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METODOLOGIA
ERGONOMIZADORA

CURSO DE MESTRADO EM ERGONOMIA

Disciplina: Fundamentos da Ergonomia

Aula 2: Técnicas e ferramentas para


a intervenção ergonomizadora

Prof. Marcelo Márcio Soares, Ph.D.

Departamento de Design
Universidade Federal de Pernambuco

Recife, maio de 2016


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SOBRE OS AUTORES

Professora ANAMARIA DE MORAES foi doutora em Comunicação pela Escola de


Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Engenharia de
Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em Ergonomia pela
Fundação Getúlio Vargas – R.J. Também é bacharel e licenciada em História pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro e em Desenho Industrial pela Escola Superior de
Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – ESDI.

A Professora Anamaria era Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Design e do


Curso de Especialização em Ergonomia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro e do Laboratório de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces em Sistemas
Humano-Tecnologia do Mestrado em Design da PUC-Rio. Já orientou diversas dissertações
de mestrado e teses de doutorado. Também é professora convidada de diversas
instituições de ensino no Brasil. Publicou diversos livros, capítulos de livros e centenas de
artigos em revistas científicas e anais de congressos no Brasil, Canadá, Espanha, Estados
Unidos, França, Finlândia, Holanda, Inglaterra e Polônia. Foi presidente e uma das
fundadoras da Associação Brasileira de Ergonomia e possui mais de vinte anos de
experiência como consultora em ergonomia junto a empresas de diversos estados do
Brasil. A Prof. Anamaria de Moraes faleceu em fevereiro de 2012 durante o 18o Congresso
Mundial de Ergonomia que ocorreu em Recife.

O professor MARCELO MÁRCIO SOARES é ex-presidente da ABERGO – Associação


Brasileira de Ergonomia, ex-Diretor de Desenvolvimento Internacional da IEA – Associação
Internacional de Ergonomia e foi o Presidente do 18o. Congresso Mundial de Ergonomia,
que ocorreu em fevereiro de 2012 na cidade de Recife, PE. É professor convidado da
Universidade da Flórida Central, nos Estados Unidos, da Universidade Técnica de Lisboa,
em Portugal e da Universidade de Guadalajara, no México. Realizou o seu pós-
doutoramento no Departamento d Engenharia Industrial e Gerenciamento de Sistemas, na
Universidade da Flórida Central, nos EUA. Ele concluiu o seu Ph.D. em ergonomia pela
Loughborough University, no Reino Unido, em dezembro de 1998. Concluiu o mestrado
em Engenharia de Produção (com ênfase em ergonomia) na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, no Programa de Engenharia do Produto, em 1990 e o curso de especialização
em Ergonomia na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, em 1989. É bacharel em
Desenho Industrial pela Universidade Federal de Pernambuco e licenciado em Letras pela
Universidade Católica de Pernambuco.

O Professor Marcelo é atualmente professor titular do Departamento de Design da


Universidade Federal de Pernambuco [UFPE]. É o coordenador dos cursos de Mestrado em
Ergonomia e de Especialização em Ergonomia da UFPE..

O autor já foi orientador de dezenas de projetos de produtos nas áreas de equipamento


médico-hospitalar, sistemas complexos, equipamento para deficiente físico, mobiliário
urbano e produtos de consumo em geral. Participou de análises ergonômicas e trabalhos
de consultoria em diversas empresas, incluindo Petrobras – Rio de Janeiro, Transpetro –
Rio de Janeiro e Santa Catarina, Rexam Beverage Can South América - Recife, Trust Import
– Aracajú, Companhia Muller de Bebidas Nordeste – Recife, Companhia Pitu de Bebidas,
Itaipú Binacional, etc.

É co-editor do Handbook of Human Factors and Ergonomics in Consumer Product, manual


de ergonomia em dois volumes, lançado mundialmente em 2011 pela Editora CRC Press.
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Foi co-autor de dois livros sobre Ergonomia e autor de cerca de cento e cinquenta artigos
publicados, com apresentação de trabalhos científicos em congressos e eventos na África
do Sul, Argentina, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coréia do Sul, Escócia, Espanha,
Estados Unidos, França, Inglaterra, Finlândia e Portugal. Recebeu o Student Prize da
Sociedade de Ergonomia Inglesa, a partir de uma seleção entre os estudantes de pós-
graduação na Comunidade Britânica no ano de 1997. O Prof. Marcelo é ergonomista
certificado e um dos responsáveis pela criação e implantação do Sistema de Certificação
do Ergonomista Brasileiro.

O Professor Marcelo Soares foi o responsável pela organização dos congressos da


ABERGO - – Associação Brasileira de Ergonomia em 2002 (Recife, PE), 2004 (Fortaleza,
CE), 2006 (Curitiba, PR) e 2008 (Porto Seguro, BA). Também foi o responsável pela
organização do IEA 2012 – 18o. Congresso Mundial de Ergonomia (www.iea2012.org)
maior evento de ergonomia do mundo, realizado pela primeira vez na América Latina, de
12 a 16 de fevereiro de 2012. É o coordenador do 1o. CONAERG – Congresso
Internacional de Ergonomia Aplicada, que ocorrerá de 16-19 de novembro de 2016, em
Recife.

Endereço para contato:

Departamento de Design
Universidade Federal de Pernambuco - Centro de Artes e Comunicação
Av. Prof. Moraes Rego, s/No. Cidade Universitária
50.670-420 – Recife, PE
Telefax: + 81 2126-8316 | Email: soaresmm@gmaii.com

ATENÇÃO: O TEXTO QUE SE SEGUE É PARTE DE UM CAPÍTULO DO LIVRO “METODOLOGIA


ERGONÔMICA” ORA EM FASE DE ELABORAÇÃO PELO PROF MARCELO SOARES, PORTANTO,
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DOS
MESMOS.
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

2. TIPOS DE PESQUISAS 8
2.1 Pesquisas descritivas e experimentais 8
2.1.1 Pesquisas descritivas 8
2.1.2 Pesquisas experimentais 8
2.2 Métodos quantitativos e qualitativos 9
2.2.1 Métodos quantitativos 9
2.2.2 Métodos qualitativos 10
2.2.3 Integração entre análise quantitativa e qualitativa 10
2.2.4 Aporte do método quantitativo ao qualitativo 12
2.3 Estudos de caso 12
2.3.1 Seleção e delimitação do caso 13
2.3.2 O trabalho de campo 13
2.3.3 A organização e redação do relatório 13
2.4 Estudos causais comparativos 14
2.5 Pesquisa participante 15
2.6 Pesquisa-ação 16

3. TIPOS DE OBSERVAÇÕES 19
3.1 Observação assistemática 19
3.2 Observação sistemática 19
3.2.1 Observação direta e indireta 20
3.2.2 Planejamento da observação sistemática 20
3.3.3 Protocolo de observação 21
3.3.4 Recomendações gerais para uma correta observação
sistemática 22
3.3.5 Uso das observações sistemáticas pelo ergonomista 23
3.3 Observação participante 25
3.4 Registro de comportamento 28
3.4.1 Definições de comportamento 28
3.4.2. Tipos de registro de comportamento 30
3.4.3 Definição de duração de intervalo para registros que envolvem
tempo de duração de intervalo previamente determinado 36
3.4.4. Cálculo de concordância entre observadores 36

4. TIPOS DE INQUIRIÇÕES 41
4.1 Entrevista 41
4.1.1 Tipos de entrevista 41
4.1.2 Temas e perguntas 44
4.1.3 Uso da entrevista pelo ergonomista 46
4.2 Questionário 49
4.2.1 Funções e características dos questionários 50
4.2.2 Tipos de questionário 50
4.2.3 Tipos de perguntas 55
4.2.4 Cuidado com as defesas e deformações 56
4.2.5 Etapas da elaboração de um questionário 57
4.2.6 O objeto e os objetivos da enquete 57
4.2.7 A pré-enquete 58
4.2..8 O pré-teste do questionário 61
4.2.9 Aplicação do questionário 62
4.2.10 A análise dos resultados 63
5

4.3 Escalas de avaliação 65


4.3.1 Definição de um contínuo 66
4.3.2 Escalas de ordenação 66
4.3.3 Escalas de graduação 66
4.3.4 Autoposicionamento numa escala de opiniões 67
4.3.5 Diferencial semântico 67
4.3.6 Escalas de atitudes 68
4.4 Verbalização 68
4.4.1 Tipos de Verbalizações 69
4.4.2 Cuidados com a verbalização 70

5. MÉTODOS DA ENGENHARIA 71
5.1 Diagrama de fluxo funcional e ação – decisão 71
5.2 Tabela função - informação- ação 77
5.3 Análise de sistema similar 78
5.4 Carta de – para 79
5.5 Mapofluxograma 79
5.6 Análise temporal (‘Timeline’) 81
5.7 Links 82
5.8 Matriz e rede de interação 83
5.9 Matriz e rede de restrição 87

6. AMOSTRAGEM DE SUJEITOS 88
6.1 Tipos de amostras 89

7. ANÁLISE DA TAREFA 91
7.1 Trabalho, tarefa, atividade 91
7.2 Objetivos, meios e interações da tarefa 92
7.3 Trabalho prescrito e trabalho real 93
7.4 Condutas operatórias e atividades 94
7.5 Requisitos, ambiente e comportamento da tarefa 95
7.6 O processo de análise da tarefa 96
7.7 Tomada de informações, acionamentos, comunicações,
regulações, cognição 96
7.8 Meta e atividade do sistema homem-tarefa-máquina 97
7.9 Análise da tarefa e projeto 98
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1. INTRODUÇÃO

A ergonomia, ao realizar suas pesquisas e intervenções, lança mão dos métodos em uso
pelas ciências sociais e das técnicas propostas pela engenharia de métodos.

As classificações de pesquisa em sociologia e psicologia baseiam-se, principalmente, em


métodos de pesquisa que incluem diferentes abordagens lógicas para o projeto de
investigações, assim como a escolha de uma variedade de técnicas, tais como a
construção de questionários e escalas de avaliação. As classificações vão desde a
consideração de vários métodos para alcançar um único objetivo até a consideração de
um único método para alcançar diversos objetivos.

Pode-se citar, como exemplo, o uso de 'surveys' (termo técnico para designar um
levantamento de informações ou opiniões por meio de um questionário administrado a
uma amostra - geralmente aleatória - da população estudada) para verificar hipóteses,
para descrever as características de um fenômeno e para buscar relações quantitativas
entre variáveis indicadas.

De acordo com RUDIO (1986), há, em termos gerais, dois tipos de pesquisa - a pesquisa
descritiva e a pesquisa experimental. A diferença que geralmente se estabelece entre os
conceitos descrever e explicar pode, aproximadamente, indicar como a pesquisa
descritiva se distingue da experimental. Descrever é narrar o que acontece. Explicar é
dizer porque acontece. Assim, a pesquisa descritiva está interessada em descobrir e
observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los. A pesquisa
experimental pretende dizer de que modo ou por quais causas o fenômeno é produzido.

Atualmente, face à colocação do poder do saber e do questionamento da hegemonia do


pesquisador na condução da pesquisa - desde a definição do problema, passando pela
escolha dos métodos, pela construção do modelo teórico, pela definição dos
instrumentos, até a avaliação dos resultados e a utilização destes resultados -, propõem-
se as pesquisas participantes.

A pesquisa participante é descrita de modo mais comum como uma atividade integrada
que combina investigação social, trabalho educacional e ação.

Por outro lado, tem-se, segundo THIOLLENT (1985), que a pesquisa-ação é organizada
para realizar os objetivos práticos de um ator social homogêneo dispondo de suficiente
autonomia para encomendar e controlar a pesquisa. O ator é freqüentemente uma
associação ou um agrupamento ativo. Os pesquisadores assumem os objetivos definidos
e orientam a investigação em função dos meios disponíveis. Mais ainda: cotejam-se
pesquisas quantitativas e qualitativas; conceituam-se estudos de caso e estudos causais
comparativos. O quadro 3.1, a seguir, apresenta os métodos e técnicas de pesquisa
analisados neste texto.
7

Quadro 1.1 - Métodos e técnicas de pesquisa em ergonomia

Pesquisa Observaçã * observação assistemática


Descritiva o * observação sistemática

* registro de * definição . registro cursivo


comportame morfológic
nto a
* definição
funcional
. registro de - diacrônico/
Pesquisa freqüência temporal
Quantitativa -sincrônico/
concomitante

. registro de
duração

. registro a - freqüência
intervalos - seqüência

Pesquisa Inquirição entrevista * informal ou não-


diretiva
Qualitativa
* focalizada
* semi-estruturada ou
pautada
* estruturada

questionário * pergunta
aberta
Estudos
causais * pergunta - alternativas dicotômicas
comparativo fechada - múltipla escolha
s - alternativas
hierarquizadas
- pergunta dupla (“por
que?”, ”outros”)

escalas de avaliação . escalas de ordenação


. escalas de graduação
Estudos . diferencial semântico
de Caso . escala de atitudes

verbalização - - execução particular


simultânea - procedimento

Pesquisa . consecutiva . assistida


. não assistida
participante
Métodos da - diagrama de fluxo funcional e ação - decisão
Engenharia - tabela de função - informação- ação
- análise de sistema similar
- carta de/ para
Pesquisa- - mapofluxograma
ação
8

- análise temporal (‘timeline’)


- links
- matriz de interação e restrição

Pesquisa amostra . amostragem de sujeitos


experiment
al . amostragem de atividades
9

2. TIPOS DE PESQUISAS

2.1 Pesquisas descritivas e experimentais

2.1.1 Pesquisas descritivas

Na pesquisa descritiva, acorde RUDIO (1986), O pesquisador procura conhecer e


interpretar a realidade, sem nela interferir para modificá-la; interessa-se em descobrir e
observar fenômenos1 e procura descrevê-los, classificá-los e interpretá-los.

Os estudos de natureza descritiva propõem-se a investigar ‘o que é‘, ou seja, a descobrir


as características de um fenômeno como tal. Nesse sentido, são considerados como
objeto de estudo uma situação especifica, um grupo ou indivíduo.

O estudo descritivo pode abordar aspectos amplos de uma sociedade como, por
exemplo, descrição da população economicamente ativa, do emprego de rendimentos e
consumo, do efetivo de mão-de-obra; levantamento da opinião e atitudes de
trabalhadores acerca de determinada situação; caracterização do funcionamento de
organizações; identificação do comportamento de grupos minoritários.

O problema será enunciado em termos de indagar se um fenômeno acontece ou não,


identificar suas características, verificar que variáveis o constituem. Possibilita-se
classificar e ordenar os fenômenos, detectar que semelhanças ou diferenças existem. Os
dados obtidos - qualitativos ou quantitativos - devem ser analisados e interpretados.

A pesquisa descritiva apresenta diversas formas: pesquisas de opinião (ou pesquisas de


atitude), pesquisas de motivação, estudos de caso, pesquisas para análise do trabalho,
pesquisas documentais.

A ergonomia, ao avaliar as condições de trabalho e analisar a tarefa, realiza pesquisas


descritivas.

2.1.2 Pesquisas experimentais

O pesquisador manipula deliberadamente algum aspecto da realidade, dentro de


condições previamente definidas, a fim de observar se produz um certo efeito, conforme
o esperado - pretende-se dizer de que modo ou por que causas o fenômeno se produz. A
pesquisa experimental busca verificar a relação de causalidade que se estabelece entre
variáveis, isto é, em saber se a variável 'X' (independente) - uma categoria -, determina a
variável 'Y' (dependente) - um critério. Para tanto, necessita-se uma situação de controle
rigoroso, para evitar a influência de fatores alheios a verificação que se deseja fazer.
Depois, interfere-se diretamente na realidade, dentro das condições que foram pré-
estabelecidas - manipula-se a variável independente para observar o que acontece com a

1 O fenômeno é o fato tal como é percebido por alguém. Os fatos acontecem na realidade
independentemente de haver ou não quem os conheça. Mas, quando existe um observador, a
percepção que este tem do fato é o que se chama fenômeno. Pessoas diversas podem observar no
mesmo fato fenômenos diferentes. Ao estudar o fenômeno, a pesquisa descritiva deseja conhecer
a sua natureza, sua composição, os processos que o constituem ou nele se realizam. Para alcançar
resultados válidos, necessita-se elaborar corretamente a pesquisa, segundo as exigências do
método.
10

dependente, se 'X' é a causa de 'Y'. A este procedimento denomina-se experimento. Não


existe pesquisa experimental sem experimento.

A ergonomia, com mais ênfase entre os ergonomistas americanos e ingleses, realizou


vários estudos experimentais sobre percepção de mostradores e manipulação de
comandos. Hoje também estes são realizados para avaliar esforços durante a
movimentação manual de materiais, verificar a relação entre componentes acionais e
traumatismos repetitivos. A área de interação homem-computador é objeto de
experimentos relativos à ferramentas de auxílio à navegação, por exemplo.

2.2 Métodos quantitativos e qualitativos

2.2.1 Métodos quantitativos

Segundo CHIOZZOTTI (1995), as pesquisas quantitativas prevêem a mensuração de


variáveis preestabelecidos, procurando verificar e explicar sua influência sobre outras
variáveis, mediante a análise da freqüência de incidências e de correlações estatísticas. O
pesquisador descreve, explica e prediz.

De acordo com RICHARDSON (1989), o método quantitativo, como o próprio nome indica,
caracteriza-se pelo emprego da quantificação tanto nas modalidades de coleta de dados,
quanto no tratamento das informações. Utilizam-se técnicas estatísticas, desde as mais
simples como percentual, media, desvio padrão, às mais complexas, como coeficiente de
correlação, analise de regressão etc.

Amplamente utilizado na condução das pesquisas, o método quantitativo representa, em


principio, a intenção de garantir a precisão dos resultados, evitar distorções de analise e
interpretação. Resulta, portanto, uma margem de segurança quanto às inferências.

É freqüentemente aplicado nos estudos descritivos, naqueles que procuravam descobrir e


classificar a relação entre variáveis, bem como nos que investigam a relação de
causalidade entre fenômenos.

A partir de estudos descritivos surgem outros que procuram explicar os fenômenos


segundo uma nova ótica, ou seja, analisar o papel das variáveis que, de certo modo,
influenciam ou causam o aparecimento dos fenômenos.

Os estudos que precisam investigar a correlação entre variáveis são fundamentais para as
diversas Ciências Sociais, porque permitem controlar, simultaneamente, grande numero
de variáveis e, através de técnicas estatísticas de correlação, especificar o grau pelo qual
diferentes variáveis estão relacionadas, oferecendo ao pesquisador entendimento do
modo pelo qual as variáveis estão operando.

Este tipo de estudo deve ser realizado quando o pesquisador deseja obter melhor
entendimento do comportamento de diversos fatores e elementos que influem sobre
determinado fenômeno.

No planejamento deste tipo de estudo, o primeiro passo a seguir consiste em identificar


as variáveis especificas que pareçam ser importantes para explicar características
complexas de um problema ou comportamento.

Outro passo distinto é a forma de coletar dados. Para isso poderão ser utilizados
questionários, testes estandardizados, entrevistas e observações, instrumentos estes que
são empregados em outros tipos de estudos.
11

A partir da década de 70 consolida-se a procura de métodos alternativos de pesquisa


para as Ciências Sociais. Essa consolidação baseia-se principalmente em criticas
filosóficas, políticas e técnicas aos métodos quantitativos, os quais aparecem
relacionados a um determinado sistema sócio-econômico.

2.2.2 Métodos qualitativos

Acorde CHIOZZOTII (1995), as pesquisas qualitativas fundamentam-se em dados


coligidos nas interações interpessoais, na co-participação das situações dos informantes,
analisadas a partir da significação que estes dão aos seus atos. O pesquisador participa,
compreende e interpreta.

Ainda segundo RICHARDSON (1989), o método qualitativo difere, em principio, do


quantitativo, à medida que não emprega um instrumental estatístico como base do
processo de análise de um problema. Tal método não pretende numerar ou medir
unidades ou categorias homogêneas.

Em principio, podemos afirmar que, de maneira geral, as investigações que se voltam


para uma analise qualitativa têm como objeto situações complexas ou estritamente
particulares.

Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a


complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no
processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de
profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos.

Há, naturalmente, situações que implicam estudos de conotação qualitativa e, nesse


sentido, alguns estudiosos têm identificado, pelo menos, três:

• situações em que se evidencia a necessidade de substituir uma simples informação


estatística por dados qualitativos. Isto se aplica, principalmente, quando se trata de
investigação sobre fatos do passado ou estudos referentes a grupos dos quais se
dispõe de pouca informação.
• situações em que se evidencia a importância de uma abordagem qualitativa para efeito
de compreender aspectos psicológicos cujos dados não podem ser coletados de modo
completo por outros métodos devido à complexidade que encerra. Nesse sentido,
temos estudos dirigidos à analise de atitudes, motivações, expectativas, valores etc.
• situações em que observações qualitativas são usadas como indicadores do
funcionamento de estruturas sociais.

2.2.3 Integração entre análise quantitativa e qualitativa

Há autores que não fazem distinção clara entre métodos quantitativos e qualitativos, por
entender que a pesquisa quantitativa é também, de certo modo, qualitativa.

Segundo W. Goode e P. K. Hatt, (apud RICHARDSON, 1989), “a pesquisa moderna deve


rejeitar como uma falsa dicotomia a separação entre estudos ‘qualitativos’ e
‘quantitativos’, ou entre ponto de vista ‘estatístico’ e ‘não estatístico’. Além disso, não
importa quão precisas sejam as medidas, o que é medido continua a ser uma qualidade”.
12

No entanto, podemos reconhecer que a forma como se pretende analisar um problema,


ou por assim dizer, o enfoque adotado é que, de fato, exige uma metodologia qualitativa
ou quantitativa.

A abordagem qualitativa de um problema, além de ser uma opção do investigador,


justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um
fenômeno social. Tanto assim é que existem problemas que podem ser investigados
através de uma metodologia quantitativa, e há outros que exigem diferentes enfoques e,
conseqüentemente, uma metodologia de conotação qualitativa.

No planejamento da pesquisa, a utilização de um questionário prévio no momento da


observação ou entrevista pode contribuir para delimitar o problema estudado e a
informação coletada, permitindo identificar casos representativos ou não representativos
a nível individual ou do grupo.

Na coleta de dados, o questionário prévio pode ajudar a evitar perguntas rotineiras e a


identificar características objetivas, por exemplo, geopolíticas de uma comunidade, que
podem influir no contexto da pesquisa.

Na analise da informação, as técnicas estatísticas podem contribuir para verificar


informações e reinterpretar observações qualitativas, permitindo conclusões menos
objetivas.

O aspecto qualitativo de uma investigação pode estar presente até mesmo nas
informações colhidas por estudos essencialmente quantitativos, não obstante perderem
seu caráter qualitativo quando são transformadas em dados quantificáveis, na tentativa
de se assegurar a exatidão no plano dos resultados.

Nesse sentido, digamos que se queira medir o grau de integração de determinado grupo
social e se utilize como padrão quantificável um ‘mais ou menos’. Podemos afirmar
apenas que um grupo A é mais racista que um grupo B ou, em outro caso, que somente
uma minoria de trabalhadores se interessa por determinado problema social.

Com a exemplificação apresentada percebe-se que, mesmo usando a quantificação, essa,


em certos casos, apresenta limitações ao tentar explicitar alguns problemas complexos.

GOLDENBERG (1997) afirma que a integração da pesquisa quantitativa e qualitativa


permite que o pesquisador faça um cruzamento de suas conclusões de modo a ter maior
confiança que seus dados não são produto de um procedimento especifico ou de alguma
situação particular. Ele não se limita ao que pode ser coletado em uma entrevista: pode
entrevistar repetidamente, pode aplicar questionários, pode investigar diferentes
questões em diferentes ocasiões, pode utilizar fontes documentais e dados estatísticos.

Uma modalidade de transformar dados qualitativos em elementos quantificáveis,


bastante empregada por pesquisadores, consiste em utilizar como parâmetros o
empregos de critérios, categorias, escalas de atitudes ou, ainda, identificar com que
intensidade, ou grau, um conceito, uma atitude, uma opinião se manifesta.

Ainda segundo GOLDENBERG (1997), a maior parte dos pesquisadores em ciências sociais
admite, atualmente, que não há uma única técnica, um único meio valido de coletar os
dados em todas as pesquisas. Acreditam que há uma interdependência entre os aspectos
quantificáveis e a vivência da realidade objetiva no cotidiano. A escolha de trabalhar com
dados estatísticos ou com um único grupo ou indivíduo, ou com ambos, depende das
questões levantadas e dos problemas que se quer responder. É o processo da pesquisa
que qualifica as técnicas e os procedimentos necessários para as respostas que se quer
13

alcançar. Cada pesquisador deve estabelecer os procedimentos de coleta de dados que


sejam mais adequados para o seu objeto particular. O importante é ser criativo e flexível
para explorar todos os possíveis caminhos e não reificar a idéia positivista de que os
dados qualitativos comprometem a objetividade, a neutralidade e o rigor cientifico.

A combinação de metodologias diversas no estudo do mesmo fenômeno é conhecida


como triangulação2. Tem por objetivo abranger a máxima amplitude na descrição,
explicação e compreensão do objeto de estudo. Parte-se do princípio que é impossível
conceber a existência isolada de um fenômeno social. Enquanto os métodos quantitativos
pressupõem uma população de objetos de estudo comparáveis, que fornecerá dados que
podem ser generalizáveis, os métodos qualitativos poderão observar, diretamente, como
cada indivíduo, grupo ou instituição experimenta, concretamente, a realidade
pesquisada. A pesquisa qualitativa é útil para identificar conceitos e variáveis relevantes
de situações que podem ser estudadas quantitativamente. É inegável a riqueza do fato
que se pode explorar os casos desviantes da ‘média’, os quais costumam ficar
obscurecidos nos relatórios estatísticos. Também é evidente o valor da pesquisa
qualitativa para estudar questões difíceis de quantificar, como sentimentos, motivações,
crenças e atitudes individuais. A premissa básica da integração repousa na idéia de que
os limites de um método poderão ser contrabalançados pelo alcance de outro. Os
métodos qualitativos e quantitativos, nesta perspectiva, deixam de ser percebidos como
opostos para serem vistos como complementares.

2.2.4 Aporte do método quantitativo ao qualitativo

No planejamento da pesquisa, a utilização de um questionário prévio no momento da


observação ou entrevista pode contribuir para delimitar o problema estudado e a
informação coletada, permitindo identificar casos representativos ou não representativos
a nível individual ou do grupo.

Na coleta de dados, a aplicação de um questionário prévio pode ajudar a evitar perguntas


rotineiras e a identificar características objetivas, por exemplo, geopolíticas de uma
comunidade, que podem influir no contexto da pesquisa.

Na analise da informação, as técnicas estatísticas podem contribuir para verificar


informações e reinterpretar observações qualitativas, permitindo conclusões menos
objetivas.

2.3 Estudos de caso

CASTRO (1977) afirma que uma pesquisa cientifica deve buscar o estudo das relações e
seqüências repetitivas através do estudo de diferentes tamanhos do universo dos fatos
considerados. Nos casos extremos, examina-se o próprio universo, e, no outro extremo
têm-se os estudos de caso. Nos estudos de caso examinam-se apenas uns poucos
exemplos das unidades consideradas.

Vale ressaltar que, mesmo no estudo de caso, o interesse primeiro não é pelo caso em si,
mas sim pelo que ele sugere a respeito do todo.

2 Triangulação é uma metáfora tomada emprestada da estratégia militar e da navegação, que se


utilizam de múltiplos pontos de referencia para localizar a posição exata de um objeto.
14

Ainda segundo CASTRO (1977), diante de um problema em que nossos conhecimentos


são escassos e rudimentares, pode-se fazer uma análise incompleta do todo, ou conhecer
bem uma parte do todo que não se sabe até que ponto é representativo desse todo
(estudo de caso).

Segundo CHIOZZOTTI (1995), o estudo de caso é uma caracterização abrangente para


designar uma diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso
particular ou de vários casos particulares a fim de organizar um relatório ordenado e
critico de uma experiência, ou avalia-la analiticamente, objetivando tomar decisões a seu
respeito ou propor uma ação transformadora.

Toma-se o caso como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para
fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção. Considera-se o
caso também como marco de referencia de complexas condições sócio-culturais que
envolvem uma situação e apresenta uma realidade e revela também a multiplicidade de
aspectos globais, presentes em uma dada situação.

Ainda de acordo com CHIOZZOTTI (1995), o desenvolvimento do estudo de caso supõe 3


fases:

2.3.1 Seleção e delimitação do caso

A seleção e delimitação do caso são decisivas para a analise da situação estudada. O caso
deve ser uma referencia significativa para merecer a investigação. Mais ainda, por
comparações aproximativas, deve permitir a generalização a situações similares ou
autorizar inferências em relação ao contexto da situação analisada.

A delimitação deve precisar os aspectos e os limites do trabalho. Objetiva-se, deste


modo, reunir informações sobre um campo especifico e fazer analises sobre objetos
definidos a partir dos quais se possa compreender uma determinada situação. Quando se
toma um conjunto de casos, a coleção deles deve cobrir uma escala de variáveis que
explicite diferentes aspectos do problema.

