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Tudo neste espectáculo a que chamei

Um D. João Português é imperfeito, ou


melhor, inacabado, bastardo, hesitante,
incerto. Há um ponto de partida: uma
obra prima do teatro do século XVII,
Don Juan de Molière, que por sua vez já
teve como ponto de partida uma peça
espanhola de Tirso de Molina, El burla-
dor de Sevilla. Ainda não se diz o nome
mas já se lhe chama aldrabão (burlador)
e se a peça francesa tem um subtítulo ou
um segundo título, Le Festin de Pierre
(O festim de pedra), a espanhola já tinha
outro subtítulo diferente, El convidado de
piedra. E muita gente conhece a história
por causa de outra versão, um dos maio-
res monumentos artísticos de todos os
tempos: a ópera de Mozart Don Giovan-
ni. Em espanhol, em italiano, em francês,
e ainda outro grande poeta veio fazer
mais um D. João em inglês: o romântico
Lord Byron. Tanta gente a escrever por
cima do que já estava escrito? Como
sabemos por experiência própria hoje
isto é inadmissível. Tanta complicação!
Ou branco ou preto e depressa! Tanta
versão? Afinal em que é que ficamos?
Porquê? Porque esta personagem com
o seu inseparável criado dá que pensar
O teatro como coisas que nos importam mas que não
têm uma solução que se possa considerar
campo de treinos correcta, depende de quem a pensa,
para o pensamento depende de quem se é. A grande resposta
será aceitar que seja um grande NÃO
Luis Miguel Cintra SEI. Na adaptação portuguesa anónima,
que se vendeu nas ruas como literatura outras, conforme os casos, e nós have-
de cordel, e que nós recuperamos, ele é mos de perdê-lo? O D. João não perdeu
dissoluto à partida, logo no título, D. João tempo. Mas teve dois dedos de testa? Foi
Tonorio, o dissoluto. Como sempre acon- ambicioso demais? Porque lhe apareceu
tece connosco, preferimos o comodismo a Morte? E nós? Não a esquecemos? O
de não pôr nada em causa, parar com tempo foge.
o assunto e ficar em paz depois de uma
condenação: Dissoluto! Imoral! Devias Para ajudar a festa, misturamos com a
ir para o Inferno porque enganavas as versão portuguesa muitos textos que
mulheres mas deixa lá, estás perdoado! nadam nas mesmas águas, sobretudo
Como se nada tivesse muita importância. uma peça fundamental do pensamento
Mas se os actores tiverem de representar moderno – já escrita há mais tempo que
estes papéis vão mesmo ter de pensar, o meu meio século –, frases, pedaços de
hesitar, decidir. A cabeça de cada um diálogo de À espera de Godot de Beckett.
anda de um lado para o outro, vai buscar Queremos que os espectadores sejam
memórias suas, convoca sensações, reac- cúmplices deste jogo, desta mistura que
ções, pensa, relaciona, trabalha, avança, é igual a como funcionam as nossas
fica a conhecer melhor o que não só essa cabeças nos seus melhores momentos.
peça mas o que a vida lhe deixou viver. Para nós o teatro é como um campo de
treinos do desporto favorito dos seres
Este projecto pretende convencer que humanos, aquele que o distingue dos ani-
este trabalho se pode e devia estender mais: pensar. E aceitar ou não, ser moral
ao espectador, convidá-lo não neces- e ser feliz.
sariamente a ser libertino, mas a não
fechar nenhuma porta, a pensar em tudo Um D. João Português. Mas o homem não
recusando o método do sim ou não, era espanhol? Era italiano? E foi para o
desisto, passo, dos concursos de cultura inferno ou casou? Não sei. Sei que tanto
geral ou as esquemáticas respostas que os o texto de Molière como este espectáculo
programas de informática já pensaram falam em português. Serão dois? Onde
como possíveis e que não deixam aberta metemos o criado Esganarelo? Era preto?
uma solução só nossa, responsável e Chinês? Refugiado, imigrante?
livre. E entretanto conhecermos outra
gente que pensa de outra maneira. E tem
outros corpos, todos diferentes. É o que
a vida tem de melhor, os outros ou as
Levi Martins – O que é que te passou
pela cabeça para decidires fazer este
trabalho desta forma, ou seja, assumin-
do, do ponto de vista da produção, um
risco que não tem nada a ver com as
condições que achas indicadas para se
fazer teatro?

