), tornando
(T) PCK expandindo o modelo proposto por Shulman (ANGELI, et. all, 2016, p. 30).
Assim, o TPACK tornou-se um quadro teórico que representa um ponto de partida
para compreender a formação e atuação dos professores sobre as questões referentes ao uso da
TIC na educação. Misha e Koehler (2008) conceberam o modelo a partir de três campos centrais
de conhecimento: o conhecimento tecnológico (CT), o conhecimento do conteúdo (CC) e o
conhecimento pedagógico (CP). Segundo os autores:

Nesta abordagem, a tecnologia no ensino se caracteriza como algo muito além


do conhecimento isolado de hardware ou software específico. Em vez disso,
é através da tecnologia que se introduz contextos de ensino e faz com que a
representação de novos conceitos requeira o desenvolvimento de uma
sensibilidade ao relacionamento dinâmico e transacional entre todos os três
componentes (MISHA e KOEHLER, 2008, p. 3).

Segundo Angeli, et. all (2016), o modelo TPACK é representado através de um


diagrama de Venn5 com três círculos sobrepostos, cada um representando um tipo de
conhecimento do professor. A figura abaixo ilustra esta abordagem:

5
Designam-se por diagramas de Venn os diagramas usados em matemática para simbolizar
graficamente propriedades, axiomas e problemas relativos aos conjuntos e sua teoria. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Diagrama_de_Venn. Acesso: 01/03/2018.

12
Figura 1: representação do modelo TPACK

Fonte: The image is captioned or credited as “Reproduced by permission of the publisher, © 2012
by tpack.org. Disponível em: http://www.tpack.org/. Acesso em: 01/03/2018.

2.2 Elementos Constituintes do TPACK


O TPACK emergiu da intersecção entre as três áreas de conhecimento: CT, CP e
CC. Embora estes sejam os pilares da teoria, a formulação geral acontece sobre sete domínios
de conhecimento:
Conhecimento do conteúdo: é o conhecimento real sobre o assunto que precisa
ser ensinado ou aprendido, já abordado anteriormente no presente trabalho.
Conhecimento pedagógico: é o conhecimento sobre as práticas ou estratégias para
a aprendizagem como discutido no tópico anterior.
Conhecimento tecnológico (CT): é a compreensão e aquisição de habilidades
sobre o funcionamento das tecnologias digitais. Inclui entendimento de como usar softwares e
hardwares de computador e outros dispositivos, ferramentas de apresentação, gerenciamento
de ambientes virtuais de aprendizagem e outras tecnologias educacionais. O CT também inclui
a capacidade de aprender, adotar e utilizar novas tecnologias.
Devido à velocidade de mudança das TIC, o CT também compreende o fluxo de
atualização tecnológica por parte do professor (MISHA e KOEHLER, 2008, p. 3). Em relação
às TIC, ainda inclui o conhecimento de sistemas operacionais, hardwares de computador,
processadores de texto, planilhas e gerenciadores de e-mail. Também inclui o conhecimento de
como instalar e remover dispositivos periféricos, como teclados, mouses, monitores e

13
impressoras e instalar ou remover softwares e ainda, criar e arquivar documentos (MISHA e
KOEHLER, 2006, p 1027).
Bower et. all (2010) apud Voogt et. all (2012) afirmam que o CT também agrega a
percepção de como as tecnologias se relacionam com os requisitos de ensino e aprendizagem.
O próprio processo dinâmico de mudanças envolvendo as TIC também fazem parte do CT.
Também inclui o conhecimento de outras tecnologias da área externa ao contexto digital como
a lousa, o giz, projetor, pincel, etc.
Estes conhecimentos até podem ser compreendidos de maneira isolada, mas a
aplicação é sempre em conjunto. Os autores também propõem que devemos abordá-los em
pares: o conhecimento pedagógico do conteúdo (CPC), conhecimento tecnológico do conteúdo
(CTC), conhecimentos pedagógicos tecnológicos (CPT) e, finalmente, todos os três em
conjunto formando o Conhecimento Tecnológico e Pedagógico do Conteúdo (CTPC) ou
(TPACK) (MISHA e KOEHLER, 2006, p. 1026). Abaixo a contextualização de cada um
separadamente.
Conhecimento pedagógico do conteúdo: como já mostrado na seção anterior, o
ensino eficaz requer mais do que a compreensão separada de conteúdo e pedagogia
(SHULMAN, 1986). O conceito refere-se à flexibilização do conteúdo através de estratégias
de aprendizagem para facilitar o entendimento do aluno.
Conhecimento tecnológico do conteúdo: descreve o conhecimento do professor
em relação ao tipo de tecnologia que poderá ser usada para apresentar o assunto a ser estudado.
Misha e Koehler (2008) indagam como podemos representar certos conteúdos de forma que
não era possível antes (MISHA e KOEHLER, 2008, p. 4).