2.3.2 O trabalho de campo

O trabalho de campo visa reunir e organizar um conjunto comprobatório de


informações. A coleta de informações em campo pode exigir negociações prévias para a
obtenção de dados que dependem da anuência de hierarquias rígidas ou da cooperação
das pessoas informantes. As informações são documentadas, abrangendo qualquer tipo
de informação disponível - oral, escrita, gravada, filmada - que se preste para
fundamentar o relatório. O relatório será objeto de analise critica pelos informantes ou
por qualquer outro interessado.

2.3.3 A organização e redação do relatório

Os documentos, rascunhos, notas de observação, transcrições, estatísticas etc., coletados


em campo, devem ser reduzidos ou indexados segundo critérios definidos a fim de que
se constituam em dados que comprovem as descrições e as analises do caso.

O relatório poderá ter um estilo narrativo, descritivo, analítico, ser ilustrado ou não,
filmado, ou fotografado. Seu objetivo é apresentar os múltiplos aspectos que envolvem o
15

problema, mostrar sua relevância, situá-lo no contexto em que acontece e indicar as


possibilidades de ação para modificá-lo.

2.4 Estudos causais comparativos

Entre os diversos tipos de pesquisa descritiva há um que se denomina estudos causais


comparativos. Van Dalen e Meyer (apud RUDIO, 1986) dizem que sua finalidade é
descobrir de que maneira e por que ocorrem os fenômenos. Dizem que é um
procedimento muito difundido usar tal tipo de pesquisa. E explicam:

"quando os cientistas estudam as relações de causalidade, preferem


empregar o método experimental, mas em alguns casos o método causal
comparativo é o único adequado para enfrentar um problema".

Dizem que, para fazer um experimento,

"o pesquisador controla todas as variáveis, com exceção das independentes,


que ele maneja de diversas maneiras para observar as variações que
introduz. Mas, por causa da complexidade da natureza dos fenômenos
sociais, nem sempre se pode selecionar, controlar e manipular todos os
fatores necessários para estudar as relações de causalidade".

Para estabelecer a diferença entre os estudos causais comparativos e a pesquisa


experimental, tem-se que:

"em um experimento, o pesquisador pode supor que, submetendo os


alunos à experiência 'A', se observará o resultado 'B'. Em conseqüência,
decide manipular a variável independente 'A'; para isto, expõe o grupo
experimental à experiência 'A', efetua as verificações necessárias, mediante
um grupo de controle, e observa os resultados. Num estudo causal
comparativo, o pesquisador inverte o procedimento: parte da observação do
fenômeno 'B', que foi produzido, e procura achar, entre as múltiplas causas
possíveis, os fatores - variáveis independentes - que se relacionam com o
fenômeno ou contribuem para determinar seu aparecimento.

"No estudo causal comparativo, o pesquisador analisa uma situação vital,


onde os indivíduos já experimentaram o fenômeno que deseja pesquisar.
Depois de estudar as semelhanças e diferenças que existem entre as duas
situações - antes e depois da ocorrência do fenômeno -, poderá descrever
os fatores que parecem explicar a presença do fenômeno numa situação e
sua ausência na outra".
(RUDIO, 1986)

Assim, por exemplo, pode-se estabelecer as 'causas' de acidentes nas rodovias,


comparando motoristas que foram acidentados com os que não foram e determinando
quais os fatores presentes naqueles que não existiam nestes: excesso de velocidade,
alcoolismo etc.

Finalmente, analisando a importância que pode ter o referido tipo de pesquisa descritiva,
cabe explicitar que os estudos causais comparativos possuem certas limitações e muitas
vezes podem não fornecer informação tão precisa e confiável como a que é possível
obter através de estudos experimentais rigorosos. Por outro lado, entretanto, oferecem
instrumentos para abordar os problemas que não se podem estudar sob condições
experimentais e propiciam indícios valiosos sobre a natureza dos fenômenos.
16

Existem várias situações, como nos estudos de acidentes de trabalho ou de doenças


profissionais, em que os estudos causais comparativos são de grande valia. Mais ainda, a
validação da pertinência de modificações no sistema homem-tarefa-máquina poderá
também lançar mão deste tipo de pesquisa. Utilizam-se então como referência as
opiniões dos operadores após a implantação do novo sistema.

2.5 Pesquisa participante

A partir de DEMO (1984), algumas das características da pesquisa participante (PP)


incluem:

" a) o problema se origina na comunidade ou no próprio local de trabalho;


b) a finalidade última da pesquisa é a transformação estrutural
fundamental e a melhoria de vida dos envolvidos. Os beneficiários são
os trabalhadores ou o povo atingido;
c) a PP envolve o povo no local de trabalho ou a comunidade no controle
do processo inteiro de pesquisa;
d) a ênfase da PP está no trabalho com uma larga camada de grupos
explorados ou oprimidos: migrantes, trabalhadores, populações
indígenas, mulheres;
e) é central para a PP o papel de reforço à conscientização no povo de suas
próprias habilidades e recursos, e o apoio à mobilização e à
organização;
f) o termo 'pesquisador' pode referir-se tanto à comunidade ou às pessoas
envolvidas no local de trabalho como àqueles com treinamento
especializado;
g) embora aqueles com saber/treinamento especializado muitas vezes
provenham de fora da situação, são participantes comprometidos e
aprendizes num processo que conduz mais à militância do que ao
distanciamento.”

7
Segundo Hall (apud DEMO, 1984), todos os métodos de pesquisa estão impregnados de
implicações ideológicas; o processo de pesquisa não pode se esgotar num produto
acadêmico, mas representar benefício direto e imediato à comunidade, ou seja, deve ter
alguma utilidade prática social; a comunidade ou a população deve ser envolvida no
processo inteiro, até a busca de soluções e a interpretação dos achados; se a meta é
mudança, deve haver envolvimento de todos os interessados nela; o processo de
pesquisa deveria ser visto como parte de uma experiência educacional total, que serve
para estabelecer as necessidades da comunidade e aumentar a conscientização e o
compromisso dentro da comunidade; o processo de pesquisa deveria ser visto como um
processo dialético, um diálogo através do tempo, e não como um desenho estático a
partir de um ponto no tempo; a meta é a liberação do potencial criativo e a mobilização
no sentido de resolver os problemas.

O elemento educativo é muito acentuado, talvez porque o movimento da PP tenha sido


profundamente marcado por educadores, principalmente no campo da educação de
adultos. Busca-se a união entre pesquisa, educação/treinamento e organização - o que,
na verdade, enfatiza a ligação entre teoria e prática, entre conhecer e agir, entre pensar e
intervir.

Criar um saber popular transformador é um dos objetivos da pesquisa participante,


porque acredita-se que o domínio do saber é uma fonte de poder.
17

Grossi (apud DEMO, 1984) define pesquisa participante da seguinte maneira:

"É um processo de pesquisa no qual a comunidade, na análise da sua


própria realidade, com vistas a promover uma transformação social em
benefício dos participantes, que são oprimidos. Portanto, é uma atividade
de pesquisa, educacional e orientada para a ação. Em certa medida, a
tentativa da PP foi vista como uma abordagem que poderia resolver a
tensão contínua entre o processo de geração do conhecimento e o uso
deste conhecimento(...)"

Emergem, assim, três passos fundamentais: o diagnóstico comunitário, "primeira fase de


um trabalho de educação participativa"; "a retroalimentação no processo de PP, ou seja, a
análise dos dados com participação comunitária", e a organização de grupos
instrumentais que assumem a ação.

Cumpre mencionar que a participação passou a fazer parte do discurso da ergonomia,


principalmente no que se refere a pesquisa macroergonômica.

2.6 Pesquisa-ação

Segundo THIOLLENT (1985), a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base


empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou
participativo.

Muitos partidários restringem a concepção e o uso da pesquisa-ação a uma orientação de


ação emancipatória e a grupos sociais que pertencem às classes populares ou
dominadas. Neste caso, a pesquisa-ação é vista como forma de engajamento sócio-
político a serviço da causa das classes populares. Esse engajamento é constitutivo de
uma boa parte das propostas de pesquisa-ação e pesquisa participante, tais como são
conhecidas na América Latina e em outros países do Terceiro Mundo. No entanto, a
metodologia da pesquisa-ação é igualmente discutida em áreas de atuação técnico-
organizativa com outros tipos de compromissos sociais e ideológicos, entre os quais
destaca-se o compromisso de tipo 'reformador' e 'participativo', tal como no caso das
pesquisas sócio-técnicas efetuadas segundo uma orientação de 'democracia industrial',
principalmente em países do norte da Europa.

"Ao nível das definições, uma questão freqüentemente discutida é a de saber


se existe uma diferença entre pesquisa-ação e pesquisa participante
(THIOLLENT, 1984). Isto é uma questão de terminologia acerca da qual não
há unanimidade. Nossa posição consiste em dizer que toda pesquisa-ação é
de tipo participativo: a participação das pessoas implicadas nos problemas
investigados é absolutamente necessária. No entanto, tudo o que é chamado
pesquisa participante não é pesquisa-ação. Isso porque pesquisa participante
é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado numa metodologia de
observação participante na qual os pesquisadores estabelecem relações
comunicativas com pessoas ou grupos da situação investigada com o intuito
de serem melhor aceitos. Nesse caso, a participação é sobretudo participação
dos pesquisadores e consiste em aparente identificação com os valores e os
comportamentos que são necessários para a sua aceitação pelo grupo
considerado.
18

Na pesquisa-ação, os pesquisadores desempenham um papel ativo no


equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na
avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas. Sem dúvida, a
pesquisa-ação exige uma estrutura de relação entre pesquisadores e pessoas
da situação investigada que seja de tipo participativo. Os problemas de
aceitação dos pesquisadores no meio pesquisado têm que ser resolvidos no
decurso da pesquisa. Mas a participação do pesquisador não qualifica a
especificidade da pesquisa-ação, que consiste em organizar a investigação
em torno da concepção, do desenrolar e da avaliação de uma ação planejada"
(THIOLLENT, 1985).

Em geral, a idéia de pesquisa-ação encontra um contexto favorável quando os


pesquisadores não querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e
burocráticos da maioria das pesquisas convencionais. Querem pesquisas nas quais as
pessoas implicadas tenham algo a dizer e a fazer. Não se trata de simples levantamento
de dados ou de relatórios a serem arquivados. Com a pesquisa-ação, os pesquisadores
pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados.

Nesta perspectiva, é necessário definir com precisão, de um lado, qual é a ação, quais
são seus agentes, seus objetivos e obstáculos e, por outro lado, qual é a exigência de
conhecimento a ser produzido em função dos problemas encontrados na ação ou entre
os atores da situação.

Resumindo alguns de seus principais aspectos, a partir de THIOLLENT (1985),


consideramos que a pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da pesquisa social na
qual:

a) há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas


implicadas na situação investigada, embora a aceitação dos pesquisadores
no meio pesquisado se resolva durante o desenvolvimento da pesquisa;
b) desta interação resulta o recorte da pesquisa, a ordem de prioridade dos
problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob
forma de ações objetivas;
c) o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação
social e pelos problemas de diferentes naturezas existentes no momento;
d) o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos,
encaminhar a solução, ou mesmo esclarecer os problemas da
situação observada; esse tipo de objetivo deve ser visto com cuidado, já que
nem todos os problemas são passíveis de solução a curto prazo;
e) há, durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de
toda a atividade intencional dos atores da situação;
f) a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-se
aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o 'nível
de consciência' das pessoas e grupos considerados; obter informações que
seriam de difícil acesso por meio de outros procedimentos, aumentar nosso
conhecimento de determinadas situações (reivindicações, representações,
capacidades de ação ou de mobilização etc.).

Cumpre ainda observar a diferença entre a pesquisa convencional e a pesquisa-ação:

" Numa pesquisa convencional, não há participação dos pesquisadores junto


com os usuários ou pessoas da situação observada. Além disso, sempre há
uma grande distância entre os resultados de uma pesquisa convencional e
as possíveis decisões ou ações decorrentes.
19

"Em geral, tal tipo de pesquisa se insere no funcionamento burocrático das


instituições. Os usuários não são considerados como atores. Ao nível da
pesquisa, o usuário é mero informante, e ao nível da ação, ele é mero
executor. Esta concepção é incompatível com a da pesquisa-ação, sempre
pressupondo participação e ação efetiva dos interessados.

"Podemos acrescentar que, na pesquisa social convencional, são


privilegiados os aspectos individuais, tais como opiniões, atitudes,
motivações, comportamentos etc. Esses aspectos são geralmente captados
por meio de questionários e entrevistas, que não permitem que se tenha
uma visão dinâmica da situação. Não há focalização da pesquisa na
dinâmica de transformação desta situação numa outra situação desejada.
Ao contrário, pela pesquisa-ação é possível estudar dinamicamente
problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de
consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de
transformação da situação.

"Por exemplo, no campo industrial, é o caso quando se trata de transformar


uma forma de organização do trabalho individualmente segmentada e
rotinizada numa forma de organização com grupos dispondo de autonomia
e flexibilidade na execução do trabalho.

"De modo geral, a observação do que ocorre no processo de transformação


abrange problemas de expectativas, reivindicações, decisões, ações e é
realizada através de reuniões e seminários nos quais participam pessoas de
diversos grupos implicados na transformação. As reuniões e seminários
podem ser alimentados por informações obtidas em grupos de pesquisa
especializados por assuntos e também por informações provenientes de
outras fontes, inclusive - quando utilizáveis - aquelas que foram obtidas por
meios convencionais: entrevistas, documentação etc. Este tipo de
concepção pode ser aplicado no caso do estudo de inovações ou de
transformações técnicas e sociais nas organizações e também nos sistemas
de ensino" (THIOLLENT, 1985).

Embora o principal interlocutor do ergonomista seja o operador no seu local de trabalho,


a ergonomia não utiliza a pesquisa-ação. No entanto, cumpre mencionar que a troca de
informações entre o pesquisador e o operador sobre as características e as condições de
trabalho, suas atividades e sua estratégia operacional acaba por mobilizar o grupo. É
comum durante a realização de uma pesquisa a discussão entre os pares e a troca de
opiniões com supervisores. Uma pesquisa de ergonomia sempre coloca o trabalhador não
como um mero informante, mas sim como o ator principal. Mais ainda, a visão sistêmica
expansionista conscientiza o operador do seu problema, mas também das condições
gerais do ambiente que influencia e determina o quadro da sua situação de trabalho.

3. TIPOS DE OBSERVAÇÕES

3.1 Observação assistemática

A observação assistemática é também chamada de ocasional ou não estruturada. É a que


se realiza, sem planejamento e sem controle aprioristicamente definidos, sobre
fenômenos que ocorrem de modo imprevisto.
20

Segundo RUDIO (1986), quando se afirma que na observação assistemática o


acontecimento se dá de modo imprevisto, isto não significa que seja necessariamente
repentino, sem nenhuma previsão do pesquisador. Na verdade, pode indicar, também,
que o acontecimento era esperado, mas se desconhecia, em maior ou menor grau, o
momento da sua ocorrência e as características da sua dinâmica de desenvolvimento.

Define a observação assistemática o fato de se obter o conhecimento através de uma


experiência casual, sem que se determine ‘a priori’ quais os aspectos relevantes a
observar e que meios utilizar para observá-los. Cabe, então, ao observador estar atento
ao que acontece, a cada momento, durante a observação.

RUDIO (1986), menciona Kaplan - que, por sua vez, cita Hanson - para afirmar que
"observador padrão não é o homem que vê e relata o que todos os observadores normais
vêem e relatam, mas o homem que vê em objetos familiares o que ninguém viu antes".

Sob o ponto de vista da pesquisa, é muito importante o registro que se faz da


observação. Nele deve haver grande fidelidade - anotam-se apenas os fatos que foram
observados, sem misturá-los com desejos e avaliações pessoais. Caso se deseje registrar
o ponto de vista pessoal, deve-se fazê-lo separadamente. Numa parte do registro, em
separado, ficam as opiniões e a interpretação do pesquisador sobre o fato, sem interferir
com o registro dos fatos observados.

Durante a apreciação ergonômica, seja na fase da problematização ou durante a


sistematização, o ergonomista lança mão da observação assistemática. Esta fase da
observação funciona, também, como preparação para a formulação do problema,
explicitação de hipóteses, definição de variáveis, assim como para o planejamento e
elaboração dos instrumentos da observação sistemática, do registro de comportamentos,
e para a preparação de questionários e escalas de avaliação.

3.2 Observação sistemática

A observação sistemática recebe também as denominações de planejada, estruturada ou


controlada. É a que se realiza em condições controladas para responder a propósitos que
se definiram “a priori”. Para o seu desenvolvimento, requer planejamento e necessita de
operações específicas, instrumentos e documentos particulares. É comum a sua
realização a partir de dados obtidos nas observações assistemáticas.

No sentido estrito, somente a observação sistemática configura uma técnica científica. A


observação assistemática se daria, então, durante os estudos exploratórios necessários
ao delineamento da pesquisa.

Acorde CHIOZZOTTI (1995), trata-se de ver e registrar, sistemática e fielmente, fatos e


circunstâncias em situações concretas que foram definidas de antemão e que estejam
ligados ao problema em estudo. Utiliza-se, às vezes, uma relação de dados e
comportamentos que devem ser adotados quanto à sua freqüência e às circunstancias
em que acontecem.

A observação sistemática é um método com muitas variantes que exige um


conhecimento das técnicas de observação. Em geral, a observação sistemática está
combinada com outras técnicas de pesquisa.

3.2.1 Observação direta e indireta


21

A observação estruturada ou sistemática consiste na coleta e registro de eventos


observados que foram previamente definidos. O observador, munido de uma listagem de
comportamento, registra a ocorrência destes comportamentos em um determinado
período de tempo, classificando-os em categorias ou caracterizando-os por meio de
sinais.

Pode-se realizar a observação sistemática de modo direto ou de modo indireto. No modo


direto, aplicam-se diretamente os sentidos sobre o fenômeno que se deseja observar. No
modo indireto, utilizam-se instrumentos para registrar ou medir a informação que se
deseja obter.

Cumpre mencionar que a diferença entre um e outro não reside no uso de instrumentos,
mas no fato da obtenção da informação depender ou não de uma inferência, isto é, se a
partir do registrado e medido é necessário ou não concluir a informação que se deseja.
Assim, pode-se fazer, por exemplo, a observação indireta da inteligência, através de um
teste e, por outro lado, usar um binóculo, que apenas aumenta a capacidade visual, e
permite, no entanto, que se continue a aplicar diretamente os sentidos sobre o fenômeno
numa observação direta.

O registro de dados pode ocorrer no ato, observando-se diretamente, no momento em


que ocorrem. Deste modo, pode-se observar os eventos no contexto em que se dão,
observar a sua ocorrência, e permitir uma analise mais compreensiva dos dados. Pode-se
também filmar os acontecimentos e extrair os dados de filmes e vídeos. Neste caso, a
câmera fixa e seleciona um ângulo circunscrito da observação, permite repetir o evento e
detalhar a observação, mas não capta os fatos intervenientes que se deram fora do
plano da câmera.

A analise dos eventos observados deve produzir descrições que se fundamentem na


freqüência das incidências e garantam a confiabilidade das descrições. A observação
sistemática objetiva superar as ilusões das percepções imediatas e construir um objeto
que, tratado por definições provisórias, seja descrito por conceitos e estes permitam ao
observador formular explicativas a serem ulteriormente constatadas e analisadas.

3.2.2 Planejamento da observação sistemática

De acordo com RUDIO (1986), o planejamento de uma observação sistemática inclui:

• a delimitação da área da realidade empírica onde as informações podem e devem


ser obtidas
• a indicação do campo que compreende a população (a que ou a quem observar),
as circunstâncias (quando observar), o local (onde observar); para limitá-lo mais
ainda, pode-se dividi-lo em unidades de observação, que são grupamentos de
pessoas, coisas, acontecimentos etc., que sob o ponto de vista de nossos
conceitos (ou da compreensão que temos dos mesmos), possuem características
comuns e, de alguma forma, são significativas para a pesquisa em questão
• a determinação do tempo e da duração da observação
• a definição dos instrumentos que se utilizarão e a explicitação do modo de utilizá-
los
• a preparação do material de apoio - planilhas de registro, fichas de entrevista etc.

Para explicitar melhor a questão do campo da observação, cabe um exemplo. Imagine-se


a observação de um jogo de futebol. O campo de observação constitui-se dos seguintes
elementos:
22

• população - os jogadores de futebol


• circunstância - enquanto disputam a partida
• local - no campo em que jogam.

Para exemplificar as unidades de observação e suas respectivas variáveis, pode-se arrolar


o seguinte:

• população - os times de jogadores (unidade de observação) e a rapidez e lentidão


enquanto jogam (variáveis)
• circunstância - primeiro e segundo tempos (unidades de observação) e número de
gols de cada time, em cada um dos tempos (variáveis)
• local - partes do campo, meio do campo, laterais, área (unidades de observação),
estado de conservação de cada uma das partes (variáveis).

3.3.3 Protocolo de observação

Como afirmam DANNA & MATOS (1986), o protocolo de observação é o documento onde
o observador registra os dados coletados. Um protocolo contém uma série de itens, que
abrangem as informações relevantes sobre identificação geral, identificação das
condições em que a observação ocorre, registros de comportamento e circunstâncias
ambientais.

Modelo de protocolo:

1. Nome do observador
2. Objetivo da observação
3. Data da observação
4. Horário da observação
5. Diagrama da situação
6. Relato do ambiente físico
7. Descrição do sujeito observado
8. Relato do ambiente social
9. Técnica de registro utilizada e registro propriamente dito
10. Sistema de sinais e abreviações

A identificação geral compreende o nome do observador e o objetivo da observação.

A identificação das condições em que a observação ocorre inclui as especificações com


relação a quando e onde a observação foi realizada e quem foi observado.

O registro de comportamentos e circunstâncias ambientais inclui observações de como a


observação foi realizada - técnica de registro, sistema de sinais e abreviações - e sobre o
que foi observado, o registro propriamente dito.

No que se refere às circunstâncias ambientais, descrever o ambiente físico significa


descrever o local em que o sujeito se encontra - escritório, oficina, sala de controle etc.

Segue-se a explicitação das características do ambiente:

• formato do local e, quando possível, suas dimensões;


• número e disposição de portas, janelas, móveis, máquinas e demais objetos e
equipamentos;
23

• condições de iluminação existentes - por exemplo, luz natural, lâmpadas


incandescentes ou fluorescentes etc.;
• condições ligadas ao funcionamento do sistema - por exemplo, ruído, temperatura
do motor etc.

Para representar o ambiente físico, utilizam-se plantas com legendas informativas.

A descrição do ambiente social implica identificar as pessoas que estão presentes no


local - idade, sexo e função -, além do sujeito, e descrever a atividade que ocorre no
momento. É importante especificar as características comuns das pessoas - como
escolaridade, força física etc.

A descrição da atividade é uma fotografia do ambiente social - uma descrição estática.

3.3.4 Recomendações gerais para uma correta observação sistemática

CHAPANIS (1962) apresenta as seguintes recomendações gerais para uma boa


observação sistemática:

• Uma maneira de aumentar a objetividade e fidedignidade dos registros é decidir e


definir antes que atividades e comportamentos serão registrados e como.
• Cumpre facilitar ao máximo para o observador o registro daquilo que ele observa;
para tanto, faz-se necessário definir “a priori” o que o observador deve registrar,
preparar uma planilha de registro clara e objetiva e definir e formalizar uma forma
de notação simples e rápida.
• Cada observador deve ser responsável pelo registro de apenas uma parte da ação;
sempre que possível, é desejável ter mais de um observador para registrar a
mesma parte da ação; experimentos demonstram que o cotejo do registro de
vários observadores resulta em informações mais fidedignas, através do cálculo de
concordância entre os observadores.
• Caso existam quesitos que o observador deve registrar, não é bom confiar na
memória; melhor preparar um formulário onde as lacunas ajudá-lo-ão a lembrar de
anotar e permitir-lhe-ão verificar se não esqueceu nenhum registro previsto.
• Os dados observacionais devem ser registrados de modo objetivo e permanente
para que possam ser manuseados e mesmo utilizados posteriormente.
• Cabe explicar aos sujeitos a serem observados o que se pretende fazer e por que,
de modo a evitar desconfianças e obter a cooperação dos pesquisados; seguir as
pessoas com cronômetros e fichas, sem lhes dar qualquer satisfação, fere as mais
elementares regras de cortesia e produz sentimentos de suspeita e mesmo
hostilidade que modificarão o comportamento dos sujeitos observados; tal pode
comprometer completamente a validade dos registros.
• Antes de iniciar os registros, o observador deve ambientar-se à situação e permitir
que o sujeito observado se acostume com a sua presença (do observador); deve-
se inclusive assinalar quais foram os primeiros registros para que se possa
eliminá-los caso se perceba que o sujeito se comportava de modo atípico e/ou os
dados observados se apresentem muito discrepantes.
• O observador deve permanecer a uma distância razoável do sujeito e ocupar-se da
sua própria tarefa de realização dos registros; cumpre manter uma atitude
discreta, sem interferir na situação e/ou perturbar as atividades do sujeito.
• Uma regra útil é registrar toda e qualquer informação; o observador não deve
confiar na memória para recordar mais adiante que algum sujeito avisou que
dormiu pouco na noite anterior - uma informação desse tipo poderá
explicar algumas aberrações e/ou discrepâncias nos dados coletados; é melhor ter
24

que eliminar alguma anotação irrelevante do que tentar recuperar uma informação
que não foi registrada.
• Exige-se do observador o cultivo de atitudes objetivas e distanciadas; tendências,
preconceitos e intuições provocam distorções; talvez a mais importante
característica da observação sistemática seja que o observador observa e registra
fatos; apenas quando do tratamento dos dados os fatos devem ser avaliados; se
um trabalhador de escritório está sentado e coloca os pés sobre a mesa, este é um
fato que o observador deve registrar como tal; o observador não deve registrar,
como o gerente o faria, que o trabalhador está vadiando.
• O observador deve registrar, e mesmo procurar, fatos que não estejam de acordo
com as suas idéias ou hipóteses sobre o fenômeno observado - em outras
palavras: deve se tornar um cético curioso e obstinado.

3.3.5 Uso das observações sistemáticas pelo ergonomista

O ergonomista lança mão da observação sistemática, na etapa de diagnóstico, durante a


análise da tarefa, quando dos registros comportamentais das atividades da tarefa -
posturas assumidas, exploração visual, manipulações acionais, comunicações e
deslocamentos.

WISNER (1987) acrescenta os seguintes cuidados para uma boa observação pelo
ergonomista:

Operações e tarefas

Não é correto descrever o trabalho sob forma de uma lista não estruturada de operações,
mesmo que esta noção seja mais rica do que a dos movimentos elementares. A operação
é um elemento completo da tarefa, com gestos de ação, de observação e de comunicação
e uma estratégia própria. A operação será, por exemplo, uma chamada telefônica, uma
coleta de sangue, a classificação da folha de resultados de um exame que chegou do
laboratório no prontuário do paciente.

A tarefa, entretanto, compreende o conjunto das atividades ligadas à coleta de sangue,


desde o pedido que determina o que será preciso pesquisar no sangue do paciente até a
obtenção do resultado, passando pela comunicação telefônica com o laboratório e a
coleta de sangue em si. A tarefa pode assim estender-se por um, dois ou três dias.

Em termos gerais, devem-se considerar as atividades de inicialização - ou seja, de


preparação para a execução da tarefa propriamente dita, que compreende as atividades
ordinárias. Mais ainda, cabe observar também as atividades de finalização - muitos
problemas de segurança e manutenção ocorrem porque se reservam os últimos minutos
do dia para limpeza e manutenção. Cumpre ainda explicitar as atividades de manutenção
- seja de conservação preventiva ou de reparos -, mencionar as atividades especiais -
aquelas que não se realizam cotidianamente -, e as de emergência que o operador deve
executar quando o sistema está em perigo.

Períodos das observações

A primeira regra de metodologia nas atividades complexas é controlar as variações


consideráveis do trabalho em função do período de observação.
25

Quanto ao aspecto sazonal, WISNER (op. cit.) menciona N. See que apresentou as diversas
atividades do agricultor em função dos meses do ano, sob forma de um diagrama circular
no qual o círculo mais periférico é consagrado às variações, por si só consideráveis, dos
diversos riscos profissionais.

As variações semanais são muito importantes no hospital. J. Theureau, continua Wisner,


observa variação de 4 para 8 na relação doentes/pessoal de atendimento, e variações
ainda mais consideráveis do movimento dos doentes (entradas e altas) - de 0 a 6 no
sábado ou domingo, de 5 a 22 nos dias de semana. É, portanto, indispensável estudar
pelo menos um dia de grande carga e um dia de pouco movimento. Encontraremos em
particular diferenças de índice de carga de trabalho (tempo sentado: 18% no sábado, 13%
durante a semana).

Importam, também, as variações do trabalho durante as 24 horas do dia, bem


evidenciadas nos estudos sobre os acidentes de trabalho e suas causas. Atribuem-se as
taxas relativamente baixas de acidentes de trabalho à noite à pequena concorrência entre
atividades; a menor presença de chefias leva à concentração sobre a produção, sem
interferências administrativas ou organizacionais.

