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CRÔNICAS SEGUNDO EXERCÍCIO - TURMA C1

CRÔNICA 1:

Ainda é possível se assustar?

12 de outubro. Feriado nacional e religioso do estado laico brasileiro. Dia da padroeira do brasil: Nossa Senhora
Aparecida. Também se comemora o dia das crianças. Mas, comemorações a parte, o povo só queria saber que neste
ano, esse feriado (assim como muitos outros em 2018) iria ser longo; começaria numa sexta-feira e duraria o final de
semana inteiro. O feriadão que o brasileiro tanto gosta. um respiro da guerra política que tem se instaurado entre as
oposições.

E como todo bom feriado pede descanso, fui à praia. O dia estava de sol, o que significava muita gente na praia de
boa viagem, zona sul recifense. A lotação na praia, logo às oito e meia da manhã era real: muita gente caminhando,
de bike, descendo dos carros e se acomodando em um pedacinho de areia. Eu mesma estava caminhando pelo
calçadão da Avenida Boa Viagem quando um acontecimento me surpreendeu. surpreendeu não, assustou-me.
Deixou-me apavorada, pois ali, na minha frente, eu tinha presenciado o horror da escolha política das pessoas.

Era um senhor, os cabelos completamente brancos e as marcas no rosto denunciavam a idade, branco, alto,
aparentemente abastado - estava muito bem vestido com suas roupas para malhar de marca. Ele atravessou o sinal
na faixa de pedestres e quando subiu no calçadão avistou um conhecido. Ele poderia ter levantado a mão, dado um
‘tchau’, um ‘bom dia, fulano!’, um ‘opa’, como as pessoas de mais idade gostam de se cumprimentar. Seria o comum,
o tradicional, talvez até o correto tendo em vista os tempos sombrios que nos cercam. Mas não, ele não fez isso.
Encenou como se estivesse com um fuzil na mão, apontou para o seu conhecido e disse: “é Bolsonaro, amigo!”. O
outro, em resposta, fez o mesmo e concordou: “é isso mesmo”. Eu passei no meio do cumprimento dos dois amigos,
olhei para o senhor branco e minhas feições devem ter denunciado a minha oposição àquele gesto. Ele devolveu o
olhar, mas com certeza não percebeu que tinha me fuzilado.

Ainda em choque segui meu caminho, ainda mais atenta a quem passavam por mim. Não foi surpresa ver que mais
pessoas apoiavam o presidenciável que representa o retrocesso para o país. Não foi surpresa, pois o bairro de Boa
Viagem foi palco de algumas passeatas a favor Daquele Que Não Deve Ser Nomeado (perdão ao nome mais acima,
só fiz citar a fala alheia). Nos dois quilômetros e meio de caminhada me deparei com quem orgulhosamente vestia
camisetas que estampavam o rosto do candidato; carros estacionados (grandes carros) adesivados com o rosto do
possível (não, por favor) presidente; outros carros (grandes também), que além de adesivados, eram verdadeiras
bandeiras nacionais ambulantes. Mais uma vez, em minha inocência, perguntei-me se essas pessoas sabiam que
bandeira estavam defendendo. É que custo acreditar, vendo como o “coiso” avançou e quase ganhou uma eleição,
que as pessoas realmente acreditem que ele vá ajudar o país a se reerguer, defendendo as ideias que defende.
Ainda custo a acreditar que as pessoas, principalmente aquelas que conheço, pensam como ele. Dói pensar que o
que fere a existência de milhares de pessoas, tenha a possibilidade de presidir o país; de tornar marca, com os
braços, a imitação de um fuzil.
CRÔNICA 2:

A consulta

Não teve jeito, eu tive que mentir. Quando aquela pergunta impertinente surgiu e a ginecologista olhou diretamente
para mim eu não tive como negar e, juro, queria que a médica lesse em meus olhos a saia justa em que havia me
metido. Foi a doutora falar e a minha tia, de prontidão e um tanto horrorizada, responder: “Não, a minha sobrinha é
virgem! Nada de ultrassonografia transvaginal, não é florzinha?” “sim, senhora”, respondi meio amuada.

É certo que primeiras vezes assustam, assim foi quando todas as meninas da minha sala do fundamental II tiveram a
primeira menstruação e eu sabia que a minha vez uma hora ou outra chegaria. Adeus vida normal de subir em
jaqueiras e brincar de pega-esconde com a turma da rua. Ao menos não tive o mesmo destino da minha amiga e sua
indiscreta mãe gritando aos quatro ventos “A MINHA FILHA TÁ DE CHICO!” e eu constrangidíssima, a observar a
cena. Ou quando fiquei pela primeira vez como vim ao mundo na frente de um rapaz e não sabia bem como agir ou
onde me enfiar.

Porém, depois de ter passado por essas coisas, lhe digo, um dos momentos mais constrangedores da vida pode ser
a primeira consulta a ginecologista acompanhada por uma parente religiosa e que tanto preza pela sua saúde íntima.
Primeiro, nem fui eu que marquei o exame e o interesse repentino pela minha vagina até me deixou duvidosa sobre a
procedência de tanto cuidado. Bem, eu sabia que não seria fácil, porém, não tive como dizer não, era uma ajuda de
tão bom grado e já fazia um tempo que precisava me consultar.

Em cidade pequena e do interior, a virgindade é bem público da família e se uma mocinha inventar de se entregar
aos desejos da carne antes de um relacionamento sério está fadada ao enxerimento de gente que nem conhece.
Dito e feito. Se a minha tia soubesse o que eu andava aprontando, coisas que meus pais não tão religiosos sabiam
com certa parcialidade, talvez, meu nome entrasse mais em suas orações no culto do domingo. Veja, em família
tradicional brasileira o moralismo rola solto.

E nada de se falar em sexo, trepada e gozo. Só quando, depois das festas, seus tios já estão meio embriagados, as
crianças e jovens estão dormindo e a música tocando baixo. Aí a conversa acontece desembestada em tom de duplo
sentido, ou direto mesmo. Mas, de volta ao consultório, como é que danado eu iria assumir ali, na frente da tia que
trocou minhas fraldas e me manda presentes vez ou outra, que já não sou virgem há uns dois anos. E que não, não
foi o bom moço meu namorado que me persuadiu. Como é que eu iria falar para a minha tia que sempre questionava
desde os meus 14 anos “e os pretendentes?” (meu Deus, “pretendentes”), que foram pretendentes no plural mesmo
e que gostei bastante?

Em tempos de Tinder, amores líquidos e de libertação sexual quem é que vai se prender ao conservadorismo
autoritário de uma crença que nem sabe se acredita ou se é apenas imposta? Em tempo de feminismo e de mulheres
autônomas donas do próprio nariz e que cresceram tendo seus corpos apenas servindo de enfeite pra revistas
pornográficas, quem vai querer se prender ao mito da “pureza” e de falsos moralismos? Veja, se eu tivesse
respondido a verdade, a mais pura verdade, em questão de minutos a notícia se espalharia pela família inteira.
Desde os parentes que moram mais distantes e a gente só vê pela internet ou a tia-avó que mora no mesmo bairro e
gosta de fofocar com as vizinhas.

Eu sei, deveria ter sido mais corajosa. Eu, a que se mostra tão desenrolada em falar nesses assuntos nos grupos de
amigos deveria ao menos ter dito “não, tia, pode marcar a transvaginal” e ver sua expressão assustada. A verdade é
que seria um embate de gerações com apenas uma pessoa na arquibancada, a doutora ginecologista que, no
momento em que eu refletia sobre tudo isso, já passava para a próxima pergunta. Dessa vez, bem mais amena.
CRÔNICA 3:

Não se nasce mulata, torna-se.

Diante do primeiro choro da menina na maternidade ninguém consegue ainda prever. Filha de mãe negra e pai
branco, a família toda prende a respiração até ser apresentada à criança. Um suspiro de alívio coletivo é dado ao
observar a tonalidade mais clara da pele da criança, ela mal abriu os olhos, pelo menos não é preta, a avó leva as
mãos aos céus agradecendo a um Deus caucasiano pela graça alcançada. Nasce mais um fruto do
embranquecimento da raça no Brasil.

Até então é só um bebê. Cresce mais um pouco, cresce junto o cabelo, é molinho, pode-se distinguir, enrola em
cachinhos juntos em laços caprichosamente alinhados pela mãe, o fio não é crespo, não é duro, não é pixaim. Que
sorte ela teve! Nas reuniões de família, enquanto corre e brinca com os primos pela casa da avó, as tias observam e
comentam, “olha as pernas dela, já são bem grossinhas, o bumbum redondo, vai ter um corpo lindo. A próxima
globeleza”.

Vai com o pai ao parquinho, em todo lugar amigos o param para cumprimentar, entre uma conversa e outra soltam,
“essa menina vai te dar um trabalho quando crescer, João, os gaviões vão ficar tudo em cima”. É a preparação para
o que está por vir. Ela não faz ideia do que será, mas a sua sina já está traçada: será mulata, curvilínea, sensual, que
sabe sambar e rebolar. Será desejada pelos homens, a mulher brasileira tipo exportação, “homenageada” na bossa
nova e motivo de turismo no Carnaval. Não se pode fugir do destino e, afinal, por que fugiria?

Quando criança é moreninha, não entende bem o que é, não é branca, mas também não é preta, é um híbrido. Na
puberdade, ao menor sinal de “desenvolvimento corporal” recebe, finalmente, o título de Mulata, que deve ser
abraçado e celebrado por ela. O ápice da sua vida está aí, passa a ser notada pelos garotos que olham
descaradamente para os seus peitos e para a sua bunda. Os homens enchem a boca para chamá-la de gostosa,
para dizer o mínimo, ao vê-la andando na rua.