Luis Miguel Cintra – Eu nunca tive, em


relação a praticamente nada na vida, um
plano, um caminho construído com um
fito determinado. Procurei muito mais
construir uma atitude do que o desejo
de um resultado. Não negando aquilo
que é o acaso, e a realidade das situações
tal como as vamos encontrando e não
sabemos quais serão, é importante o diá-
logo com o exterior, com o que existe no
mundo além de nós próprios. Até certa
altura, esta maneira de pensar funcionou
muito bem no contexto do teatro portu-
guês, em que, no fundo, não havia nada
de muito definido. Havia, antes, tenta-
tivas diferentes de construir algo novo,
de uma maneira que não se sabia qual
era. Só se sabia que queríamos que fosse
novo. Aquilo que marcou os últimos
anos do teatro português antes do 25 de
Abril foi, justamente, muita energia, mui-
ta vontade de criar e de inventar, muita
vontade de as pessoas se inventarem a
Uma nova relação si próprias, de terem um caminho artís-
com o espectador tico pessoal, ou, sendo de grupo, nunca
se menosprezando aquelas que eram as
Conversa com Luis Miguel Cintra vontades individuais das pessoas que
o compunham. No entanto, a partir de chamou Teatro do Bairro Alto. Lá dentro
certa altura, a sociedade portuguesa co- fazíamos guarda-roupa, construíamos os
meçou a querer organizar-se. “Organizar- cenários, ensaiávamos (no mesmo sítio
-se”, que é uma palavra muito perigosa, em que, depois, iria ser feito o espectá-
porque significa exercer poder sobre as culo)… era um instrumento perfeito.
próprias coisas. Passando a existir uma Contudo, apesar de tudo acabar por ser
organização, elas começam a ficar prisio- feito graças a milagres de produção, ao
neiras de uma estrutura prévia, quando, desdobramento das tarefas das pessoas,
na verdade, ao início nem sequer se sabe à paixão no trabalho investido… come-
que natureza ou destino iriam ter. De çou a tornar-se mais caro à medida que
certa maneira, nós próprios trabalhámos a própria estrutura crescia, porque nem
no sentido de criar situações estáveis no toda a gente tinha o amor pelo projecto
Teatro da Cornucópia. Tão estáveis que, da Cornucópia que os que estavam no
com pouquíssimo dinheiro, conseguimos núcleo de produção tinham, e porque as
produzir espectáculos que – se não ne- pessoas também se cansam de prescindir
cessariamente movidos pelo mesmo tipo de toda a sua vida privada em prol de um
de objectivos que os teatros institucionais projecto comum. De qualquer maneira,
(como o Teatro Nacional), ou compa- fomos conseguindo aguentar com um
nhias estrangeiras que vinham a Portugal aumento muito lento dos subsídios ao
e apresentavam um tipo de organização longo dos anos. Há cerca de 4 anos atrás,
muito superior à nossa – se aparenta- houve um corte absolutamente radi-
vam às referências que estavam na nossa cal. Depois de nos terem atribuído um
cabeça: o Teatro Stabile de Milão, co- subsídio que abrangia um quadriénio,
meçado pelo Strehler, a Schaubühne, ou surgiu um corte que reduziu para metade
os espectáculos do Bergman no Teatro o apoio recebido por parte do Estado. No
Nacional sueco. Quer dizer, tínhamos caso da Cornucópia, esse corte era fatal,
uma vontade que não era movida pelas porque se é verdade que nos permitia
condições disponíveis, mas antes pelo manter a estrutura a funcionar, não nos
desejo artístico. Fomos construindo isso permitia fazer produção de espécie ne-
saltando por cima de todas as dificulda- nhuma. Não havia dinheiro para actores,
des, de uma forma completamente atípi- nem dinheiro para as montagens pro-
ca e considerada inatingível pela maior priamente ditas. Ou seja, vimo-nos con-
parte das pessoas, e conseguimos criar frontados com uma situação em que não
porque tivemos uma grande vantagem parecia haver outra alternativa excepto
que era uma sala fixa, uma casa a que se mudarmos de personalidade, passando a
fazer um teatro diferente, que não exigis- um processo, inconsciente ou encapota-
se tantos meios, e com um funcionamen- do, de nos fazer entrar numa economia
to em que os pagamentos fossem menos de mercado a que éramos completamen-
regulares. Tenho noção de que, com o te alheios, tendo a Cornucópia que gerar
nosso trabalho, e dentro de uma certa ela própria o seu financiamento quase
maneira tradicional – mas que a tradição na totalidade, não podíamos continuar
nunca praticou – de funcionar, consegui- a fazer o teatro que fazíamos. Impedido
mos montar uma máquina quase perfeita o seu projecto de continuar a existir, a
de construção de espectáculos. Nesse Cornucópia teve que acabar. Achamos
momento, o Governo, não reconhecendo que o que foi feito constituiu uma ofensa
nessa circunstância vantagem de espécie verdadeiramente grave em relação ao