Os professores precisam saber não apenas o assunto que ensinam, mas


também a maneira em que o assunto pode ser apresentado e discutido pela
aplicação de tecnologias (MISHA e KOEHLER, 2006, p. 1028).

Os autores expõem uma ideia deste conhecimento ao versar sobre um exemplo


acerca do ensino de geometria. Atualmente, existem ferramentas de aplicativos que permitem
acessar diferentes formas geométricas nos dispositivos touch screen e visualizá-los de
diferentes ângulos. No caso de um professor de matemática, o conhecimento tecnológico do
conteúdo seria o fato do mesmo ter consciência da existência destes softwares.
Segundo Ciboto e Oliveira (2013), o planejamento do conteúdo normalmente é
desenvolvido sem a preocupação de relacionar o mesmo às ferramentas provenientes da área
das TIC. “O conteúdo é desenvolvido por especialistas de cada área de conhecimento das

14
disciplinas, enquanto os tecnólogos desenvolvem as ferramentas tecnológicas para o ensino do
conteúdo curricular, bem como as estratégias de integração da tecnologia ao ensino (CIBOTO
e OLIVEIRA, 2013, p. 7). O professor deve compreender quais recursos são mais adequados
para a exposição, discussão e compreensão de determinado assunto.
Conhecimento pedagógico tecnológico: neste conhecimento torna-se possível
saber qual tecnologia poderá ser usada para atingir determinados objetivos, e como os
professores selecionam a ferramenta tecnológica mais adequada para sua abordagem
pedagógica. É a preparação da atividade de aprendizagem. Neste conhecimento, também está a
ideia de como o aluno pode assumir a interação com o dispositivo ou ambiente virtual. Neste
contexto também estão as concepções pedagógicas que extrapolam a sala de aula, como
atividades virtuais colaborativas e aulas no laboratório de informática (MISHA e KOEHLER,
2008, p. 4).
Neste conhecimento o professor deve identificar uma ferramenta para ajudar na
compreensão do conteúdo e incorporá-lo ao seu planejamento didático como tecnologia de
ensino. No caso de um professor de música, atuando na disciplina de percepção, por exemplo,
este conceito poderia ser representado pela escolha de algum software de treinamento auditivo.
Mas, o software neste caso deve influenciar no processo, assim, o professor pode solicitar
relatórios de horas de práticas e se for um software de acesso online, poderá acessar o perfil do
aluno e identificar os elementos mais e menos compreensíveis.
Um professor de física, por exemplo, poderia usar um dispositivo móvel com
aplicativos para representação de diferentes conceitos como: ondas, medidor de frequência,
posição dos astros no espaço, etc. Uma rápida pesquisa em duas lojas comuns de aplicativos, já
trouxe uma lista com aplicações para disciplinas de ciências, física, geografia e inglês.
Neste espaço também está a capacidade de adaptação do professor, ou seja, o
mesmo deve ser capaz de utilizar e adaptar tecnologias originalmente construídas para
determinado fim e adaptá-la a outro contexto. Na área da música, por exemplo, um software
editor de partituras poderá ser usado para diversos aprendizados, como harmonia, teoria
musical, arranjo, leitura e solfejo. Finalmente, a interrelação destes elementos compõem o
TPACK, e entende-se necessário discuti-lo em um tópico separado.

2.3 Conhecimento tecnológico e pedagógico do conteúdo


É o modelo em sua forma completa. O espaço do TPACK demonstrado na figura 1
é a inter-relação entre os conhecimentos mostrados anteriormente. A base para a compreensão

15
do TPACK é entender que os elementos teóricos sempre devem estar integrados. O
desenvolvimento de uma aula eficaz utilizando as TIC, segundo os autores:

[...] requer um entrelaçamento pensativo de todas as três principais fontes de


conhecimento: tecnologia, pedagogia e conteúdo. O núcleo do nosso
argumento é que não há nenhuma solução tecnológica única que se aplica para
cada professor, cada curso, ou cada ponto de vista do ensino. O ensino de
qualidade requer o desenvolvimento de uma compreensão diferenciada das
complexas relações entre tecnologia, conteúdo e pedagogia, e usar esse
entendimento para desenvolver estratégias e representações apropriadas,
dentro de um contexto educacional específico (MISHA e KOEHLER, 2006,
p. 1029).