Locais de trabalho

Tomando-se como exemplo um hospital, a análise estatística dos locais de trabalho


implica a consideração do conjunto da unidade hospitalar como o sistema homem-
máquina. Considerando-se o posto de trabalho do pessoal da enfermagem, tem-se que os
quartos dos pacientes são o local de trabalho apenas por pouco mais que 30% do tempo.
A atividade ocorre no posto de enfermagem e na copa (45 a 50% do tempo). Um lugar
muito importante é o corredor (mais de 20% do tempo): é lá que se encontram os
carrinhos, depósitos móveis de material; é lá que se faz a coordenação entre os membros
da equipe, com troca de informações sobre os pacientes, próximos deles mas não em
sua presença; é lá também que se controla o trabalho das estudantes de enfermagem.

Postos de trabalho

Segundo MUCCHIELLI (1978), o profissional, em seu posto de trabalho, vive um tipo de


existência singular. Quanto mais o profissional se habitua ao seu posto, mais ele é um
profissional, mais ele participa de um mundo de sinais e relações, dificilmente acessível a
um 'estranho'.

"Poder-se-ía comparar a observação do profissional, na sua estação de trabalho, pelo


ergonomista, com a observação de um rito tribal, por um antropólogo. Os gestos
minuciosos do relojoeiro ou de um químico, assim como o manejo dos instrumentos de
regulagem e medida, extremamente complicados e misteriosos, principalmente à
primeira vista, se assemelham a ritos dos quais ignoramos regras, valores e sentido.

"Mesmo nos postos aparentemente elementares, o operador se incorpora à sua máquina


e se serve dela, da mesma maneira que um pianista toca seu piano. A visão de um
observador-turista, que apenas procura a objetividade e a realidade essencial do posto,
não seria bastante clara.

"Será, portanto, necessário compreender o universo específico do posto, o diálogo do


operador com seus instrumentos e tarefa, assim como a rede de relações humanas na
qual o operador se encontra ou a situação total criada pela própria observação. A
empatia corrige e completa a objetividade, pois é um esforço para penetrar de modo
26

intuitivo e afetivo na 'intimidade' do posto, sem perder a lucidez do bom observador"


(MUCCHIELLI, 1978).

3.3 Observação participante

Como afirma GIL (1987), a observação participante, ou observação ativa, consiste na


participação real do observador na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação
determinada. Neste caso, o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de
um membro do grupo. Daí porque se pode definir observação participante como a
técnica pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele
mesmo.

A técnica de observação participante foi introduzida na pesquisa social pelos


antropólogos no estudo das chamadas 'sociedades primitivas'. A partir daí, passou a ser
utilizada também pelos antropólogos nos estudos de comunidades e de subculturas
específicas. Mais recentemente, passou a ser adotada como técnica fundamental nos
estudos designados como 'pesquisa participante' (BRANDÃO, 1984).

A observação participante pode assumir duas formas distintas: a) natural, quando o


observador pertence à mesma comunidade ou grupo que investiga; e b) artificial, quando
o observador se integra ao grupo com o objetivo de realizar uma investigação.

De acordo com RICHARDSON (1989), na observação participante, mesmo que sob a forma
artificial, o observador não é apenas um espectador do fato que está sendo estudado: ele
se coloca na posição e ao nível dos outros elementos humanos que compõem o
fenômeno a ser observado. Se o pesquisador está empenhado em estudar as aspirações,
os interesses ou a rotina de trabalho de um grupo de operários, na forma de observação
participante, ele terá de se inserir nesse grupo de operários como se fosse um deles. Este
tipo de observação é recomendado especialmente para estudos de grupos e
comunidades. O observador participante tem mais condições de compreender os hábitos,
atitudes, interesses, relações pessoais e características da vida diária da comunidade do
que o observador não-participante.

Porém, esta técnica, como qualquer outra, pode ou não favorecer o desenvolvimento do
processo de pesquisa e, como tudo o mais na pesquisa, depende muito da habilidade do
pesquisador.

Para os contatos iniciais com o grupo a ser observado é importante explicitar as razões e
os objetivos da pesquisa, a fim de que durante a apresentação do pesquisador, ao
referido grupo a ser observado, não ocorram dúvidas e desconfianças e se facilite,
conseqüentemente, a aceitação do pesquisador pelo grupo.

Pode ocorrer que algum investigador decida penetrar em um grupo, como observador
participante, sem que o seu objetivo de trabalho seja divulgado junto a seus membros.
Para tanto, ele conseguiria o ingresso formal naquele grupo e, para todos, seria um de
seus membros. Contudo, esse comportamento pode ser desaconselhável - já que pode
prejudicar algum membro do grupo e, mais ainda, fere uma questão ética de respeito ao
grupo. No caso, o pesquisador estaria agindo como espião, já que o grupo observado
nada saberia sobre suas verdadeiras intenções. Haveria ainda a possibilidade de o grupo
descobrir a verdade, se sentir com justa razão traído e criar com isso um problema de
rejeição em relação ao observador. Cabe questionar se os resultados que vierem a ser
obtidos são tão importantes que justifiquem aquisição com todas estas implicações e
riscos.
27

Um bom relacionamento entre o observador e os elementos do grupo é de suma


importância para o desenvolvimento dos trabalhos. Após conseguir a compreensão e a
aceitação dos membros participantes do grupo, o passo seguinte dependerá apenas do
observador. Entretanto, existem duas situações distintas e que não podem ser
confundidas nem negligenciadas - o duplo desempenho do papel de membro do grupo,
simultaneamente ao papel de observador. Aqui entram em jogo dois aspectos: o preparo
técnico, com o domínio de conteúdo de todos os elementos envolvidos na metodologia
do trabalho, e o preparo emocional e afetivo do observador. Este último cobre o campo
das relações no ambiente de trabalho e a sua objetividade e isenção de contaminação
afetiva no registro de suas observações durante o desempenho dos dois papéis distintos.
Deste modo, evita-se que os dados colhidos não sejam viesados, com prejuízos para a
fidedignidade da pesquisa.

Concorde GIL (1987), a observação participante apresenta, em relação às outras


modalidades de observação, algumas vantagens e desvantagens.

1. Facilita o rápido acesso a dados sobre situações habituais em que os membros das
comunidades se encontram envolvidos.
2. Possibilita o acesso a dados que a comunidade ou grupo considera de domínio
privado.
3. Possibilita captar as palavras de esclarecimento que acompanham o
comportamento dos observados.

As desvantagens da observação participante, por sua vez, referem-se especialmente às


restrições determinadas pela assunção de papéis pelo pesquisador. Este pode ter sua
observação restrita a um estrato da população pesquisada. Numa comunidade
rigidamente estratificada, o pesquisador, identificado com determinado estrato social,
poderá experimentar grandes dificuldades ao tentar penetrar em outros estratos.

Mesmo quando o pesquisador consegue transpor as barreiras sociais de uma camada a


outra, sua participação poderá ser diminuída pela desconfiança - o que implica limitações
na qualidade das informações obtidas.

Nas comunidades menos estratificadas, o problema de identificação com determinado


segmento social é bem menor. Mas, mesmo assim, o pesquisador tende a assumir uma
posição dentro de um grupo social - o que também implica a restrição da amplitude de
sua experiência.

Para RICHARDSON (1989). a grande vantagem da observação participante refere-se à sua


própria natureza, isto é, ao fato de o pesquisador tornar-se membro do grupo sob
observação. Isto significa que as atividades do grupo serão desempenhadas
naturalmente, porque seus membros não apresentarão inibições diante do observador
nem tentarão influenciá-lo com procedimentos que fujam ao seu comportamento normal.
O observador passa a ser um membro do grupo e a dinâmica da integração grupal faz
com que os membros do grupo esqueçam ou ignorem que há um 'estranho' entre eles.

Porém, essa condição de participante do grupo, por outro lado, pode ser negativa para a
pesquisa no momento em que o investigador perde contato com a finalidade de sua
pesquisa. Além de ser possível ao pesquisador negligenciar involuntariamente seu
objetivo, como já foi dito, é possível, também, ele sentir-se 'tão participante' que perca a
objetividade, passando a registrar os fatos com uma grande carga de afetividade.

Rosenfeld (apud RICHARDSON, 1989) sugere que a situação de observador participante


tende a criar, no pesquisador, conflitos íntimos que podem interferir na objetividade.
Mais ainda, quando o grupo observado passa por alguma situação difícil, o observador se
28

sente grandemente pressionado a participar ativamente e pode chegar até a abandonar,


pelo menos temporariamente, sua posição 'distante' de observador. Se não o fizer, pode
sentir-se culpado por não ter auxiliado o grupo quando a sua ajuda, como participante do
grupo, era necessária.

Entretanto, se ingressa inteiramente nas atividades do grupo, angustia-se por perder sua
identidade como pesquisador. A fim de restabelecer sua posição de pesquisador objetivo,
pode afastar-se, a fim de separar-se do grupo que observa; ao fazê-lo, pode tornar-se
suscetível a fontes de viés negativo e deformação.

O primeiro passo para resguardar-se do viés que surge dos conflitos íntimos é ter
consciência dos conflitos e da natureza de nossas defesas. Com essa consciência, o
pesquisador pode criar defesas adequadas para a natureza dos conflitos e da situação
estudada.

No que se refere à aplicação da observação participante em pesquisas de ergonomia,


deve-se ter clareza dos limites de atuação do ergonomista e do sociólogo do trabalho.

WISNER (1987) declara que a reunião em uma mesma pessoa das características do
trabalhador e do pesquisador pode contribuir significativamente para uma melhor
compreensão das atividades da tarefa. O autor cita os exemplos de: (i) C. Teiger, que
trabalhou um mês como operária da indústria eletrônica, (ii) de F. Buisset, que trabalhou
como operária de firmas de tabaco, e (iii) D. Dessors, que foi operadora de telefone. As
pesquisas muito se beneficiaram da observação participante para a melhor compreensão
das descrições das operadoras sobre seu trabalho e para ligar esses elementos entre si e
descobrir as estratégias.

Vivências menores permitem aprender o vocabulário e compreender bem as descrições,


mas a descoberta das estratégias precisa de uma atividade bastante longa.

Entretanto, observações participantes que implicam ainda mais tempo são necessárias
para descobrir a complexidade das relações sociais. Como afirma WISNER (1987),
estamos neste caso fora do campo ergonômico. Existem exemplos célebres de
observações deste tipo, quer se trate de pesquisadores que se tornaram trabalhadores
durante um certo tempo ("Journal d'usine", S. Weil) ou de trabalhadores descrevendo sua
experiência como operários, após se tornarem pesquisadores ou escritores ("Ouvriers
chez Renault", Daniel Mottet; "L'établi", Linhart).

3.4 Registro de comportamento

A necessidade de observar o comportamento humano é parte fundamental das pesquisas


psicológicas. Entretanto, os psicólogos comportamentais privilegiam e são mais
rigorosos em relação aos procedimentos de observação e registro de comportamento.

3.4.1 Definições de comportamento

Ao observar comportamentos, é muito importante estabelecer definições prévias


daqueles que se deseja registrar. Assim, facilita-se o trabalho do observador e evita-se
contradições existentes nas noções que cada um dos diferentes observadores pode ter a
respeito do mesmo comportamento. Resulta uma maior concordância entre os
observadores quanto à ocorrência dos comportamentos sob observação.
29

Para explicitar a necessidade da definição dos eventos comportamentais, HALL (1975)


propõe que se solicite a duas ou três pessoas para observarem e registrarem quantas
vezes um sujeito sob observação levanta o braço. Os observadores não devem se
comunicar e o sujeito sob observação coloca-se num local dentro do campo de visão dos
observadores. Pede-se então ao sujeito que levante o braço entre 10 e 15 vezes (2 a 3
séries, cada qual com cerca de 5 movimentos de levantar o braço). O sujeito deve
exercitar sua criatividade e procurar variar o modo como levanta o braço - só o braço
esquerdo, os dois braços, algumas vezes simultaneamente, outras vezes primeiro um
braço e depois o outro, elevar acima do ombro, abaixo do ombro, ou bem acima da
cabeça.

A comparação dos registros, provavelmente, apresentará valores diferentes. Tal


diversidade ocorre porque cada um dos observadores utiliza uma noção que lhe é própria
do que é 'levantar braço' - só quando é acima do ombro, só quando é um braço de cada
vez etc. Para evitar tal discordância, cumpre definir previamente o objeto e/ou o evento a
ser observado.

A partir de DANNA e MATOS (1986), tem-se que as definições de comportamento podem


focalizar aspectos morfológicos, funcionais ou ambos.

Definições morfológicas

Ressaltam a descrição da forma do comportamento. Morfologia diz respeito à forma do


comportamento, isto é, à postura, aparência e movimentos apresentados pela pessoa.
Trata-se somente de alterações na forma do comportamento.

Quando se diz que fulano está com os ombros caídos ou que move a cabeça lateralmente
para a esquerda, o que está em foco são os aspectos morfológicos do comportamento
que fulano apresenta.

As definições morfológicas descrevem o que ocorre com o sujeito - movimentos,


posturas, expressões - e sua referência é o próprio sujeito.

Exemplo de definição morfológica:

• 'balançar o tronco' - estando a pessoa sentada, mover o tronco ritmicamente para


frente e para trás ou de um lado para o outro.

Ao formular uma definição morfológica, a principal referência é o próprio corpo da


pessoa. Ou seja, ao descrever um movimento, deve-se indicar a direção e o sentido do
mesmo e o perfil assumido, tomam-se como referência os segmentos corporais - cabeça,
tronco, braços, pernas, mãos e pés - e seus planos anatômicos - medial, lateral/sagital,
esquerda e direita, anterior/ventral, posterior/dorsal, superior/cranial, inferior/plantar. O
ginasta 'flexiona o tronco no sentido anterior-inferior de modo a aproximar a cabeça dos
joelhos'.

Definições funcionais

Enfatizam o efeito produzido no ambiente. A função diz respeito as modificações ou


efeitos produzidos pelo comportamento no ambiente.
30

Quando se diz que o operador se aproxima da máquina e aperta um botão, contemplam-


se os aspectos funcionais do comportamento, isto é, os efeitos produzidos no ambiente -
proximidade da máquina e botão apertado.

As definições funcionais referem-se a alterações no estado ou na posição ou na


localização de objetos ou pessoas, produção de sons e ruídos. Compreendem também as
relações que o sujeito mantém com o ambiente - na localização ou na posição do sujeito
ou de uma parte de seu corpo.

Exemplo de definição funcional:

• 'pressionar a barra' - qualquer pressão sobre uma barra que seja seguido de um
clique característico do aparelho.

Ao elaborar uma definição funcional, utiliza-se como referencial o ambiente externo


(físico e/ou social) e não o próprio sujeito. A definição 'fulana tira o lenço do pescoço e
coloca dentro da bolsa' é funcional. Embora se descreva um comportamento que se
refere ao pescoço, não se envolveram os movimentos e posturas relativos a tal evento.
Por outro lado, descreve-se um efeito - o lenço ficou fora do pescoço - que se produziu
no ambiente externo pelo comportamento de fulana - ocorreu uma modificação na
posição relativa do pescoço de fulana e no ambiente externo (o lenço dentro da bolsa).

Definições mistas

Consideram tanto os aspectos morfológicos quanto os aspectos funcionais.

Exemplo de definição mista:

• 'atirar' - estando um objeto preso dentro da mão fechada, consiste em estender o


antebraço abruptamente e, simultaneamente, abrir a mão.

Tal definição implica aspectos morfológicos - extensão abrupta do antebraço e abertura


da mão - e aspectos funcionais - lançamento do objeto para longe do corpo.

A escolha do tipo de definição a se utilizar depende do objetivo do estudo observacional


e do tipo de comportamento.

Existem comportamentos que se descrevem mais facilmente em termos morfológicos


enquanto para outros a definição funcional se adequa melhor. Em geral, quando o
comportamento não produz mudanças perceptíveis no ambiente externo, a definição
morfológica apresenta maior compatibilidade. Por exemplo, mudança de expressão facial
e mudanças de postura, como curvar-se, ou de posição de determinadas partes do corpo,
como inclinar a cabeça.

Entretanto, quando os aspectos morfológicos compreenderem movimentos de difícil


identificação e observação, a definição funcional é preferível.

3.4.2. Tipos de registro de comportamento

De acordo com FAGUNDES (1985) e CHAPANIS (1962), existem diversas maneiras de


levantar e registrar as observações sistemáticas do comportamento:

• registro cursivo contínuo


31

• registro cursivo minuto a minuto


• registro diacrônico de freqüência temporal do evento
• registro sincrônico de freqüência concomitante de eventos
• registro de duração
• registro a intervalos
• registro por amostragem de tempo
• registro diacrônico de freqüência temporal do evento por amostragem de tempo
• registro diacrônico seqüencial de eventos por amostragem de tempo
• registro de eventos por minuto ou fração de minuto.

Registro cursivo contínuo

O registro cursivo, que também se denomina registro contínuo, consiste em se descrever


o que ocorre, na seqüência em que os fatos são apresentados.

Exemplo: O digitador dirige-se à mesa-estante na lateral da sala e apanha um lote de


documentos. Olha para o documento. Vai até o arquivo e procura algo. Pega um
disquete. Anda até a mesa. Afasta a cadeira. Senta-se. Coloca os documentos e o
disquete sobre a mesa.

Registro cursivo minuto a minuto

É uma técnica mista que combina o registro cursivo com os registros das ocorrências em
período de tempo estipulado. O observador anota de modo cursivo todos os eventos,
mas, ao fazê-lo, considera subdivisões regulares do tempo de observação.

Exemplo:

MINUTOS SEQÜÊNCIA E EXPLICITAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS


15:13 O sujeito digita. Pára e pergunta ao colega ao lado que horas
são. O colega pára e responde que são três e quinze. Voltam
a trabalhar.
15:40 O sujeito digita. Pára de trabalhar. Junta os documentos que
copiava. Organiza os documentos e faz uma anotação a
lápis. Volta a digitar.
15:52 O sujeito se estica. Estira o pescoço. Olha para a mesa do
supervisor. Volta a digitar. Vira a página do documento.
Fonte: FAGUNDES (1985)

Registro diacrônico de freqüência temporal do evento

Primeiramente, se escolhe um ou mais comportamentos a observar. Depois, descrevem-


se e definem-se tais comportamentos. Efetuam-se, então, registros da ocorrência do
evento à medida em que passa o tempo previsto para a observação - 10 minutos, 15
minutos, 20 minutos, 30 minutos etc. Posteriormente, faz-se uma contagem de
freqüência das vezes em que o(s) comportamento(s) observado(s) ocorre(m).
32

Exemplo:

COMPORTAMENTOS FREQUÊNCIA TOTAL


TOMADA DE INFORMAÇÕES
olhar para o vídeo //// 4
olhar para o teclado /// 3
olhar para o documento ///// ///// /// 16
// /
olhar para o colega /// 3
olhar ao longe ///// / 6
Fonte: FAGUNDES (1985)

Registro sincrônico de freqüência concomitante de eventos

Mais uma vez, selecionam-se e definem-se um ou mais comportamentos a observar.


Efetuam-se, então, registros intervalados - como, por exemplo, no início, meio e fim do
turno ou períodos de trabalho - nos quais se verificam para o contingente dos sujeitos
no local a ocorrência do evento pesquisado. Desse modo, o comportamento de cada um
dos sujeitos do grupo, naquele momento, corresponde a um evento. Posteriormente, faz-
se uma contagem de freqüência das vezes em que o(s) comportamento(s) observado(s)
ocorre(m).

Exemplo:

COMPORTAMENTOS FREQUÊNCIA TOTAL


POSTURAS ASSUMIDAS (digitando, vistas de costas)
coronal neutra //// 4
coronal com rotação lateral direita /// 3
coronal com rotação lateral esquerda ///// ///// // 13
/
sem digitar ///// / 6
Fonte: FAGUNDES (1985)

Registro de duração

Observa-se e anota-se a duração dos comportamentos selecionados. Para isso, utiliza-se


um cronômetro. Ao final, tem-se o tempo total de duração e a freqüência total de cada
comportamento. Obtém-se também o percentual de tempo gasto em cada atividade, em
relação a um tempo total de observação.

Exemplo:
33

COMPORTAMENTOS DURAÇÃO TOTAL


POSTURAS ASSUMIDAS (digitando, vistas de
costas)
coronal neutra 2,3 - 3,1/ 5,4
coronal com rotação lateral direita 1,4 - 0,9 - 2,2 4,53
coronal com rotação lateral esquerda 3,4 - 2,9 - 1,8 - 3,1 11,2
sem digitar 1,3 - 0,8 2,1
Fonte: FAGUNDES (1985)

Registro a intervalos

No registro a intervalos, o observador olha para o sujeito durante todo o tempo. Só


desvia o olhar nos momentos de indicar as ocorrências ou as não-ocorrências.
Recomenda-se determinar um sinal ou carcater para a marcação das ocorrências e um
outro para marcar também as não-ocorrências. Desse modo, evita-se pular espaço sem
marcar e/ou realizar anotações no espaço errado.

Exemplo: O comportamento observado é a manipulação do documento-fonte numa


atividade de digitação de texto. Definiu-se como duração do intervalo 5 segundos e
determinou-se como tempo de observação 10 minutos.

MIN 00 - 06 - 11 - 16 - 21 - 26 - 31 - 36 - 41 - 46 - 51 - 55 -
05 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
1 X 0 X X 0 X X X 0 0 X 0
2 0 0 X 0 X 0 X X 0 X 0 X
3 X 0 X X 0 0 X X X 0 X 0
4 X X 0 0 X X 0 X 0 0 X 0
5 X 0 X X X 0 X X X 0 X X
6 0 X 0 0 X X 0 X 0 X X X
7 X 0 X X 0 X X X X X X X
8 X X 0 X 0 X 0 X X 0 X 0
9 0 X 0 X 0 X X X 0 X X 0
10 0 0 X X X X X 0 X X 0 X
LEGENDA: Fonte: FAGUNDES (1985)
- ocorrência: X
- não ocorrência: 0

Registro por amostragem de tempo

É semelhante ao registro a intervalos. Definem-se também duração de intervalo e tempo


de observação, mas, neste caso, o observador só olha para o sujeito ao final do intervalo
34

- ao contrário do registro a intervalos, em que o observador olha para o sujeito o tempo


todo. Evita-se, assim, registrar um evento incorretamente. Quando o comportamento a
ser registrado acontecer no início ou no meio do intervalo, mas não continuar ocorrendo
no momento do sinal, não se deve fazer qualquer registro naquele intervalo.

Exemplo: O comportamento observado é a manipulação do documento-fonte numa


atividade de digitação de texto. Definiu-se como duração do intervalo 5 segundos e
determinou-se como tempo de observação 5 minutos.

MIN 00 - 06 - 11 - 16 - 21 - 26 - 31 - 36 - 41 - 46 - 51 - 55 -
05 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
1 X 0 X X 0 X X X 0 0 X 0
2 0 0 X 0 X 0 X X 0 X 0 X
3 X 0 X X 0 0 X X X 0 X 0
4 X X 0 0 X X 0 X 0 0 X 0
5 X 0 X X X 0 X X X 0 X X
Fonte: FAGUNDES (1985)

Registro diacrônico de freqüência temporal do evento por amostragem de tempo

Técnica mista que combina o registro diacrônico de freqüência temporal do evento com o
registro por amostragem de tempo. Cada vez que o observador escuta o sinal, ele
registra o que o sujeito observado está fazendo. Como também se estabelece um tempo
de observação, têm-se como resultados:

1. a freqüência absoluta ou relativa de cada atividade


2. o tempo total gasto em cada atividade
3. a percentagem do tempo do trabalhador gasta em cada uma das atividades
pesquisadas;.

Exemplo: Cada coluna representa um intervalo de 3 segundos.

Compor OCORRÊNCIAS NO INTERVALOS DE TEMPO (3 segundos)


tamento

document II II II II II II II II II II II II II II
o
Freqüência total: 28 Tempo total: 84
vídeo II II II II II II II I
Freqüência total: 15 Tempo total: 45
teclado II II II
Freqüência total: 6 Tempo total: 18
s/ II I
digitar
35

Freqüência total: 3 Tempo total: 9


fora do
posto
Freqüência total: 0 Tempo total: 0
Fonte: FAGUNDES (1985)
Registro diacrônico seqüencial de eventos por amostragem de tempo

Técnica mista que combina o registro diacrônico de freqüência temporal/seqüencial do


evento com o registro por amostragem de tempo. Este registro é de uso um pouco mais
difícil e requer mais tempo para se realizar a análise dos dados. Aqui, mais do que em
outros registros, deve-se evitar estabelecer muitas categorias para observação, já que
corre-se o risco de confundir os códigos ou se perder na planilha de dados. Cabe
mencionar, no entanto, que este registro permite obter um maior número de
informações.

Semelhantemente ao registro diacrônico de freqüência temporal do evento por


amostragem de tempo, cada vez que o observador escuta o sinal ele registra o que o
sujeito observado está fazendo. Ele deve fazê-lo, entretanto, através de um código
determinado, de acordo com a seqüência em que os comportamentos ocorrem. Como
cada espaço representa um intervalo e também se estabelece um tempo de observação,
têm-se como resultados:

1. a freqüência absoluta ou relativa de cada atividade


2. o tempo total gasto em cada atividade
3. a seqüência na qual o operador executa as várias atividades
4. a percentagem do tempo total em cada uma das atividades pesquisadas.

Exemplo: Cada coluna representa um intervalo de 3 segundos; cada linha da planilha


representa 1 minuto de observação total; cada conjunto de linhas apresenta 5 minutos de
observação total.

/ d / - documento
/ v / - vídeo
/ t / - teclado
/ s / - sem digitar
/ f / - fora do posto
/ o / - outros

OCORRÊNCIAS NO INTERVALOS DE TEMPO (3 segundos)

/ d / - documento; / v / - vídeo; / t / - teclado;


/ s / - sem digitar; / f / - fora do posto; / o / - outros
d d d v d v d d v d d v d d d d d d o o
t d d s d d d d t d v v t d s s d d o
v d t d v d d d t d d d t d s d o d d d
d d d d d t d v d o d d v d t d d d s
s s d f f f f f f f t t d v d d d v d d

d
36

Fonte: CHAPANIS (1962)

Dentre os tipos de registro apresentados, apenas o registro cursivo dispensa a definição


prévia dos comportamentos a serem observados e permite o registro de várias categorias
de eventos.

Os demais registros, no entanto, apropriam-se à observação de um número menor de


categorias - quinze no máximo -, ou mesmo de um único comportamento.

Por outro lado, enquanto o registro cursivo é uma narração dos fatos observados, e usa
como instrumento a linguagem, os demais tipos utilizam caracteres e, mais ainda,
permitem quantificar os fatos observados.

3.4.3 Definição de duração de intervalo para registros que envolvem tempo de duração
de intervalo previamente determinado

Define-se um intervalo de tempo, como uma subdivisão do tempo de observação. A


escolha da duração de cada intervalo depende das características dos eventos
observados.

Caso se deseje obter uma completa descrição da seqüência das atividades que o
operador desempenha, então a duração do intervalo não deve ser maior do que a menor
unidade de atividade. Se a duração do intervalo é maior do que a duração de certas
atividades, elas não aparecerão, já que tendem a ocorrer entre dois sinais.

Recomenda-se, então, adotar uma duração de intervalo mais curta para os


comportamentos que, normalmente, tenham alta freqüência e, por outro lado, duração
de intervalo mais longo para os comportamentos que apresentem freqüência mais baixa.

De acordo com CHAPANIS (1962), o menor valor recomendável para a duração do


intervalo é cerca de dois segundos. Tal limite adapta-se à capacidade do observador
perceber e registrar várias atividades. Quando a duração do intervalo é menor que dois
segundos, o observador se perde e torna-se impreciso nos registros.

Intervalos de cinco segundos são muito usados, mas intervalos de 10 segundos são mais
comuns. Uma solução para o controle da duração dos intervalos consiste em utilizar um
gravador, com uma fita previamente gravada, que - ao sinal de cada intervalo - transmite
um sinal. Indica-se assim para o observador quando termina cada intervalo.

Cumpre observar que este tipo de registro é muito cansativo e que os observadores só
conseguem manter a atenção e a concentração necessária por um tempo de, no máximo,
30 minutos. Deve-se então, dar uma pausa antes de iniciar outra observação.

3.4.4. Cálculo de concordância entre observadores

Acorde FAGUNDES (1985), quando se quer ter maior certeza a respeito dos dados de
observação, costuma-se empregar duas ou mais pessoas para que registrem os
37

comportamentos de um mesmo sujeito. Observam os mesmos fatos, na mesma hora,


mas trabalham independentemente, sem que um examine o que o outro anotou. Desta
forma, posteriormente os registros dos observadores podem ser comparados, a fim de se
verificar em que medida há concordância entre eles e até que ponto se pode confiar nas
informações que registraram. Uma tal comparação pode ser quantificada fazendo-se uso
do “Índice de Concordância”.

O índice de concordância, também conhecido como índice de fidedignidade, pode ser


calculado para um ou vários comportamento e, neste ultimo caso, para cada um deles em
separado ou para o conjunto deles. Pode, ainda, ser calculado para se comparar os
registros de dois observadores entre si ou, quando se usam vários observadores na
mesma situação, para se comparar cada observador com os demais, aos pares.

Concordância quando se trata de um comportamento e dois observadores

Considera-se, primeiramente, o cálculo de concordância quando se trata de um só


comportamento e dois observadores, analisando como isto pode ser feito com as
diferentes técnicas de observação e registro. Em segundo lugar, apresentam-se os
cálculos de concordância no caso de vários comportamentos e/ou inúmeros
observadores.