alguma (creio que por incompetência trabalho desenvolvido, ao passado da
técnica, até porque não havia consciência Cornucópia e, sobretudo, em relação ao
de como isso era muito importante para público. Este tipo de medidas acaba por
o público que fruía do nosso trabalho), tornar todos os espectáculos mais ou
corta o subsídio para metade, impedindo menos indiferentes, “de marca branca”. O
a continuação do tipo de estrutura que que interessa é que venda. Dá a sensação
nós tínhamos, tornando-nos inoperan- de que tudo se fecha num jogo interno
tes. Ficámos sem possibilidade de fazer do poder consigo próprio, e que o deci-
espectáculos, salvo quando havia co-pro- sor político não leva em linha de conta
duções. Tentámos, vezes sem conta, pre- aquilo que realmente importa: o facto de
venir essa situação junto do Ministério as decisões políticas ditarem a própria
da Cultura, mas a verdade é que o mes- personalidade de um dado país.
mo não se mostrou capaz – ou sequer
interessado – em modificar a situação. Quiseste, portanto, continuar a tra-
Talvez tenha tomado os nossos protestos balhar apesar das circunstâncias, ou
como bluff... Fosse por razão fosse, nunca tendo em vista a possibilidade de ser
nos levou a sério. Fomos como que em- possível contribuirmos para a sua mo-
purrados para soluções que, no fundo, de dificação através de uma acção concre-
uma forma escondida, estavam já subja- ta.
centes às medidas que levaram à redução
dos subsídios para metade. Lá nos fomos O que pensei foi que, enquanto ence-
aguentando, mas o que fazíamos… não nador, me interessa mais continuar a
era vida. Pensei, então, que o melhor era trabalhar para algo que seja feito com
fazer exactamente o contrário. Se havia vista a estabelecer uma nova relação com
o espectador – que ele pede mas não lhe e para connosco estabelecer uma relação
tem sido dada pelo teatro português em mais humana e mutuamente respeitosa
geral – do que propriamente para aper- do que aquela que a lógica de mercado
feiçoar uma técnica que, ao fim ao cabo, favorece. Se se conseguirá ou não, é di-
fui adquirindo ao longo dos anos. Uma fícil de saber. Claro que podemos tentar
discussão acerca dos nossos processos de mostrar ao público que talvez o teatro
encenação das peças, da maneira de as não seja exactamente aquilo que ele
representar, daquilo que queremos trans- pensava, mas temos sempre um grande
mitir… Foi esta ideia de querer partilhar concorrente: a televisão. A televisão não
cada momento com o público que me só nos “rouba” fisicamente o espectador,
deu vontade de prosseguir. No entanto, a como – talvez pela escassez de “portas
crescente transformação de toda a acti- abertas” presentes ao longo do seu per-
vidade teatral numa espécie de mercado curso educativo – o canaliza para formas
constitui um entrave ao sucesso de ideias de espectáculo sem profundidade, sem
como esta. Enfrenta-se uma espécie de conteúdo. Apesar de tudo, entre uma
hidra de sete cabeças: cortamos uma de- tragédia grega e uma final de futebol,
las e aparece logo uma nova noutro sítio. ganha sempre o futebol, por questões que
Se há uma parte que se quer tornar mais me parece que só podem ser corrigidas
criativa e entrar em diálogo com o públi- através de uma reforma do ensino. De
co, imediatamente surge outra que o atrai qualquer maneira, os actores são pessoas
mais por outra razão qualquer, anulando charmosas e de agradável trato, podendo
a primeira. Em todo o caso, o que explica o convívio com eles reservar as melhores
o facto de eu escolher, agora, um meio de surpresas. Portanto, nem que seja por
produção completamente diferente, é a causa disso, estou confiante de que este
procura dessa nova relação com o espec- projecto, que vai, no fundo, à procura do
tador, de maneira a que ele não continue espectador que esteja menos “viciado”, o
sentado na sua poltrona, julgando se conseguirá encontrar.
houve correspondência entre o que pa-
gou e aquilo que viu, não lhe interessan- Achas que é pelo facto de sermos jovens
do o assunto da peça mas apenas o acto e de também estarmos mais ou menos à
de ir ao teatro como acto de dignificação procura de criar uma nova relação com
social. Creio que o espectador deveria ser o espectador que podemos entender-
“educado” para voltar a ser curioso em -nos?
relação ao que vê, para readquirir o gosto
de pensar acerca do propósito das peças, Acho que não tem nada a ver com
idades. Tem a ver com pessoas, indepen- estabeleces que não tem só que ver com
dentemente das suas idades. É evidente a relação com D.ª Elvira, havendo ou-
que, se são mais novos, têm mais energia tros elementos em jogo. De que forma
– física e até, talvez, intelectual –, mais pensaste este D. João?
vontade, mais esperança… e tornam-se