“O TPACK de fato capta os três domínios de conhecimento e não deve ser abordado
de forma isolada, mas como um todo integrado, um pacote total, como tem sido proposto na
literatura” (ANGELIet. all, 2016, p. 34). Na verdade, como já proposto por Pierson (2001)
apud Voogt et. all (2012), é esta integração dos diferentes domínios que apoiam os professores
no ensino de seus conteúdos com as tecnologias, ou seja, o TPACK não seria um fim e sim um
meio para o ensino com as TIC (VOOGT et. all 2012, p. 04). Para os autores, o modelo teórico
em questão é o campo de conhecimento que ultrapassa os outros três de forma singular. Este
conhecimento difere do conhecimento disciplinar do especialista em tecnologia e do mesmo na
área pedagógica.
O TPACK na proposta de Misha e Koehler (2006) é um modelo integrativo. Ou
seja, nesta perspectiva o TPACK é o resultado de um corpo de conhecimentos definidos pela
intersecção das áreas: conteúdo e pedagogia, conteúdo e tecnologias e pedagogia e tecnologias.
embora Angeli e Valenides (2005) tenham proposto outra visão epistemológica, alegando que
o TPACK traz uma concepção transformadora. Os mesmos argumentam que o TPACK vai
além de somente a integração e acumulação de bases de conhecimento distintas. Assim, o
TPACK é contextualizado como sendo um conhecimento único. Os autores argumentam que o
crescimento ou aquisição de conhecimento nas áreas constituintes do TPACK de maneira
separada não resulta automaticamente na formação tecnológica do professor no contexto do
modelo. Não é intenção do presente trabalho aprofundar na discussão sobre esta discordância,
somente deixar claro que este fator epistemológico ainda não está claramente definido na
literatura.

2.4 O conhecimento do contexto no TPACK


As pesquisas e estudos divulgados sobre o TPACK até o presente momento
concordam que o quadro tem relação com o CPC de Shulman. O autor defendia em seu conceito

16
a questão do contexto geral no campo de atuação do professor, assim, a ideia do contexto em
que o professor atua também foi integrado ao TPACK: o professor necessita do conhecimento
sobre os alunos, a escola, as redes sociais da instituição, as preocupações dos pais e a
infraestrutura disponível. Mishra e Koehler (2008) nos dizem:

O ensino é uma atividade vinculada ao contexto e os professores que


desenvolvem a aula a partir do TPACK usam as TIC para projetarem
experiências de aprendizagem adaptando pedagogias específicas com
características orientadas em diferentes situações de aprendizagem (MISHRA
e KOEHLER, 2008, p. 3).

Porras-Hernández e Salinas-Amescua (2013) afirmam que a ideia de contexto


no quadro TPACK se refere aos seguintes fatores: (a) as características do aluno; (b) sala de
aula da instituição e as condições de aprendizagem; (c) atividades de ensino situadas; e (d)
crenças epistemológicas do professor (PORRAS-HERNÁNDEZ e SALINAS-AMESCUA,
2013, p. 4). As autoras, para um aprofundamento mais sistemático da ideia de contexto,
propõem uma divisão em duas dimensões:
Escopo: níveis macro, médio e micro.
Estudantes e professores.
O nível macro, dentro do escopo, é definido pelos contextos sociais, políticos e
condições socioeconômicas. Isto inclui o desenvolvimento tecnológico em todo o mundo, bem
como as políticas globais sobre tecnologias, o que são bastante relevantes no caso de integração
tecnológica no ensino (PORRAS-HERNÁNDEZ e SALINAS-AMESCUA, 2013, p. 226). Já
no nível médio, são destacados os níveis sociais, culturais e políticos-organizacionais no nível
da escola e da comunidade e a relação destes atores com o aspecto tecnológico. O nível
subsequente – micro – é o aspecto de sala de aula, ou seja, como são os recursos, objetivos,
abordagens e atuação do professor. É onde o professor assume autonomia e independência
(PORRAS-HERNÁNDEZ e SALINAS-AMESCUA, 2013, p. 228).
No nível em que envolve os atores - alunos e professores - as autoras dizem que
cada ator traz características únicas que influenciam o processo de ensino e aprendizagem.
“Para efetivamente integrar as TIC, tanto as características dos alunos como dos professores
devem ser levadas em consideração, pois, os mesmos se tornam objetos de conhecimento com
seus contextos internos e externos únicos” (PORRAS-HERNÁNDEZ e SALINAS-
AMESCUA, 2013, p. 231).
Chandra (2016) chama a atenção para a questão contextual, dizendo que as tomadas
de decisões dos professores em relação às aulas com TIC são fortemente influenciadas pelo

17
contexto em que o mesmo está inserido. Este, por sua vez, influencia a forma como o professor
raciocina tecnologicamente (CHANDRA, 2016, p. 352). Cada contexto tem características
próprias e deve ser tratado individualmente.