O peso desse lugar a pega de surpresa. Se interessa por um cara e se envolve, ele a acha lindíssima, não cansa de
elogiar o seu corpo. É contraditório, ela não entende e se questiona: se ele me acha tão bonita assim porque nunca
me leva para jantar? Já estão juntos há tanto tempo e ainda não foi apresentada à família do cara, nem foi pedida em
namoro. Sempre se encontram às escondidas e se divertem muitíssimo quando estão juntos. Pelo menos até o
incômodo tomar espaço e acontecer a reação esperada ao mínimo sinal de confronto. “Eu gosto de ficar com você,
mas veja bem, não me sinto confortável para ter um relacionamento”. Tudo bem, ela pensa, não era para ser. Pouco
tempo depois abre o facebook e está lá, “Caio está em um relacionamento sério com Bruna”, as fotos apaixonadas
no instagram e a vida compartilhada, digna de comercial de dia dos namorados estrelado por um casal padrão,
escancaram para a mulata o que sempre preferiu ignorar.

“Branca pra casar, mulata pra fuder…”. Serve de pitstop para caras que querem se aventurar entre um
relacionamento com uma garota apresentável e outra. Branca. Mas por que tanta indignação? Não está estampada
em sua pele da cor do pecado as suas intenções com um cara? Ela não é chamada de preta, mas certamente nunca
será branca. Seu corpo objetificado exala um cheiro ácido de sexo, é motivo de desejo, mas não de afeto. A mulata,
apesar de nunca estar sozinha, afinal, os olhares a cercam, os caras se aproximam continuamente, ela sempre se
sente só na sua própria pele maldita.
CRÔNICA 4:

Padrão FIFA

16 de junho de 2013 foi o fatídico dia. Uma saga da qual eu me lembro perfeitamente de quase todos os
minutos que antecederam minha chegada à Arena de Pernambuco, e os que vieram durante a minha saída. Porém,
do jogo em si lembro quase nada. O famigerado padrão FIFA que o Brasil tanto pregou que veríamos durante a Copa
do Mundo e a Copa das Confederações não apareceu. Vi o padrão Brasil de organização de grandes eventos e que
predomina até hoje. Então em 2013 não seria diferente. Copa das Confederações no Brasil, esse seria o primeiro
grande jogo que o nosso elefante branco receberia. Espanha x Uruguai. Duas seleções tradicionais. Promessa de
grande jogo e eu nem lembro se foi mesmo, para falar a verdade. Mas vamos à minha história.

Ingressos foram comprados com mais de seis meses de antecedência. Eu, meu pai e meu irmão estávamos
muito empolgados. Saímos de casa com bastante antecedência, afinal, era imaginado o trânsito para chegar.
Partimos às 12h em ponto. A BR-232 já estava daquele jeitinho. Chegamos na BR-408 e da mesma forma seguia até
o TIP, onde deixamos o carro. De lá, ônibus expresso para a Arena. Foram mais de duas horas no total para chegar.
A partida começaria às 19h, então poderíamos conhecer os arredores da Arena, tirar fotos e esperar a abertura dos
portões – que, por sinal, atrasou em mais de meia hora. Chegando na arquibancada, as cadeiras e chão estavam
bastante empoeirados, a ponto de ser possível escrever neles, mas limpamos. Depois de nos acomodarmos, a fome
bateu. E como era proibido entrar com comida, tivemos que ir à lanchonete padrão FIFA, com seus lanches de
mesma qualidade – só que não. Porém, mais outra coisa para encher a paciência: filas ENORMES em todas as
cantinas. Escolhemos uma e ficamos mais de 1h30 esperando para poder comprar. Só saímos de lá com o lanche às
18h55, quase com o jogo sendo iniciado. Preços absurdos, que já esperávamos. Compramos 3 cachorros quentes e
3 refrigerantes. O cachorro "quente" estava frio, e vinha numa embalagem lacrada, o que achamos estranho. Ao
sentar na minha cadeira e abrir a embalagem, o sangue subiu. Era só um pão com salsicha dentro, sem molho, sem
acompanhamento, sem nada. Seco assim. Só não joguei fora porque estava morrendo de fome. Mas a raiva veio
com o gosto que faltava nesse lanche padrão FIFA.

Fim de jogo e o martírio continuou. Saímos 25 minutos após o fim da partida, na intenção de deixar boa parte
do povo ir embora e termos mais tranquilidade na volta. Mera ilusão. Saindo das arquibancadas, começou um
congestionamento de gente nas ruas do entorno da obra faraônica de Dudu Campos. Num trecho em que, a pé, você
leva 10 minutos no máximo para chegar ao ponto de ônibus, levamos 45 minutos para chegar lá. Depois, mais de 40
minutos para conseguir entrar em algum busão, devido ao número de pessoas que disputavam um espaço na “micro
parada” em que quase 40 mil pessoas deveriam pegar seu coletivo. Meu pai e meu irmão conseguiram entrar em um
e eu quase ficava fora. Fui o último a subir, em um aperto que eu nunca havia enfrentado no transporte público até
então - hoje, já chegando na terceira idade, encarei algumas várias vezes. A porta do ônibus não fechava e o
motorista não poderia sair assim. Nisso, veio um fiscal do Grande Recife Consórcio e empurrou-me sem que eu
esperasse por isso. A porta fechou e só não caí por causa do tanto de gente que tinha lá dentro. Era impossível ir
para frente e fiquei espremido demais. Minha cabeça era quase esmagada, já que fiquei entre o último e o penúltimo
degrau da porta traseira do coletivo, grudado em duas pessoas. Quase meus óculos quebravam, meus braços e
minhas pernas doíam por causa da posição em que fiquei. Quero nem imaginar como um claustrofóbico se sentiria ali
na minha condição. Mais de 45 minutos nesse aperto até chegar ao terminal Cosme e Damião. Daí, mais tempo em
pé para subir uma escada minúscula na estação e finalmente pegar o metrô. Conseguimos chegar no TIP e lá se
foram mais 30 minutos de pé na fila para pagar o estacionamento.

O resultado disso foi chegar em casa às 00h15, com uma tristeza e decepção enorme. O jogo, que deveria
ser a principal lembrança, foi ofuscado por conta de um despreparo de todos os organizadores de um dos maiores
eventos esportivos que o Brasil já sediou.

754 PALAVRAS
CRÔNICA 5:

O que Voinha diria?

Tem dia que eu sinto uma saudade que pinga, derrama até sair jorrando tal qual a bica da telha do quintal lá de casa,
e aí não ecoa mais nada no coração se não o “eu preciso voltar”. Acho que titia também se sente assim às vezes,
mas ela tem suas próprias maneiras de visitar a terrinha dela. Me conformo.

São seis horas, aproveito o aconchego que o café quente trás e puxo ela para umas dessas viagens. “E tu corria
também?”
“Eu não! Ficava lá para ver a galinha sendo morta mesmo, para aprender...”
“Misericórdia, tia”
“Eu só não gostava quando mainha fazia a gente ir entregar as comidas na casa dos outros. Passava o domingo
brincando no sol e aí de noite cansada ia na casa de todo mundo deixar as mangas, as galinhas, os doces, o que
danado ela mandasse, ficava arretada”.
O coração aperta. Voinha. O que será que ela pensaria de seus filhos?

Elisa, quase a mais nova, se casou e teve duas filhas, pregava para Deus e o mundo que elas eram suas maiores
preciosidades. Foi traída e se separou. Agora vive com outro cara, ele humilha as filhas e cria situações hipotéticas
para colocar a mãe contra elas. Mas ele é um cidadão de bem, um marido atencioso, faz ela se dobrar e desdobrar
para agradá-lo. Ele guarda duas armas em casa, caso apareça um bandido é logo dois tiro. Quem vai duvidar da
integridade de um homem desses? Elisa inteligente e rica acredita que na sua idade jamais nenhum outro homem iria
querê-la.

O que Voinha diria?

José, raparigueiro, porque “mulher tem que servir o marido, mas se não for bem servido ele acha quem cumpra o
serviço”. Pai de dois filhos, mas duvida da paternidade do segundo. O teste comprovou, mais uma pensão para
pagar, mas tudo bem, nada vai impedir ele de trocar de carro de novo e fazer outro investimento. É homem direito,
prega a ordem e o cumprimento das leis. No tempo livre, José organiza briga de galo.

O que Voinha diria?

Alice, desempregada, seu maior erro é amar a irmã demais. Entra em regimes absurdos para não ficar escutando
merda de Elisa. Ama as sobrinhas tanto quanto ama a mãe delas e faz de tudo para deixá-las contentes. Ela se vira
como pode para fechar as contas no fim do mês. Mas no amor seu coração sabe que não pode esperar demais de
seu companheiro, este só aparece quando dá para fugir da família que ele sustenta.

O que Voinha diria?

Lucas, boêmio, pai, casado e nunca aparece. As notícias que se tem dele são as trocas de felicitações no fim de ano
e as fotos postadas por seus filhos no Facebook.

O que Voinha diria?

Entre um gole de café e outro, titia termina de contar mais uma das peripécias de criança. “É… e sua voinha daria um
puxão de orelha em cada um de nós, aí nossas orelhas ficariam vermelhas e ardendo, depois ela sentaria e alisaria
nossos cabelos e diria ‘agora, me contem, o que o mundo fez com minhas cria?’”.
CRÔNICA 6:

Vai ter volta!?