companheiros agradáveis sob esse ponto Gosto mesmo muito da peça de Molière
de vista. Mas o que aqui é verdadeira- – Dom Juan ou le Festin de Pierre –, que,
mente importante é o facto de serem aliás, é sempre considerada como uma
pessoas que estão fora do sistema, que das melhores obras baseadas no mito de
não têm especial atracção pelo concei- D. João. Confesso que este mito me faz
to de espectáculo que é pedido pelas alguma impressão. Pelo menos na minha
entidades com capacidade de financiar. cabeça, tem uma importância tal que é
Encontrei, assim, pessoas que são par- quase uma referência de pensamento
ceiros naturais, não pela idade mas pela para grupos inteiros da sociedade. Não
postura. Ultimamente, tenho-me proibi- creio, porém, que a condenação de D.
do menos de dizer o que penso e tenho João como libertino alguma vez tenha
tido surpresas muito agradáveis de muita sido o ponto de referência em si próprio.
gente do público que gosta muito e está O que a mim me parece ser mais rele-
de acordo com a minha atitude. No caso vante, ter mais a ver com os nossos dias,
das pessoas do teatro, elas estão – com- e justificar que se continue a representar
preensivelmente – presas por questões D. João é algo que, sendo comum a todas
relacionadas com a sobrevivência: ter as épocas, foi importantíssimo no pen-
dinheiro para comer, para ter casa, para samento barroco: as questões da efeme-
ter filhos… Portanto, a minha esperança ridade e do sentido da vida, debatidas
é que haja uma modificação da própria na peça. A ideia de vanitas, que está no
força do público, no sentido de também Eclesiastes, segundo a qual “vaidade das
com ele se estabelecer uma parceria, um vaidades, tudo é vaidade”, repensada pelo
tipo de relacionamento que não seja o do barroco de uma forma muito insistente.
consumo puro e simples. Basta reparar que, quando nos Sermões
de Padre António Vieira se fala na morte
No que diz respeito ao ponto de partida e na brevidade da existência, há um
do D. João: este primeiro bloco – Na pensamento muito vasto, que transcen-
estrada (da vida) – expõe, no fundo, de a consideração da vida como sendo
quem ele é, onde é que ele está, porque algo individual, de cada pessoa separada
é que está em fuga logo no início… e tu das outras. Para mim, o facto de se estar
consciente de que a existência humana é espectador e a arte, creio que não faria
muito frágil e acaba muito depressa con- sentido colocar o espectador no papel de
duz não só a um medo da morte – que consumidor passivo, o que começa logo
se encontra, também, em D. João –, mas na escolha da própria maneira como ele
também a uma necessidade de entrela- se senta na sala de espectáculo. O tea-
çar a nossa vida com as vidas passadas, tro à italiana foi construído com vista a
presentes e futuras de muitas outras estabelecer uma relação de autoridade
pessoas que constituem a humanidade e do actor relativamente ao público, sendo
a sua marcha. Numa sociedade focada no pensado para um tipo de representação
dinheiro, é difícil conviver com a ideia muito menos íntima do que aquela que,
de morte, mas julgo que é importante hoje, pede o hábito do consumidor de
fazê-lo, especialmente numa altura em televisão, em que se pode aumentar ou
que parece que os ideais de conforto, diminuir o volume com um simples cli-
de prazer e de felicidade radicam numa que de um botão. Procurando gerar uma
visão da vida como fenómeno exclusi- relação igualitária entre actor e público,
vamente individual. No meu entender, é acabei por escolher um espaço que não é
necessário procurar uma forma superior uma sala de espectáculos – no dia-a-dia,
de entendimento da vida, que só nasce é utilizado para a prática de desportos –,
da substituição de uma perspectiva cen- mas que me parece que poderá levar o
trada no indivíduo por uma perspectiva espectador a reflectir acerca da existên-
centrada na humanidade como um todo. cia ou não de cenário, de qual o papel
Em todo o caso, é evidente que a vida que ele desempenha, e de quais as con-
também é feita de amores, e que o amor sequências que cada uma das situações
é um dos trilhos fundamentais pelos pode ter no espectáculo e na produção
quais toda a existência humana passa, de sentido. Isto porque, no fundo, chega
razões por que penso que é interessante tudo a este ponto: o teatro, como todas
ponderar todos estes assuntos de forma as artes, é uma forma de produção de
conjugada. sentido e de interpretação da vida que o
artista oferece àqueles que estão a vê-lo
Por que motivo escolheste o espaço da e ouvi-lo. E é essa produção de sentido
antiga Junta de Freguesia do Afonsoei- que, objectivamente, interessa ao sistema
ro, no Montijo, para começar? capitalista anular, e a nós preservar.