2.5 Obstáculos para o TPACK na educação


Segundo Bauer (2014), parte dos problemas ocasionados na aplicação de
tecnologias no ensino é a visão somente para a tecnologia e não como ela deve ser usada. Ou
seja, o sistema educacional não tem características de mudanças abruptas. Embora seja um
sistema com vários fatores a corrigir, funciona há muito tempo e qualquer tipo de mudança
precisa de tempo para ser implementada.
Outra questão é que a necessidade de incorporação das TIC na sala de aula fez com
que surgissem diversos cursos de formação tecnológica, workshops e programas de reciclagem,
mas que de certa forma se concentram mais no campo tecnológico, ou seja, na ferramenta ou
dispositivo (MISHA e KOEHLER, (2006). A ênfase dada aos recursos tecnológicos causa a
falsa impressão de que o problema do uso das TIC foi resolvido. O fato de interagir com as TIC
não necessariamente caracteriza um professor com proficiência tecnológica-pedagógica, como
nos diz Bauer (2013):

Acreditávamos (erroneamente, como a pesquisa indica cada vez mais) que,


depois de os professores aprenderem a usar a tecnologia, eles naturalmente
descobrem como usá-las para ensinar em sua área de conteúdo. O que está
claro agora é que precisamos ir além das abordagens “tecnocêntricas”
simplistas, porque o conhecimento da tecnologia não conduz necessariamente
para o ensino eficaz com a mesma (BAUER, 2013, p. 55).

O que acontece nestas situações é o “mascaramento” do processo de ensino e


aprendizagem sendo que a única novidade no contexto da aula são os dispositivos eletrônicos
ou os recursos demonstrados em softwares e aplicativos. Ou seja, as TIC, neste caso, são vistas
como um conjunto de ferramentas separadas da rotina e competências cotidiana do professor,
e integrá-las sem o mínimo de preparação e conscientização pedagógica não contribui como
deveria para a educação e todo o processo de ensino e aprendizagem.
Outra questão comum nestes eventos é que a avalanche de informações que recaem
sobre os professores participantes faz com eles se sintam pressionados ou desestimulados,
pensando que trabalhar com as TIC envolve processos complexos e que deve ficar de posse dos
especialistas. Esta conjuntura causa uma visão bifurcada dos professores em relação à

18
integração das TIC. A representação do quadro teórico seria uma figura com o círculo do CT
separado dos demais: (MISHA e KOEHLER, 2006, p. 1025).

CC CPC CP

CT

Figura 2: Isolamento do CT

Os autores afirmam que não existe um padrão de uso de TIC para cada professor,
instituição ou metodologia de ensino. O bom desempenho da atividade docente usando as TIC
exige o desenvolvimento de uma compreensão diferenciada do complexo relacionamento entre
tecnologia, conteúdo e pedagogia e, a partir deste entendimento, passa-se a criar estratégias
apropriadas e específicas para cada situação de ensino.
É importante, aliás, que se mantenha esta mentalidade dinâmica do uso das TIC na
educação, pois, como as TIC estão em constante processo evolutivo, o professor não deve se
prender a estratégias metodológicas estáveis, ou seja, a atividade docente poderá sofrer
alterações em relação às TIC utilizadas, mas mantém a estrutura entrelaçada entre os campos
de conhecimentos propostos no TPACK.
Ainda que muito novo, do ponto de vista histórico em relação a outras pesquisas de
ensino e aprendizagem, o TPACK pode representar um ponto de partida teórico para um
fenômeno educacional que tende somente a crescer, e talvez este seja um dos motivos para os
problemas de desequilíbrio dos elementos que integram o mesmo. Sempre é importante lembrar
que somente usar as tecnologias não significa ensinar tecnologicamente, é necessário que o
professor tenha o raciocínio tecnológico, e este fator tem forte relações com suas crenças
epistemológicas e consequentemente influenciam a maneira como o mesmo pensa em
implementar as TIC na sala de aula.

19
3 TPACK E EDUCAÇÃO MUSICAL
Neste capítulo haverá um enfoque para a educação musical e o TPACK. Serão
discutidas as situações referentes à formação do educador do ponto de vista das TIC, os
possíveis caminhos para implementação do quadro TPACK no ambiente de sala de aula

3.1 Visão Geral: TPACK e Educação Musical

As TIC influenciaram significativamente diversos espaços sociais. Nas áreas


artísticas, sobretudo na música, teve grande participação. As TIC estão presentes em todas as
partes relacionadas à música, como: composição, produção, comércio, ensino, editoração,
consumo e difusão (BAUER, 2014). A internet possibilitou visibilidade para muitos produtores
de conteúdo, como, por exemplo, artistas e professores profissionais e amadores. Assim, outras
relações musicais surgiram a partir do desenvolvimento das TIC. Músicos, do âmbito da música
popular e erudita contemporânea estão conseguindo usar softwares de sequenciamento e live
coding6 em performances ao vivo, bem como usar o computador como plataforma de gravação
das próprias produções, (BAUER, 2014, p.6). É natural que este universo chegue ao campo do
ensino musical, como afirma Bauer (2014):

Música e tecnologias estão interligados em muitos aspectos, e a tecnologias


estão permitindo que os indivíduos tenham acesso a conteúdo musicais de
diferentes maneiras mesmo sem uma educação musical formal. Parece lógico
então, que as escolas aliem as tecnologias para a aprendizagem dos alunos e
os educadores musicais possam incorporar tecnologias apropriadas na
educação musical (BAUER, 2014, p.7).