Enquanto viado, posso falar com conhecimento de causa: a saída do armário é um caminho sem volta. Isso porque
ex gay jamais existiu e nem existe, a não ser, é claro, no templo evangélico da esquina da rua. Ambiente este em que
o pastor ex viado, por ter aceitado a palavra, assegura veementemente ser outra pessoa e, hoje, ter encontrado a
salvação. (Não sabem os cegos fiéis, talvez, que, antes de pregar a palavra, o pastor, agora restaurado, costumava
perder as pregas com o vizinho dotado da rua de trás).

A gente que é viado sabe que, além de irreversível, a saída do armário também é libertadora. Isso porque o dedo do
hétero conservador apontado em direção ao gay, uma vez assumido, agora não mais importa, nem tampouco dói.
Porque o “viadinho” — vociferado em tom pejorativo —, agora talvez aborreça mais porque foi gritado no diminutivo
do que por ter sido propriamente berrado. A saída do armário, a gente que é viado sabe, nos permite ser quem
verdadeiramente somos independente do que aconteça. Mesmo que, por isso, sejamos agredidos com lampadadas
numa avenida central ou alvejados à queima roupa num dado canavial.

A gente que é viado, porém, jamais imaginaria que uma prática tão somente nossa atingiria grande parte daqueles
que se dizem não gays e, portanto, cidadãos de bem. A recente saída do armário em massa de eleitores brasileiros
protofascistas é um caminho sem volta. Isso porque ex protofascista jamais existiu e nem existe, nem mesmo o
restaurado líder religioso que, na obrigação de propagar o amor ao próximo, tem defendido o porte de armas do
cidadão de bem. Porte este que, no mínimo, simboliza o assassinato em massa entre comuns. Mas, mais ainda, o
assassinato sistemático da gente que, não por querer ou por não ter levado um couro quando criança, é viado.

A saída do armário dos protofascistas, uma vez liderada por um líder ultrarradical, a gente sabe, os permitem a
selvageria: a instalação do retrocesso, a não aceitação do diferente, a agressão desregrada, o assassinato do não
ideologicamente semelhante. A saída do armário dos cidadãos protofascistas de bem os fazem ser quem
verdadeiramente são independente do que se suceda. Ela os permitem externar, com certo orgulho ao fazê-lo, o que
sempre foram: ignorantes, intolerantes, racistas, misóginos, lgbtfóbicos… e por aí vai.

A saída do armário da gente que é viado, porém, não prega o desamor — muito pelo contrário. A nossa, além de
muito apropriadamente exaltar o amor próprio, incita o adorar o outro, o semelhante, aquele que também sofre tão
somente por ser o que é. Mas, jamais, a nossa saída do armário nos faz agredir o diferente, o discordante ou mesmo
o próprio agressor... Mas não por muito tempo... Porque a gente sabe que, sob o suposto governo de quem é
declaradamente contra nós, a perseguição que não raro sofremos tende a se potencializar. E, com isso, o número de
assassinatos da gente que é viado vertiginosamente aumentar. A gente sabe, talvez os protofascistas cidadãos de
bem não, que, uma vez liberado o porte de armas, nós também poderemos nos armar. Dessa forma, talvez, fazendo
o país tomar um caminho anunciadamente sem volta.
CRÔNICA 7:

Meu amado bus

Era mais uma tarde ensolarada da cidade do Recife e eu saia correndo para mais aula da faculdade. O sol
escaldante, as ruas que cheiravam à poluição e muito movimento de pessoas, que de tanta gente andando ao
mesmo tempo, tinha medo que me levassem.

Eis que chego na parada de ônibus, já pingando de suor e com bastante calor, afinal correr no meio do deserto do
Saara da Conde da Boa Vista é tarefa para os fortes. Chegando no ponto, tomo logo uma água bem gelada para
refrescar meus nervos, mal posso esperar para subir no ônibus e chegar logo na universidade.

Após trinta minutos de longa espera acompanhada pelo mormaço do asfalto, chega o meu ônibus lotado, que mal
dava para subir de tanta gente que tinha. E eu que ficava pensando comigo onde eu ia caber naquela verdadeira lata
de sardinha.

Ao passar pelo cobrador mal humorado, que nem toda a fome do mundo justificava a cara de seu Lunga, me deparo
com uma moça que estava sentada lá no fundo e que fazia gestos de como se fosse descer na próxima parada. Me
animo logo para chegar o quanto antes naquele lugar.

O trajeto não foi nada fácil: foram muitas cotoveladas, passadas basicamente colada a vários corpos e um protótipo
de tarado que gostava de se aproveitar enquanto as moças passam no corredor cheio. A vontade que eu tenho é de
gritar bem alto e pegar minha sombrinha e tacar na cabeça daquele condenado. Ai se um dia eu faço isso, não ia
sobrar nem um miolinho desse miserável para contar história.

Eis que finalmente eu chego no lugar e a moça sede seu lugar para mim. O alívio momentâneo não durou muito.
Depois de mais um gole na minha garrafa que já quase não tinha mais quase nada, um menino que estava do meu
lado começa a comer salgadinho, daqueles bem fedorentos que mais parecem chulé. Difícil foi aguentar aquele fedor
misturado ao calor que fazia dentro do ônibus.

Quando finalmente o menino termina aquele pacote catinguento, a mãe do guri resolve jogar a embalagem pela
janela. Que ódio! Não podia guardar na bolsa e depois jogar em uma lixeira?! Eu que sou uma pessoa eco friendly
fiquei revoltada pensando na educação que essa desalmada dá para aquele moleque, tomara que ele não siga o
exemplo da mãe.

Quando todo aquele fedor acaba, senta um rapaz ao meu lado. Em menos de cinco minutos ele quer saber o que eu
estou lendo, onde eu estudo, o que eu faço. Digo que estou muito cansada e quero descansar no trajeto até a
faculdade. Pego o meu fone, ponho meus óculos escuros e finjo que dou um cochilo. Aff, nada pior do que esses
doidos que querem paquerar em pleno ônibus.

Finalmente eu vejo o muro da faculdade e me animo, afinal depois de todo o calor, o fedor e o doido paquerador,
enfim estou próxima do meu destino. O motorista mais parece que quer chegar mais rápido do que eu e pisa o pé no
acelerador. Eu só não esperava que ele fosse fazer a curva com aquela mesma velocidade a ponto de todo mundo
desequilibrar e eu parar logo onde?! Quase em cima do galanteador! Não!! Eu não mereço!

Não demorou muito e chego no meu destino. Depois de todo esse estresse, tenho impressão que perdi dois quilos
com naquela aventura toda. Mas apesar de tudo, não paro de pensar em quando o meu amado bus irá me levar de
volta pra casa.
CRÔNICA 8:

Rotina de uma sardinha enlatada

Em um dia rotineiro sai de casa em direção a universidade. Passei 30 minutos esperando o lendário CDU
várzea. E ia passar mais 40 minutos até chegar à universidade, pois atravessar a avenida infinita Caxangá não é tão
rápido. O transporte público no Brasil (embora não seja tão cômodo e eficiente) é algo essencial para a maioria da
população, que vive verdadeiras aventuras ao usufruir deste meio.
Como a maioria dos brasileiros, preciso me locomover usando esse meio de transporte e nesse dia, em um
ônibus “entupido” de gente, no calor e no aperto parei um pouco para analisar o que acontece no “vuco-vuco” diário
dentro do busão. Não existe maior interação social do que andar de coletivo, o próprio nome já diz tudo, todos estão
no aperto juntos. Em um ônibus pode acontecer e acontece de quase tudo, senão tudo...!

Tem o motorista que gosta dos extremos, tem aquele que é mais lento e parece que vive na vibe do paz e
amor, e aquele outro que curte a adrenalina e não tá nem aí, “manda” o passageiro pular dentro do ônibus, para este
mesmo passageiro desenvolver até algumas técnicas para se equilibrar. Tem os passageiros que se sentam e
ajudam os que estão carregados de coisas, e os que fingem dormir para não ceder lugar a idoso. E eu toda
espremida, perto da catraca, cheia de coisas , não tendo ninguém para me ajudar com meus livros e bolsa, rezando
para chegar minha parada, mas o trânsito do Recife é bastante congestionado. E daí comecei a ouvir as conversas
dentro do coletivo. Política, amores, insegurança e tantos outros problemas sociais. Gente que nunca se viu se vê ali
junto. Vidas cruzadas, na mesma direção.

E no meio disso tudo sobe 2 emboladores para completar o trajeto. Começam a cantar e fazer rimas com os
passageiros em busca de uns trocados, é comum vê-los no dia a dia em ônibus. Alguns passageiros não gostam,
fazem cara feia, reclamam porque o motorista deixou-os subir. Outros gostam, aplaudem e os ajudam com dinheiro.
E eis que chega a vez de eles fazerem rima comigo, falam do meu sorriso, de ser a mais bela. Mas como estava só
com o vem, não os ajudei e por conta disso, soltaram-me uma “praga”. Fiquei constrangida e ao mesmo tempo com
raiva. Eles desceram e ainda me restavam mais 2 paradas até eu chegar a meu destino. O ônibus ainda continuava
bastante lotado e para descer tive que passar no aperto, pisando no pé e apertando as pessoas sem querer. Mesmo
me desculpando há sempre os que acham que fazemos de propósito. O motorista freia bruscamente e eu caio por
cima de uma senhora, pelo menos ela foi compreensiva e sabia que não foi proposital.