Uma das formulas usualmente empregadas para se calcular a concordância é seguinte:

CONCORDÂNCIA

ÍNDICE DE X 100
FIDEDIGNIDAD
CONCORDÂNCIA + DISCORDÂNCIA
E =

O autor apresenta como confiáveis os índices acima de 75%.

Exemplo. Num registro de evento, observador A indicou que o comportamento sob


observação ocorreu 30 vezes, enquanto que o observador B indicou 26 vezes. Vê-se que
ambos concordam que o comportamento tenha ocorrido pelo menos em 26
oportunidades e em 4 vezes discordam que o mesmo comportamento tenha se dado.

Recapitulação das informações fornecidas:

Observador A Observador B Concordância Discordâncias Total


s
30 26 26 4 30
(é sempre o (30 - 26 = 4) (26 + 4 = 30)
numero
menor)

De posse desta informações, pode-se aplicar a formula indicada, a saber:

Índice de concordância = 26 x 100 = 26 x 100 = 0,86 x 100 = 86%


26 + 4

Como proceder quando se utiliza a técnica de registro de duração para a obtenção de


dados. O observador A registrou que o comportamento durou 73 segundos e o
observador B, 60 segundos. Procede-se como no exemplo anterior.
38

Observador A Observador B Concordância Discordâncias Total


s
73 60 60 13 73
(é sempre o (73 - 60 = 13) (60 + 13 =
numero 73)
menor)

Índice de concordância = 60 x 100 = 82%


60 + 13

Concordância em registros a intervalos e por amostragem

Quando se usa as técnicas de registro a intervalos ou por amostragem de tempo, a


fórmula utilizada é a mesma já mencionada e a maneira de se proceder é a que se segue.
Nestes dois tipos de registros, é comum a existência de caselas nas quais o
comportamento não tenha ocorrido. Nestes casos, podem-se considerar como
concordâncias as caselas nas quais ambos os observadores registraram como havendo
não ocorrência do comportamento em questão.

Analisa-se um caso para facilitar a compreensão. Suponha-se que os dados analisados


que são apresentados a seguir se refiram ao registro de dois observadores (A e B) que, na
mesma situação e ao mesmo tempo, anotaram se uma determinada pessoa exibia ou não
o comportamento de ‘roer unha’. Examinaremos os três primeiros minutos destes
registros nos quais as discordância foram indicadas com um círculo.

Observado A Observador B
Intervalos Intervalos
Min. 0-15 16-30 31-45 46-60 Min. 0-15 16-30 31-45 46-60
1 X X - X 1 X X - X
2 - (*) - - - 2 X(*) - - -
3 X X(*) X X 3 X -(*) X X

Legenda
X = ocorrência
- = não ocorrência
(*) = discordância

Contem-se, então, as concordâncias e discordâncias em apenas um dos registros,


façamos a soma das concordâncias; e discordâncias; e indiquemos estes resultados nas 3
colunas do quadro abaixo.

Dupla AB de observadores
Concordância Discordâncias Total Índice de concordância
s
10 2 12 83%
39

Como se verifica pelos círculos indicativos, houve duas discordâncias ente os


observadores. Nas outras 10 caselas, os observadores concordaram quanto à ocorrência
ou não de ‘roer unha’, por parte da pessoa que estava sendo observada.

Aplicando-se a fórmula apresentada anteriormente, o incide de concordância obtido foi


de 83%.

Índice de concordância = 10 x 100 = 83%


10 + 2

Concordância em registros cursivos

Ainda não falamos dos registros cursivos, o que fazer para calcular a concordância de
tais registros, quando realizados por dois observadores independentes. Diferentemente
das demais técnicas, os registros cursivos, por conterem dados mais qualitativos do que
quantitativos, dificultam, e às vezes impedem, que o índice de Concordância seja
aplicado. Uma maneira de fazê-lo seria, quando possível, transformar os dados do
registro cursivo em dados numéricos (por exemplo o comportamento X ocorreu tantas
vezes; o comportamento Y, tantas vez; etc.) e se proceder da maneira já mencionada para
se fazer os cálculos. Nem sempre esta transformação é possível.

Concordância quando se trata de vários comportamentos e/ou observadores

(i) Concordância relativa a dois ou mais comportamentos

Em todos os exemplos apresentados, foi proposital o emprego de apenas um


comportamento por vez, de modo a simplificar o trabalho. Acontece, porém, que nas
situações normais de observação costuma-se registrar vários comportamentos
simultaneamente. Neste caso, como proceder para calcular o índice de concordância?

Pode-se agir de maneiras:

• verificar a concordância entre os observadores relativamente a cada uma das


categorias comportamentais em separado;
• e/ou a todas elas em conjunto;
• quando se calcula o índice de concordância para cada categoria isoladamente,
pode-se analisar, por exemplo, quais delas acarretam mais dificuldades para os
observadores e, considerar as que devem ser redefinidas ou, no mínimo, sobre
quais definições se deverá discutir com os observadores, de modo a se tentar
superar as dificuldades.

O índice de concordância calculado para o conjunto completo das categorias


comportamentais é útil para se ter uma visão global da concordância entre os
observadores. Deste modo, pode-se determinar quando encerrar o treinamento dos
observadores.

(ii) Concordância entre três ou mais observadores

Nos casos em que se utilizam mais de duas pessoas para registrar os mesmos
comportamentos, o calculo de concordância é feito entre pares de observadores. Assim,
se temos três deles (A, B e C), para os cálculos formam-se os seguintes pares: AB, AC, BC.
40

Exemplo. Suponha-se que os três observadores tenham registrado os seguintes totais,


relativamente a determinado comportamento: A = 73; B = 60; e C = 50. Neste caso ter-se-
ía:

Pares de Concordância Discordâncias Total Índice de


observadores s Concordância
AB 60 13 73 82%
BC 50 10 60 83%
AC 50 23 73 68%

É bom esclarecer que esta maneira de proceder é comum a todos os tipos de registro. Ou
seja, independentemente do tipo particular de registro utilizado, se mais de dois
observadores forem usados, os cálculos de concordância serão feitos sempre
combinando-se os observadores dois a dois.

Usos para os índices de concordância

Apresentaram-se algumas utilizações práticas dos índices de concordância. A fim de


realçá-las, convenientemente, vamos reuni-las e comentá-las de forma resumida.

Os índices de concordância têm sido utilizados principalmente para:

• saber-se da confiabilidade dos registros obtidos


• identificação das categorias comportamentais que estejam apresentando maior
dificuldade para observação
• indicar quando um observador já se encontra suficientemente treinado.

De fato, quando se comparam registros observacionais e os índices de concordância se


mostram elevados (acima de 70%), pode-se ter uma relativa segurança em relação à
confiabilidade dos registros. Mais ainda, pode-se afirmar que as categorias empregadas
foram bem definidas e que os comportamentos estão sendo identificados sem muita
dificuldade. Por ultimo, faz-se a constatação que os observadores se encontram
suficientemente treinados. Como foi dito anteriormente, o ideal seria que em todas as
sessões de observação os índices fossem iguais ou superiores a 70%.

Se, pelo contrário, os índices de concordância obtidos estão baixos (menos de 70%), cabe
concluir que as categorias estão oferecendo dificuldades para serem detectadas ou,
quem sabe, não estão bem definidas; ou os observadores não estão suficientemente
treinados. Nestes casos, pode-se por em duvida o valor dos registros obtidos. Quando
tais coisas acontecem, costuma-se superar o problema discutindo-se com os observadores
para se tentar identificar as possíveis falhas. Às vezes pode ter sido uma simples má
compreensão das definições comportamentais; outras vezes, ocorrem falhas das próprias
definições, o que pode ser resolvido com discussão, ou então com uma reformulação das
definições comportamentais.

Depois disso ter sido feito, outras sessões de treinamento se seguiriam, calculando-se
novos índices de concordância. Atingindo valores iguais ou superiores a 70%, em cerca
de 3 ou 4 sessões consecutivas, pode-se, com certa segurança, dar o treino dos
observadores como encerrado e passar-se as sessões de coleta de dados definitivos.
41

4. TIPOS DE INQUIRIÇÃO

4.1. Entrevistas

O termo 'enquete', no contexto da pesquisa científica, implica a busca metódica de


informações e a quantificação, sempre que possível, dos resultados.

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o pesquisador formula perguntas ao


entrevistado para obter dados que refutem ou comprovem suas hipóteses e predições. A
entrevista é o mais flexível de todos os métodos interrogativos de coleta de dados. Mais
especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca
coletar dados e a outra constitui-se em fonte de informação.

Segundo CHIOZZOTTI (1995), a entrevista é uma comunicação entre dois interlocutores,


o pesquisador e o informante, com a finalidade de esclarecer uma questão. Pode ser livre
(o informante discorre como quiser sobre o assunto), estruturada (o informante responde
sobre algumas perguntas especificas), ou semi-estruturada (discurso livre orientado por
algumas perguntas-chaves).

Acorde MICHELAT (1981), a entrevista não-diretiva, contrariamente à entrevista dirigida,


não propõe ao entrevistado uma completa estruturação do campo de investigação: "é o
entrevistado quem detém a atividade de exploração". A partir da questão transmitida
pelo pesquisador, o entrevistado define como quiser o 'campo a explorar' sem se
submeter a uma estruturação pré-determinada. Michelat enfatiza que a entrevista não-
diretiva favorece a captação de uma informação mais 'profunda' ou menos censurada do
que no caso de outros procedimentos.

Ainda segundo CHIOZZOTTI (1995), a entrevista dirigida em pesquisa é um tipo de


comunicação entre um pesquisador que pretende colher informações sobre fenômenos e
indivíduos que detenham essas informações e possam emiti-las. As informações colhidas
sobre fatos e opiniões devem constituir-se em indicadores de variáveis que se pretende
explicar. É, pois, um diálogo preparado com objetivos definidos e uma estratégia de
trabalho.

A partir da linha crítica de Bourdieu, que THIOLLENT (1981) discute amplamente, tem-se
que a não diretividade não constitui um remédio para o problema da imposição do
pesquisador em relação ao pesquisado e acarreta ilusões quando se perdem de vista as
diferenças sociais que existem ao nível da capacidade de verbalização dos indivíduos. Em
função das classes sociais ou de outros elementos de diferenciação, os indivíduos não
possuem a mesma capacidade de falar, sobretudo em uma situação artificial, na qual um
interlocutor exterior ou estranho permanece, na maior parte do tempo, numa posição de
ouvinte.

4.1.1. Tipos de entrevista

Entre os vários tipos de entrevista, distingue-se:

Entrevista livre

Na entrevista livre - também conhecida como entrevista não-diretiva, aprofundada, ou


ainda entrevista informal - a conversação é iniciada a partir de um tema geral sem
estruturação do problema por parte do investigador.
42

É a menos estruturada possível e só se distingue da simples conversação porque tem


como objetivo básico a coleta de dados. O que se pretende com entrevistas deste tipo é a
obtenção de uma visão geral do problema pesquisado, bem como a identificação de
alguns aspectos da personalidade do entrevistado. O entrevistado desenvolve suas
opiniões e informações como achar mais conveniente - o entrevistador desempenha
apenas funções de orientação e de estimulação.

Recomenda-se esses tipo de entrevista nos estudos exploratórios que visam a abordar
realidades pouco conhecidas pelo pesquisador, ou então oferecer visão aproximativa do
problema pesquisado. Nos estudos desse tipo, com freqüência, recorre-se a entrevistas
informais com informantes-chave ou informantes qualificados. Estes informantes podem
ser especialistas no tema em estudo, líderes formais ou informais, personalidades
destacadas no setor.

Utiliza-se, também, este tipo de entrevista na investigação de certos problemas


psicológicos. É importante que o pesquisado expresse livremente suas opiniões e
atitudes em relação ao objeto da pesquisa, bem como os fatos e motivações que
constituem o seu contexto. Nestes casos, a entrevista não-diretiva é denominada
entrevista clínica ou profunda.

Entrevista focalizada

Na entrevista focalizada ou centrada ('focused interview'), o entrevistador, a partir de


determinadas hipóteses e de certos temas, deixa o entrevistado descrever, livremente,
sua experiência pessoal a respeito do assunto investigado.

Utiliza-se a entrevista focalizada com pessoas que partilham ou passaram por uma
experiência específica, como realizar um determinado tipo de trabalho ou presenciar um
acidente.

A entrevista focalizada é tão livre quanto a informal - no entanto, o tema é delimitado. O


entrevistador deve, inclusive, evitar a dispersão do entrevistado e retomar o tema quando
o entrevistado se desviar demais do assunto.

Por esta razão, a entrevista focalizada requer grande habilidade do pesquisador, que
deve respeitar o foco de interesse temático sem que isso implique a diretividade da
entrevista.

Entrevista semi-estruturada

A entrevista semi-estruturada, que também recebe o nome de entrevista pautada ou por


pauta, é aplicada a partir de um pequeno número de perguntas abertas.

Apresenta um certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de pontos de
interesse, que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso. As perguntas
abertas funcionam como um guia de temas a serem explorados, que o entrevistador
coloca ao entrevistado que fala livremente à medida em que se refere às pautas
assinaladas. Embora a ordem das pautas não seja pré-estabelecida, quando o pesquisado
se afasta da temática das pautas o entrevistador intervém sutilmente para manter a pauta
da entrevista sem prejudicar a espontaneidade do processo.

Recomendam-se as entrevistas por pautas em situações em que os respondentes não se


sintam à vontade para responder a indagações muito fechadas. Tal pode ocorrer em
43

função das características culturais dos entrevistados, pela própria natureza do tema
investigado, ou ainda pela dificuldade do pesquisador em estruturar mais a entrevista ou
elaborar um questionário fechado.

Desde que o pesquisador conduza com habilidade a entrevista semi-estruturada e


registre as respostas através de gravação, poderá, ao seu final, reconstruí-la de forma
mais estruturada, o que torna possível uma análise mais objetiva.

Entrevista estruturada

Desenvolve-se a partir de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação


permanece invariável para todos os entrevistados, que geralmente são em maior número.

Entre as principais vantagens da entrevista estruturada estão a sua maior agilidade e o


fato de não exigir uma preparação exaustiva dos pesquisadores.

Por possibilitar o tratamento quantitativo dos dados, este tipo de entrevista se apropria à
análise estatística, já que as respostas obtidas são padronizadas. Em contrapartida, estas
entrevistas não possibilitam a análise dos fatos com maior profundidade, pois obtêm-se
as informações a partir de um rol prefixado de perguntas.

As entrevistas deste tipo podem assumir maior ou menor grau de estruturação em


função do tipo de perguntas que podem ser abertas ou mesmo fechadas. No primeiro
caso, propiciam uma gama maior de possibilidades de resposta, pois o respondente pode
se expressar livremente. No segundo caso, apenas se oferece ao entrevistado a
possibilidade de escolher entre um número limitado de respostas.

Quanto mais estruturada e fechada a entrevista, mais ela se aproxima do questionário.


Alguns autores preferem designar este procedimento como questionário por contato
direto. Outros autores, no entanto, consideram este procedimento uma técnica distinta
da entrevista e do questionário e o designam como formulário. Reservam então o termo
'questionário' para o procedimento auto-administrado em que o pesquisado responde por
escrito às perguntas que lhe fazem.

Em função do domínio de certos tipos de objetivos, alguns autores recorrem à seguinte


classificação:

• entrevista documentária, que objetiva a coleta de informação sobre os fatos


exteriores
• entrevista de opinião, que objetiva a coleta de informação sobre as opiniões de um
sujeito
• entrevista clínica, que objetiva a coleta de informação sobre a personalidade do
sujeito. A entrevista clínica, eventualmente, conduzida de maneira não-diretiva, tem
como característica específica sua orientação que objetiva obter uma interpretação
sócio-psicológica da situação ou da personalidade dos sujeitos através de suas
verbalizações.

4.1.2 Temas e perguntas


44

Ao elaborar a pauta ou 'guia' da entrevista, o pesquisador pode formular várias perguntas


e depois selecionar as que correspondem melhor ao tema e a hipótese da pesquisa. É
conveniente que a formulação seja simples e direta, para facilitar a comunicação entre o
entrevistador e o entrevistado.

O uso da pauta de entrevista dependerá da personalidade do entrevistado. Quando


houver dificuldade de comunicação, o entrevistador utilizará o guia para orientar o
processo. Por outro lado, caso o entrevistado goste de falar, o guia de entrevista passa a
ser uma ajuda (memória) para o entrevistador revisar o tema durante a realização da
entrevista.

Ao formular a pauta, o pesquisador deve tentar colocar-se na situação do entrevistado.


Caso existam temas delicados para tratar, é melhor abordá-los apenas ao fim da
entrevista, quando já houver uma maior naturalidade na comunicação.

Após completar o plano geral da pauta, o pesquisador pode detalhar alguns aspectos do
tema. Esta série de pontos vinculados a cada pergunta funcionam como lembretes que
podem ou não ser mencionados face ao encaminhamento da entrevista. Por exemplo, ao
se propor a pergunta 'o que o senhor acha do seu trabalho?', cabem os seguintes pontos:
conceito de trabalho, esperança de progresso, conflitos pessoais.

Nem todas as perguntas de uma pauta de entrevista devem ser subdivididas em pontos,
pois corre-se o perigo de transformar uma entrevista semi-estruturada numa entrevista
estruturada e dirigida. Na maioria dos casos, utilizam-se os lembretes espontaneamente,
no curso da entrevista, para aprofundar alguns temas.

Ao colocar perguntas para o entrevistado, deve-se evitar a diretividade. Por exemplo, em


lugar de perguntar 'o senhor não pensa que... ?', é melhor perguntar: 'o que o senhor
pensa de ... ?'; em vez de perguntar 'não é possível que ...?', é melhor 'o que o senhor
acha da possibilidade de ...?; em lugar de 'o senhor se sente cansado depois de um dia
de trabalho?', indagar 'como se sente depois de um dia de trabalho?'.

Cuidados com a indução

De acordo com MUCCHIELLI (1978), chama-se indução da resposta (ou das atitudes, ou
do comportamento) o fato de que a questão, tal como o pesquisador a coloca, ou a
intervenção verbal, tal como ele a formula, orienta a resposta do entrevistado. Esse
fenômeno é um caso particular da interação e representa uma forma de sugestão da
parte do entrevistador, não necessariamente desejada ou consciente. Ao contrário, na
grande maioria dos casos, a questão ou intervenção verbal induz a resposta, sem que o
fenômeno seja consciente por parte do entrevistador ou do entrevistado.

Um exemplo citado por MUCCHIELLI (1978) ilustra bem a questão da indução. Numa
enquete realizada por dois pesquisadores sérios e certos de sua objetividade, sobre as
causas da decadência social de 2.000 indigentes alojados em albergues noturnos, com
amostragem sorteada, chegou-se aos seguintes resultados:

* primeiro pesquisador: o álcool é a causa de 62% dos casos e o desemprego em 7% - o


resto é atribuído a causas variáveis;

* segundo pesquisador: o álcool é a causa em 22% dos casos, o desemprego e as


condições sócio-econômicas em 39% dos casos - o resto tem causas diversas.
45

O primeiro pesquisador profissional era partidário da proibição do álcool, o segundo era


socialista. Sem dúvida, pode-se pensar que a ideologia de um e de outro tenha
influenciado suas conclusões, mas é falso. De fato, seus sistemas de opiniões
influenciaram inconscientemente a maneira de fazer as perguntas - o que é mais grave.

Tal fenômeno já foi verificado muitas vezes - existe um tipo de sugestão involuntária na
formulação da pergunta, na voz, na mímica, no olhar, no gesto, na atitude geral, que
orienta a resposta do entrevistado, sem que este esteja consciente dessa sugestão.

Diz-se, nesse caso, que a resposta do sujeito é induzida. A indução é, portanto, a


influência exercida sobre a resposta pelo modo de fazer a pergunta ou de intervir na
relação. A questão, a intervenção e o entrevistador são ditos indutores, e o resultado
provocado é dito induzido.

Interação entrevistador/ entrevistado

Cumpre enfatizar que a entrevista não é uma técnica tão simples quanto parece ao
utilizador superficial. O pesquisador não pode realizar entrevistas não-diretivas na base
da intuição nem do bom senso ou da típica ingenuidade das entrevistas comuns.

Para que uma entrevista se desenvolva adequadamente, ou que o questionário se aplique


de forma apropriada, faz-se necessário, antes de mais nada, que o entrevistador seja
bem recebido. Algumas vezes, prepara-se antecipadamente o grupo de pessoas a ser
entrevistado, mediante contato pessoal ou comunicação escrita. Outras vezes, no
entanto, não se informa nada aos respondentes, que vivem então a surpresa de se
transformarem em informantes de uma pesquisa. Neste caso, exige-se do pesquisador
uma maior habilidade na condução da entrevista ou do questionário.

Para iniciar a conversação, o mais aconselhável é falar amistosamente, sem falsa


espontaneidade ou intimidade, sobre qualquer tema do momento que possa interessar
ao entrevistado. Logo a seguir, o pesquisador deve explicar a finalidade de sua visita, o
objetivo da pesquisa, o nome da entidade ou das pessoas que a patrocinam, sua
importância para a comunidade ou o grupo pesquisado, as possibilidades de aplicações
futuras e, particularmente, a importância da colaboração pessoal do entrevistado.
Convém ainda, neste primeiro contato, deixar bem claro que a pesquisa terá caráter
estritamente confidencial e que as informações prestadas permanecerão no anonimato.

É fundamental que, desde o primeiro momento, se crie uma atmosfera de cordialidade e


confiança - o entrevistado deve sentir-se absolutamente livre de qualquer coerção,
intimidação ou pressão. À medida que tal ocorra, o pesquisador passa ao
desenvolvimento do tema.

Cumpre observar que, na situação da pesquisa, os únicos elementos motivadores do


informante são o conteúdo da entrevista e o próprio entrevistador. Logo, o pesquisador
não deve se descuidar nunca de manter um clima agradável durante a realização das
perguntas.

Início e fim da entrevista

O entrevistador, antes de começar a gravar a entrevista, deve solicitar autorização ao


entrevistado, explicando o motivo da gravação. Logo a seguir, devem-se pedir ao
entrevistado alguns dados que permitam identificá-lo, como nome, data da entrevista,
lugar da entrevista, ano de nascimento, escolaridade, local de nascimento, ocupação. O
46

entrevistado deve falar algo de sua própria formação, experiência e área de interesse. O
entrevistador deve evitar: confidências de caráter pessoal; dar conselhos ou lições de
moral; discutir aspectos relativos às respostas; apressar o entrevistado durante seus
relatos ou questionamentos; ter comportamento de 'dono da verdade' ou 'sabe-tudo';
atitudes de autoritarismo.

Tanto por razões éticas quanto técnicas, a entrevista deve encerrar-se num clima de
cordialidade. Em geral, nas entrevistas de pesquisa, o entrevistado fornece informações
sem receber qualquer tipo de vantagem - logo, merece a máxima consideração e
respeito. Como é freqüente a necessidade de outra entrevista, o pesquisador não deve
esgotar o entrevistado e sim encerrar o encontro quando o interrogado ainda mantiver
interesse em conversar sobre o assunto.

4.1.3. Uso da entrevista pelo ergonomista

A ergonomia lança mão dos diferentes tipos de entrevista conforme as diferentes etapas,
objetivos e objetos da pesquisa. Durante a problematização e a sistematização, usam-se
entrevistas não diretivas. Quando se conhece melhor a situação de trabalho e a tarefa,
lança-se mão de entrevistas focalizadas. Nas enquetes com supervisores, engenheiros de
segurança ou médicos do trabalho procede-se à entrevista semi-estruturada.

Para o ergonomista, o interlocutor fundamental é o operador. Por melhor que seja o


conhecimento do dispositivo técnico e das instruções escritas e orais destinadas ao
trabalhador, por mais cuidado e atenção que se tenha com a observação de sua
atividade, não apenas operatória mas também perceptiva (movimento dos olhos), falta a
palavra do operador.

Por outro lado, perguntar ao operador sobre o seu trabalho, fora do cenário da tarefa,
também não é suficiente para compreender o trabalho realmente realizado. Quando
levado a falar em detalhes sobre seu trabalho fora do local de execução, ele trará o
máximo possível de elementos: planos, instrução, ferramentas, peças, tentativas de fazer
esboços explicativos. Com efeito, existe um vocabulário próprio informal a toda atividade
e, por vezes, esse vocabulário é difícil de traduzir na ausência de objetos. Ocorre o
mesmo para as relações espaço-temporais dos objetos entre si.

A descrição da atividade dentro do posto de trabalho é muito mais fácil, mas necessita de
um acordo nem sempre fácil de se conseguir com a direção da empresa, a chefia do
departamento e sobretudo com os próprios trabalhadores. A descrição exige uma
alternância de atividade e interrupções para explicações que é, em geral, incompatível
com o ritmo cotidiano da rotina do setor. Mais ainda, a rapidez das explicações solicita
muito a intuição do ergonomista e acarreta o risco de perder informações e/ou perturbar
o operador para obtê-las.

O ideal é poder juntar as explicações dadas no local de trabalho com a descrição


detalhada da atividade fora dele.

MUCCHIELLI (1978) agrupa, sob a denominação de métodos interrogativos, técnicas bem


diferentes e que têm, como característica comum, fazer com que os operadores
descrevam seus próprios postos de trabalho e as atividade da tarefa a seu cargo.

Entrevista com o ocupante do posto de trabalho


47

Espera-se descobrir, a partir da entrevista com o ocupante do posto, os 'sinais' aos quais
reage efetivamente e qual sua reação ao funcionamento do sistema.

A partir de MUCCHIELLI (1978), que propõe uma série de perguntas, baseado em Faverge,
Leplat e Guiget, determinaram-se algumas questões que podem servir como 'guia de
comunicação':

1. De onde se originam as informações (sinais, documentos, ordens, instruções,


informações) que chegam ao posto de trabalho e ao próprio operador e que ele
deve responder ou tratar para cumprir suas funções e desempenhar sua tarefa?
2. Que informações são essas? Implicam riscos?
3. A quem o operador transmite as informações recebidas? Ou seja, com que outros
postos ele entra em contato para enviar os resultados do seu trabalho?
4. Em que consistem as operações do posto de trabalho, as atividades a realizar, qual
a proporção das mesmas em relação ao volume de trabalho, tempo e dificuldade?
5. Em que consiste o trabalho do operador, como o trabalho se processa e como o
operador o organiza? Esta pergunta não tem como objetivo saber se a operação se
acha 'adaptada' ou não, mas o de penetrar no universo de significações do posto.
6. Para que servem, qual a utilidade e o uso de determinados componentes do posto
de trabalho - mostradores, comandos, telefones, microfones, alto-falantes?
7. Que dificuldades o operador encontra habitualmente no trabalho que realiza?
8. Quais são os fatores que ocasionam ao operador insatisfação quanto ao seu
trabalho?
9. Quais são, segundo a opinião pessoal do operador, os defeitos dos meios de
trabalho disponíveis, ou da máquina com a qual trabalha? Esta pergunta relaciona-
se com as ferramentas e instrumentos de que ele se utiliza, no sentido amplo de
'qualquer meio material', desde o formato de um papel até a resistência de uma
alavanca de comando.
10. Que incidentes já aconteceram durante o trabalho? Que gênero de incidentes pode
acontecer? Esta pergunta completa a anterior e, sem retomar à segunda questão,
se destina a avaliar os pontos principais da formação, do treinamento ou da
experiência adquirida, assim como os procedimentos do operador em relação a
eles.

É interessante pedir ao operador que trace o organograma com um esquema da rede de


relações hierárquicas e funcionais do conjunto do sistemas - Empresa, Repartição
Administrativa, Agência ou Serviço -, a partir de seu próprio posto, definido por sua
denominação oficial. Esta é uma técnica que revela explicitamente as diferenças - e
incompatibilidades - entre o organograma oficial e as representações da empresa e do
seu funcionamento, feitas por diferentes pessoas nos seus respectivos postos.

Cumpre observar que, como em qualquer entrevista, corre-se o risco de obter 'respostas
de fachada'. Ao pesquisador, cumpre evitar qualquer sugestão ou indução psicológica - é
fundamental deixar o interlocutor se estender sobre o tema de cada pergunta, como nas
entrevistas focalizadas.

Por outro lado, quando o operador compreende exatamente o objetivo da pesquisa,


quando adquire confiança no pesquisador e não teme ser julgado de modo pessoal ou ter
suas respostas comentadas com seus chefes hierárquicos, podem-se obter dados
preciosos.

Relatos de incidentes críticos


48

FLANAGAN (1954) propôs o método dos incidentes críticos para o estudo do posto de
trabalho. Considera-se incidente crítico tudo o que acontece de significativo ou de típico
(de bom ou de mau em relação ao funcionamento do posto), e que permite que se faça
uma idéia do que consiste o funcionamento deste posto e as dificuldades vividas pelo
operador/ manutenidor. Trata-se de obter de um grande número de pessoas o relato de
acontecimentos que poderiam traduzir-se num incidente ou num acidente durante uma
atividade determinada mais ou menos precisa: conduzir um automóvel, conduzir um tipo
específico de veículo em condições particulares (sobrecarga, má saúde).