Tendo em conta a ideia de criar uma


espécie de “escola” da relação entre o
“Mas olha que eu não sou propriamente
produtor”, foi mais ou menos o que eu
disse ao Luis Miguel das primeiras vezes
que conversámos sobre a possibilidade de
trabalharmos juntos em Um D. João Por-
tuguês. Declarei todo o meu interesse em
fazer tudo aquilo que estivesse ao meu al-
cance para que este trabalho se concreti-
zasse, mas avisei que o meu envolvimen-
to estava mais relacionado com ideais
artísticos e pessoais do que com a minha
vontade em assumir um cargo cuja mera
designação me causa algum desconforto.
Produzir? Na realidade, não vejo que
exista aqui nada para produzir – isto se
considerarmos que um espectáculo é
um objecto artístico e não um produto.
Prefiro pensar que o meu papel consiste,
simplesmente, em contribuir com tudo
o que estiver ao meu alcance para que
este trabalho se torne possível, tanto
enquanto espectáculo, como enquanto
processo aberto aos espectadores interes-
sados. Trata-se então de um papel cujo
âmbito é impossível de definir e cujas
tarefas decorrem do momento de criação
e das necessidades que dele vão surgindo.
Desde que começámos (este trabalho e a
própria Companhia Mascarenhas-Mar-
tins), foram muitos os momentos em que
tomei consciência da enorme dificuldade
de trabalhar-se assim, em torno daquilo
Parar com a produção que realmente importa, tentando sempre
que seja a criação artística a dirigir tudo
Levi Martins o resto e não a “organização” a subjugar a
arte a uma lógica que lhe devia ser alheia. absoluta de que o poderemos levar a
Porém, a realidade é implacável na forma cabo em todas as cidades contactadas.
como criou auto-defesas contra qualquer Envolvemos entidades de naturezas
gesto que coloque em causa a lógica do- muito distintas e de dimensões total-
minante. Por mais que queiramos deixar mente díspares. Quase toda a equipa e
em aberto os dias e horas em que traba- elenco está a trabalhar simultaneamente
lhamos, os momentos em que decidimos em vários outros projectos para garantir
apresentar-nos ao público, as reuniões, a subsistência, aspecto que aproxima este
as refeições, as deslocações... Tudo está trabalho da realidade da nossa peque-
sujeito a uma grelha do que se apresenta níssima estrutura, a Companhia Masca-
enquanto possível e, por defeito, rejeita renhas-Martins, bem como da maioria
seja o que for que não se queira enqua- das novas companhias que se debatem
drar. Ao colocar-me nesta posição, assu- com as maiores incertezas em relação ao
mo que a luta constante que tenho é a de futuro.
tentar equilibrar o desejo de liberdade
total com os limites que o mundo con- Depois do encerramento do Teatro da
temporâneo nos coloca. E nem sempre é Cornucópia, companhia cujo percur-
fácil. Ou melhor, é sempre difícil. so absolutamente notável e exemplar