Finalmente chego ao final do ônibus e consigo descer, mas o que os emboladores me falaram não me saía
da mente, nem a minha roupa amassada e suada depois de ficar 40 minutos num calor enorme, em pé no ônibus.

Ao descer da latinha de sardinha, ando em direção à universidade e percebo que o trabalho que era para ser
entregue naquela aula caiu no aperto do ônibus e daí me veio à mente: porque não dei dinheiro aos emboladores…
Andar nesses coletivos pode trazer bastante prejuízo...
CRÔNICA 9:

O fenômeno Bolsonaro

Não, esse não é mais um texto político – não totalmente. Não, não venho aqui criticar diretamente as
propostas do candidato de extrema direita – ou a falta delas. Não, não venho aqui criticar diretamente a postura e o
caráter de Bolsonaro – por mais que seja quase impossível não o fazer. Estou aqui hoje para trazer o fenômeno que
uma figura política se tornou.

A idolatria por figuras públicas não é algo novo, na verdade, é a essência para tornar alguém público e,
posteriormente, famoso. Isso não deveria surpreender ninguém, mas devo admitir que foi a primeira vez que vi um
político se tornar um fenômeno tão grandioso como o atual candidato à presidência. Mesmo com toda uma visão
retrógrada, preconceituosa e violenta, a figura de Bolsonaro conseguiu conquistar uma legião de fãs tão fiéis que
acreditam em qualquer coisa dita pelo candidato, mesmo com diversas provas de que 90% daquilo é falso – é
aquela, quem fala o que quer, escuta o que não quer, mas isso não obriga ninguém a acreditar. A verdade é que
independente do que Bolsonaro prega ou defende, existem pessoas que compadecem da mesma causa e o
tornaram o ídolo que ele é hoje.

Aqui começa minha breve história. Em meio a tanto caos político, que vem destruindo o psicológico de muitos
– incluindo o meu – uma viagem para relaxar caiu muito bem. Mesmo com uma situação complicada um dia antes do
passeio, tentei me distrair o máximo para recuperar forças e ter um pouco de calma. Estava tudo indo bem, curtindo a
viagem, a mente relaxando, até que a primeira pérola do dia me surge. Enquanto admirava a paisagem e tirava
algumas fotos, um homem que estava sentado perto de mim pergunta pra companheira “por que o cara não toca a
música do Bolsonaro?”. Fiquei me perguntando desde quando o candidato tinha virado músico. Oh meu Deus, bem
no meu momento de paz, vinha mais um bolsominion me atrapalhar! Agradeci quando a pessoa não insistiu nem fez
mais comentários sobre o político – pelo menos não que eu tenha escutado.

Resolvi esquecer o que tinha ouvido e aproveitar o restante do passeio. Tudo estava indo muito bem, até que
fui surpreendida por mais um momento de idolatria. Como em todo passeio com grandes grupos, o pessoal da equipe
busca animar os turistas, entreter para passar o tempo e conseguir boas avaliações depois. Nesse não podia ser
diferente. Na volta um doa membros da equipe resolveu fazer uma competição de dança entre casais. O grande
prêmio? Duas caipirinhas – me desculpe os participantes, mas eu não pagava esse mico por duas míseras
caipirinhas. Bem, tinha quem pagava, e tivemos quatro corajosos casais que resolveram dançar na frente de mais de
100 pessoas por bebidas grátis. No final, houve um empate e o organizador da competição resolveu que a disputa
seria decidida na melhor cantada. É aí que a pérola mais assustadora surgiu. Um dos caras resolveu jogar a
belíssima cantada “moça, quando te vi, me encantei, e assim como Bolsonaro, que não foge ao combate, estou aqui
pra te conquistar...”. Só sei que depois disso parei de ouvir – por motivos de, até agora, enquanto escrevo esse texto,
não consigo imaginar como alguém usa a imagem de um cara desses numa cantada. É sério que ele acreditou que a
moça ia ficar lisonjeada?

O ponto é, além de músico, Bolsonaro virou figura de cantadas. Como não ouvi mais e nem vi a competição,
não sei qual foi a reação da mulher, mas tiveram alguns homens que acharam o máximo e até aplaudiram. Como um
candidato virou um fenômeno tão idolatrado? Mesmo depois de tudo, de fugir dos debates, se esconder de perguntas
e não apresentar propostas, o fato de alguém usar Bolsonaro como figura que não foge do combate, ainda mais
tentando conquistar uma mulher, e ser aplaudido, só prova o quão cega uma população pode ser, além de não
entender o real significado dessa eleição.

Agradeço ao Velho Chico por sua beleza e exuberância, fez o passeio valer a pena. Por outro lado, algumas
pessoas ali só me deram vontade de pular no São Francisco e voltar pra terra nadando.
CRÔNICA 10:

Fofocas de salão

Apesar de estarmos em pleno sábado a tarde, o movimento estava fraco. Eram apenas mais três
clientes contando comigo que esperavam, enquanto ela usava suas mãos ágeis para terminar a chapinha
no cabelo cumprido da moça ao mesmo tempo que falava no celular. Tudo parecia casual, rotineiro e a
conversa entre elas, se revezava entre fofocas sobre a separação de uma moradora do bairro e a reforma
na casa da vizinha. Até que ela largou o celular, criando um momento de silêncio que deixou todos
apreensivos, pois não era comum ela parar a conversa bruscamente. Curiosas como sempre, elas não
perderam muito tempo em perguntar o que tinha acontecido. “ Era o pai de Nívea (sua filha mais velha),
ligando para saber como ela estava depois da cirurgia. Ele tem ligado muito esses dias… ele não era
assim, agora está um pai exemplar e eu não posso reclamar.”

Apesar de me sentir incomodada com a afirmação que vangloria um homem por assumir seu
simples papel de pai, permaneci calada. Elas continuaram a conversa falando sobre suas próprias
experiências com os pais de seus filhos. Depois de um tempo, ela parecia emotiva, mas sem perder a
irreverência, iniciou um relato que calou até as mais tagarelas do salão, que funcionava na garagem da
casa, não dá para saber se foi por surpresa ou se por grande familiaridade com sua história.

Ela contou como era jovem quando o conheceu. Como sua mãe a expulsou de casa quando
resolveram viver juntos. Como foi duro descobri que ele a traía apenas alguns dias após dar à luz ao sua
primeira filha. Mas acima de tudo falou do arrependimento que sentiu por confrontá-lo diante dos amigos e
as consequências de sua atitude violenta. Assusta, ela pegou no colo sua filha com poucos dias de vida na
esperança de que ele não ousasse encostar nela, enquanto estivesse segurando a criança. Infelizmente,
ela não o conhecia tão bem quanto imaginava e subestimou sua monstruosidade.

Depois de passar a noite imóvel paralisada pelo medo, decidiu sair do pequeno apartamento, onde
moravam o mais rápido possível. Junto com seu bebê, teve de escutar da mãe que aquelas eram as
consequência das suas decisões e que agora ela estava sozinha. Na caminhada mais difícil que já fez,
voltou para o único teto que lhe restava, e escutou os deboches diante da sua impotência. Na época, sua
impossibilidade de se sustentar financeiramente eram jogadas na cara todos os dias.

“Hoje ele está mais tranquilo, acho que se arrependeu, depois que eu saí de casa.” Todas estavam
em silêncio perplexas e sem saber muito o que dizer e talvez mais afetadas pelo modo como ela narrou
aqueles fatos criminosos como mais uma conversa fiada de salão sem tanta importância. Essas histórias a
gente vê todo dia nos noticiários, nas novelas, mas elas estão perto. “Não gosto de falar muito sobre isso,
porque ficou no passado,” ela continuou. A história nos deixou pensando e aquele silêncio foi importante
para que cada um percebesse o quão perto está a violência nas suas mais diversas formas. “Eu só guardo
mágoa mesmo da minha mãe que não me ajudou... que não ajudou a própria neta.”

Mais tarde na mesa de casa. Minha família reuniu alguns amigos e outros parentes para uma
reunião típica dos feriados prolongados. Não consigo lembrar muito bem qual era o assunto que levou a
isso, porque depois da frase pronunciada por um dos convidados, a indignação me fez perder o sentido,
no exato momento em que aquele meu tio branco de meia idade falou com a convicção de um intelectual
“Isso é conversa… Essa coisa de machismo já nem existe mais.”
CRÔNICA 11:

Introdução à Introversão

Será que os linguistas já imaginavam que a língua se tornaria tão linguaruda? Veja, “não sou faladorofóbico, tenho
até amigos que são”. Tanto que estou lá, nos cotovelos salivados das rodinhas de conversa à multidão cotovelada do
carnaval, aprendi a me adaptar. “comportadinho ele, né?”, dizia as vizinhas desde moleque, ainda por cima moleque
criado por Vó. Aí ferrou, estava sentenciada ali minha carteirinha de introvertido, embora só viesse a notá-la nos
entremeios do fundamental. Ué, pode a criança não ser espontânea? À princípio, tudo parece vergonha: vergonha de
interagir, vergonha de levantar a mão mesmo sabendo as respostas (até hoje não levanto), vergonha de se
expressar.