Para CHAPANIS (1996), esta técnica é especialmente útil quando o sistema já está
operando e observam-se problemas ou suspeita-se de dificuldades, mas não se conhecem
a natureza e a severidade dos problemas e dificuldades.

A partir de entrevistas e verbalizações, os operadores fornecem comentários em primeira


mão de incidentes críticos, ou seja, acidentes, quase-acidentes, erros, ou quase-erros,
que eles cometeram ao usar um mostrador, ao acionar um comando, ou conduzir alguma
operação. O ergonomista inquire várias pessoas que usaram um instrumento particular,
uma máquina específica, ou um sistema em questão, e pede a eles que contem sobre
algum erro ou quase-erro que cometeram, ou algum acidente ou quase acidentes que
experienciaram.

De acordo com MUCCHIELLI (1978), ao tratar de incidentes críticos, deve-se atentar para
a seguinte assertiva: não se pode considerar como incidente crítico a apreciação de um
acidente ou a simples notação de um ‘desarranjo mecânico’ ou de um conflito pessoal.

Um ‘incidente critico’ significativo para a técnica deve considerar ao mesmo tempo os


quatro critérios que se seguem:

1. Ser um ramo das atividades da tarefa observável e formando um todo que pode ser
isolado, considerando o relato da apreciação realizada;
2. A situação definida deste modo deverá permitir o estudo das causas, efeitos,
origens e conseqüências e permitir a compreensão a partir do ponto de vista da
atividade estudada;
3. A situação não deve ser confusa ou deixar dúvidas. Deve manifestar ou exprimir
objetivos e intenções claras;
4. Os incidentes críticos relatados devem ser casos significativos de comportamento,
notavelmente eficazes ou ineficazes em relação aos objetivos gerais da atividade
considerada.

As narrativas de incidentes devem ser detalhadas o suficiente para:

• permitir que o ergonomista faça inferências e predições sobre o comportamento


das pessoas envolvidas;
• deixar poucas dúvidas sobre as conseqüências do comportamento e os efeitos dos
incidentes.

Após coletar dados sobre um número significativo de incidentes, o ergonomista


classifica-os e grupa-os em categorias como, por exemplo:

• erros e quase-erros na leitura de indicadores;


• erros e quase-erros na utilização de controles;
• erros e quase-erros ao interpretar uma instrução.
49

O ergonomista, então, usa seu conhecimento técnico e sua experiência para conjecturar
sobre prováveis fontes de dificuldade e como cada uma pode ser mais estudada e
reprojetada para eliminar as dificuldades.

Tem-se como resultado dos relatos de incidentes críticos uma listagem de fontes de
dificuldades na relação homem-sistema durante o uso e a operação. Mais ainda:
apresentam-se sugestões preliminares de soluções para as dificuldades arroladas.

4.2 Questionário

O termo 'questionário' pode designar instrumentos diferentes. Assim, é comum falar-se


em 'entrevista', 'formulário', 'teste', 'enquete' e 'escala' com o mesmo sentido de
'questionário'.

GIL (1987) afirma que a diferença fundamental entre um questionário e uma entrevista
consiste em que nesta última formulam-se oralmente as questões para as pessoas que
respondem da mesma forma. Ocorre, porém, que algumas entrevistas são totalmente
estruturadas e são freqüentemente denominadas como 'questionário apresentado
oralmente'. Há autores que preferem atribuir a esta técnica o nome de 'formulário', com o
objetivo de distinguí-la tanto do questionário quanto da entrevista. No entanto, é muito
freqüente identificar como 'formulário' todo e qualquer impresso que apresente campos
para anotação de dados - não importando se esta ação é desenvolvida pelo pesquisado
ou pelo pesquisador.

Ainda GIL (1978) define o questionário como a técnica de investigação composta por um
número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo
por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, expectativas e situações
vivenciadas.

Acorde CHIOZZOTTI (1995), o questionário consiste em um conjunto de questões pré-


elaboradas, sistemática e seqüencialmente dispostas em itens que constituem o tema da
pesquisa. Objetivam ser respondidas por um interlocutor, por escrito ou verbalmente.
Busca-se obter dos informantes opiniões sobre o assunto em pauta. É uma interlocução
planejada.

Para MUCCHIELLI (1978c), no entanto, não se deve considerar o questionário como uma
lista de perguntas. Para este autor, fazem parte do que ele chama 'questionário' todos os
meios de procura de respostas - isto é, as questões propriamente ditas, as escolhas sobre
desenhos ou imagens, os meios de medida de atitudes (escalas de avaliação), as técnicas
de revelação da personalidade (técnicas projetivas utilizadas como meios de enquete) etc.
Entende-se como resposta procurada aquela que, através da subjetividade dos indivíduos
(e mesmo, por vezes, à revelia de sua consciência refletida), exprime direta ou
indiretamente (mas sempre da maneira a mais útil e mais utilizável possível) o fenômeno
social que queremos conhecer ou compreender.

A entrevista compreende geralmente um 'roteiro' - uma pauta de temas sobre os quais o


entrevistador deve fazer falar indivíduos sucessivos ou grupos.

Os questionários, para MUCCHIELLI (1978c), podem ser de dois tipos:

• os questionários de auto-aplicação, nos quais o sujeito fica só, diante do


questionário, para respondê-lo
• os questionários por pesquisadores, nos quais o pesquisador faz as perguntas e
anota as respostas.
50

O questionário que o pesquisador aplica por telefone pertence ao segundo tipo.

RICHARDSON (1989) afirma conclusivamente que o questionário é realmente uma


entrevista estruturada.

Define-se, então, a entrevista estruturada como um questionário de perguntas abertas e


aceita-se o termo 'questionário' tanto para perguntas abertas quanto para perguntas
fechadas e para definir tanto os aplicados por pesquisadores quanto os auto-aplicados.
Do mesmo modo, assumem-se as escalas de avaliação como um tipo de questionário.

4.2.1 Funções e características dos questionários

Segundo RICHARDSON (1989), em geral, os questionários cumprem duas funções:


descrever as características e medir determinadas variáveis de um grupo social.

A informação obtida por meio de questionário permite observar as características de um


indivíduo ou grupo. Por exemplo: sexo, idade, estado civil, nível de escolaridade,
preferência política, etc. A descrição destas características atende a diversos objetivos,
como por exemplo, a importância de se conhecer (i) a idade da população para avaliar a
adequação a mudanças tecnológicas; (ii) as características educacionais de um grupo
como fator para se explicar determinadas atitudes desse grupo.

4.2.2 Tipos de questionário

Pergunta aberta

A pergunta aberta não prevê respostas e deixa ao indivíduo a liberdade de se expressar


como quiser, de formular ao seu modo, com suas próprias palavras, a resposta à questão
que se colocou. O pesquisador não está interessado em antecipar as respostas: ele
deseja uma maior elaboração das opiniões do entrevistado.

Exemplos:

Se um jovem perguntasse hoje a sua opinião sobre o melhor futuro profissional que
poderá escolher, qual a carreira que você lhe aconselharia?

Você gosta de telenovelas? Por favor, justifique.

Em virtude das dificuldades para tabulação e análise, perguntas deste tipo são pouco
recomendadas em estudos descritivos ou explicativos. Cumprem, no entanto, importante
papel nos estudos exploratórios ou formuladores.

Pergunta fechada

São aqueles instrumentos em que as perguntas ou afirmações apresentam categorias ou


alternativas de respostas fixas e que se estabeleceram previamente. O entrevistado deve
assinalar a alternativa que mais se ajusta ou corresponde às suas características, idéias
ou sentimentos.

A utilização de um questionário com perguntas fechadas depende de diversos aspectos.


Primeiro, supõe-se que os entrevistados conheçam a temática que o questionário aborda.
51

Segundo, supõe-se que o pesquisador conheça suficientemente bem o grupo a ser


entrevistado, de modo que possa antecipar as respostas às perguntas.

A grande maioria dos questionários faz uso de perguntas fechadas, por exemplo:

1) Sexo:
( ) masculino
( ) feminino
2) Idade:
( ) menos de 15 anos
( ) 15 - 20 anos
( ) 21 - 25 anos
( ) 26 - 30 anos
( ) 31 - 35 anos
( ) 36 - 40 anos
( ) 41 - 45 anos
( ) 46 - 50 anos
( ) 51 - 55 anos
( ) 56 - 60 anos
( ) 61 anos e mais

3) Gosta do seu trabalho


( ) muito
( ) mais ou menos
( ) pouco
( ) nada

Na elaboração de perguntas fechadas, devem-se considerar dois aspectos importantes:

1. As alternativas devem ser exaustivas, isto é, devem incluir todas as possibilidades


de resposta;
2. As alternativas devem ser excludentes. Deste modo, evitam-se dúvidas para o
entrevistado entre respostas que podem ter o mesmo significado.

Exemplo: Você se considera da classe:


( ) alta
( ) média
( ) baixa

Existem diversos tipos de perguntas fechadas. As que se utilizam mais freqüentemente


são as seguintes:

(i) perguntas com alternativas dicotômicas

'aprovação/ desaprovação', 'sim/não', 'certo/errado', 'verdadeiro/ falso'


ou avaliação sob uma gama de julgamentos previstos;

(ii) pergunta de múltipla escolha (ou 'cafeteria')

O nome indica que o cliente encontrará aí aquilo que deseja, dentro do leque de
alternativas propostas - apresenta um número relativamente grande de respostas
possíveis.
52

Exemplo: O que caracteriza, segundo você, um homem 'de esquerda'?


( ) o anticlericalismo
( ) a preocupação com a defesa das liberdades individuais
( ) a atenção voltada para os problemas do proletariado
( ) o pacifismo
( ) a preferência pelo dirigismo em matéria econômica
( ) a fidelidade ao sistema republicano
( ) o internacionalismo

(iii) pergunta com alternativas hierarquizadas

Exemplo: Como você usa a Biblioteca da Universidade?


( ) nunca
( ) ocasionalmente
( ) freqüentemente

(iv) pergunta dupla

Reúne uma pergunta fechada e outra aberta, sendo que a última se enuncia
freqüentemente sob a forma 'por que?'

Muitas vezes, o pesquisador - para não fechar totalmente uma pergunta - inclui entre as
alternativas uma categoria outros, aberta.

Exemplo: Que programas de televisão o Sr. (Sra.) prefere?


( ) noticiários
( ) esportivos
( ) telenovelas
( ) policiais
( ) humorísticos
( ) outros: ...............................

Este tipo de pergunta propõe-se a oferecer maior liberdade de resposta ao entrevistado.


Mas, na verdade, se um grande número de pessoas assinala outros, tal significa que o
questionário foi mal formulado e deixou de fora possibilidades de respostas que se
deveriam definir previamente.

A categoria 'outros' cumpre um papel importante no pré-teste quando contribui para


determinar, reformular ou esclarecer as alternativas das perguntas fechadas. Caso no
pré-teste essa categoria, em uma pergunta específica, receba muitas respostas (mais de
25% do total de pessoas que responderam à pergunta), devem-se reformular e completar
as demais alternativas.

Exemplo: No pré-teste de um questionário com 50 pessoas ocorreu:

Nível de instrução:

( ) primeiro grau - 5 pessoas


( ) segundo grau - 10 pessoas
( ) terceiro grau - 20 pessoas
( ) outros - mestrado - 15 pessoas

Conclui-se que a pergunta deveria incluir mais uma alternativa:


53

Nível de instrução:

( ) primeiro grau
( ) segundo grau
( ) terceiro grau
( ) pós-graduação

Comparação entre perguntas fechadas e perguntas abertas

De acordo com RICHARDSON (1989), existem temas que podem ser abordados facilmente
através de perguntas fechadas - sexo, nível de escolaridade, estado civil, idade - porque
se limitam quase sempre a algumas alternativas. Aspectos como religião, raça e filiação
política implicam uma quantidade limitada de categorias, sempre que se tenha uma idéia
relativamente clara das características da grande maioria de determinada população. No
Brasil, por exemplo, qualquer pergunta sobre religião deve incluir as seguintes
categorias: católica, protestante, espírita, judia.

As atitudes medem-se, em geral, por meio de afirmações com respostas fixas (concordo -
discordo - indeciso), que correspondem a uma escala atitudinal fácil de computar que
permite comparar pessoas e grupos.

A pergunta aberta possibilita que o estudioso que deseja pesquisar um determinado


assunto e/ou população que não lhe é muito familiar o faça sem antecipar possíveis
respostas.

Vantagens e desvantagens das perguntas fechadas

Ainda segundo RICHARDSON (1989), existem algumas vantagens e desvantagens entre as


perguntas fechadas. Estas são apresentadas a seguir.

(i) vantagens das perguntas fechadas

• as respostas são fáceis de codificar


• permitem classificar rapidamente uma resposta numa das categorias de análise
previstas, o que facilita a tabulação do questionário
• o entrevistado não precisa escrever: basta marcar a alternativa mais pertinente - o
que é importantíssimo quando os entrevistados apresentam dificuldade para
escrever
• as perguntas fechadas facilitam o preenchimento total dos questionários - um
instrumento com muitas perguntas abertas é cansativo de responder
• podem-se usar as perguntas fechadas como 'filtros', ou seja, para discriminar entre
as pessoas aquelas a quem caberá, posteriormente, responder a certas perguntas
específicas; deste modo, evita-se que todos os entrevistados respondam a todas as
perguntas - o que acaba por obrigar alguns a tratar de assuntos que não lhes
dizem respeito
• muitas vezes, utilizam-se as questões fechadas como introdução, de modo a
engajar o cliente no questionário, através de perguntas fáceis e impessoais
• garantem mais o anonimato do pesquisado
• quando se envia o questionário por correio - o que não é muito recomendável - é
mais provável que os sujeitos o preencham e devolvam se as perguntas forem
fechadas.

(ii) desvantagens das perguntas fechadas


54

• a principal consiste na incapacidade potencial de oferecer ao entrevistado todas as


alternativas possíveis de respostas. O entrevistado poderá ter que escolher entre
alternativas que não se ajustam inteiramente à sua maneira de pensar. Neste caso,
poderá ocorrer um tendenciamento das respostas.

Vantagens e desvantagens das perguntas abertas

(i) vantagens das perguntas abertas

• uma das grandes vantagens é a possibilidade de o entrevistado responder com


mais liberdade, sem se restringir a marcar uma ou outra alternativa que
corresponda à seleção prévia do pesquisador

(ii) desvantagens das perguntas abertas

• dificuldade de classificação e codificação. Diversas pessoas podem dar respostas


aparentemente semelhantes, mas o significado pode ser totalmente diferente. Isso
dificulta a codificação - caso o pesquisador coloque essas pessoas numa mesma
categoria, sua análise poderá ficar seriamente comprometida. Por outro lado, um
grande número de alternativas torna impossível a análise
• algumas pessoas possuem maior facilidade do que outras para escrever. O
problema torna-se mais sério quando os entrevistados pertencem a classes sociais
diferentes. Podem ocorrer visões completamente diversas, assim como o uso de
vocabulários específicos
• as perguntas abertas exigem tempo para resposta e o entrevistado pode se cansar;

4.2.3 Tipos de perguntas

De acordo com GIL (1994), as perguntas, em função de seu conteúdo, podem ser
classificadas em diversas categorias. Entretanto, essa categorização nem sempre é muito
nítida. As distinções entre elas decorrem muito mais de uma questão de hábito ou
conveniência do que de rigor técnico. Abaixo encontram-se listadas algumas categorias
de perguntas.

Perguntas sobre fatos

Referem-se a dados concretos e fáceis de precisar, tais como idade, sexo, estado civil,
número de filhos, nacionalidade, naturalidade, nível de renda, escolaridade etc.

De modo geral, estas perguntas são respondidas com sinceridade, a menos que o
pesquisado suponha alguma conseqüência negativa para ele como resultado da sua
resposta - tal como aumento de impostos, desprestígio social etc.

Perguntas sobre crenças

Tratam das experiências subjetivas das pessoas, ou seja, do que as pessoas acreditam
que sejam os fatos. Utilizam-se com freqüência em questionários cuja finalidade é
fornecer dados sobre preconceitos, ideologias e convicções religiosas.

Perguntas sobre sentimentos


55

Referem-se às reações emocionais das pessoas perante fatos, fenômenos, instituições ou


outras pessoas. Medo, desconfiança, desprezo, ódio, inveja, simpatia e admiração são
alguns dos sentimentos mais pesquisados mediante questionários.

Perguntas sobre padrões de ação

Tratam genericamente dos padrões éticos relativos ao que deve ser feito, mas podem
envolver considerações práticas a respeito das ações que são executadas. O interesse
destas perguntas está em que podem oferecer um reflexo do clima predominante de
opinião, bem como do comportamento provável em situações específicas.

Perguntas relativas a comportamento presente ou passado

O comportamento passado ou presente de uma pessoa é um tipo de fato que ela pode
observar de uma posição privilegiada. Entretanto, esse tipo de fato é aqui isolado em
virtude do valor que pode ter para a predição do comportamento futuro. O
comportamento anterior de uma pessoa em determinada situação constitui sempre
indicador expressivo de seu comportamento futuro em situações similares.

Perguntas referentes a razões conscientes de crenças, sentimentos, orientações ou


comportamentos

Estas perguntas são formuladas com o objetivo de descobrir os porquês. Embora sejam
perguntas simples de serem formuladas, há que se considerar que as respostas obtidas
referem-se apenas à dimensão consciente desses porquês.

4.2.4 Cuidado com as defesas e deformações

GIL (op.cit.) afirma que, na elaboração do questionário, é fundamental considerar os


mecanismos de defesa dos respondentes. Tais mecanismos intervêm na situação de
respostas e acarretam, conseqüentemente, desvios nos resultados da pesquisa.

Defesa de fachada

Quando o respondente acredita que corre o risco de ser julgado, reage e se defende nas
respostas estereotipadas ou socialmente desejáveis e mascara, conseqüentemente, sua
real percepção a respeito dos fatos

Para minimizar esse efeito, deve-se evitar iniciar o questionário com perguntas que
trazem o risco de provocar 'respostas de fachada'. Convém ainda formular respostas
articuladas, de modo a possibilitar a verificação da autenticidade de uma resposta a
partir de outra. Ou, ainda, chegar à verdadeira resposta por inferência, a partir de
questões que, isoladamente, não acarretem o comportamento defensivo do interrogado.

Defesa contra perguntas personalizadas

As perguntas com redação do tipo 'O que você pensa a respeito de...' e 'Na sua
opinião,...' tendem a provocar respostas de fuga. Nessas circunstâncias, são freqüentes
as recusas ou hesitações do tipo 'Não sei', 'Não estou seguro' e 'Não tenho opinião'.

Para evitar defesas deste tipo, convém não iniciar o questionário por perguntas que
provoquem esse tipo de reação. Quando o tema for delicado, sugerem-se
preferencialmente perguntas indiretas.
56

Tendência à aquiescência

Ao se formularem perguntas com duas possibilidades de resposta - certo/errado,


sim/não - constata-se que as respostas afirmativas exercem estatisticamente uma
considerável influência de atração. Os governos sabem disso muito bem e colocam nos
referendos as questões sob tal forma que a resposta sim seja a que eles desejam.
Pesquisas metodológicas demonstram que a atração do SIM - qualquer que seja o
conteúdo da questão colocada - é capaz de acrescentar por si só um suplemento de 8% a
21% à repartição real dos votos.

Deformação conservadora

É natural que as pessoas ofereçam certa resistência à mudança e ofereçam respostas


indicadoras de conformismo. Esta se manifesta pela tendência a responder conforme o
socialmente aceito.

Para prevenir, deve-se cuidar especialmente da formulação das questões, sobretudo


atentar para o 'tom' das perguntas - mesmo em suas simples expressão escrita.

Efeitos de palavras estereotipadas

Ao se colocarem certas palavras - como 'comunista', 'nazista', 'crente', 'burguês', 'negro' -


em uma pergunta, resulta uma predisposição dos interrogados em respondê-las
tendenciosamente. Tais palavras possuem carga emocional suficiente para provocar
distorções. Assim, ao se redigirem as perguntas, devem-se evitar as palavras chocantes
ou provocadoras, com carga afetiva ou social, e substituí-las por equivalentes mais
neutros.

Influência da referência a personalidades de destaque

Ao se mencionar uma personalidade de destaque, pode-se influir tanto positivamente


quanto negativamente na resposta do interrogado. Logo, devem-se evitar referências a
pessoas que suscitem simpatia, antipatia, respeito por sua liderança ou, ao contrário,
desprezo público.

4.2.5 Etapas da elaboração de um questionário

MUCCHIELLI (1978) sugere, a partir da disponibilidade orçamentária e de acordo com a


qualificação profissional dos pesquisadores, as etapas descritas abaixo como parte de
uma preparação cuidadosa de um questionário.

1. A definição do objeto da enquete e o estudo dos meios materiais (limitações de


orçamento e de tempo), as predições e os objetivos da enquete
2. a preparação geral da enquete - a pré-enquete
3. a determinação dos objetivos e das predições da enquete
4. a determinação da população da enquete ou do universo da pesquisa
5. a determinação da amostra ou amostragem propriamente dita
6. a escolha das técnicas a utilizar
7. a redação preliminar do projeto do questionário
8. o pré-teste ou a aplicação probatória do projeto do questionário
9. a redação definitiva do questionário
10. a escolha do modo de aplicação do questionário e sua apresentação definitiva
57

11. a informação, formação e treinamento dos pesquisadores - cuidados e roteiro para


aplicação
12. a codificação e a apuração dos resultados com possíveis intervenções para validar
ou retificar os resultados já registrados
13. a análise dos resultados em relação aos objetivos da pesquisa
14. a solução dos problemas da redação do relatório e da eventual publicação dos
resultados.

4.2.6 O objeto e os objetivos da enquete

A idéia da enquete surge a partir de um problema geral, de uma intenção de pesquisa


psicológica, sociológica, política, de uma necessidade de informação sobre um problema
psicossocial ou sócio-econômico. Pode-se dizer que a idéia indica uma direção mas não
explicita seus objetivos.

Assim, buscam-se 'informações sobre as condições de trabalho na indústria',


'conhecimentos sobre saúde e higiene dos favelados', 'razões do fracasso da formação
profissional dos futuros executivos de empresas', 'motivações para a rejeição e aceitação
de candidatos a cargos políticos', 'qualidade de vida das pessoas idosas'.

Mas o problema da 'qualidade de vida das pessoas idosas' é muito vago e só se tornará
preciso ao se explicitar o que se deseja saber: condições de habitação, composição e
origem da renda, tipo de alimentação, atividades de lazer, ou ainda 'comparação das
condições gerais de vida - habitação, renda, alimentação, status social, ocupações, lazer -
das pessoas idosas na cidade e no campo'. Em qualquer uma das situações, será
necessário definir a faixa etária de uma maneira precisa.

Após idealizar a enquete, passa-se à delimitação do objeto. Trata-se então de delimitar a


amplitude do campo ou a extensão da enquete.

A definição dos objetivos é impossível sem a explicitação das predições. Para construir
um questionário, as predições são indispensáveis. Pode-se constatar que a formulação de
qualquer questão implica uma predição. Numa questão como 'Onde você costuma
comprar pão?', a predição é que 'você compra pão em algum lugar' - o que exclui a
possibilidade que você mesmo o fabrique.

Numa outra questão, para contramestres de empresas, a predição só se explicita ao


saber que o registro de acidentes no livro de atendimentos significa, na realidade, a
comunicação do acidente à Diretoria - o que é regulamentar e obrigatório.

Exemplo: O que você faz quando acontece um acidente de trabalho com um dos
operários de sua seção?

A ( ) registro do acidente no livro de atendimentos


B ( ) estudo das causas e das responsabilidades do acidente
C ( ) estudo de um dispositivo de segurança
D ( ) nenhuma intervenção

A predição é que certos contramestres não informam a Direção em caso de acidente


(item A, por via negativa), seja porque eles mesmos tomam as iniciativas (itens B e C),
seja por negligência (item D).

Somente a explicitação da predição permite formular as questões que, por agrupamento


ou diretamente, possibilitem verificá-la - confirmar ou refutar.
58

4.2.7 A pré-enquete

A pré-enquete compreende uma etapa fundamental na fase preparatória do questionário.


Permite passar do objeto da enquete à determinação das predições e,
conseqüentemente, à definição dos objetivos.

Recomendam-se então:

• pesquisas documentais que implicam a leitura e análise de documentos


• entrevistas com especialistas.

Várias entrevistas de tipo não diretivas, mas centradas no tema, junto a pessoas
selecionadas por sua informação ou por suas implicações quanto ao objeto da enquete,
propiciam a obtenção de uma documentação viva sobre o tema, paralelamente à
documentação escrita. Algumas exemplos são:
59

Entrevistas participativas

De acordo com as novas tendências da pesquisa social, é importante discutir com


pessoas-chaves - líderes da população-alvo - os aspectos a incluir no questionário . Isto
permitirá a participação dessa população no processo de pesquisa e, evidentemente,
melhor conhecimento pelo pesquisador de suas características e interesses. Mais ainda,
propicia-se um melhor entrosamento entre pesquisadores e pesquisados.

Reuniões de discussão

Através da participação de pessoas não diretamente vinculadas ao problema, a partir de


discussões livres em reuniões bem orientadas - técnicas de condução de reuniões –
algumas idéias úteis podem ser obtidas.

Estudos de gabinete

Consistem nas reflexões sobre os fatores da situação a estudar e análise sistemática das
predições.

Após essa fase exploratória, já se podem dispor de proposições que compreendem


enunciados que são outras tantas respostas à questão colocada ou ao problema que se
delimitou.

A síntese da pré-enquete permite avaliar todas essas idéias, decantá-las e filtrá-las. Desse
modo, evitam-se:

• a dispersão e a extensão ilimitada do questionário, a partir de uma recorte mais


restrito do objeto
• a dissimulação das predições gerais nos grupos de questões como sugestões
inconscientes de respostas.

Construção do questionário

A construção do questionário consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos


da pesquisa em itens. Para tanto, faz-se necessária a fixação dos objetivos com clareza.

A maior parte do que se sabe a respeito da elaboração de questionários decorre da


experiência particular dos pesquisadores. Apesar da falta de provas e conclusões
científicas, podem determinar alguns aspectos a observar durante a elaboração de
questionários.

GOODE e HATT (1979), apresentam as seguintes observações:

• todo questionário deve ter uma extensão e um escopo limitados;


• todo aspecto que se inclui no questionário compreende uma predição - logo, a
inclusão de todos e de cada um dos pontos deve ser passível de defender.

Sendo assim, sugere-se as seguintes etapas na construção do questionário:


60

(i) A escolha das perguntas

Condiciona-se a escolha das perguntas a fatores como: a natureza da informação que se


deseja obter e o nível sócio-cultural dos respondentes.

Algumas considerações para a seleção de perguntas:

• devem-se incluir apenas perguntas que se relacionam ao problema pesquisado;


• não se deve incluir perguntas cujas respostas podem ser obtidas de modo mais
preciso através de outro procedimento
• deve-se considerar as implicações da pergunta com os procedimentos de
tabulação e análise dos dados
• deve-se evitar perguntas ‘delicadas’, que penetrem na intimidade das pessoas.

(ii) A formulação das perguntas

O conteúdo da resposta apresenta uma relação direta com a maneira como se formulou a
pergunta. Algumas considerações sobre a formulação das perguntas inclui:

• devem-se formular as perguntas de modo claro, concreto e preciso


• deve-se ter sempre em mente o sistema de referência dos respondentes, bem
como seu nível de informação e linguagem
• a pergunta deve possibilitar uma única interpretação
• a pergunta não deve sugerir respostas
• as perguntas devem se referir a apenas uma única idéia de cada vez.

(iii) A ordem das perguntas

A enquete compreende um processo dinâmico de interação entre pessoas. Portanto,


deve-se buscar facilitar tal interação. Como qualquer conversa entre duas ou mais
pessoas, é preciso respeitar alguns procedimentos.

Deve-se começar o questionário com perguntas que não impliquem constrangimentos


para resposta - como idade, sexo, estado civil etc.

Em continuação, devem-se tratar os aspectos gerais do problema. Por exemplo, se o


questionário se refere a fatores que intervêm no aproveitamento escolar, incluem-se as
perguntas de opinião sobre a escola, os professores, os estudos etc.
Passa-se, a seguir, ao núcleo do questionário: às perguntas mais complexas e
emocionais, pois se supõe que o estado de ânimo do entrevistado, nesse momento,
facilite a compreensão e a resposta a tais perguntas.

Diversas pesquisas demonstram a ocorrência de 'contágio' das respostas umas pelas


outras. Devem-se, então, dispersar perguntas suscetíveis de 'contágio'.

Também observaram-se problemas decorrentes de mudanças bruscas do tema. Uma


forma de evitar tais problemas é demarcar explicitamente uma parada e recomeçar a fase
seguinte através das instruções e explicações necessárias.

É importante incluir, ao fim, uma pergunta que permita ao entrevistado expressar seus
sentimentos relacionados ao processo de coleta de dados. Esse tipo de pergunta
possibilitará avaliar posteriormente o questionário e o processo da entrevista.

(iv) Número de perguntas


61

Toda entrevista não deve prolongar-se muito além de meia hora e os questionários que o
informante responde por si mesmo não devem superar os 30 minutos.