É fato que a área da música e produção musical já dispõe de uma série de


ferramentas tecnológicas que podem ser usadas no ensino. Os autores acima citados já
discutiram em seus trabalhos as ferramentas, possibilidades de uso e aplicação. O presente
tópico abordará o uso das TIC no ensino de música a partir do quadro teórico TPACK.
O objetivo é que - assim como em outras áreas – o uso do quadro TPACK possa
ajudar o professor de música a conduzir um ensino de música eficaz considerando o uso das
TIC. O TPACK ao longo dos últimos dez anos foi sofrendo mudanças e alterações de acordo
com o contexto educacional em que é aplicado (ANGELI, 2016). É natural que o quadro sofra
adaptações para ser aplicado no âmbito da educação musical.

6
Segundo Brown (2015), Live Coding é uma prática de performance musical em que o software
que gera a música ou outro tipo de dado além de som, é escrito e manipulado durante a performance.

20
Vale ressaltar que, mesmo havendo um número expressivo de publicações acerca
do TPACK, e publicações abordando o ensino de música e as TIC, ainda são escassas pesquisas
envolvendo especificamente a relação TPACK e educação musical.
Dorfman (2013) alerta que o uso excessivo das TIC na sala de aula de música pode
fazer com que o professor de música corra o risco de se tornar um professor de tecnologia,
perdendo o enfoque na experiência musical. Segundo o autor “o TPACK proporciona uma base
sólida para que haja um equilíbrio e o enfoque da aula seja mantido na experiência musical”
(DORFMAN, 2013, p. 46). Bauer (2014) argumenta que, se a educação musical se basear
coerentemente no modelo TPACK, elimina-se a atenção exclusiva ao recurso tecnológico e
ajuda os alunos a alcançarem os objetivos de aprendizagem.
Outra questão, apontada por Bauer (2013), sobre o uso das TIC por educadores
musicais, evidencia ainda que os professores muitas vezes usam as TIC para as próprias
atividades, como notação musical digital, elaboração de material gráfico e auditivo através de
softwares editores de texto e áudio e gravadores multipistas, mas normalmente a inclusão destas
ferramentas no ambiente pedagógico é baixo. Ou seja, o educador até possui uma relação com
as TIC, mas não direciona seu uso para as suas práticas docentes.
Uma abordagem que talvez se mostre eficiente sobre a formação do educador
musical no contexto TPACK pode ser visitada no trabalho de Gall (2017). A autora propõe
estabelecer uma distinção entre o conhecimento pedagógico geral e o conhecimento pedagógico
musical (GALL, 2017, p. 310). A mesma argumenta que o ensino de música, dependendo do
contexto, requer ações pedagógicas diferentes. Outra alteração proposta pela autora é a
subdivisão do conhecimento tecnológico geral e o conhecimento tecnológico musical. Esta
divisão é relevante, pois, mesmo que professores não tenham conhecimento de recursos
tecnológicos específicos da área musical, os mesmos podem ter uma relação tecnológica mais
geral com por exemplo o uso da internet, operação de softwares processadores de textos e
apresentações, além de softwares tocadores de música e vídeo.

21
Figura 3: TPACK adaptado por Gall (2017)

Gall (2017) também retoma o conhecimento do contexto e o conhecimento dos


alunos abordado anteriormente por Shulman (1987). A autora fala sobre a importância do
conhecimento de aspectos individuais dos educandos em relação à abordagem tecnológica. É
prudente investigar se os alunos já dominam alguma tecnologia e em que nível eles o fazem.
Desta maneira, é possível estabelecer os parâmetros de integração das TIC nas aulas, bem como
os objetivos gerais de aprendizagem. A intenção de Gall (2017) ao tratar do conhecimento do
contexto é trazer o aluno para o enfoque da aprendizagem, salientando que o importante é o
aluno e não o sistema utilizado no processo (GALL, 2017, p. 311).
A abordagem da autora neste aspecto é importante, pois os alunos estão em um
ambiente com diversas TIC e se relacionam com elas. No conhecimento do contexto dos alunos
está a noção que o professor deve ter do conhecimento tecnológico dos mesmos, bem como seu
conhecimento nas tecnologias musicais. “Sem o conhecimento claro dos equipamentos e
softwares que os alunos estão usando fora da sala de aula e sua competência com eles, é
impossível para um professor selecionar as tecnologias e abordagens pedagógicas mais
adequadas para a sala de aula” (GALL, 2017, p. 311). Também estão no conhecimento do
contexto, o retrato cultural de cada país em relação ao ensino de música e como o mesmo é
gerido dentro do sistema educacional.