Mas olhe lá o coleguinha, falante todo, popular todo, o centro das atenções... “Há algo errado no silêncio?”, pensava
revestido em minha própria pele. A timidez – sempre ela – é o primeiro sintoma, às vezes é - às vezes não é - às
vezes o simples achar que é basta para atrair sensações ruins. “Sua vez de se apresentar”, pense numa sentença
horrenda capaz de desabilitar qualquer filho de Deus. Nessas horas, a ausência de autoconhecimento pesa e pesa
muito. Quantos são introvertidos e não sabem? Acreditam no certo como andar em motinho na cola dos
pronunciadores de mais palavras por segundo. Ou pior, tornam-se aquilo que não são (ou pelo menos tentam). Por
vezes já fui ultra-social a contragosto, por vezes já ignorei meu mundo interior, afinal é a vida lá fora que lhe oferece
dinheiro, poder e relacionamentos. Quanto mais, melhor!

Bem, em muito aprendi com os extrovertidos, pois no fundo, no fundo, ninguém é só um lado da moeda. No entanto,
uma hora torna-se insustentável manter identidades fictícias, “saía do armário” e compreenda que o processo –
talvez – seja mais eficiente de dentro para fora. De toda maneira, não é preferível reter-se em si mesmo o tempo
inteiro e em caso de constipação use o laxante. “Nossa, quanta gente” – e sim, é difícil conciliar interações
simultâneas, para isso existem os grupos pequenos, as bordas da parede e praças vazias. No passado, conforme lia
meu manual de instruções, percebi que enquanto os sociáveis detinham para mais de cinquentas balas afetivas,
possuía eu uns míseros cartuchos.

A depender do caso menos pode sim ser melhor, sobretudo se a visão perde nitidez à medida que o horizonte é
ampliado. Virado ao avesso, o micro-mundo introspectivo se vale da aproximação, da conversa um para um com o
outro ou consigo. “Você pensa demais!”, quase tudo é ponderado, detalhista, por isso são úteis os monólogos e
momentos de solidão voluntária. Seja para curar a dita “ressaca social”, seja para compreender “onde é que eu errei
mesmo?”. Em pouco tempo, conhecer minhas próprias células e inexistentes cédulas converteu-se em lei maior,
como uma vez disse Sócrates: “conhece-te a ti mesmo meu pirraia que o resto se torna fichinha”.

Mas veja só, personalidades reservadas combinam com comunicação social? E com humor? Só depois das
inconstâncias descobri que é possível dissociar o palco dos bastidores, e ai de quem permaneça olhando apenas o
produto final e desentenda que ideias e ações nascem antes, bem antes, na esquina bucólica do tecido neural. E
nesse ponto, somos todos introvertidos em algum nível, apesar da cultura ocidental mal ver os burburinhos interiores.

Na condição de broto das brasilidades, a expectativa era de que florescesse o mais caloroso possível, uma fatia
genuína da identidade nacional: “meu filho, somos um povo sociável”. Quantos apreciam os estímulos externos mas
se privam dos próprios? Quantos se enxergam apenas pelo filtro da câmera ou opiniões alheias? A autocompanhia
é o palanque da autocrítica e do autoconhecimento, portanto não fique aí autoimóvel, introverta, introverta: “e se você
for um ótimo comunicador?”.

Mas calma, não é preciso fazer voto de silêncio budista ou deixar de ir ao show do Wesley Safadão. Introverta
quando puder, um tantinho só... afinal de contas, nunca se sabe o que se pode encontrar dentro de si!
CRÔNICA 12:

Música de Protesto Brasileira


Rodas de conversa sobre uma eventual ditadura se espalham pelo país, mas, sendo ela real ou não,
estamos mais perto que nunca. Estive em uma dessas rodas recentemente e admirei um comentário banal que
parece reforçar a pecha de que brasileiro só é feliz por saber rir da sua própria desgraça. Abram-se aspas para um
físico: “pelo menos a música vai melhorar, é mais fácil fazer música sobre tristeza e desgraça que sobre amor e
coisas boas”. Ele podia muito bem estar falando sobre Pablo, o rei da sofrência, mas o tema era a MPB de protesto.
Pobre MPB de protesto, só existiu enquanto foi perseguida. Quando deixou de haver censura, deixou de
haver razão para cantá-la. Em uma nova ditadura, quem seriam nossos novos Vandrés, Chicos, Caetanos, Naras,
Rauls e Jobins? Quem seriam as Ritas, cantando a liberdade em meio ao conservadorismo?
No lado oposto, quem seriam os novos queridinhos da ditadura? Os “que se unem à revolução no combate à
subversão”? Os Robertos que se aproveitam disso para virar reis? Os Simonals que são destruídos por isso e
morrem muito depois de sua carreira já ser esquecida? As Claras que se fingem não ser ligadas à política e chegam
a gravar sambas de protesto até morrer de forma suspeita?
Não sei se a chamada ‘nova MPB’ teria peito para enfrentar essa barra da mesma maneira que os decanos
da música enfrentaram. A nova safra abusa do positivismo. As vozes sutis e as letras parecem mostrar que a vida é
fácil e tudo se resume a amar alguém e ser feliz. Não parece difícil imaginar porque o sofrenejo e o sofrarrocha estão
fazendo muito mais sucesso que o deboísmo musical.
Quanto mais eu escrevo, mais a teoria do físico parece fazer sentido. Talvez por isso que o Seu Jorge de
Problema Social e Chatterton seja tão melhor que o das músicas para churrasco. Que a Maria Rita de Encontros e
Despedidas e Pagu supera a sambista feliz. Que qualquer Marisa Monte é melhor que a de Ainda Bem. E, pensando
bem, talvez caiba a essa geração a função de fazer a MPB de protesto.
O Nando Reis é bem a prova disso, ele ainda tem o seu rock’n’roll, e mostra um protesto fortíssimo a -
basicamente tudo existente no atual cenário da - política brasileira em uma música nova. Me falaram de Rock’n’roll
há poucos dias, parei para escutar logo antes de escrever esse parágrafo e soube na hora que ela deveria ser citada
exatamente aqui.
A velha guarda também pode ajudar na MPB de protesto enquanto estiverem vivos. Ao passo que nomes
como Vandré retornam ao palco após 50 anos e surge a teoria de ele só cantar em estados de exceção, nomes como
Belchior já partiram para a vida após a morte e surge a teoria de que ele é mais um da escola dos artistas que não
morreram de verdade. O que eu senti para a música do Nando me vale também para Ok Ok Ok, do Gilberto Gil.
Mas uma coisa ainda me estranha muito nesses pontuais ensaios piloto da MPB de protesto da eventual
ditadura. Elas são diretas. Não há a sutil crítica velada, de um cálice para se calar, do sonho com a volta da gente
que partiu num rabo de foguete. Diretamente do covil do tucanato sertanejo, Chitãozinho e Xororó lançaram um We
Are The World da política brasileira, se não fossem alguns nomes pontuais como Caetano, Gil, Ivete e Conká,
eu diria que A Nossa Voz é uma colagem de trechos de famosos cantandos os jingles do Aécio em 2014. Adendo,
pode ter sido o primeiro solo do Junior Lima em sua carreira.
É um pouco deprimente pensar o nível que o Brasil precisa chegar para sua arte refletir sua situação política.
Dentro da minha leiguice, a música deveria ser um dos primeiros reflexos da situação nacional, e, se for, talvez o
brasileiro esteja fazendo uma quantidade animalesca de sexo e, meio que consequentemente, sendo muito traído.
Mas é de tristeza que se faz uma boa música, já diria aquele físico.
CRÔNICA 13:

Eu nunca precisei entrar em assunto de política, mas...

Já se passava da hora do almoço. 3 horas de viagem até chegar ao quase extremo da Mata Norte, na terra do boi:
Timbaúba. Eu já ia e vinha com frequência para visitar a família do meu namorado. A cidade já me era incômoda
porque pessoas dali me tinham como inimigo. Sempre que desembarcava na trajetória de ir até Camutanga,
precisava passar por aquele lugar de recordação de conflitos. Nesse dia, não cheguei a ir até a cidade do meu
namorado; estava eu esperando por ele na rodoviária para virmos a Recife. Tinha acabado de sentar, mas mal pude
descansar:

- Ei jovem! Tu que é da juventude, me responde uma coisa: tu vai votar em Bolsonaro? Questionou impaciente uma
senhora por volta dos seus 50 anos. Ela buscava uma validação juvenil para rebater seu amigo, que insistia em
defender uma pessoa por quem a senhora demonstrava ter repulsa.

É engraçado como o lugar de fala diz muito sobre nós. Esse lugar do qual falo não é taxativo – há casos que fogem
ao lugar de enunciação – mas o senhor logo se mostraria bem encaixado no que se presume sobre homens hétero,
branco, loiro, dos olhos claros e cristão. Descobri esse posicionamento do senhor sentado ao meu lado logo que fiz
cara feia e respondi para a senhora: - eu? Eu nunca! Eu tenho sanidade mental ainda!

Quase sem esperar eu terminar, a senhora, que não perguntei o nome, logo olhou pro seu parceiro de conversa e
disse: - não te falei! A juventude universitária de hoje que se informa e que pesquisa não vai votar num candidato
como esse. Ela estava se referindo ao coiso. Ele se virou pra mim. Queria me convencer da figura pública limpa,
isenta de corrupção, ficha limpa.

Eu sempre fui aberto ao diálogo, mas a ingenuidade era tamanha. Como acreditar na pureza de um santo se a
população já vive praticamente uma corrupção estruturante, que vai desde atitudes simples do dia a dia até as altas
cúpulas do governo, desde furar a fila pra ser atendido primeiro até fraudar licitações públicas para adquirir
ilicitamente dinheiro do contribuinte. O coiso vive num mundo paralelo a essas atitudes?