A definição do número adequado de perguntas implica a consideração sobre o possível


interesse dos respondentes sobre o tema da pesquisa. Alguns autores estabelecem como
regra geral que o número de perguntas de um questionário não deva ser superior a 30
minutos. Se alguns itens exigem reflexão por parte do questionado, não devem aparecer
no principio, nem no fim do questionário. A fadiga do informante geralmente começa a
surgir depois de um período de 20 a 25 minutos.

(v) Apresentação do questionário

A apresentação material do questionário merece especial atenção, já que constitui um


estímulo muito importante para a motivação dos respondentes.

Os cuidados com a apresentação gráfica facilitam o preenchimento do questionário pelo


respondente e também as operações de codificação e tabulação durante o tratamento
dos dados e a análise dos resultados pelos pesquisadores.

Deve-se cuidar da qualidade do papel, da diagramação do texto, do espaçamento das


perguntas, da apresentação gráfica dos quadros a preencher e dos quadrinhos a
assinalar.

4.2..8 O pré-teste do questionário

Depois da redação - mas antes da aplicação definitiva -, o questionário deve passar por
uma prova preliminar. Esta prova, que se designa como pré-teste, objetiva evidenciar
possíveis falhas na redação, inapropriação e/ou excesso de perguntas, constrangimentos
e defesas dos respondentes.

O pré-teste deve verificar se a elaboração do questionário atende aos seguintes


requisitos:

• clareza e precisão dos termos


• forma das questões
• desmembramento das questões
• ordem das questões
• compreensão da introdução.

Realiza-se o pré-teste através da aplicação de alguns questionários (de 10 a 20,


dependendo da amostra) entre pessoas participantes da população a pesquisar.

Um bom pré-teste exige que os respondentes sejam típicos em relação ao universo da


pesquisa e, mais ainda, que tenham tempo disponível para, após preencherem os itens
do questionário, fornecerem informações sobre dúvidas que ocorreram, dificuldades que
encontraram e situações constrangedoras.

O pré-teste de qualquer instrumento de coleta de dados visa a assegurar sua precisão e


validade. No caso do questionário, o atendimento a esses requisitos é bastante crítico.

4.2.9 Aplicação do questionário


62

Métodos de aplicação de questionários

Existem dois métodos para aplicar questionários: por contato direto ou por correio.

(i) questionário por correio

Enviam-se todas as instruções pelo correio a um universo previamente escolhido de


pessoas. O pesquisador aguarda durante duas ou três semanas a devolução. A partir de
então, procura recuperar os questionários - envia cartas ou telefona, na tentativa de
convencer os retardatários.

A aplicação pelo correio propicia alcançar um número maior de pessoas. No entanto,


apresenta desvantagens como:

• baixa taxa de devolução, normalmente em torno de 30%


• incerteza quanto ao respondente - teria sido a esposa, com a ajuda do marido? Foi
a mãe, com auxílio dos filhos? No caso, devem-se atribuir as respostas ao grupo
familiar
• viés nas respostas - já que, freqüentemente, os formulários são devolvidos pelas
pessoas mais interessadas em colaborar. A amostra deixa de ser aleatória, o que
prejudica a análise dos resultados.

Para o questionário a ser aplicado pelo correio, indicam-se poucas perguntas fechadas.
Devem-se analisar as características dos que responderam imediatamente e compará-las
com as dos retardatários que responderam apenas após a segunda carta. Tal
procedimento possibilita controlar diferenças que poderiam influenciar os resultados da
pesquisa.

(ii) questionário por contato direto

O próprio pesquisador - ou uma equipe treinada - aplica o questionário, anota as


respostas ou aguarda que o entrevistado o faça. Assim, diminui-se o número de pessoas
que não respondem ao questionário ou deixam perguntas sem resposta. O pesquisador
pode explicar e discutir os objetivos da pesquisa e do questionário, esclarecer dúvidas.

O contato direto pode ser individual ou coletivo. No primeiro caso, entrevistam-se as


pessoas individualmente - seja em casa, no trabalho ou na rua. No segundo caso, as
pessoas são entrevistadas em grupos - uma turma na sala de aula, por exemplo. Deve-se
verificar que forma se apropria mais à pesquisa.

O entrevistador face a face com o questionado

Tal como ocorre num diálogo, primeiro se produz a aproximação gradual ao tema,
depois fala-se sobre o tema central e, após a discussão do assunto, tem-se uma conversa
genérica para, então, ocorrer a despedida. O entrevistador deve procurar obter a
confiança do respondente e, para tanto, deve se apresentar a sua identificação e explicar
o objetivo da pesquisa e a razão da escolha dos entrevistados.

Deve-se evitar induzir as respostas dos entrevistados, seja através de 'explicações' que o
entrevistador dá ou que, muitas vezes, o entrevistado solicita; seja através de mímicas,
tons de voz, olhares, gestos e atitudes em geral.
63

Pode-se afirmar que a impressão de impessoalidade é mais importante quando ela se


associa à impressão, por parte do entrevistado, de que ele é entrevistado não como um
indivíduo particular, mas sim como participante de um grupo que será ouvido durante a
pesquisa. A impressão da impessoalidade do pesquisador é um fator importante para o
sucesso da entrevista.

Devem-se ainda acrescentar precauções que, em certos casos precisos, assumem grande
importância. Por exemplo, interrogar operários sobre idéias que fazem de seu cargo, de
seus supervisores e chefes, no seu local de trabalho, na presença dos seus colegas e
após sua apresentação por um membro da Direção (a quem se solicitou, naturalmente, a
autorização para realizar as entrevistas) equivale a acumular desvios capazes de aniquilar
toda e qualquer esperança de obtenção de informações válidas.

4.2.10 A análise dos resultados

O problema das não-respostas

Quando da apuração das respostas, o pesquisador pode deparar-se com a ocorrência de


não-respostas.

Segundo MUCHIELLI (1978), é comum ver os pesquisadores amadores considerarem


irrelevante o problema das não-respostas, quando o questionário foi enviado pelo
correio. Os “sem resposta” que o pesquisador anota no seu questionário durante uma
entrevista têm, por certo, um sentido completamente diferente. Aos amadores poderia
parecer que, aumentando a extensão da amostra (e supondo-se que a definição desta
tenha sido feita segundo as regras), estariam reduzindo, conseqüentemente, os desvios
devido às não respostas.

Isto é um erro, tanto do ponto de vista do desvio assim introduzido na amostragem (isto
é, a amostra que respondeu não corresponde mais à amostra) como, conseqüentemente,
do ponto de vista da interpretação dos resultados, com relação aos objetivos da enquete.

Ainda acorde MUCHIELLI, a não resposta está caracterizada em duas situações distintas:

1ª situação:O problema das não-respostas nos questionários preenchidos, isto é, as


‘respostas’ em que foram assinalados os itens ‘sem respostas’, ‘sem opinião’, ‘não se
aplica’, ‘não sei’,’?’ - tanto nos questionários auto-aplicados como nos questionários
apresentados por um entrevistador. Essas não-respostas serão codificadas como tais na
apuração e têm sentido. Elas significam, com efeito, um dos quatro itens seguintes:

(i) Desconhecimento real do tema da pergunta, por parte da pessoa interrogada. Pode
acontecer que um dos objetivos da enquete seja justamente o de avaliar se os
indivíduos do grupo representando o universo da enquete sabem ou não, podem
definir ou não, compreendem ou não alguma coisa.
(ii) Recusa a se comprometer com uma resposta firme ou com as respostas previstas.
Isto pode ter um sentido e em certos casos, pode ser visto como uma atitude de
oposição.
(iii) Fuga da resposta porque a pergunta despertou inquietação ou desconfiança. Já
foi assinalado, anteriormente, que há um aumento no número de ‘sem-resposta’
às perguntas que envolvem opinião ou atitude, quando elas são formuladas de um
modo direto.
64

(iv) Incompreensão da pergunta e refúgio na não-resposta. Ainda neste caso, o


aumento no número do ‘sem-resposta’ deve, quando do pré-teste, levantar a
suspeita de que a formulação da questão não é boa.

Segundo GOODE &HATTT (1979), uma grande proporção de respostas ‘não sei’ ou ‘não
compreendo’ é uma boa indicação de que as questões não foram formuladas
propriamente, ou de que foi usado um mau plano de amostragem.

Se respostas desta natureza ocorrem para perguntas que foram planejadas para medir
um sentimento público, ou a história passada de uma relação emocional, ou os padrões
de comunicação de um operário com seus superiores, uma grande percentagem de ‘não
sei’ pode sugerir:

• que a questão é vaga, ou


• que é muito complexa, ou
• que envolve respostas difíceis nas quais o entrevistado precisa da ajuda de um
bom entrevistador, ou
• que o entrevistado não está em condições de responder a questão.

2ª situação: As ‘não-respostas’ expressas pela não devolução do questionário. O


problema das causas foi evocado (não poder, não saber, não querer) e as medidas
prévias a serem estudadas para evitar esse fenômeno foram citadas acima. Resta-nos ver
como tratar do problema na ocasião da apuração. Sendo assim, é importante considerar
os seguintes aspectos:

(i) Os questionários recebidos devem servir, antes de mais nada, para as


características da amostra efetivamente atingida, no âmbito da amostra visada. É
aqui que as famosas perguntas de identificação e de características objetivas
adquirem grande importância. Pode-se constatar muito bem - e muito rapidamente
- quais as categorias de indivíduos que responderam e tirar conclusões não apenas
sobre os objetivos da enquete em relação às características do grupo dos que
responderem, mas também sobre os objetivos da enquete em relação aos outros
indivíduos (aqueles que não responderam).
(ii) A determinação das características dos que não responderam permite prever
enquetes complementares sobre o novo universo assim definido. Pode-se também
afirmar que estes ‘suplementos de enquete’ não poderão ser feitos através de
questionários auto-aplicados e que será necessário prever o trabalho de
entrevistadores com uma nova amostragem e com hipóteses novas.

(iii) Cálculos estatísticos da amostra atingida, em comparação com a amostra visada,


permitem fazer extrapolações ‘retificadas’. Para estas retificações será necessário
o auxílio de ferramentas (como softwares) ou de um profissional da estatística.

Depois de colhidas as informações através do questionário, parte-se para a análise dos


dados encontrados. A seguir, esta análise é tratada de forma bastante exemplificada.

Didaticamente, MUCHIELLI (1978) distingue 3 modalidades de análise dos dados:

• Análise Primária. Consiste em analisar informações recolhidas, colocando-os no


ponto de vista exato dos objetivos da enquete, ou seja, do ponto de vista das
hipóteses estabelecidas. Elas são precisas, mensuradas, confirmadas ou
infirmadas. Logicamente, o cálculo estatístico é necessário para avaliar os
‘movimentos’ da variável que se está estudando nos resultados, em confronto com
65

a hipótese tomada. A análise primária consiste em calcular qual é a parte, a


importância, a influência estatística de cada uma destas variáveis.
• Análise Secundária. As informações reunidas talvez contenham, potencialmente,
indicações inesperadas. A análise secundária permite procurá-las através do
cálculo aplicado aos resultados numéricos tirados da análise primária, ainda com
auxílio de ferramentas estatísticas. Entre as diversas direções que esta análise
pode tomar estão, por exemplo, as correlações e as tabulações cruzadas.
• Análise Qualitativa. Abandonando os cálculos, a análise qualitativa orienta-se, ao
contrário, para a analise psicológica das observações colhidas. Existe, de fato,
entre os resultados das operações precedentes, fatos que surpreendem,
constatações inesperadas. Em outros casos, a configuração geral dos fatos
recolhidos, evoca uma significação global ou uma explicação de conjunto, que as
analises quantitativas não podem revelar. Assim, a análise qualitativa é rica de
descobertas e de sugestões para lançar novas enquetes.

4.3 Escalas de avaliação

As escalas sociais são instrumentos que objetivam medir a intensidade das opiniões e
das atitudes. Consistem basicamente numa série graduada de itens - dentre os quais o
respondente deve assinalar aqueles que melhor correspondem à sua percepção sobre o
fato pesquisado.

As atitudes são predisposições para reagir negativa ou positivamente a respeito de certos


objetos, instituições, conceitos ou outras pessoas. Para a maioria dos autores de
psicologia social, o termo 'atitude' designa disposição psicológica, adquirida e
organizada a partir da própria experiência, que inclina o indivíduo a reagir de forma
específica em relação a determinadas pessoas, objetos ou situações.

As atitudes são similares às opiniões, mas diferem destas no grau de generalidade -


opinião refere-se a um julgamento ou crença em relação a determinada pessoa, fato ou
objeto. Uma pessoa pode estar consciente de sua opinião, mas pode não estar
totalmente consciente de sua atitude. Podem-se expressar as opiniões verbalmente, mas
inferem-se as atitudes a partir de várias formas de expressão humana. Pode-se ainda
afirmar que, nas opiniões, o componente cognitivo predomina sobre o afetivo e que nas
atitudes ocorre o inverso.

Segundo GOODE & HATT (1979), construir uma escala social implica: definir um contínuo;
fidedignidade; validade; ponderação dos itens; natureza dos itens e igualdade das
unidades.
4.3.1 Definição de um contínuo

É a possibilidade de ordenação de itens onde, a partir de pontos extremos, se possam


identificar pontos intermediários. Entre o amor e o ódio, existem amizade, indiferença e
inimizade.

A elaboração de um contínuo exige o conhecimento do assunto e a natureza da


população a ser ordenada. Pode ocorrer que um contínuo de atitude exista num grupo e
não em outro, e que os itens que medem atitudes em determinada área não sejam
pertinentes em outras.

4.3.2 Escalas de ordenação


66

Compreendem uma série de palavras ou enunciados que os sujeitos devem ordenar de


acordo com sua aceitação ou rejeição. Estas escalas são mais perfeitas quando combinam
as palavras ou enunciados aos pares. Pode-se solicitar, por exemplo, que as pessoas
ordenem uma série de nacionalidades conforme sua preferência em termos de
relacionamento. No caso das nacionalidades português, inglês, alemão, argentino e
japonês, têm-se as seguintes combinações: português-inglês, português-alemão,
português-argentino, português-japonês, inglês-alemão, inglês-argentino, inglês-japonês,
alemão-argentino, alemão-japonês, argentino-japonês.

Depois de embaralhar as combinações, cuida-se de apresentá-las aos sujeitos - que


indicam sua preferência em relação a cada par. Após apurar os dados, tem-se a
ordenação da escala segundo cada um dos respondentes.

4.3.3 Escalas de graduação

Apresentam um contínuo de atitudes possíveis em relação a determinada questão. Os


enunciados de atitudes correspondem a graus, que indicam maior ou menor aceitação.

Estas escalas em geral apresentam cinco gradações - o central corresponde a uma


posição indefinida. Não se aconselham escalas com mais de cinco graus. Podem-se, no
entanto, elaborar escalas com quatro e três graus. Recomenda-se a escala de quatro
graus para evitar a tendência central.

Exemplo: Como você se coloca em relação à pena de morte?

( ) Totalmente favorável
( ) Favorável com algumas restrições
( ) Nem aprovação nem desaprovação
( ) Desaprovação em muitos aspectos
( ) Totalmente desfavorável
67

4.3.4 Autoposicionamento numa escala de opiniões

O princípio é o mesmo, mas espera-se obter um número maior de nuances. Pede-se ao


sujeito que se situe numa escala graduada.

O inconveniente geral deste tipo de avaliação é que se torna difícil agrupar os sujeitos
por graus, porque o mesmo grau que os sujeitos expressam não corresponde
efetivamente, em todos, à mesma intensidade de reações.

Exemplo: Você poderia indicar com precisão sua opinião política marcando com uma
cruz, na linha graduada, a sua posição pessoal?

Extrema esquerda Centro Extrema direita


10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

A dificuldade do exemplo é que o 'centro', não corresponde a uma opinião de indiferença


política, mas a uma opção que pode ter, em alguns sujeitos, sua intensidade própria.

4.3.5 Diferencial semântico

A aplicação do diferencial semântico consiste em apresentar às pessoas determinado


conceito numa série de escalas bipolares de avaliação de sete a dez pontos. Cada uma
dessas escalas apresenta dois conceitos opostos indicadores de valorização, potência ou
atividade. Assim, pode-se avaliar um conceito - feminismo, 'A Santa Ceia' de Leonardo da
Vinci, o carro Gol - em termos de justo/injusto, limpo/sujo, valioso/sem valor,
grande/pequeno, fraco/forte, pesado/leve, ativo/passivo, rápido/lento etc.

Exemplo:
3 2 1 0 1 2 3

Bom Mau
Confortável Desconfortáv
el
Seguro Inseguro
Forte Fraco
Pesado Leve
Justo Injusto

Osgood, Suci e Tannenbaum criaram esta técnica em 1957. O princípio desse processo é
o de que toda opinião vai de um extremo a outro, passando por um 'ponto zero' - o que,
nem sempre, corresponde à realidade.

4.3.6 Escalas de atitudes

Cumpre mencionar a de Bogardus, de 1925, proposta para medir a intensidade dos


preconceitos nacionais e raciais. Tem-se também a de Thurstone, com intervalos
68

calculáveis, que com o mesmo objetivo da precedente trata de equalizar os intervalos. A


de Likert (1932) é, por seus resultados, muito comparável à de Thurstone, mas a
diferença está no método e no cálculo, que baseia-se na análise fatorial. Tem-se ainda a
escala de Guttman, em que se apresenta um escalograma sob a forma de uma lista de
proposições em que a adesão a um grau superior implica necessariamente a adesão a
todos os níveis abaixo.

4.4 Verbalização

Ao tratar dos comportamentos verbais provocados, MONTMOLLIN (1986) afirma que


"trata-se primeiramente da entrevista, mais ou menos diretiva. Este velho procedimento,
sempre necessário, ao menos na primeira fase de uma análise do trabalho, ... ".

GUERIN et al (1991) dividem a verbalização em: verbalizações sobre as condições de


realização da atividade e sobre suas conseqüências e verbalizações em relação a uma
atividade observada.

Sobre a primeira dizem os autores.

"Estas verbalizações podem ser recolhidas como entrevistas no posto de trabalho, mas
também em outro local, se as condições no posto não se apresentam favoráveis.

Freqüentemente, estas entrevistas com os operadores apresentam de roldão elementos


importantes da situação de trabalho que passam em silêncio por outros interlocutores: os
desvios em relação ao trabalho previsto, os constrangimentos negligenciados pela
gerência, etc.

Estas entrevistas permitem apreender o sistema técnico a partir do que o operador


considera pertinente." (GUERIN et al., 1991. p. 202)

De acordo com BAINBRIDGE (1990), existem muitas tarefas complexas na quais os


resultados do pensamento não emergem em ações observáveis. Um modo
aparentemente óbvio de obter estas informações é pedir às pessoas para 'pensar alto'
enquanto realizam a tarefa. Tais registros verbais denominam-se 'protocolos verbais'.

BAINBRIDGE (1991) afirma que "Para distingui-los de outras técnicas de eliciação de


conhecimentos, estes protocolos tratam essencialmente de processos mentais usados
durante a tarefa e não compreendem perguntas e respostas a questões a respeito da
tarefa colocadas quando a pessoa não está realizando-a." (p. 161).

De acordo com MONTMOLLIN (1986):

"A verbalização como uma das manifestações das atividades do operador só adquire
significado quando se tem a tarefa como referência."

CUNY (1979) comparou dados obtidos a partir de protocolos verbais/ verbalizações e de


entrevistas sobre o mesmo trabalho com operadores de atividades de controle de
processo e concluiu que as entrevistas fornecem mais informações gerais sobre
estratégias, mas omitem detalhes relativos a um contexto particular de trabalho.

4.4.1 Tipos de Verbalizações


69

Como afirma BAINBRIDGE (1990) para coletar dados utilizando protocolos verbais, pede-
se ao operador para "pensar alto" enquanto realiza o seu trabalho. Registram-se os
comentários em um gravador para posterior transcrição. É interessante que o
verbalizador leia o texto transcrito para corrigir erros e esclarecer passagens confusas
para evitar distorções. Mais ainda, quando se faz o registro simultâneo em vídeo da
situação da tarefa - as informações que a pessoa recebe e seleciona e os seus gestos de
ação - propicia-se uma análise muito mais detalhada.

Ao tratar das verbalizações em relação a uma atividade observada, GUERIN et al (1990)


mencionam as perturbações resultantes da presença do pesquisador - "durante o
desenvolvimento do trabalho o recurso da verbalização modifica necessariamente as
condições em que o operador trabalha."

GUERIN (1990) e MONTMOLLIN (1986) dividem as verbalizações provocadas sobre o


trabalho e em relação com uma atividade de observação - protocolos verbais - em
verbalizações simultâneas e verbalizações consecutivas. A escolha entre as duas
modalidades depende das condições de realização da atividade e do tipo de informação
que se deseja obter.

Verbalizações simultâneas

Apresentam a vantagem de produzir as explicações no próprio contexto da atividade. As


condições concretas de sua realização estão presentes (a peça usinada, o documento a
ser tratado, o programa a ser rodado) O operador está em "condições" para se expressar
e o ergonomista para entender.

Verbalizações consecutivas

Não perturbam o desenvolvimento normal da tarefa. Faz-se a coleta dos dados a partir da
apresentação para o operador dos resultados de uma observação.

MONTMOLLIN (1986) subdivide as verbalizações consecutivas em assistidas e não


assistidas. As verbalizações consecutivas assistidas aparecem como as mais eficazes e

"consistem em fazer falar o operador a partir de uma gravação em vídeo de sua atividade
registrada em situação real. O sujeito é então estimulado e conduzido pela imagem e não
existe a tentação de modificar seu comportamento para estabelecer uma conformidade
com as normas oficiais." (MONTMOLLIN, 1990. p. 100)

Verbalizações de condições particulares e de procedimentos

LEPLAT (1985) divide as verbalizações nas duas categorias que se seguem:

(i) verbalização de uma execução particular

A verbalização tem por objeto uma ação precisa para qual se solicita ao operador que
descreva a sua execução, enquanto a realiza. Utilizam-se instruções como: "diga-me o
que você faz, ao mesmo tempo em que está fazendo" ou "diga-me o que você fez".

(ii) verbalização de um procedimento

Trata-se nesse caso, de fazer o operador verbalizar, não aquilo que ele faz ou fez num
caso preciso, mas sim a maneira como ele procede nas diferentes condições específicas,
com as quais ele é confrontado. A verbalização de um procedimento exige que o
70

operador consiga, tanto quanto possível, evocar as diferentes condições de execução


particulares.

Neste caso, o conteúdo a verbalizar não é seqüencial e a linguagem apresenta-se como


um recurso insuficiente de expressão. Deve-se, então, apelar para sistemas de codifição
apropriados, como os organogramas. Pode-se, assim, auxiliar o sujeito nesta tarefa
complexa, colocando questões cujas respostas possibilitem construir progressivamente
o organograma.

4.4.2 Cuidados com a verbalização

Como não existe nenhuma maneira de observar o comportamento mental dos indivíduos
diretamente, não é possível testar se existe uma correlação entre o que alguém pensa e o
que ela diz pensar. Na prática devem-se considerar as distorções para minimizar seus
efeitos. Desta forma, deve-se considerar que:

• Existe um descompasso entre o pensamento - mais rápido - e a palavra. Logo, as


declarações tendem a ser uma seleção aleatória. Mais ainda, inúmeros processos
mentais não são verbalizáveis. Imagens e movimentos não são explicitados com
precisão através de palavras.
• Quando o vocabulário do operador é limitado ele pode não ser capaz de encontrar
palavras para expressar tudo o que sabe. O conhecimento, então, pode parecer
limitado, quando na realidade é a linguagem que é limitada, não a competência.
• Durante a verbalização as pessoas podem selecionar as informações em função
das aparências e dizer o que julgam apropriado.
• As verbalizações - protocolos verbais - fornecem uma amostra limitada do
conhecimento total disponível pelo sujeito.

BAINBRIDGE (1990) afirma que "Mesmo numa situação controlada, sem nenhuma tarefa
complexa não é possível testar um número suficientemente de situações para explorar
todo o conhecimento das pessoas. Ao coletar protocolos na situação real de trabalho
deve-se estar atento para o fato de que os dados coletados dependerão do que acontece
durante o período." (p. 165).

Como se pode observar os limites da metodologia e dos resultados começam pelo


questionamento e pela crítica da verbalização como instrumento de pesquisa.
71

5 MÉTODOS DA ENGENHARIA

Segundo CHAPANIS (1996), os métodos da engenharia merecem uma atenção especial,


porque os especialistas envolvidos no desenvolvimento do sistema não podem contar
somente com recomendações, guidelines, checklists ou padrões para fazerem seu
trabalho. As guidelines não analisam sistemas, nem projetam, testam ou avaliam estes
sistemas. Pelo contrário, o especialista em ergonomia tem que depender dos métodos
que auxiliam as três atividades básicas do desenvolvimento de sistemas - análise, design
e teste.

A seguir, são apresentados dois dos métodos utilizados pela engenharia, necessários
para a primeira etapa da análise ergonômica, a apreciação.

5.1 Diagrama de fluxo funcional e ação - decisão

Para MENDONÇA (1972), o diagrama de fluxo funcional e ação - decisão é uma descrição
gráfica da seqüência lógica das etapas de um trabalho. É uma ferramenta que dá uma
visão global e seqüencial dos passos a serem percorridos para se alcançar os objetivos
do projeto. Permite saber o fluxo das informações, a seqüência entre os eventos, as
realimentações e as inter-relações.

O objetivo do diagrama de fluxo aplicado à uma situação de trabalho é proporcionar uma


visão global e seqüencial das atividades a serem realizadas, a fim de que se alcance a
meta pré-estabelecida. Logo, o desdobramento do mesmo deve descer a um nível de
detalhe que permita a compreensão do sistema ou do planejamento.

A finalidade deste diagrama, segundo REIS (1980), é, portanto, determinar e estruturar


todas as funções ou atividades de forma a proporcionar:

• a seqüência da funções, operações ou atividades


• as relações existentes entre elas, tais como simultaneidade, alternância/ opção,
decisão
• processo de realimentação.

CHAPANIS (1996) ressalta que um dos pontos de interessante sobre este diagrama é que
as mesmas funções básicas mantém-se através dos anos. A maior diferença que ocorreu
através dos anos foi a tecnologia. Ao invés de se obter alimento matando animais ou
colhendo da terra, como nossos ancestrais faziam, a maioria de nós obtém alimento indo
ao supermercado. Ao invés de cozinhar nossa comida em gravetos ou cuias diretamente
sob o fogo, cozinhamos nossa comida no microondas ou nos fornos convencionais. Ao
invés de comermos com as mãos, como nossos ancestrais faziam, usamos pratos e
outros implementos como facas, garfos e colheres.

Cumpre observar que não existem indicações de freqüência ou de tempo neste tipo de
diagrama.

Entretanto, as indicações de freqüência ou de tempo são básicas para a construção de


cronogramas, redes de interações, mapofluxogramas e rede PERT/CPM.

A forma gráfica para a confecção do diagrama de fluxo é um diagrama de blocos. A


seqüência lógica de execução das funções/ operações/ atividades se dá pela direção do
fluxo, da esquerda para a direita. Seguem-se algumas recomendações que poderão ser
visualizadas na Figura 5.1 apresentada na página 39.
72

Subdivisão de funções/ operações/ atividades

Segundo CHAPANIS (1996), começa-se pelos objetivos do sistema, as funções são


definidas e descritas iterativamente com as funções de primeiro nível, sendo
progressivamente expandidas a níveis inferiores com informação mais e mais detalhada.

As funções são escritas na forma de:

• frases compostas somente por verbo e substantivo, como por exemplo: ativar
sistema, planejar rota, checar temperatura, ou
• frases compostas por verbo, substantivo e adjetivo, como por exemplo: gravar
desempenho subsistema, selecionar item menu.

As funções são ainda numeradas de forma que fique clara suas relações, umas com as
outras, e que se possa acompanhar as funções através de todo sistema:

Para caracterizar melhor os diferentes níveis das funções, utiliza-se o seguinte sistema de
numeração:

• As funções de nível zero são as funções iniciais do sistema e indicam-se por: 1.0,
2.0, 3.0, 4.0 etc.;
• As funções de primeiro nível analisam cada função de nível zero em termos da
funcionalidade relacionada às atividades e são identificadas por: 1.1, 1.2, 1.3; 2.1,
2.2, 2.3; 3.1, 3.2, 3.3, etc.;
• No segundo nível, analisa-se cada função ou atividade de primeiro nível e se ela
ainda pode ser subdividida, as sub-atividade são identificadas por 3 dígitos - 1.1.1,
2.1.1, 3.1.1 e assim por diante;

A primeira etapa na construção do diagrama de fluxo funcional e ação - decisão


compreende a definição e a ordenação seqüencial das funções, operações ou atividades.
A seguir deve-se proceder as seguintes considerações:

• As funções/ operações/ atividades podem-se associar em série, paralelo ou em


combinações destas. No caso paralelo, podem ocorrer o acoplamento E (no caso de
funções simultâneas ou paralelas) ou OU (no caso de funções alternativas).
• A passagem de uma função para outra sempre vem acompanhada de uma seta que
indica fluxo.
• fluxo, normalmente, é dirigido da esquerda para a direita. Entretanto, no caso de
realimentação, o fluxo é da direita para a esquerda.
• Na passagem de um nível superior para um nível inferior, não se coloca seta, pois
não há fluxo - apenas desdobramento.

Ainda segundo CHAPANIS (1996), a análise é organizada de forma que se possa


facilmente compreender a entrada e seguir o diagrama através das funções que resultam
na saída.