22
Além de todas estas atribuições mencionadas anteriormente, o conhecimento
tecnológico do educador musical na perspectiva do TPACK deve estar atualizado. O educador
deve ter conhecimento e domínio de hardwares e softwares para aplicações em sala de aula de
música. Além do computador e dispositivos móveis e sua operacionalização, o educador deve
dispor e saber instalar e configurar hardwares como controladores, sensores, interfaces de
áudio, interação com sistemas de programação como MIDI, saber sobre equipamentos,
conexões (com e sem fio) e noções da cadeia de sinal de áudio em equipamentos de som e no
computador. Ou seja, quanto mais conhecimento em ferramentas tecnológicas – em nível
conceitual e concreto - o professor tiver à disposição, mais ele poderá ter ideias e
consequentemente conseguirá construir metodologias eficientes para a aprendizagem musical.
Lembrando sempre do equilíbrio proposto pela literatura do quadro TPACK em que
o objetivo final da experiência deve ser sempre a aprendizagem, sem que a aula se torne um
laboratório de experimentações com equipamentos eletrônicos sem direção e objetividade.

3.2 Desafios para a formação do educador musical TPACK


No contexto de atuação de professores de música pelo viés tecnológico, são
mostrados por Mroziak e Bowman (2016) que existe uma lacuna entre os alunos que hoje estão
em formação inicial, ou até mesmo atuando, e os professores de outras gerações. Os professores
hoje recém-formados (considerando os que nasceram em meados da década de 1990 ou início
dos anos 2000) já nasceram em um ambiente digital mais significativo, ao qual Prenski (2001)
chamou de “nativos digitais”. Estes alunos, normalmente, até têm uma relação mais natural
com os recursos provenientes das TIC, mas muitas vezes não conseguem alcançar resultados
eficientes usando as mesmas na sala de aula porque falta ainda mais experiência com o
conhecimento pedagógico musical (BOWMAN e MROZIAK, 2016, p. 422).
Já os professores mais experientes, do ponto de vista da pedagogia musical, têm
mais domínio das estratégias pedagógicas, mas às vezes falta a segurança com os recursos
tecnológicos. Este fenômeno pode estar relacionado ao fato de estes professores serem de
gerações anteriores ao aparecimento mais expressivo das TIC (BOWMAN e MROZIAK, 2016,
p. 422).
Já na formação no ensino superior de professores de música, Bowman e Mroziak
(2017) dizem que:

Estes cursos geralmente se concentram no desenvolvimento de uso de


aplicativos de música específicos e recursos como notação musical por

23
softwares, protocolo MIDI7 básico, sequenciamento (gravação e reprodução
de faixas musicais), e instrução musical assistida por computador a partir de
softwares de treinamento auditivo (BOWMAN e MROZIAK, 2016, p. 422).

Bauer (2013) realizou um estudo para entender a formação do educador musical


dentro do TPACK8. O estudo em questão teve a participação de 284 professores de música que
estavam inscritos em uma semana de oficinas de tecnologia musical em diversas partes dos
Estados Unidos (BAUER, 2013, p. 7). A população do pesquisador era diversificada tendo em
seu quadro professores da escola regular até o nível superior. Os instrumentos de medição
foram dois questionários: um destinado a medir o TPACK no âmbito da educação musical, o
qual o pesquisador chamou de Musical TPACK ou MTPACK, e outro para descrever o nível
de integração de tecnologia na sala de aula.
Os resultados mostraram que os pesquisados entendiam os conhecimentos
relacionados ao conteúdo e pedagogia, porém os conhecimentos tecnológicos e conhecimentos
pedagógicos tecnológicos tiveram os indicadores mais baixos: (a) CP (85,71%), (b) CC
(85,07%), (c) CPC (81,95%), (d) CTC (76,60%), (e) CTP (75,20%), (f) TPACK (72,95%), e
(g) CT (70,63%).
O pesquisador afirma neste estudo que os cursos de formação são eficientes nos
níveis de conhecimentos pedagógicos e de conteúdo. No entanto, há indicativos de que o
conhecimento em tecnologia é construído pelo próprio professor buscando aprender de maneira
autônoma em oficinas e workshops.

Claramente, o componente de tecnologia foi o aspecto mais fraco da tríade


TPACK (tecnologia, conteúdo e pedagogia) para estes professores [...]. À
medida em que o nível de conhecimento tecnológico é insuficiente, o mesmo
influencia no conhecimento do conteúdo tecnológico, no conhecimento
pedagógico tecnológico e finalmente no conhecimento tecnológico
pedagógico do conteúdo (BAUER, 2013, p. 11).