O senhor queria defender seu lugar na estrutura de poder. Queria manter o status quo dos 1%. Mas por que a defesa
se ele não passa de um nordestino, porque quem o coiso diria dar capim para se alimentar? É impossível
compreender que o regionalismo não tenha criado naquele homem um senso crítico e fortificado de identidade
regional. Será que ele se sentia sulista para não ser afetado pelas aberrações de um ser escroto.

Toda vez que eu rebatia seus argumentos, e eu tinha muitos – porque fui treinado para combater fascistoides – ele,
para fugir da inanição, buscava outro motivo para defender o escrotíssimo senhor escroto. Eis que o penúltimo caso
surge: - mas eu acredito nele porque tenho certeza que o exército vai direcionar as coisas pra melhor! Eu não queira
negar meu semblante abismado, mas era impossível esconder a surpresa de ter encontrado alguém que defendia a
militarização da política e do poder público, ou em termos mais fiéis, era impossível não ficar em choque por quem
defendia o fascismo.

Eu consegui esclarecer o quão problemático era as suas falas, os ânimos ainda estava contidos, mas logo isso
mudaria. O senhor se levantou, ficou estressado, não escutava mais tantos rebates da minha parte. Retornou, sentou
mais próximo de mim e atacou, dessa vez, na jugular: - mas é que Bolsonaro defende que as relações devem ser
homens com mulher e vice versa. Essa coisa de homem com homem e mulher com mulher é combatido por Deus.

Só faltava a homofobia para fechar o debate. Eu pensei na minha máxima “eu sou polido, mas educação tem limites”
e fui mais incisivo e combativo. A questão não era mais política, era moral. Os discursos que legitimam a violência
contra gays e lésbicas voltaram mais fortes nesse período eleitoral. O país que mais mata LGBTQ+ acena para o
extremismo contra as minorias, e eu estava no meio desse fogo cruzado.

Todos os argumentos daquele senhor se assemelham a uma população inflamada pelo ódio. Sem argumentos
suficientes e coerentes para defender uma pessoa, eles vão demonstrando o quão preconceituosos são. É como o
próprio coiso disse: “não são obrigados a concordar, apenas convivem”. A violência é iminente. A cidade mais uma
vez me marcava com uma situação conflituosa, e dessa vez minha humanidade estava em jogo – eu precisava me
posicionar, mas meu ônibus chegou. Subi enraivecido, tremendo, buscando forças para ser otimista, apesar de o
contexto ser totalmente desfavorável.

776 PALAVRAS
CRÔNICA 14:

Eu busco forças na pureza das crianças.

Em uma das tantas conversas com meu amigo João, acabei comentando da vontade que tinha de fazer uma
festa em comemoração ao dia das crianças em algum orfanato. Por coincidência também era uma vontade antiga
dele, então acabamos nos juntando para realizar a festa. Tentamos ao máximo para que nossos planos dessem
certos, mas nada parecia colaborar. Era orfanato que não atendia nossas ligações ou não respondia nossos e-mails,
era orfanato que já tinha programação para o dia das crianças, era orfanato que só podia realizar a festa em dias da
semana; era tanto empecilho que dava vontade de desistir.

Por um acaso do destino, João acabou cruzando com duas meninas que estavam vendendo trufas no ônibus
justamente para juntar dinheiro e conseguir realizar a festa de dia das crianças do Lar Amor Infantil. Interessado,
João pegou o contato de Camila e Luiza e repassou para mim a ideia de nos juntarmos a elas para realizar a festa.

Com as coisas todas organizadas para a festa, era só esperar o grande dia 13 de outubro chegar para levar
um pouco de alegria às 33 pequenas criaturinhas que moram no Lar. Ansiosa, eu comentava constantemente que
não via a hora de ver o sorriso de alegria na carinha das crianças.

No dia, vestida de Rainha de Copas (a rainha “vilã” de Alice no País das Maravilhas), com corações vermelho
e preto no rosto e lábios pintados em formato de coração, fui recebida pelas meninas com entusiasmo. Todas
queriam “a boca de coração igual a da tia ali” ou “os corações da tia que é a rainha de Alice” — e a tia, no caso eu
mesma, só faltava explodir de felicidade ao ouvir esses simples pedidos.

Em meio a tantos sorrisos e abraços, a gritinhos de felicidade causados pelo pula e a piscina de bolinhas,
tristes histórias se revelavam em conversas com as organizadoras do orfanato. Tinha menino abandonado pela
família, guri que foi retirada dos pais por problemas dos pais com drogas, bebês que chegaram ao orfanato com
queimaduras de cigarro e pernas quebradas. Era difícil ouvir tantos relatos desse tipo enquanto olhava para aqueles
pequenos humanos tão carinhosos sem se sentir indignada. “Como alguém é capaz de tanta crueldade com um ser
tão inocente?” era tudo que se passava na minha cabeça naquele momento.

Ao fim do dia, ainda que cansada, eu não tinha do que reclamar. O sorriso de cada criança foi gratificante
demais, fez cada segundo daquele dia valer a pena e ajudou a torná-lo inesquecível. Eu, inocente, pensava que
estava indo fazer o bem para os moradores daquele Lar, mas na verdade nem imaginava que o simples ato de me
dispor para passar o dia naquele local iria me fazer tão bem e que o benefício maior seriam elas que iriam fazer para
mim.

Em meio a tantos caos, diante do perigo político que se alastrou no Brasil e da minha descrença com a
humanidade dos seres humanos, foi revigorante uma manhã como a do dia 13 de outubro. Depois deste sábado, a
esperança de que o amor só faz conta de multiplicação, de que o mundo ainda tem jeito e que quem pode dar um
jeito nele são as nossas crianças, principalmente essas que mesmo vítimas da sociedade não perderam a
capacidade de se doar, me acalenta e por isso que, assim como Gonzaguinha, eu fico com a pureza das crianças
para crer “que a vida devia ser bem melhor e será” e também para crer que apesar dos pesares a vida ainda “é
bonita, é bonita e é bonita”!
CRÔNICA 15:

Tudo é político quando você é uma mulher

Meu último namoro acabou em janeiro de 2018. Meu segundo namoro da vida. O primeiro namorado era tão branco
quanto este. Os dois eram barbudos recifenses, e ambas as barbas eram meio ruivas. Um jeitinho idêntico de fazer
lipsync ouvindo música no fone de ouvido. O primeiro namoro acabou porque ele queria relacionamento aberto e eu
não. O segundo acabou por ciúmes de um amigo.

Primeiro namoro, primeira vez, primeiro amor, primeira gaia. Tudo de uma vez. Foi preciso um ano de relação cheia
de decisões impulsivas e muita insegurança para que finalmente alguém mencionasse o fato de que alguma coisa
estava muito errada. Relacionamento aberto é uma coisa, beijar outra pessoa na frente do parceiro ou da parceira é
outra. Demorou esse tempo todo para eu descobrir que isso poderia ter sido combinado desde o começo, de um jeito
que os limites de cada um fossem respeitados. Muito choro, muito esforço, para perceber que eu vivia um tipo de
relacionamento abusivo: amor livre para o homem, às custas do discurso de liberação sexual feminina. Libertário por
essência, típico eleitor do PSOL.

Três anos depois, o relacionamento monogâmico dos sonhos: dias seguidos de convivência, conversas que duram
meses, ninguém precisa de amigos, nem de estudar, nem de contato com o mundo lá fora. Opa. Uma saudade mal
interpretada, foi o estopim para que começasse a troca de palavras agressivas. Eu, acusada de traíra. Todos saem
com o coração ferido. Como explicar que realmente superei uma paixão intensa por uma pessoa, e que hoje essa
pessoa foi promovida a minha melhor amiga? Com muita paixão e um pezinho no autoritarismo, petista convicto.

Nove meses depois, me apaixono novamente. Uma gestação de traumas processados, e muita vontade de acertar.
Mais um cara branco, mais um barbudo. A paixão avassaladora por um eleitor do Bolsonaro, que durou duas
semanas. Foi de compartilhamento de pensamentos e sentimentos profundos, até a descoberta da mentira: disse
para mim que eu o tinha convencido a votar em Ciro no primeiro turno. Domingo de eleição com a canção "Cadê o
isqueiro?" do funkeiro Mister Catra tocando ao fundo, tudo certo, até os brothers dele desmascararem a mentira.
Assim desmorona uma relação sustentada pelo prazer de transformar uma pessoa. Ledo engano. Depois ainda
descobri que nem a única eu era. Antes mesmo de ter tempo de discutir, recebi as mensagens: "não quero mais ficar
com você", "não me sinto bem perto de você".

No coração ninguém manda, é o que diz o único cara não-branco que eu me apaixonei nesses anos, mas que
preferiu parar de me ver a continuar me iludindo com migalhas de afeto, enquanto ele queria apenas esquecer a ex-
namorada com relacionamentos casuais. Não queria que nossos amigos soubessem, não queria se comprometer.
Ele esqueceu da ex meses depois, mas passou direto de mim. Começou a namorar uma pessoa nova, tão parecida
com a ex como meu segundo namorado parecia com o primeiro. Acontece. Foram juntos para os rolês dos nossos
amigos, foram juntos de estrelinha vermelha na camiseta votar em Haddad no primeiro turno das eleições 2018. Que
sonho!