Funções/ operações/ atividades em série

Duas atividades estão associadas em série quando só se pode dar início à segunda após
o término da primeira.
73

Funções/ operações/ atividades simultâneas (paralelas)

Duas ou mais atividades são simultâneas quando:

• início de uma não depende do término total da outra;


• a realização de uma independe da realização da outra.

O símbolo (E), o termo E dentro de um círculo, - entrada somadora - indica caminhos


funcionais paralelos e implica que, só após a conclusão total de todos os eventos
simultâneos/ paralelos, pode-se iniciar o evento que se segue.

Funções/ operações/ atividades alternativas

Duas ou mais funções/ operações/ atividades são alternativas quando se pode optar pela
realização de qualquer uma delas, sem prejuízo para o andamento do trabalho.
Entretanto, durante a fase de execução, realizar-se-á apenas um dos eventos. Este tipo de
associação alternada é extremamente útil na etapa de planejamento, quando se definem
caminhos alternativos de solução.

O símbolo (OU), o termo OU dentro de um círculo - entrada alternada -, mostra a


existência de caminhos alternativos de solução. Tal significa que, após a conclusão da
função/ operação/ atividade em série imediatamente anterior, pode-se optar pela
realização de um dos eventos alternativos, sem que ocorra prejuízo na continuidade do
fluxo, pela exclusão de uma delas. No entanto, o evento imediatamente posterior na
série só se inicia após a conclusão da atividade escolhida para execução.

Função/operação/atividade questionável

Algumas vezes, durante a explicitação das funções do sistema ou durante o


planejamento, surgem dúvidas quanto à necessidade de executar uma determinada
função/ operação/ atividade. Neste caso, indica-se este evento através de um retângulo
tracejado. No momento da obtenção do sistema ou da execução do planejamento, pode-
se ou realizar a função/ operação/ atividade questionável ou não realizá-la. Neste
segundo caso, segue-se o fluxo normalmente. A utilização da função/ operação/
atividade questionável permite indicar situações possíveis, prováveis, mas não
necessárias, e propicia o delineamento apriorístico de soluções. Por outro lado, torna-se
bem mais difícil resolver situações emergentes, quando não se pensou nelas com
antecedência, mesmo em termos de funções questionáveis, e se está em plena execução
do trabalho. Cria-se, então, um quadro emergencial.
74

Bloco de decisão

Em alguns pontos do fluxograma, uma decisão pode-se fazer necessária. A partir da


tomada de decisão, definem-se os passos a executar em seguida. Neste momento de
decisão, faz-se, então, uma pergunta em relação ao que se propõe realizar até ali.
Podem-se obter como resposta dois ou mais fluxos.

No caso de mais de dois fluxos, cabe ao analista escolher a forma gráfica que melhor
identifique a situação e que facilite a visualização:

• várias saídas de um mesmo bloco


• dois ou mais blocos de decisão
• atividades alternativas.

A geração de apenas dois fluxos implica a possibilidade de duas respostas - positiva ou


negativa. Neste caso, originam-se do bloco de decisão dois fluxos:

• um indicado por S (sim) - no caso de resposta afirmativa


• outro indicado por N (não) - no caso de resposta negativa.

Isto significa que em função da resposta, afirmativa ou negativa, o fluxo pode continuar
em direção às atividades seguintes - no caso do sim -, ou voltar para funções/operações/
atividades anteriores - se a resposta for não. Quando se dá o retorno, tem-se o processo
de realimentação. Este resulta de uma resposta negativa ao bloco de decisão e implica
em que se refaça as atividades anteriores com algumas alterações ou cuidados especiais.

Cumpre ressaltar que não se considera o bloco de decisão como uma função/ operação/
atividade: ele apenas indica uma tomada de decisão.

Bloco de referência

Serve para fazer referência a alguma função que participa do fluxo, mas pertence a outra
parte do diagrama. Utiliza-se este bloco quando se faz necessário executar novamente
esta função/ operação/ atividade que já apareceu no fluxograma. Então, para não
complicar a figura, usa-se o artifício do bloco em aberto, com o número e o nome de uma
única ou de um grupo de funções/ operações/ atividades. No último caso, demarcam-se
os limites dos eventos e nomeia-se a figura. Deste modo, melhora-se a apresentação
gráfica e evita-se que o fluxograma se torne extenso demais.

Cabe, por fim, observar que o ergonomista lança mão dos diagramas do fluxo funcional e
ação - decisão em vários momentos e níveis de suas análises como, por exemplo:

• Ao pensar o sistema em operação e definir suas funções, para posicionar as funções


numa ordenação serial e determinar os subsistemas, com suas respectivas funções.
No momento de realização do fluxograma funcional do sistema, quando ainda não
se sabe se as funções serão desempenhadas pelo homem ou pela máquina.
• Ao explicitar as operações do processo produtivo, principalmente funções que
envolvem máquinas e equipamentos específicos.
• Ao discriminar o fluxo das atividades da tarefa, cujo desempenho cabe ao operador,
a partir do momento em que se definiu a locação de funções para o homem e para a
máquina.
75

A figura 5.1, na próxima página, apresenta esquematicamente os diversos elementos


apresentados acima e as várias possibilidades de construção de um diagrama de fluxo de
trabalho.

Cumpre ainda observar que, mais explicitamente, no caso das operações e atividades,
elas podem-se subdividir nos seguintes eventos:

• operações/ atividades de inicialização


• operações/ atividades ordinárias
• operações/ atividades de finalização
• operações/ atividades especiais
• operações/ atividades de emergência
• operações/ atividades de manutenção.

As operações/ atividades de inicialização implicam os eventos necessários para colocar o


sistema em funcionamento e para preparar a realização da tarefa em si. É impossível
dirigir um carro (tomar informações da via, do painel etc.; acionar volante, pedais, chaves
etc.) sem antes entrar no carro, acomodar-se, ligar a chave, colocar o carro em
movimento. O mesmo pode-se dizer de editar um texto no computador. Tem-se que ligar
o estabilizador, ligar a CPU, ligar o vídeo, aguardar a entrada do programa operacional,
chamar e aguardar o programa de edição de texto, abrir um arquivo novo ou chamar um
arquivo já existente.

As operações/ atividades ordinárias compreendem a essência da tarefa, sua própria


realização. Iniciam-se após o termino das operações/ atividades de inicialização e
terminam quando começam as operações/ atividades de finalização.

As operações/ atividades de finalização tratam de preparar a pausa ou a parada do


sistema. Tem-se que estacionar o carro, desligar o motor, verificar os vidros, desligar o
rádio, colocar trancas, fechar portas.

As operações/ atividades especiais consistem em eventos não ordinários, como encher o


tanque e suas sub-atividades ou levar o carro para o mecânico.

As operações/ atividades de emergência implicam ações em situações críticas, como


dirigir o carro com neblina e/ ou chuva torrencial na estrada, ou em enchentes na cidade.

As operações/ atividades de manutenção, em oposição as anteriores, em geral, não são


realizadas pelo operador/ usuário/ consumidor, e sim pelo mantenedor
76

Figura 3.1. - Diagrama de fluxo funcional e ação – decisão

2a
Fun./Oper./ I
Atividade
1.0 4.0
Alternativa 3.0
INÍCIO
Função Função Fun./ Oper.
Operação OU Operação Atividade 1
Atividade Atividade em Série
2b
Fun./Oper./
Atividade
Alternativa

5. 6.0 7.0
Função 0 Bloco Função Atividade
1 de 2
Operação Operação Questionável
S
Atividade Decisão Atividade

N
10
a
Fun./ Oper.
Atividade
I8.0 Simultânea 11.
9.
0
Bloco de Função0 Função
E FIM
2 Operação Operação
Referência
Atividade Atividade
10
Fun./ Oper.
b
Atividade
Simultânea
77

5.2. Tabela de função-informação-ação

Esta técnica aperfeiçoa cada função ou ação do diagrama de fluxo funcional pela
identificação da informação que é requerida para que cada ação ou decisão ocorra. Esta
análise é geralmente complementada com fontes de dados, problemas potenciais,
incidência de fatores associados à indução ao erro ou acidente com cada função ou ação
(CHAPANIS, 1996).

O procedimento para a construção da tabela de função-informação-ação é o seguinte:


cada função ou ação identificada no diagrama funcional é estudado pelo pesquisador,
que se utiliza de seus conhecimentos e de todas as informações disponíveis para
identificar e descrever os requisitos de informação, as fontes de informação, problemas
potenciais, fatores de indução ao erro e qualquer outro comentário relevante, assim
como as ações e os objetos das ações.

Como resultado, tem-se uma lista detalhada de requisitos de informação e de ação para
interfaces operador-sistema, que pode prever a necessidade de requisitos de suporte,
problemas potenciais, e prováveis soluções. A análise pode produzir sugestões para a
melhoria do design de hardware, software e procedimentos.

Tabela 5.1 - Tabela de função-informação-ação.

Função Informações Fontes de Dificuldades Ação (ões) Objetos da (s)


requeridas informação ação (ões)
7.2.3. 1. Tipo de 1. Dirigir-se à 1. Bomba de
Preparação combustível bomba de combustível
para requerido combustível
encher o (álcool, 1. Manual
tanque de gasolina, do
combustíve diesel) proprietário
l
2. 2. Pode não
Localização Atendente estar
da tampa do posto de aparente e o
do tanque combustível motorista
de pode para do
combustível 3. Odor do lado errado
(lado combustível da bomba de
direito, lado combustível.
esquerdo,
atrás da
placa do
carro)
3. Forma de Existência de 2.Destravar a 2.Chave da
travamento Travas anti- tampa do trava
da tampa do furto não tanque 3. Tampa
tanque de aparentes 3. Tirar a
combustível tampa do
tanque

Para melhor compreensão, apresenta-se na Tabela 5.1, a seguir, um exemplo de uma


tabela de função - informação - ação, com uma atividade muito simples, de uma função
muito familiar, a preparação para encher um tanque de combustível.
78

A função está listada na coluna da esquerda, com a mesma numeração do diagrama de


fluxo funcional e ação - decisão. A coluna seguinte mostra os três tipos de informação
associadas a esta função (ação). A terceira coluna apresenta algumas dificuldades
associadas com a tomada de informação. A quarta e última coluna apresenta algumas
fontes de informação.
5.3 Análise de sistema similar

Segundo CHAPANIS (1996), este método é geralmente utilizado com sistemas existentes,
a fim de obter-se informações úteis para o planejamento de um novo sistema. A analise
da atividade e de estudos de incidentes críticos podem ser desempenhados em
simulações, o protótipos de um novo sistema, ou, se for o caso, em sistemas que
acabaram de ser desenvolvidos e colocados em operação. Todavia, como uma regra
geral, a analise de sistemas similares é uma boa maneira de se começar qualquer
projeto.

Na análise de sistemas similares, um ou mais métodos de observação deve ser utilizado


para se descobrir itens salientes dos sistemas que são similares àquele em estudo.

É difícil se imaginar que alguma máquina ou sistema não teve um antecessor. As


primeiras industrias nucleares foram projetadas a partir da experiência de industrias de
beneficiamento de materiais fósseis. Os novos modelos de automóveis geralmente
tentam eliminar as queixas e dificuldades encontradas nos automóveis existentes. E é
compreensível que os primeiros veículos espaciais foram desenvolvidos com a ajuda de
pilotos de aeronaves a jato. A experiência obtida a partir dos sistemas em uso são
valiosas fontes de informação que devem ser capitalizadas.

Os dados para a análise são obtidos a partir de :

• observações estruturadas (sistemáticas)


• entrevistas
• questionários
• estudos de incidentes críticos; e/ ou
• investigações de acidentes.

Embora não haja regras difíceis nem rápidas sobre como sistemas antecedentes deveriam
ser estudados/ analisados, o analista deve estar atento a detalhes como:

• dados da operabilidade do sistema antigo/ anterior


• a manutenabilidade do sistema antigo/ anterior
• número de pessoas requeridas para lidar com o sistema
• habilidades requeridas para operar e manter o sistema
• treinamento requerido para os operadores à proficiência;
• dados históricos no design de problemas ergonômicos encotrado no design do
sistema; e
• problemas encontrados pelo pessoal que utiliza o sistema.

Alguns dos produtos úteis que podem resultar deste tipo de analise são:

• identificação dos fatores ambientais que podem afetar o pessoal


• avaliações preliminares dos níveis de carga de trabalho e estresse
• avaliação das habilidades requeridas e seu impacto na seleção, treinamento e
design
79

• estimativa de staff futuro e requisitos de energia requerida de força de trabalho


humano
• identificação de problemas do operador e do manutenidor a fim de evita-los no
novo sistema e
• avaliações do desejo e conseqüências da realocação de funções do sistema.

5.4 Carta de - para

Quando os subsistemas, produtos, equipamentos e componentes em estudo não


apresentam uma seqüência a partir de uma rotina de procedimento, cabe, em primeiro
lugar, selecioná-los e/ou organizá-los. Este é o primeiro passo para construir uma carta
de/ para.

Na primeira coluna, listam-se as operações ou os centros de trabalho, e repete-se o


mesmo rol, na mesma seqüência, na primeira linha.

Para cada um destes itens, é colocado um sinal (letra, marca, ou o valor da intensidade
do fluxo), na quadrícula onde se cruzam as respectivas linhas e colunas de/ para - valor
este que representa cada movimento que ocorre com o item.

Após registrarem-se todos os itens na carta, somam-se as letras ou quantidades de cada


quadrícula. Este número representa o grau de fluxo entre cada par de operação ou
centros de trabalho. Para verificar a correção dos totais, somam-se, de cima para baixo,
os valores das colunas, de cada item, e os valores das linhas, da esquerda para a direita,
dos mesmos itens.

O número de movimentos (ou intensidade de fluxo) que entra num determinado item e o
número de movimentos (ou intensidade de fluxo) que sai deste mesmo item devem ser
iguais. Se os valores forem diferentes, ocorreu algum erro.

Cumpre observar que, no entanto, os totais de linhas podem não ser iguais aos totais das
colunas ao se usarem apenas os valores de intensidade de fluxo mais significativos.

Algumas vezes na carta de/ para usam-se valores de fluxo relacionados ao tamanho,
peso ou volume do item para cada ocorrência do movimento. Podem-se introduzir estas
intensidades de fluxo, baseadas em medidas quantitativas. Em geral, tabulam-se as
medidas de intensidade, para todos os movimentos ou transportes de uma atividade a
outra e então colocam-se os valores finais na carta. A figura abaixo apresenta um
exemplo da carta de – para.

5.5 Mapofluxograma

De acordo com CHAPANIS (1962), “um diagrama de fluxo é um gráfico de uma tabela de
processo que mostra as localizações de todas as operações”. Como afirma FULLMANN
(1975), traça-se sobre a planta de instalação, em escala - com máquinas, estações de
trabalho, bancadas, estoques intermediários, armazenamento, almoxarifado - o caminho
ou o trajeto que seguem: as matérias primas, as peças, os produtos semi-acabados ou
acabados, os operadores ao monitorarem o sistema (como o patrulhamento dos teares
pelo tecelão), os serventes ou auxiliares de serviços gerais ao se movimentarem durante
o transporte manual de cargas.
80

Figura 5.1 - Exemplo de carta de - para

PLANILHA DE REGISTRO DE EVENTOS


Empresa: ......................................... Data: . ........./ ........../ .......... Turno: ...................
Hora inicio: ............................. Hora fim: .............................
Duração do intervalo: .............................
Observador: ............................. Operador: .............................

FREQUENCIA DE DESLOCAMENTOS

impr radi op D op C op B op A super Elizet Mário


v. e
impressora
rádio
operadora A
operadora B
operadora C
operadora D
Supervisora
Elizete
Mário
Fonte: MORAES (1992)

CHAPANIS (1996) afirma que este método permite arranjar o layout físico de painéis de
instrumentos, painéis de controle, estações de trabalho, ou áreas de trabalho, a fim de
atingir determinados objetivos, como por exemplo, reduzir a quantidade total de
movimentos, aumentando a acessibilidade. Segundo o autor, as entradas (‘inputs’)
primárias para esta análise são os dados da análise a atividade e da análise da tarefa, e
as observações de sistemas funcionais ou simulados.

As ligações são definidas como qualquer seqüência que use dois instrumentos ou
qualquer seqüência de ação. Isto significa uma conexão entre:

• uma pessoa e uma máquina ou parte da máquina


• duas pessoas ou
• duas partes da máquina.

Por exemplo, se um operador usa um telefone, isto é uma ligação pessoa-máquina.


Quando o operador A se dirige para falar com o operador B (ou dá ao operador B uma
folha de papel), isto estabelece uma ligação pessoa-pessoa. Quando um operador
primeiro gira o botão C e então o botão D, isto identifica uma ligação entre C e D.

Os passos para a análise são:


81

• listar todo o pessoal e itens que serão ligados


• medir, preferencialmente, ou estimar, as freqüências das ligações entre os itens,
operadores ou operadores e itens.
• medir, ou estimar, a importância de cada ligação
• computar os valores de freqüência - importância de cada ligação
• começar pelos valores de ligação mais alto, e sucessivamente ir adicionando os
itens de valores de ligação mais baixos, e reajustar para minimizar as ligações
• adequar o layout ao espaço físico
• avaliar o novo layout em relação aos objetivos originais.

Pode-se utilizar, para simplificar a apresentação, os símbolos gráficos das atividades de


processo (operação, transporte, armazenamento, espera, inspeção, entrada ou saída).

Um mapofluxograma também pode ser realizado em três dimensões, para visualizar os


processos que se realizam em andares diferentes e a utilização do transporte vertical.

CHAPANIS (1962) apresenta, a partir de Ralph M. Barnes, um exemplo de um


mapofluxograma de um processo produtivo que ocorria em dois andares diferentes da
empresa e que apresentava suas atividades imensamente dispersas. A revisão do
mapofluxograma permitiu melhorar o processo ao se colocar a operação principal no
canto entre a área de armazenamento e o forno no primeiro andar. Isto reduziu o tempo
e o esforço necessário para conduzir as peças para o segundo andar e depois traze-las de
volta por meio de um elevador. Também diminuiu amplamente a distancia necessária ao
transporte da área de armazenamento para a estufa e, depois, da volta para a área de
armazenamento, novamente.

5.6 Análise temporal (‘Timeline’)

Acorde CHAPANIS (1996), o gráfico produzido pela analise temporal mostra as


seqüências de ações do operador ou manutenidor, os tempos requeridos para cada ação,
e o tempo para que cada ação ocorra. É uma extensão relativamente menor e mais fácil
da analise da tarefa.

A análise temporal flui fácil e naturalmente a partir da análise da tarefa. Embora os


tempos requeridos para diversas atividades sejam determinados de forma correta
durante a análise da tarefa, eles não estão necessariamente ordenados, ou organizados
em seqüência. Uma linha temporal faz isso. A analise temporal pode ainda incluir tempos
de analises de tarefa separadas para mostrar a as atividades sobrepostas de duas ou
mais pessoas.

Neste método, plotam-se as relações temporais em relação às tarefas, as durações de


cada tarefa individual, e os tempos de em cada tarefa é ou deveria ser desempenhada.
Esta plotagem:

• permite ao analista verificar que tarefas necessárias podem ser desempenhadas, e


que não existem tarefas incompatíveis
• serve como um input para a avaliação da carga de trabalho
• fornece estimativas do número de pessoas que podem ser requeridas.

A figura 5.6, a seguir, é um exemplo de um gráfico de analise temporal de um segmento


das atividades do piloto e do co-piloto durante um vôo de helicóptero. Note, por
exemplo, que a plotagem mostra que o co-piloto checa o mapa e procura pelo display
82

(MPD), associado ao equipamento MMS. Uma vez que estas tarefas não podem ser
executadas simultaneamente, isto significa que o co-piloto está sobrecarregado neste
ponto da atividade e tem que dividir o tempo entre as tarefas. Por outro lado, é possível
voar de helicóptero e conversar ao mesmo tempo, como mostrado no gráfico, no caso do
piloto.

Figura 5.2 - Gráfico de tempo de um segmento das atividades do piloto e co-piloto


durante um vôo de helicóptero.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65
Decolar (P) 70 75 80 85
NOE (P)

Procura no
MMS (CPO)

P & CPO
discutem
sobre a rota
ou a
decolagem

Comunicaçõe
s com o
comando de
controle (P)

Recebimento
de mensagens
de dados
(CPO)
Legenda:
Checagem P: piloto NOE: vôo nap-of-the-earth
de mapas CPO: co-piloto MMS: equipamento de sinalização
(CPO)
Fonte: SHAFFER, SHAFER & KUTCHE (apud CHAPANIS, 1996)

5.7 Links

Estas ferramentas, cuja referência básica é o estudo e o planejamento do arranjo físico


('plant layout'), são de grande utilidade para a hierarquização e localização dos
componentes da estação de trabalho ou dos comandos e/ou mostradores de painéis de
controle.

Apresentam, no entanto, variações conforme contemplem-se os aspectos qualitativos das


inter-relações, enfatize-se a intensidade das inter-relações, destaque-se a movimentação
espacial durante as inter-relações e ressalte-se a dimensão temporal das inter-relações.

Segundo SANDERS & MCCORMICK (1987), são chamados de elos as relações entre
componentes do sistema - sejam pessoas ou coisas. Por exemplo: se um operador tem
83

que usar um telefone, isto é um elo homem-máquina, quando um operador primeiro gira
um botão C e depois opera uma chave D, isto identifica uma ligação entre C e D.

Os autores, em geral, apresentam três tipos de elos: elos de comunicação, elos de


controle - elos funcionais - e elos de movimento. Os elos de movimento, em geral,
expressam movimentos seqüenciais de um componente para outro. A seguir, algumas
versões dos três tipos:

Elos de comunicação
• Visuais (pessoa para pessoa ou pessoa para equipamento ou equipamento para
pessoa)
• Auditivos verbais (pessoa para pessoa, pessoa para equipamento ou equipamento
para pessoa)
• Auditivos não verbais (equipamento para pessoa)
• Táteis (pessoa para pessoa ou pessoa para equipamento)

Elos de controle
• De controle (pessoa para equipamento)

Elos de movimento
• Movimentos dos olhos (detecção visual, tomada de informação, exploração visual)
• Movimentos acionais manuais (manipulação de comandos)
• Movimentos acionais pediosos (acionamento de pedais)
• Movimentos corporais posturais
• Movimentos corporais de deslocamento espacial

Os tipos de informações que se registram sobre elos geralmente incluem:


(i) com que freqüência os componentes são ligados (por exemplo: com que
freqüência a apresentação A é vista imediatamente antes ou depois da
apresentação B ou com que freqüência a pessoa 1 fala com a pessoa 2);
(ii) (ii) em que seqüência os elos ocorrem, assumindo-se uma seqüência fixa existente
(por exemplo, se um operador assiste a apresentação A, depois a E e então a F ou
se a seqüência é F, depois A e então E) e
(iii) a importância dos elos.

Estes tipos de dados podem ser coletados durante o desenvolvimento do ciclo


operacional, através de tarefas específicas ou através de várias repetições de uma tarefa
única.

5.8 Matriz e rede de interação

Matriz de interação

Como afirma BOMFIM (1984), a solução de problemas ou particularmente o


desenvolvimento de um projeto depende, em grande parte, do conhecimento prévio dos
componentes ou variáveis em jogo e de sua interdependência. Muitas vezes, a
complexidade inerente a estas variáveis impede perceber claramente suas interações.
Torna-se então necessária a utilização da técnica conhecida como matriz, que podem ser
de interação e restrição, cujo objetivo básico é auxiliar na descoberta das conexões
existentes entre esses fatores.

Para a construção de uma matriz de interação (ou restrição), deve ser observado o
seguinte procedimento:
84

1. definição do termo 'fator' ou 'elemento': os fatores escolhidos devem possuir o


mesmo nível de generalidade ou particularidade. Esses elementos também
deverão ter o mesmo nível hierárquico, isto é, um não pode fazer parte, ser
subsistema, de outro. Como por exemplo: processo de fabricação e moldagem,
painel de mostradores e mostrador de pressão.
2. definição do termo "conexão": a conexão define o tipo de interação que o analista
quer identificar entre os elementos. Pode ser uma interação física, funcional,
construtiva etc. Esta conexão pode ser absoluta, isto é, existe ou não existe, e
pode ser relativa ou de vários níveis. Neste caso, a existência da conexão pode
ser caracterizada como essencial, importante, desejável, indesejável etc., ou pode
ser ponderada.
3. construção da matriz: desenhar a matriz onde as interações serão representadas.
Vale observar que a ordem dos fatores não altera os resultados.

A matriz de interação indica uma conexão entre fatores sem estabelecer dependência
entre eles. Essa matriz se caracteriza pela simetria, ou seja, a interação entre o "fator 2" e
o "fator 1", por exemplo, ‚ idêntica à interação do "fator 1" com o "fator 2".

Exemplo: estabelecer a interação entre os comandos de um gravador:

(i) definição dos termos fator e elemento - os elementos considerados são os seguintes:

1. liga/desliga
2. gravação
3. emissão
4. avanço
5. retorno
6. volume de gravação
7. volume de emissão
8. ejeção
9. pausa

(ii) definição do termo de conexão - a conexão ‚ a proximidade entre os comandos; a


conexão apresenta quatro níveis:

• conexão muito importante/essencial 4


• conexão importante/desejável 3
• conexão pouco importante/dispensável 2
• conexão indesejável 1

(iii) construção da matriz

elemento 1 2 3 4 5 6 7 8 9
1. liga/ desliga X 3 4 3 3 1 2 4 2
2. gravação 3 X 4 3 3 3 2 2 4
3. emissão 4 4 X 3 3 2 3 2 2
4. avanço 3 3 3 X 4 2 2 2 2
5. retorno 3 3 3 4 X 2 2 2 2
6. vol. gravação 1 3 2 2 2 X 1 1 1
85

7. vol. Emissão 2 2 3 2 2 1 X 1 2
8. ejeção 4 2 2 2 2 1 1 X 2
9. pausa 2 4 2 2 2 1 1 2 X

Como se pode observar, a matriz é simétrica, e não havendo necessidade de representar


o triângulo inferior; as interações 1/4 e 4/1 são idênticas.

elemento 1 2 3 4 5 6 7 8 9
1. liga/ desliga X 3 4 3 3 1 2 4 2
2. gravação X 4 3 3 3 2 2 4
3. emissão X 3 3 2 3 2 2
4. avanço X 4 2 2 2 2
5. retorno X 2 2 2 2
6. vol. gravação X 1 1 1
7. vol. Emissão X 1 2
8. ejeção X 2
9. pausa X

Rede de interação

A rede nada mais é do que outra forma de representar a interação dos fatores revelada
através de uma matriz. Da mesma forma que a matriz, a rede também pode ser de
interação ou restrição, de acordo com o tipo de matriz que a precede.

Os procedimentos gerais para a construção de uma rede de interação (ou de restrição)


são:

• Definir os termos elemento e conexão do mesmo modo que na matriz. Aqui, os


elementos representam-se por números e a conexão por linhas.
• Para expressar os diferentes níveis de conexão, utilizam-se como código a variação
da espessura das linhas.
• Para construir a rede, dispõem-se os números correspondentes aos elementos em
forma de círculo.

Figura 5.3 - Rede de interação

1 - Liga/
Pausa -
desliga
9
Volume
Emissão - 8 2-
Gravação

Volume Emissão
-7 3-
Emissão
Volume
Gravação - 6 4-
Liga/ desliga - Avanço
5
86

• Regularização do padrão: descruzar as ligações essenciais e acrescentar as


desejáveis. Esse procedimento é importante, pois numa rede com grande número
de elementos e conexões torna-se muito difícil visualizar o conjunto.

Figura 5.4. - Regularização do padrão da rede de interação

Volume de 6 7 Volume de
Gravação Emissão

Gravação 2 6 Emissão

5
4

Pausa 9 1 Liga/ desliga


8
Ejeção

5.9 Matriz e rede de restrição

Matriz de restrição

A matriz de restrição indica, além da conexão entre os fatores, a dependência existente


entre eles. Esta matriz é, portanto, assimétrica onde a interação entre o fator 2 e o fator
1 pode ser diferente da conexão entre o fator 1 e o fator 2.

A partir do exemplo de BOMFIM (1984), tem-se o seguinte problema: estabelecer a


interação restritiva entre os fatores do produto "W",

(i) definição do termo fator ou elemento: os fatores considerados são os seguintes:


1a. matéria-prima
1b. processo de fabricação
1c. forma
1d. dimensões
1e. acabamento
1f. cor
(ii) definição do termo 'conexão': no caso particular da matriz de restrição, a
conexão será estabelecida mais facilmente se usarmos para todos os fatores
uma pergunta-chave. Exemplo de pergunta: "a escolha do fator X depende da
87

escolha do fator Y?" Neste caso, a conexão é absoluta, isto é, existe ou não
existe, embora possam existir graus diversos de dependência.
(iii) construção da matriz

1 2 3 4 5 6
1. matéria-prima X * - - * -
2. processo de * X * - * -
fabricação
3. forma * * X * - -
4. dimensões * - * X - -
5. acabamento - * - - X -
6. cores - - - - * X
Legenda: depende - *
independe - -

Como as interações não são simétricas, deve-se preencher toda a matriz. Por exemplo,
existe a interação 3/1 - isto é, a escolha da forma depende da escolha da matéria-prima,
mas a recíproca não é verdadeira.