merecia ter sido mais acarinhado pela
O desejo de contribuir para este traba- sociedade portuguesa e pelos responsá-
lho está directamente relacionado com veis pela cultura, eis-nos num momento
a vontade que sempre tive de questionar que parece ser um regresso ao início. O
aquilo que me parecia inquestionável. futuro da arte depende do caminho que
Todas as regras são, em certa medida, decidirmos percorrer enquanto membros
criadas por nós, e somos nós que as de uma sociedade. Se produzir signifi-
mantemos em funcionamento, mesmo car garantir que todos os trabalhos se
quando nos tolhem a liberdade. Sendo a transformam em produtos de consumo
arte (neste caso, o teatro) uma forma de inseridos numa lógica de mercado, então
intervenção pública, parece-me que não que pare a produção. Se, por outro lado,
poderia existir nada de mais radical que significar criar condições para que a
tornar todo o processo de trabalho um relação entre arte e espectador seja uma
gesto que coloca em questão aquilo que relação honesta que não esteja sujeita a
está instituído. Não esperámos pelo fi- qualquer tipo de instrumentalização ou
nanciamento para avançar. Demos início formatação, contem comigo.
ao trabalho sem termos a confirmação
Um D. João Português
I. Na estrada (da vida)

D. João Tonorio homem dissoluto DINIS GOMES Leitura


Esganarelo seu criado DUARTE GUIMARÃES 1 de Abril · 21h
D.ª Elvira esposa de D. João RITA DURÃO
Gusmão criado de Elvira LUÍS LIMA BARRETO Ensaio aberto
Instrutora de aeróbica SOFIA MARQUES 22 de Abril · 15h
Ginasista Clemência NÍDIA ROQUE
Ginasista Fílis JOANA MANAÇAS Apresentações
Voz do Pensador LUIS MIGUEL CINTRA 29 de Abril · 21h30
Actores JOÃO JACINTO e MARIA MASCARENHAS 30 de Abril · 16h
Vigilante LEVI MARTINS
Velho ANDRÉ REIS Pólo da Junta do Afonsoeiro
Pastores BERNARDO SOUTO e SÍLVIO VIEIRA Montijo

Dramaturgia e encenação
Luis Miguel Cintra

Direcção de produção e ass. de encenação


Levi Martins

Assistência de produção
Maria Mascarenhas

Design gráfico e ilustração


André Reis

Apoios
Câmara Municipal de Montijo, Junta de Fre-
guesia da União das Freguesias de Montijo e
Afonsoeiro, Universidade de Lisboa

Agradecimentos
Armando Oliveira, Catarina Pinto, Júlio Adrião,
Sandra Silva e Rui Teigão
Um D. João Português
A partir da Comédia nova intitulada
o convidado de pedra ou
D. João Tonorio, o dissoluto
de Molière (tradução portuguesa de 1785)

Um espectáculo de
André Pardal, Bernardo Souto, Dinis Go-
mes, Duarte Guimarães, Guilherme Gomes,
Joana Manaças, João Reixa, José Manuel
Mendes, Leonardo Garibaldi, Luís Lima
Barreto, Luis Miguel Cintra, Nídia Roque,
Rita Cabaço, Rita Durão, Sílvio Vieira, Sofia
Marques e da Companhia Mascarenhas-
-Martins.

Uma co-produção
Companhia Mascarenhas-Martins, Teatro
Viriato

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