Freud com certeza me ajudaria a justificar os motivos pelos quais eu escolho brancos de barba, que normalmente
aprontam alguma furada. Ou que eles me queiram mais facilmente do que negros e índios, vai saber. Barbudos
subjugam índios desde 1500 neste território, deve ter algum motivo pelo qual eu, uma menina branca de esquerda,
assusto eleitores de Bolsonaro, sou sumariamente rejeitada pelo índio, enquanto um negro bem intencionado na
paquera fala comigo no Whatsapp neste momento mas eu só consigo tratar ele como amigo, apesar de solteira e
carente. Se tenho que acreditar num mito, escolho acreditar e nunca esquecer o quanto afeto e política são
inseparáveis na vida real, e principalmente na paquera. Mas uma bobagem que não compro é que no coração
ninguém mande.
CRÔNICA 16:

Nem todo menino nasce para o futebol

Pronto! Agora a família ficou completa. homenzinho nasceu, pele clara, cabelo liso e nariz um pouco grande, que
lembra os avós. Vai ser jogador de futebol? Claro que sim! Compra chuteira, calção e meião, aproveita e matrícula o
pirraia na escolinha de futebol do bairro, os primeiros passos para se firmar como jogador. Chegou o grande dia. Um
teste em um clube profissional, todo mundo se mobiliza “vamos acompanhar o Rafael jogar no Náutico!” “Esse
menino tem futuro”, puxou ao tio - ex jogador profissional, que desistiu da carreira porque viu que não dava dinheiro
rápido. Time “b” de Futsal do Náutico, banco de reservas. As condições do menino eram difíceis. Não tinha pai e nem
ninguém que pagasse ao treinador para que ele jogasse mais de cinco minutos. Desistiu do Náutico. A mãe dele
insistiu, ela é gente fina, onde chega faz amizade e, logo, conquistou o coração dos pais que acompanhavam seus
filhos no time “b” de Futsal do Timbu. Mas o garoto não ligava, apesar da pouca idade já dava indícios que mandava
na vida dele e não tinha mãe gente fina que mudasse a sua cabeça. Do Náutico foi para o Futsal do Santa Cruz, mas
não vingou. Saiu de tudo. Anos depois voltou a jogar para alegria da família. Agora, o avô era quem acompanhava o
garoto. O menino no seu primeiro dia de treino, no CT do Náutico na Guabiraba, já demonstrou sua personalidade
arrogante, dentro e fora de campo. Passou um tempo e mais uma vez não conseguiu se firmar, Rafael queria ser
atleta de primeira linha, sem antes suar na academia, sem treinar duro e sem respeitar ao próximo. Hoje ele joga de
vez em quando e acompanha futebol pela TV. Terminou o ensino médio e por birra não fez vestibular. A mãe dele
continua uma pessoa muito querida, amada por muita gente da comunidade que eles vivem, mas para Rafael isso
pouco importa. Ele agora quer dinheiro para sair, sapato Nike Air Max e relógio de marca. Sua maior inspiração não
é sua mãe, mas um cantor de funk, que canta “riqueza pra coroa, uma casa daquelas, posso até ficar rico, mas eu
que sou favela”. A mãe faz tudo pelo menino, além dos mimos, lava, cozinha e coloca até a comida no prato para ele.
Em troca, recebe de Rafael um, dois, três palavrões. Sem falar nos diversos “cala boca e tá passando na cara?”
quando dona Eliane vai colocar para fora tudo que já fez por ele. Eu fico observando do quarto, todos os dias a
mesma situação, som alto, o almoço na mesa, a cueca não lavada na pia do banheiro, as ordens dele para com ela e
eu não posso fazer nada. Outro dia mainha disse: “às vezes me bate um ódio de Rafael, mas eu peço a Deus que tire
isso de mim porque esse sentimento só faz mal para minha saúde. Letícia, quando ele morrer, homens de preto vão
puxar o pé dele. Ele é uma pessoa muito ruim”. É, ele é.
CRÔNICA 17:

UM LEGADO DE RESISTÊNCIA

Era uma sexta-feira de abril. A barra do dia que se formava no horizonte, com seu bailar de cores quentes,
carregava consigo o prenúncio de que o grande momento havia chegado. Ah, doce manhã de outono, a nos inspirar
com ventos prósperos de outubros passados. Mas antes mesmo do romper da aurora, nosso quartel-general (um
apartamento de poucos metros quadrados no bairro da Várzea) já estava desperto. Às três da madrugada nosso
pelotão, formado por jovens sonhadores munidos apenas da esperança de um futuro melhor, se preparava para fazer
parte de uma das mais importantes mobilizações da história do país. Num caixa de som a meio volume no canto da
sala, Mercedes Sosa ditava o compasso de nossos corações. “Métale a la marcha, métale al tambor, métale que
traigo un pueblo en mi voz” ecoava como um mantra, penetrando por todos os poros.

Entre um gole e outro de café, não tão amargo quanto a conjuntura que se desenhara desde o golpe de
Estado sofrido pela presidenta Dilma Rousseff, recordei do tamanho da responsabilidade que recai sobre nossa
geração. Fosse noutro contexto, no Brasil de algumas décadas atrás, talvez não fosse de estranhar as metáforas
militarizadas de que faço uso. Num cenário de exceção e supressão de direitos fundamentais, era preciso responder
à altura. E foi assim, em meio à guerrilha urbana, que nos levaram Marighella, Lamarca, Soledad Barrett, Helenira
Rezende e mais uma extensa lista de camaradas que colocaram suas vidas à disposição da militância, em busca da
transformação da sociedade. A nós, revolucionários e herdeiros desse legado, não caberia fazer menos do que isso.

Mas agora as circunstâncias são outras. Após a transição lenta, gradual e segura, que nos brindou com esse
protótipo atual de democracia, a guerra se tornou velada e o inimigo cada vez mais turvo. Divididos em pequenas
brigadas, após um café-da-manhã reforçado seguimos para nossos postos de corpo e alma alimentados.
Acompanhei a equipe que reforçou os piquetes em frente às garagens junto aos rodoviários, categoria indispensável
quando se trata de uma greve geral efetiva. Várzea, Curado, São Lourenço da Mata e Guabiraba foram os pontos de
bloqueio pelos quais passamos. Em todos eles, a adesão era unânime e as boas-vindas de sorriso no rosto. Em
contato com outros companheiros por telefone, confirmamos o esperado: a paralisação estava dada, zero ônibus nas
ruas.

Com esse álibi ainda bem antes das oito da manhã, horário em que iniciava minhas atividades no trabalho,
somado a uma pitada de dramaticidade, não foi lá muito difícil convencer a chefia da impossibilidade de me deslocar
naquele dia. Foi então que, esquivando-me de qualquer câmera alheia no caminho que pudesse desarmar meu
argumento, rumei ao encontro dos milhares de manifestantes que tomavam as ruas do centro do Recife, num dos
maiores atos de rua da história de Pernambuco. E pude compreender, ao esbarrar em cada rosto negro, em cada
corpo feminino insubmisso, em cada LGBT fora do armário, que mesmo que tentem nos oprimir e calar nossa
rebeldia, de uma forma ou de outra, a herança dos que tombaram ainda permanecerá viva entre nós.
CRÔNICA 18:

Todos os dias, assim que acordo, pego logo o celular para checar mensagens. Mas ultimamente minha principal
preocupação ao pegar no celular tem sido checar se a democracia ainda segue firme e mais ou menos forte no
Brasil.

No feriadão mesmo, dia de nossa padroeira, parti numa viagem com amigos. Por lá, entramos num pacto para o bem
de todos e saúde mental da nação, “aqui ninguém fala de política”. A proposição parecia justa, já que os últimos dias
de corrida presidencial têm sido de completo esgotamento mental para nós que somos jovens e vivemos (ainda)
como nossos pais.

Mas era quase impossível segurar os comentários sobre a conjuntura política e o tremendo receio que todos ali
compartilhavam, estabelecemos, então, a regra: “quem falar de política ou citar o salnorabo, lava a louça do almoço”.
Internamente, todo mundo sabia que o pacto seria descumprido.

A verdade é que as menções indiretas e os papos tangentes fomentaram boa parte das discussões da galera, mas
no final ninguém foi obrigado a lavar a louça. Mas bem que eu poderia ter lavado.Talvez pela quantidade de vezes
que, automaticamente, coloquei o dedão no leitor de digital do celular descarregado na espera de ver os burburinhos
nos grupos do zap.

Pra mim, a dieta anti-estresse precisou de mais cortes. Isso porque, antes de buscar meu refúgio político junto dos
meus companheiros, uma crise de tendinite atacou minha mão direita, provavelmente pelo aumento das horas que
passo segurando meu celular. Recentemente, o uso mais intenso do aparelho chegou para essa jovem estudante de
jornalismo ansiosa demais e com o enorme peso de “entender política” nas costas. Na tentativa de se manter bem
informada, tadinha, parece queimar os neurônios lendo vorazmente o maior número de notícias, artigos, matérias,
materiais e ainda tenta dar uma militada de leve no WhatsApp diariamente.

Considerando tudo isso, e como boa jovem universitária, aproveitei a viagem para suspender o uso do meu celular.
Em partes foi mesmo porque queria me livrar dessa pressão toda e apenas fingir que nada ta acontecendo enquanto
eu curto uma prainha e a farra com os amigos.

No sábado, já na madrugada, acordei com calor, me remexi na rede e despertei quando senti um aperto no peito. Foi
quando me dei conta que acordei preocupada com a política nacional no meio de um feriadão. Inquieta, ainda tive
que quebrar o regime do celular.

A própria demora de procurar o carregador em silêncio na sala onde dormiam mais 6 pessoas sem acordar ninguém
já foi alertando para um pressentimento. Depois de achar o carregador e o celular, ainda precisei esperar um
tiquinho para conseguir romper minha bolha relax do feriadão. Sem conseguir sinal de internet, a angústia foi
crescendo.