Rede de restrição

A rede de restrição segue o mesmo procedimento da rede de interação, mas representa a


dependência entre os fatores. Neste caso particular, a representação usual de 'conexão' é
uma seta onde a ponta indica o elemento dependente:

x y; onde se lê: 'x depende de y'.

Seu uso é subseqüente à matriz de restrição. Reproduz-se a rede de restrição, do mesmo


modo que na matriz de restrição, exemplo que aparece em BOMFIM (1984), a partir da
mesma matriz de restrição, que trata de estabelecer a interação restritiva entre os fatores
do produto W.
Segue-se, logo após, a regularização do padrão de rede de restrição.

Figura 5.5 - Rede de restrição


1
6
2

5
3

Figura 5.6 - Regularização da rede de restrição

5 2 3
88

6 1 4

6. AMOSTRAGEM DE SUJEITOS

Este item trata, de forma bastante geral, sobre a seleção da amostra para a aplicação dos
métodos e técnicas descritos anteriormente. Não se pretende esgotar o tema. Pelo
contrario, pois este é amplamente discutido na literatura de metodologia da pesquisa e
de estatística. O que se apresenta a seguir são aspectos gerais da amostragem, que
devem ser considerados quando da consulta destes manuais e na interação com
especialistas.

Segundo RICHARDSON (1989), nem sempre é possível obter informação de todos os


indivíduos ou elementos que formam parte do grupo que se deseja estudar, seja porquê
o número de elementos é demasiado grande, os custos muitos elevados ou também
porquê o tempo pode atuar como agente de distorção (a informação pode variar se
transcorrer muito tempo entre o primeiro elemento e o último). Essas e outras razões
obrigam o pesquisador, muitas vezes, a trabalhar com uma só parte dos elementos que
compõem o grupo.

Se todos os elementos de uma população fossem idênticos, não haveria necessidade de


selecionar uma amostra - bastaria estudar somente um deles para conhecer todas as
características de toda a população.

Algumas definições básicas

Universo ou população é o conjunto dos elementos que possuem determinadas


características. Desta forma, em termos estatísticos, uma população pode ser, por
exemplo, o conjunto de indivíduos que trabalham num mesmo lugar, os alunos
matriculados em uma mesma universidade, todos os trabalhadores de uma determinada
fábrica, etc.

Elemento é a denominação de cada unidade ou membro de uma população, e amostra


quando se toma um certo número de elementos para averiguar algo sobre a população a
que pertencem.

Segundo WILSON & CORLETT (1995), primeiramente você deve definir a população que
deseja investigar (por exemplo, em quais organizações seus respondentes trabalham, e
que cargos e/ou níveis eles estão), e depois, o tamanho da amostra - que pode ser 100%.
Segundo Guilford (apud WILSON & CORLETT, op. cit.), esta amostra será determinada pela
técnica disponível e pela precisão requerida.

Acorde RICHARDSON (1989), para se determinar os parâmetros de uma população, a


partir do conhecimento da mostra, é necessário ter uma amostra representativa deste
universo. Entende-se por representativa se a amostra tem a mesma estrutura ou
composição da população.
89

6.1. Tipos de amostra

Ainda segundo RICHARDSON (1989), existem três tipos fundamentais de amostras:


acidental, intencional, ou aleatória. Além destas, outro tipo de amostra que vale a pena
comentar é a amostra estratificada.

Amostra acidental

É caracterizada por ser um subconjunto da população formado por aqueles elementos


que têm sido possíveis obter, mas sem nenhuma segurança de que constituam uma
amostra de todos os subconjuntos do universo. Por isso, seus resultados não podem ser
submetidos à prova de hipóteses substantivas, uma vez que é difícil que reúnam os
requisitos para um plano experimental.

No entanto, a amostra acidental pode ser útil em um primeiro contato com um problema
de investigação, quando o pesquisador ainda não tem suficiente clareza sobre as
variáveis a considerar. As conclusões tiradas a partir desta amostra poderão levá-lo,
então, a estabelecer hipóteses suscetíveis de serem contrastadas em trabalhos futuros.

Na aplicação de técnicas como questionários, entrevistas ou testes, as amostras


acidentais podem auxiliar na comprovação de sua validade em relação à linguagem ou
problemas relacionados com os objetivos do instrumento.

Amostra intencional ou de seleção racional

Os elementos que formam a amostra relacionam-se intencionalmente de acordo com


certas características estabelecidas no plano e nas hipóteses formuladas pelo
pesquisador. Se o plano possuir características que definem a população, faz-se
necessário assegurar a presença do ‘sujeito-tipo’ ou ‘tipificado’. Os ‘sujeitos-tipo’ são
aqueles indivíduos que representam as características típicas de todos os integrantes que
pertencem a cada uma das partes da população.

Desta forma, a amostra intencional seria representativa do universo. Porém, na prática, a


seleção intencional da amostra é muito difícil, uma vez que seria necessário um
conhecimento detalhado de cada um dos elementos da população, para poder determinar
exatamente as características do ‘sujeito-tipo’.

Um exemplo de amostra intencional constituem as chamadas amostras emparelhadas. É


formado por dois subconjuntos em que cada elemento de um deles tem seu par igual no
outro. Desta forma, as diferenças ou semelhanças que apareçam entre os dados
estatísticos só podem ser atribuídos aos efeitos da variável experimental, uma vez que
estão sendo controladas as variáveis emparelhadas (por exemplo, sexo ou idade, nível de
instrução, proficiência na tarefa).

Amostras aleatórias, ao acaso ou probabilísticas

Para que uma amostra seja aleatória, os elementos do universo devem ter uma
probabilidade igual ou conhecida, diferente de zero, de serem selecionados ao acaso
para participarem da amostra.

A fim de se atingir este principio, é necessário possuir, previamente, uma lista completa
dos elementos que fazem parte deste universo (denominada marco de referência ou base
90

de amostragem), para que, desta forma, a amostra composta por estes elementos possa
ser selecionada ao acaso (amostra aleatória simples ou ao acaso).

Dentre os métodos utilizados para a seleção aleatória de uma amostra são utilizados
desde o jogo de dados, passando por sorteio lotérico, até tabelas de números aleatórios
criadas cientificamente e que são apresentadas em manuais de estatística e em
programas de computador.

Amostra estratificada

É um tipo de amostra aleatória, que, resumidamente, consiste da divisão do universo em


estratos. Os estratos são os subconjuntos homogêneos da população, ou seja uma
amostra ao acaso, simples, dos subconjuntos do universo. Os subconjuntos - excludentes
e homogêneos em relação às variáveis consideradas para a divisão da população - são
formados pela divisão do universo. Desta forma, assegura-se a presença na amostra de
elementos que pertencem a todos e a cada uma das estruturas que compõem o universo.

Cabe ressaltar, no entanto, que as variáveis independentes que são utilizadas para
efetuar-se a divisão do universo devem ser aquelas que relacionam as estruturas da
população com a variável dependente que se deseja estudar.

RICHARDSON (1989) dá como exemplo, o estudo em um universo de ‘alunos do 2º grau’,


dividido em estratos correspondentes a ‘primeira’, ‘segunda’ e ‘terceira série’. Assim, é
possível selecionar, ao acaso, dentro de cada série, um número apropriado de elementos.
Além disso, poderíamos - num estudo mais complexo - subdividir os alunos por sexo.
Assim, seguramente, ter-se-ía um número apropriado de homens e mulheres
representados em cada um dos estratos da serie.

Destaca-se, ainda, que o procedimento mais exato para calcular amostras aleatórias ou
estratificadas é através da utilização de fórmulas que utilizam variáveis matemáticas:
nível de confiança escolhido; a média; o desvio padrão; e o erro de estimação permitido.
Conhecendo-se estes valores, procede-se à aplicação da formula. Para aprofundar estes
procedimentos e conhecer formas de calcular estes e outros tipos de amostras,
recomenda-se procurar a literatura especializada de estatística.

7. ANÁLISE DA TAREFA

7.1 Trabalho, tarefa, atividade

A base do diagnóstico e da intervenção do ergonomista, ao procurar melhorar o


trabalho, é o estudo das interações e comunicações que ocorrem no local de
trabalho, e no seu ambiente, sempre com o foco no trabalhador no seu dia-a-dia,
num dado ambiente físico e organizacional, com suas ferramentas, equipamentos,
máquinas, ordens de produção, com todos os problemas e/ou gratificações do
cotidiano. Utiliza-se como método a análise da tarefa.

De acordo com DRURY (1987), os termos 'análise da tarefa' e 'análise do trabalho'


são freqüentemente usados intercambiavelmente, como se fossem equivalentes.
Mas não são.
91

• A análise da tarefa trata em detalhes das trocas específicas entre o pessoal


e os componentes do equipamento de um sistema particular (ou classe de
sistema, se os projetos são suficientemente similares). Tal ocorre sem
especificar necessariamente por qual pessoa ou em qual tarefa de um
trabalho dado ou partes de tarefa são desempenhadas.
• A análise do trabalho trata das atividades de uma dada categoria ou posição
profissional. Numa organização ou contexto de um sistema, este conjunto
de atividades deve ser visto como um subconjunto do total de atividades
que ocorre na operação, na manutenção ou em outros aspectos da
organização ou do sistema. Objetiva-se basicamente uma definição de
cargos e funções.

Por outro lado, as tarefas do sistema podem ser um subconjunto de todas as


tarefas desempenhadas por um indivíduo no seu trabalho.

Os ergonomistas franceses utilizam a expressão 'análise do trabalho', reservam o


termo 'tarefa' para o trabalho prescrito e tratam como 'atividade' o
comportamento/ desempenho do operador. A abordagem inglesa e americana, ou
usa 'análise da tarefa' para o prescrito e o real, ou fala de 'descrição do sistema'
ou 'descrição da tarefa' ao se referir ao trabalho prescrito e de 'análise da tarefa'
ou, mais precisamente, 'análise do comportamento da tarefa' em relação ao
trabalho real.

Como afirma STAMMERS (1990), embora a unidade central da atividade humana


utilizada por muitas técnicas de análise da tarefa seja a 'tarefa', há pouco
consenso em relação ao significado e escopo do termo. Para o autor, no entanto,
a ambigüidade do que constitui uma tarefa é provavelmente uma das suas
grandes vantagens, já que fornece um quadro flexível dentro do qual o analista
pode agrupar as ações do usuário/operador para adaptar o contexto da tarefa e
os objetivos globais de uma análise.

Segundo MCCORMICK (1976), existem muitas variantes da análise da tarefa. "Mas


existe também...um tema subjacente. O tema relaciona-se à dissecação do
trabalho humano em 'tarefas', e a análise ulterior delas".

O conceito de tarefa não restringe seu uso a atividades amplas e globais, ou


operações de nível inferior num sistema. Em alguns métodos de análise da tarefa,
a atividade total de um usuário/operador define-se em termos de uma tarefa, que
é dividida num número de componentes subsidiários da tarefa. Cada um desses
níveis mais baixos pode ser ulteriormente dividido para fornecer níveis ulteriores
de subtarefas. Cada uma dessas tarefas em cada nível cabe no conceito geral de
tarefa.

Pode-se conceituar tarefa como consistindo de um estado inicial de entrada - um


objetivo - que define condições para a inicialização da tarefa, um estado de
resultados ou de condições que se requer que a tarefa alcance e o conjunto de
constrangimentos e ajudas decorrentes dos fatores organizacionais, tecnológicos
e ambientais sob os quais a tarefa é desempenhada. Deve-se notar que esta
definição não inclui qualquer menção ao comportamento real empregado para
realizar a tarefa.

Uma outra definição que parece ter uma aplicabilidade geral é a de DRURY (1987):

"Análise da tarefa é um processo de identificar e descrever unidades de trabalho e


de analisar os recursos necessários para um desempenho do trabalho bem
92

sucedido. Recursos neste contexto são aqueles trazidos pelo operador


(habilidade, conhecimento, capacidade física) e aqueles que devem ser fornecidos
no ambiente de trabalho (comandos, mostradores, ferramentas, procedimentos,
ajudas)".

7.2 Objetivos, meios e interações da tarefa

Para LAVILLE (1986), tarefa e atividade são duas noções essenciais. A tarefa é o
objetivo a atingir, o resultado a obter. Assim, a tarefa de uma enfermeira é
propiciar os cuidados apropriados aos doentes. A de um motorista de caminhão,
entregar encomendas em locais definidos. Para um trabalhador em linha de
montagem de automóveis, será montar componentes nos veículos (como a
fechadura na porta). Para uma costureira, costurar os colarinhos nas camisas.

Para realizar a tarefa atribuem-se os meios. Curativos, medicamentos, uma lista


de prescrições, para a enfermeira. Um caminhão e uma lista de entregas ao
motorista, ferramentas ao operário da linha de montagem, linha e máquina de
costura para a costureira. Definem-se igualmente as condições nas quais deve-se
realizar a tarefa: tempos, paradas, ordem de operação, mas também um espaço,
um ambiente físico, os regulamentos a respeitar.

Para realizar a tarefa com os meios disponíveis e nas condições definidas, o


trabalhador desenvolve atividades: ele se desloca, executa gestos, olha, escuta;
ele organiza seu trabalho, planeja suas ações, procede a raciocínios. A atividade
também coloca em jogo as funções fisiológicas e mentais - os músculos, as
articulações, o sistema cárdio-pulmonar, a visão, a audição, o tato, a memória.
Estas atividades dependem das condições nas quais se realiza a tarefa -
constrangimentos, previsibilidade, imprevistos, anormalidades.

A atividade de um motorista de caminhão compreende numerosas operações


sucessivas: ao partir, verificar o estado do caminhão, tomar conhecimento da sua
lista de entregas, definir uma rota, organizar um trajeto em função do tempo
disponível, dos locais de entrega, dos engarrafamentos de trânsito, e dos
impedimentos para estacionar; prever um plano de carregamento do seu
caminhão; sustentar e arrumar a carga, dirigir o veículo e modificar sua conduta e
seu percurso em função de eventos imprevistos, de incidentes. Este motorista vai
desempenhar funções motoras para se deslocar, carregar e dirigir, funções
sensoriais para ler, inspecionar o ambiente, controlar o estado da marcha do seu
caminhão, funções cognitivas de memorização e raciocínio para organizar o
carregamento do seu caminhão e seu percurso.

Influenciam o desempenho das atividades as condições externas de trabalho nas


quais se realiza a tarefa: constrangimentos de horários a respeitar apesar dos
imprevistos do trânsito; características de peso, de volume, de manipulação da
carga; acesso às áreas de carregamento e descarga; a precisão dos endereços de
entrega; as características do caminhão e, em particular, da cabine de comando.
Assim como as condições internas - condições de saúde, humor, ansiedade.

7.3 Trabalho prescrito e trabalho real

A oposição entre trabalho prescrito e trabalho real é uma das referências do


método de análise ergonômica.
93

Como explica MONTMOLLIN (1986a), a expressão 'trabalho prescrito' implica as


máquinas e os procedimentos que supõem, oficialmente, definir e regular o
trabalho. Por trabalho real entende-se o que se passa efetivamente na oficina ou
no escritório, ao longo dos dias e das noites, nas condições locais, ambientais,
operacionais e organizacionais. Uma descoberta sempre renovável e uma
contribuição fundamental da ergonomia para o estudo do trabalho é que o
trabalho real difere sempre, e às vezes profundamente, do trabalho prescrito,
'teórico'.

Os impressos não estão em dia, o computador não funciona, o responsável pelo


conserto está de férias, o sistema cai, a válvula é inacessível, a matéria-prima
entregue não obedece ao padrão, mudou-se o circuito, as instruções caducaram, o
preço aumentou, o relatório para terminar ficou preso na gaveta da secretária que
faltou, a variável não foi prevista, e o previsto nunca ocorreu, e a exceção é a
regra. O que não impede que em geral tudo se arranje, porque ocorrem
sucessivas adaptações da situação e do operador, sem se importar com as
prescrições oficiais.

Como declara VALENTIN (1987), destes desvios entre o prescrito e o real nascem
os procedimentos de regulação que são freqüentemente custosos - seja para os
operadores (dificuldades de aprendizagem, fadiga, ...), seja para a empresa
(tempos perdidos, perda de matérias-primas, falta de conformidade na qualidade).
O ergonomista analisa estas dificuldades para propor os arranjos que permitirão
uma melhor adaptação do trabalho ao homem.

Como diz Montmollin, cumpre evitar a ilusão do 'trabalho prescrito' - mas, por
outro lado, não se deve afirmar que não cabe nada prescrever nem que o
'trabalho real' constitua em todas as circunstâncias um modelo a seguir
cegamente e acriticamente.

7.4 Condutas operatórias e atividades

Para SPERANDIO (1988), distinguem-se classicamente dois níveis de análise do


trabalho: análise da tarefa, descritiva e diagnóstica, e análise das condutas
operatórias, que visa conhecer as regras de funcionamento do operador. Mas,
logicamente, a análise das condutas operatórias deve sempre ser precedida de
uma análise da tarefa (igualmente chamada de 'análise das condições de
trabalho'). Por tarefa entende-se o conjunto das condições de execução de um
trabalho dado, por um objetivo dado, e segundo um conjunto dado de exigências.
A análise da tarefa é, portanto, a descrição do sistema homem-tarefa-máquina em
foco - ou seja, a descrição do conjunto dos elementos que compõem esse sistema
e das interações entre esses elementos, incluindo a indicação das disfunções
eventuais.

Caracterizam a atividade os comportamentos reais do operador no seu local de


trabalho: comportamentos físicos (gestos, posturas) e comportamentos mentais
(competências, conhecimentos, raciocínios que guiam os procedimentos
realmente seguidos).

No primeiro caso, fala-se de atividade física ou manual e esta atividade será


observável. No segundo caso, fala-se de atividade representativa ou mental (ou,
ainda, cognitiva e intelectual) - a atividade será então inobservável e deverá ser
inferida a partir de diversos traços. Estes dois tipos de atividade evidentemente
não são excludentes.
94

Toda atividade manual, a menos que seja completamente automática - o que é um


caso limite -, subentende uma atividade mental que lhe assegura a planificação e
a regulação. Do mesmo modo, toda atividade se traduz em algum momento por
atividades observáveis graças às quais podem-se apreender suas características.
Assim, a oposição "trabalho manual - trabalho intelectual" pode ser falaciosa
quando pressupõe uma mútua exclusão entre os dois tipos de trabalho. Existem
trabalhos manuais mais intelectuais que os trabalhos classificados como
intelectuais. É mais correto, portanto, falar de componentes manuais ou mentais
da atividade e cumpre enfatizar que eles podem ocorrer simultaneamente.

Não se pode deduzir a atividade em relação à tarefa de modo simples, porque


existem muitas maneiras possíveis de responder a uma mesma tarefa que variam
segundo os sujeitos e, para um mesmo sujeito, segundo o momento. A atividade
toma significado em relação à tarefa: se se ignora a tarefa, a atividade torna-se
um enigma. Inversamente, não se pode determinar a tarefa verdadeira - ou seja,
os objetivos e exigências que o operador considera efetivamente, a não ser
através do estudo da atividade.

Na prática da análise, não se pode jamais existir um lado sem o outro - a tarefa
ou a atividade - sem se referir permanentemente à outra. Tal implica que a
análise do trabalho será freqüentemente 'em espiral', marcada pelas passagens
sucessivas da análise da tarefa à análise da atividade e, inversamente, cada uma
se enriquecendo a partir da outra a cada etapa.

Alguns métodos de análise do trabalho usam descrição e análise, mas o enfoque


para definir tarefas e o nível de detalhe não são os mesmos numa análise da
tarefa de um sistema homem-tarefa-máquina, especialmente o que trata da
operação do sistema.

7.5 Requisitos, ambiente e comportamento da tarefa

STAMMERS (1990) distingue três níveis para o processo de análise da tarefa:

• Requisitos da tarefa. Os objetivos ou as condições definidos pelo contexto


do sistema, dado um estado inicial particular ou um conjunto de condições.
Por exemplo, o usuário de sistema de processamento de texto, tendo
alcançado o estado de completamento do documento, deve ser requerido a
salvar o documento num dispositivo de memória permanente. Do mesmo
modo, se requer que o operador de uma sala de controle de energia, ao
lidar com uma súbita perda de energia, execute as ações apropriadas para
minimizar as perdas e maximizar a segurança e evitar danos.
• Ambiente da tarefa. Os fatores na situação de trabalho que constrangem e
dirigem as ações de um indivíduo, restringindo os tipos de ação que podem
ser empreendidas e a sua seqüência ou oferecendo ajudas ou assistência
que canalizem as ações do usuário/operador de uma determinada maneira.
Procedimentos escritos de emergência, por exemplo, provavelmente
constrangeriam as ações do operador de uma sala de controle de energia
ao seguir certo curso de ações, enquanto no caso de um mostrador de
informação de diagnóstico apropriado disponível para o operador, este
estaria mais apto a utilizá-lo.
• Comportamento da tarefa. As ações reais que são desempenhadas por um
indivíduo dentro dos constrangimentos do ambiente da tarefa de modo a
preencher os requisitos da tarefa. O usuário/operador deverá fazer algumas
95

escolhas por limitações psicológicas ou fisiológicas ou pela falta de


habilidades ou conhecimentos apropriados. O método empregado deve
também ter sido desenvolvido através da experiência, para otimizar a
eficiência e para minimizar esforços.

A distinção dos três níveis é importantíssima para o processo de análise da


tarefa. Os primeiros dois aspectos são determinados pelo contexto do sistema - o
que incorpora o contexto organizacional, requisitos operacionais e limitações da
tecnologia envolvida, os elementos prescritivos de treinamento, a estrutura da
interface com o usuário/operador, procedimentos de operação, condições
ambientais e a influência de outros eventos correlatos.

Quase todos esses elementos podem ser observados, registrados ou preditos


acuradamente, permitindo predizer o quadro básico da atividade da tarefa na
medida em que ele é determinado pelo seu contexto. O comportamento da tarefa,
entretanto, pode variar muito de indivíduo para indivíduo e com a experiência. É
difícil predizer o comportamento com precisão devido à influência dos fatores
cognitivos que não podem ser facilmente observados ou modelados. Este é
particularmente o caso de tarefas que são por natureza amplamente cognitivas.

7.6 O processo de análise da tarefa

Segundo DRURY (1987), todos os métodos para análise da tarefa implicam três
diferentes espécies de atividade:

(i) descrição e análise do sistema:


fornece as bases para a descrição da tarefa, enquanto a descrição da tarefa
fornece a informação necessária para a análise da tarefa;
(ii) especificação dos requisitos da tarefa do homem no sistema:
é a descrição da tarefa;
(iii) análises, ressínteses, interpretação, avaliação e transformação
dos requisitos da tarefa à luz dos conhecimentos e teorias sob as
características humanas:
é a 'análise da tarefa' propriamente dita.

Como diz o autor, todas as três atividades em conjunto têm recebido de modo
impreciso a denominação de 'análise da tarefa'.

A incerteza a respeito da terminologia também se aplica à definição do próprio


processo de análise da tarefa. Miller (1962) (apud STAMMERS, 1990), por
exemplo, distingue entre dois processos: descrição da tarefa, que contém os
requisitos da tarefa, e análise da tarefa, a qual consiste numa análise das
implicações comportamentais da tarefa identificada na descrição. Mais
recentemente, os termos foram confundidos, com 'análise da tarefa' cobrindo a
descrição e a análise do processo combinadas e 'descrição da tarefa' aplicada ao
documento de descrição da tarefa. Em alguns casos, utiliza-se 'análise da tarefa'
mesmo para se referir ao processo de descrição da tarefa. Infelizmente, a última
definição de termos encontra-se agora muito difundida.

A distinção entre o nível de análise da tarefa e da análise das condutas - cada


nível dependendo de técnicas diferentes - é fundamental qualquer que seja a
tarefa e qualquer que seja a situação de trabalho. Mas, conforme a tarefa ou
conforme a natureza do problema que motiva a intervenção ergonomizadora, as
análises serão conduzidas diferentemente. Mesmo ao nível puramente descritivo,
96

não há um único método, mas vários a escolher com discernimento, cada um


fazendo uso de técnicas também diferenciadas.

7.7 Tomada de informações, acionamentos, comunicações, regulações,


cognição

Como afirmou FAVERGE (1972), todo trabalho comporta (mais ou menos) quatro
componentes fundamentais: motrizes, informacionais, regulatórios e intelectuais,
que podem dar origem aos quatro modos de análise seguintes:

• a análise do trabalho em termos de atividades gestuais


• a análise do trabalho em termos de informação/ tomada de informações: o
trabalhador toma informação do objeto (ou de um mediador), trata a
informação e responde sobre o objeto (ou um mediador) - ou seja, assegura
uma comunicação entre as partes do objeto (ou entre mediadores)
• a análise do trabalho em termos de regulação: o trabalhador traz uma
variável a um valor normal ou vigia para que ela não se desvie
• a análise do trabalho em termos de processo de pensamento: o trabalhador
coloca em ação formas de pensamento, utiliza algoritmos ou heurística,
emprega as técnicas e estratégias, toma decisões.

Para todos os trabalhos, as quatro análises podem ser feitas e se complementam


mutuamente, mas elas são de importâncias inegáveis segundo a natureza do
trabalho e os objetivos do estudo.

7.8 Meta e atividade do sistema homem-tarefa-máquina

MEISTER (1985) considera como ponto de partida para a análise da tarefa a noção
de sistema e, particularmente, de sistema homem-máquina como uma
organização do pessoal com as máquinas que eles operam e mantêm para
desempenhar uma tarefa especificada.

O primeiro cuidado para iniciar a descrição da tarefa deve ser delimitar o sistema
homem-tarefa-máquina em foco - recortar o sistema alvo e definir o seu ambiente.
Isto não é trivial, pois a noção de sistema em ergonomia se aplica tanto a um
posto de trabalho elementar quanto a organismos ou dispositivos muito
complexos empregados por um único ou por um grande número de
trabalhadores. De fato, um sistema é sempre um subsistema de um sistema mais
amplo. A análise deverá, portanto, escolher a escala de enfoque mais adequada
para o estudo. Por outro lado, é quase impossível abordar ao mesmo tempo e
com a mesma profundidade todos os aspectos do sistema; necessita-se
igualmente escolher aqueles sobre os quais focalizar a atenção ou, ao menos,
fixar prioridades e, eventualmente, estabelecer uma hierarquia.

Após fixar os limites do sistema, procede-se antes de tudo à descrição da tarefa,


recolhendo a partir de observações e de entrevistas os principais dados que
caracterizam o sistema.

A importância do conceito de sistema reside no fato de que, sem ela, a noção de


desempenho da tarefa em relação a uma meta de nível mais alto perde o
significado. Uma tarefa é um arranjo de comportamentos (perceptual, cognitivo,
motor) que se relacionam entre si no tempo e que se organizam para satisfazer
tanto um propósito/intenção/fim imediato quanto a prazo mais longo. As tarefas
97

podem ser simples (ligar um interruptor), moderadamente complexas (ler um


livro) ou altamente complexas (diagnosticar a doença de um paciente).

Desempenha-se uma tarefa para realizar uma meta que se liga à saída de uma
entidade de ordem superior que é um sistema. O comportamento propositado do
indivíduo não pode ser entendido fora do conceito de sistema. Sem uma
orientação tarefa/sistema, o comportamento do homem não pode ser
interpretado significativamente. Uma conseqüência crítica de considerar o
indivíduo ou o grupo como um componente do sistema é a implicação de
considerar todos os fatores do sistema que podem influenciar o desempenho do
indivíduo ou do grupo.

O ergonomista, ao desenvolver um sistema homem-máquina, deve desempenhar


as seguintes análises: alocação e verificação de funções no sistema homem-
máquina; descrição e análise da tarefa; identificação, seleção e arranjo de
componentes das interfaces homem-máquina.

Ao realizar uma análise de sistema deve-se começar pela meta e pelas entradas e
saídas. Tal implica certas funções que exigirão certas capacidades funcionais e
imporão requisitos de desempenho. Quando existem fatores ambientais ou
operacionais especiais será necessário que o sistema desempenhe funções
especiais. Um exemplo: se o veículo deve trabalhar numa temperatura muito alta,
pode ser necessário refrigerar o sistema e isto pode implicar a monitoração da
temperatura, com a possibilidade do homem ser o responsável pela monitoração.
O mesmo raciocínio se aplica aos constrangimentos, que são, num certo sentido,
um requisito de desempenho negativo.

7.9 Análise da tarefa e projeto

Finalmente, cumpre observar com STAMMERS (1990) que todas as técnicas de


análise da tarefa objetivam produzir informação relevante tanto para o projeto de
um novo sistema homem-tarefa-máquina quanto para a avaliação de um projeto
de sistema existente. Tal se alcança através da análise sistemática dos requisitos
humanos da tarefa e/ou o comportamento da tarefa.

Em situações de projeto, o enfoque predominante envolve a análise da tarefa do


usuário/operador em contextos de sistemas existentes, de modo a aplicar os
resultados no projeto de um novo sistema. A análise da tarefa, então, se aplica
durante o processo de projeto para avaliar as demandas futuras da tarefa que
serão impostas pelo sistema emergente. Finalmente, o processo de avaliação
através da análise da tarefa pode ser aplicado em momentos da vida operacional
do sistema.

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