A autoexploração de ferramentas tecnológicas é um fator apontado pelo


pesquisador como uma maneira dos professores adquirem conhecimento em tecnologias. O
autor conclui ainda que o desenvolvimento do professor dentro do modelo TPACK acontece de
maneira natural à medida que o mesmo sente segurança com os recursos tecnológicos: “parece
que se os professores têm acesso a ferramentas tecnológicas e são capazes de explorar e se

7
Segundo Ratton (2009) o protocolo MIDI “é uma linguagem de comunicação de dados,
desenvolvida especificamente para operar com instrumentos musicais, e que permite a transferência de
informações (musicais e não musicais) entre os instrumentos eletrônicos, e entre eles e os computadores”
(RATTON, 2009, p. 9)
8
Para ver os detalhes da pesquisa: ver
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1057083712457881

24
sentir confortáveis com elas, eles irão não só desenvolver o seu TPACK mas também podem
ser mais propensos a tentar usar as tecnologias no processo de ensino/aprendizagem” (BAUER,
2013, p. 11).
Já Gall (2017) conduziu uma pesquisa com alunos estagiários do curso de música
da Universidade de Bristol no Reino Unido. A questão interessante neste estudo é que o TPACK
foi introduzido como conteúdo curricular no curso de música no ano letivo de 2013/2014
(GALL, 2017, p. 313). Nesta pesquisa a autora investigou, através de diálogos e entrevistas, as
percepções dos professores novatos em relação ao uso das TIC e suas percepções acerca do
TPACK. Estes alunos estagiários atuaram diretamente na sala de aula. O curso ofereceu
workshops para atualização tecnológica dos alunos, mesmo porque haviam alunos que não
tinham experiência com as TIC musicais. Estes alunos dependeram de um tempo a mais para
se familiarizar com as TIC, e a autora ainda afirma que alguns deles compraram os softwares e
praticaram em seus próprios computadores. Este fator se alinha com o processo descrito
anteriormente por Bauer (2013), sobre a busca de formação individual pelo próprio educador,
mesmo em um curso que oferece a disciplina de tecnologias.
A autora ainda relata que outros alunos não se sentiram confiantes no final da
pesquisa, afirmando que a prioridade de formação era a competência pedagógica geral e
musical. Outros alunos relataram sobre as dificuldades em relação à pedagogia em torno da
inclusão das TIC em suas lições. Um afirmou sobre a dificuldade de gestão da sala com todos
os alunos nos computadores fazendo perguntas e ainda com os problemas comportamentais.
Outro afirmou sobre a importância do planejamento semelhante às aulas sem tecnologias, pois
a antecipação de possíveis obstáculos ajuda a ganhar tempo e conduzir a aula (GALL, 2017, p.
314).
A autora ainda observou importantes aspectos discutidos neste texto acerca do
TPACK, como o equilíbrio entre o uso de TIC e o ensino de música, conhecimento do contexto
e conhecimento dos alunos. O fator positivo é que os pesquisados relataram sobre o valor
pedagógico em usar computadores com softwares sequenciadores para ensinar conteúdos
musicais. O aprendizado de conceitos musicais como andamento e composição, por exemplo,
tornaram-se mais significativos (GALL, 2017, p. 315). Esta pesquisa está ajudando a autora
nos estudos sobre educação musical e TIC e continua a modificar seu curso dentro da
universidade para atender às necessidades dos alunos. Também fornece uma útil reflexão para
os estagiários sobre o papel da universidade e a sua formação em relação às TIC para atuarem
na escola básica.

25
No contexto brasileiro a pesquisa de Santos (2015), embora não tivesse o objetivo
de investigar a formação de alunos estagiários no contexto do TPACK, envolveu diretamente
as relações das TIC com ensino de música e formação de professores. A pesquisa foi conduzida
em três cursos de Licenciatura em Música de três instituições diferentes.
A mesma mostrou que os alunos participantes conheciam e tinham relações com as
TIC dentro e fora dos cursos, mas os dados eram decrescentes em relação ao uso destas
tecnologias em sala de aula. Logicamente este fator envolve diversas variáveis apontadas na
pesquisa como: dificuldades com acesso às TIC, conexão com internet, dificuldade com
camadas administrativas para uso do laboratório de informática e dificuldade para aquisição de
equipamentos. Nos três cursos haviam disciplinas que tratavam de conteúdos tecnológicos,
mostrando assim que o ensino superior brasileiro, pelo menos nestas instituições investigadas,
já entende uma necessidade de abordagens destes assuntos, mas, estavam mais relacionados a
prover ao estudante o conhecimento e domínio das TIC musicais. Ou seja, há indicativos de
que a formação do professor de música na academia dá mais ênfase a fornecer ao aluno o
conhecimento tecnológico no sentido operacional, mas ainda nos dois casos acima citados,
envolvendo o Brasil e os Estados Unidos, há uma lacuna em relação a motivar os professores a
usarem as TIC em suas práticas docente. Já na Universidade de Bristol os alunos já têm acesso
a uma reflexão sobre TIC e educação musical por conta da inserção do TPACK na grade
curricular, mesmo assim a pesquisa de Gall (2017) revelou problemas na implementação.
É importante ressaltar que o TPACK na educação musical ainda se mostra um
campo de pesquisa novo. Além disso, é um modelo que está em desenvolvimento e adaptações.
É necessária a produção de mais pesquisas na área da educação musical com as TIC, sobretudo
no Brasil, já que no ambiente acadêmico internacional este tipo de investigação já está
acontecendo.