Tudo que eu queria às 3:40 da madrugada era descobrir que eu não tinha mesmo com o que me preocupar, queria
perceber que as eleições de 2018 foram só um pesadelo horrível e voltar a dormir. Infelizmente, continuei com o
medo de voltar de viagem e descobrir que a democracia tirou férias e já quer emendar a aposentadoria.

Consegui saber do anadar da carruagem depois que acordei dois amigos pedindo um celular emprestado e
alegando, em minha defesa, que tive um mal pressentimento com minha família, afi al, não queria lavar a louça. E
nada do que vi chegou perto de um pesadelo, é tudo muito pior.
CRÔNICA 19:

Devo trocar meu diploma por um certificado do WhatsApp?

Como já dizia um antigo trovador solitário, o mundo anda muito complicado. Chegamos a um momento de
“transcendência”, no qual, qualquer pessoa pode ser especialista no que quiser em um curtíssimo espaço de tempo.
A atualidade nos mostra uma crescente descrença nas autoridades formais dos campos de conhecimento, além da
tentativa de deslegitimar a academia como produtora de conhecimento.

O WhatsApp e as demais redes sociais se tornaram as Universidades e as correntes disseminadas as bases teóricas
para todo conhecimento que possa ser considerado válido. A nossa 'evoluída’ sociedade finalmente entendeu que
não existem valores de verdade absolutos, exceto aquele vídeo que traz uma verdade libertadora que os meios de
comunicação de massa não querem que saibamos retirado do YouTube e enviado pelo tio do pavê das festas de fim
de ano nos grupos de família.

Em épocas como esta em que a disseminação massiva das fake news têm sido de fundamental importância para a
construção do pleito que elegerá o próximo presidente, a omissão é uma estratégia muito perigosa, da qual decidi
não compartilhar.

Ultimamente, tenho me manifestado mais nas redes sociais do que o que meu costumeiro status de stalker permitiria.
Muito em detrimento da ojeriza ao fascismo que se esgueira tentando tomar conta do governo. Então, na posição de
historiador e aspirante a jornalista, não pude me conter. Pois bem, durante as dezenas, ou até mesmo centenas, de
embates ideológicos ocorridos até o momento em que escrevo estas linhas, algo que foi extremamente comum é o
descrédito que me foi dado quando me apresentava em uma das funções que já exerci.

Em temas relacionados à História, quando me apresentava como historiador e colocava a narrativa presente em uma
parte do arcabouço construído em anos de estudo curioso que virou profissão, era chamado de parcial, de socialista,
de comunista e até de mentiroso, inclusive por – vejam só – membros dos grupos de família e dos amigos da época
de colégio e sempre em caixa alta, obviamente.

- MAS NÃO FOI ISSO QUE EU VI O KIM (KATAGUIRI) DIZER NO CANAL DELE NO YOUTUBE, disse um
conhecido.
- NÃO FOI ISSO QUE MEU PASTOR DISSE, colocou um amigo da época da escola.

Quando me colocava como estudante de Jornalismo, as coisas não melhoraram. Afirmações como “a mídia não é
isenta”, “todo mundo tem um interesse” e acusações de que fui doutrinado pela Universidade que é um reduto da
“esquerdopatia” - sim, ser de esquerda no país virou sinônimo de doença para muitos - e do marxismo cultural que
faz uma lavagem cerebral na garotada.

A crise institucional que vivemos, em muito fomentada por um monstro criado pela negligência de setores que
encararam um político de raiz antidemocrática como uma piada, nos levou a falta de crédito geral em todos os tipos
formais de conhecimento e informação e a elevação das correntes em redes sociais e vídeos descontextualizados
como dogma quase tão inquestionável quanto as verdades eternas do Cristianismo.

Tenho o firme propósito de continuar meu trabalho de formiguinha tentando alertar o perigo que essa negação do
conhecimento e da ciência nos impõe estando pronto para ouvir que estou mentindo. Sempre que posso aviso aos
incautos sobre os perigos das notícias falsas e da necessidade da busca de checar as fontes para não se deixar
levar por ódio e mentiras em decisões tão importantes como os rumos de um país.

Até ia continuar vos escrevendo, mas chegou uma notificação aqui, acho que deve ser alguém me respondendo.
Vejamos: “Nunca li tanta merda escrita em um comentário tão curto. Vai estudar, seu doutrinado! #FORAPT”.

Realmente, Renato… O mundo anda muito complicado...


CRÔNICA 20:

Fugacidade

Quando criança costumava imaginar fugas que transcendiam o imaginário. Atentava para as diversas possibilidades
ofertadas pelo mais intimo e visceral desejo de fugir, esconder ou reprimir algo. Transmutava o real no irreal, tal como
se o eu fosse desconhecidamente construído pelas oscilações oníricas, tal como se o eu não pertencesse a mim. Via
o destrinchar da vida pela fresta de uma porta, na qual ora passavam trevas ora passava luz. Assustava-me com os
contratempos que os olhos -fatigados de sonhos - contemplavam. Sentia a alegria putrefata de viver. Trem de vidas e
vivências, nonde cada trilho remetia histórias. Permanecia jovial, mas o decorrer dos trilhos arrebatava-me a
momentos futuros, vistos como o destino traçado em mãos. Incertos, imprecisos. Taromancia de incertezas
acreditáveis e possíveis. Linhas de uma estrada desconhecida, mapeadas pela esperança e o acaso. Acaso que viria
concretizar nas rodovias da alma, entre trilhos, estradas e veredas longínquas. Eis que os traços das mãos surgiam,
codificados numa língua conhecidamente desconhecida, exclusivamente descodificada pela moça que se esforçava a
ler. Leitura cética, descontrolada, trêmula como uma mão que estirada se desequilibrou. Corda bamba interligando
duas vidas, a guiada e a da guia. Tal como soubesse o caminho desvendado pelas minhas mãos, permiti-me a
ousadia de caminhar. Vendado e temente, prolongava os passos. Ansiava chegar ao inalcançável. E por ironia,
cheguei. Agora, desvendado, vejo que retornei a fresta e que minha tempestuosa vontade de fugir, fizera-me
imaginar tudo. Percebo que nunca sai de lá, permaneço a forçar os olhos para ver através da fresta. Andei em
círculos. Criei estórias, personagens, mas estou ciente que não me movi. Fora tudo fruto de minha ansiedade de
fugir. Paro, permaneço imóvel e noto pela fresta, a vida lá fora, a sorrir.
CRÔNICA 21:

Se der certo deu, se não deu, finja demência

Meu ponto de parada se aproximava, comecei a guardar o celular e o fone de ouvido na bolsa para sair do ônibus
com calma. Estava sentado na cadeira mais alta próxima a porta traseira. Fecho o zíper da bolsa, olho para cima, vejo
um rosto familiar, era o menino do Tinder. Desvio o olhar, olho pra baixo. Não aguento, olho novamente, mas dessa
vez me volto para suas mãos. Eram as mesmas mãos que em uma das fotos no aplicativo ficavam próximas ao seu
rosto.

A parada chega, levanto tentando não olhar novamente para ele. Será que teria me reconhecido? Por que estava em
pé bem na minha frente? Ah, ele também vai descer e agora espera junto comigo que a parada chegue e que a porta
se abra. Os segundos parecem intermináveis, enquanto o ônibus freia dou mais uma olhada para ter certeza se era
ele mesmo. Era. Ele existia. Desci com pressa, mas tentando ver para onde teria ido.

Na minha cabeça pensava em todas as conversas que nunca chegaram em canto nenhum, mas que me fizeram
alimentar afeto por um estranho. Que coisa esquisita era ter conhecido ele em um aplicativo de relacionamentos.
Que romântica foi a segunda conversa quando perguntei o que estava fazendo e ele me respondeu “tô bebendo,
chuchu”.

O fato é que, do mesmo jeito que a gente começou a conversar depois de um match, a gente parou antes do match
ser desfeito. Simplesmente ninguém falou nada, é como se nada tivesse acontecido. Perdemos interesse. Não
armazenamos fotos, nem somos amigos nas redes sociais. Se não fosse pela lembrança, era fácil dizer que nunca nos
conhecemos. Esta parece ser a tônica das relações dos jovens atuais: se der certo deu, se não deu, finja demência.

O mais intrigante era perceber que mesmo sabendo alguns gostos um do outro, não íamos ter coragem de dar no
mínimo um “oi”. Esse sentimento é frequente, vejo pessoas diariamente com quem nunca falei, mas que são as mais
presentes na minha timeline. Sei tanto sobre elas que me identifico, crio abuso, admiro e consigo até inferir quais
assuntos nos aproximariam numa conversa. Entretanto, provavelmente vou passar no corredor e fingir que nunca
nem vi.

Por outro lado, me sinto tão íntimo, tão íntimo que só queria parar, dar um abraço e dizer que entendo a bad que
ela passou com o boy no ferido, mas tudo vai ficar bem. Só que não, são duas modalidades de amizade diferentes:
uma virtual e outra real. Contudo, não sei se essas coisas estão tão separadas assim.

As relações líquidas, tão citadas nas redações do Enem, nunca foram tão presentes desde que conheci o Tinder. Não
me importo o suficiente para deixar que elas se solidifiquem, mas também gostaria que durassem mais. Enquanto
espero a solução para a solteirice, volto a girar o cardápio humano para tornar mais um desconhecido conhecido.
Quem sabe se, nos matchs que a vida dá, alguém pode mudar de ideia e me procurar. Vou esperar.

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