26
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho discutiu o modelo teórico TPACK e suas implicações na
educação regular e na educação musical. A pesquisa também abordou o conceito base para o
TPACK: o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo – CPC. A discussão aqui abordada buscou
compreender o que realmente representa conhecer o conteúdo na concepção de Shulman. As
estruturas teóricas abordadas com as teorias de Bruner e Schwab mostram que formular bases
para elaboração curricular de disciplinas envolvem conhecimentos conceituais coma as
estruturas substantivas e sintáticas de Schwab.
Vale ressaltar também a importância que Shulman dedica aos conhecimentos
externos ao conteúdo específico da disciplina, como o conhecimento do contexto e das
estruturas curriculares, além de conhecimento da filosofia da educação e formação humanística
abrangente. Fica evidente, pela revisão aqui descrita, que o fato do professor conhecer um
determinado conteúdo não necessariamente o qualifica para o ensino daquele objeto.
No âmbito do modelo TPACK foram discutidos como o conhecimento tecnológico
foi incorporado ao modelo de Shulman. Os autores Misha e Koehler em sua publicação
inaugural do TPACK enfatizaram que o importante deste modelo é a integração dos elementos
constituintes. Este é um conceito de extrema importância e que deve ser entendido de maneira
completa pelo professor. Fica claro, pela visão dos autores, que inserir um recurso tecnológico
na aula não necessariamente indica que o professor está dentro do modelo TPACK. A
atualização tecnológica dos profissionais da educação sem uma orientação específica também
não faz com que o professor passe a usar as TIC de maneira eficaz no ensino. É preciso
desenvolver o que os autores chamam de raciocínio tecnológico, ou seja, o professor deve
refletir o quanto o processo de ensino pode ser alterado pelas TIC, em todos os níveis, tanto
pelo papel do professor na regência da aula, como também pelo desempenho do aluno ao
interagir com as TIC.
Também houve uma importante revisão da função do conhecimento do contexto na
composição do TPACK.
Já no âmbito da educação musical, os autores levantaram questões significativas
sobre a formação tecnológica do educador musical. Os educadores musicais devem
compreender a dimensão do conhecimento pedagógico geral e do conhecimento pedagógico
musical proposto por Gall (2017). Também é importante entender o conhecimento tecnológico
geral e conhecimento tecnológico musical proposto pela autora.

27
Foram também tratados assuntos sobre situações de formação tecnológica do
educador musical no ensino superior. Os trabalhos mostraram que é preciso revisar este
processo motivando as instituições, professores e alunos a dar igual ênfase ao conhecimento
pedagógico para o uso das TIC e equilibrar o processo hoje investigado que mostrou ser de
maior destaque no ensino das habilidades operacionais das TIC.
É importante ressaltar que mesmo sendo um campo de pesquisa novo, o TPACK
representa um modelo bastante significativo para a utilização das TIC no ensino. Como dito
anteriormente, as questões relacionadas ao crescimento das TIC nos meios sociais e
educacionais indicam que as mesmas continuarão a evoluir de maneira veloz e com certeza
implicarão na estrutura educacional. O TPACK pode representar uma alternativa para que os
obstáculos descritos neste trabalho para o uso de tecnologias em sala de aula sejam
minimizados.
Serão apresentados nos estudos futuros do autor uma ampla abordagem em relação
ao conhecimento tecnológico do educador musical. Serão apresentados um conjunto de
ferramentas de softwares e hardwares disponíveis para a educação musical, bem como
metodologias para sua utilização em diferentes contextos.
Também será feita uma compilação de ferramentas disponíveis para dispositivos
móveis. Serão tratadas a intersecção destes conhecimentos com o conhecimento pedagógico. A
proposta pretende oferecer uma visão geral de como utilizar estas tecnologias em sala de aula
enquadrados no modelo TPACK. Assim, espera-se que o modelo TPACK possa contribuir para
a continuação de pesquisas em educação musical e tecnologias no contexto brasileiro.
Esta pesquisa não encerra o assunto. Os próximos estudos do autor também
abordarão outra importante área da educação – a educação inclusiva. Estão nos horizontes desta
pesquisa o ensino de música para alunos com deficiência visual utilizando diversos tipos de
TIC e sua sustentação teórica a partir do TPACK.

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