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A Educação Cristã na Educação de

Hoje

Ruben de Freitas Cabral


Setembro de 2000

The mind is its own place, and in it self


Can make a Heav’n of Hell, a Hell of Heav’n.
John Milton
Paradise Lost

Talvez John Milton tenha razão. A literatura que tem saído da investigação
sobre o funcionamento do cérebro, tende a definir a mente como aquilo que o
cérebro faz. Ora o cérebro constrói a mente, de certo modo, a partir de
estímulos, e esses provêm do processo a que geralmente chamamos educação.
Convém perguntar: como estamos a estimular os nossos jovens? Que estímulos
preferimos nós mesmos, como pais, educadores, ou simplesmente como
mentores?

É pergunta, todavia, que raramente fazemos. Preocupamo-nos muito


mais com os procedimentos do processo educativo do que propriamente com a
génese, desenvolvimento e alimentação desse mesmo processo. É mais fácil. É
mais cómodo. É menos responsabilizante. Se vivemos em comunidade porque
não escolher uma série de procedimentos que seja comum à formação dos
jovens? Uma mesma série de livros, uma mesma ficha que os guie na sua
interpretação, um mesmo exame que afira se os nossos rapazes e raparigas
sabem aquilo que deveriam saber?

Só que uma comunidade não é, de modo algum, um aglomerado de


clonos mentais, mas um lugar vivo de pessoas únicas e pensantes. Pessoas
com mentes. Mentes que se vêem como um lugar de descoberta. Descoberta
que tende para o maior bem comum e para a transcendência. Uma educação
desenvolvimentista parte inevitavelmente do princípio de que o amanhã poderá
(e deverá) ser melhor do que o hoje, e isso só me parece possível se essa
educação se basear mais em processos que em procedimentos, mais na
descoberta que na mecanização (por muito racional que esta seja), mais na
liberdade da pergunta que no acanhamento da resposta. Acima de tudo, o
processo educativo deve partir para a compreensão do sentido da vida.

A racionalidade leva-nos, quando muito, a pesquisar os porquês e os


comos da fenomenologia do cosmos. Raramente nos leva à percepção das
finalidades. Se a causa da nossa existência é uma pergunta interessante e útil,
aquilo que podemos fazer com essa mesma existência abre-nos para um vasto

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horizonte de possibilidades. É aqui que a educação cristã, quando verdadeira
educação e quando verdadeiramente cristã, pode ajudar os jovens a
estruturarem-se como pessoas capazes de transcender os limites da sua própria
racionalidade escolarizada.

O cristianismo não parece viver de análises, nem talvez de sínteses, mas


desafia-nos a viver na complexidade de um mundo que se quer, pelo menos,
mais democrático, mais justo, mais livre; ou se olharmos para além dos
horizontes operacionáveis, um mundo fundamentado no amor, na fé, na
esperança. É-nos possível, como pessoas, caminhar para qualquer destes
horizontes. Não me parece, todavia, que saibamos construir sociedades que
tenham como horizontes o amor, a fé e a esperança, mas para lá caminhamos.

Como estruturar, então, uma educação cristã que dê sentido à educação


de hoje? Gostaria de apontar três vectores:

 O desenvolvimento da espiritualidade: Sabemos do valor que o


processo educativo dá ao desenvolvimento cognitivo. Aprendemos mais
recentemente acerca da importância que a dimensão afectiva da
inteligência tem no desenvolvimento cognitivo. Pouca, ou nenhuma
importância tem sido dada, no entanto, à espiritualidade como processo
de desenvolvimento. Ora, parece-me que é sobretudo através da
espiritualidade que podemos chegar à percepção do sentido das coisas. A
espiritualidade como processo de desenvolvimento não pode reduzir-se a
um receituário prescritivo, sob o perigo de se desvirtualizar; mas deve
potencializar-se na descoberta dessa dimensão que nos pode levar à
transcendência. A espiritualidade cristã permite-nos e encoraja-nos a
perseguir essa descoberta pessoal e colectiva.

 A visão ecuménica da vida: Não há dúvida que a humanidade habita um


mesmo lugar, mas nem todos vivem na mesma casa. O acto consciente
de viver implica opções, pois não nasce do acaso ou da contingência.
Essas opções têm levado a que alguns optem por um quarto dessa casa,
outros por outro. A casa espiritual é, todavia, a mesma, se bem que as
tradições da espiritualidade possam ter matizes diferentes. Esses matizes
servem-nos de referências na construção da nossa espiritualidade,
porque nos enriquecem ao abrirem-nos outros horizontes possíveis. Uma
educação cristã tem de ser isso mesmo, cristã: aberta como Cristo à
singularidade da pessoa humana e das suas expressões e à partilha com
os outros numa mesma comunidade.

 A vida sentida como um testemunho: Se a espiritualidade nos pode


levar a uma interiorização das percepções para uma construção do
sentido, e se uma visão ecuménica da vida nos desafia à partilha desses
processos, a vivência cristã impele-nos a que vivamos vidas que
testemunhem aquilo em que acreditamos. Ora o testemunho não é algo

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formatado e determinista, mas nasce da alegria da descoberta contínua
do que significa ser-se cristão e construir um mundo melhor.

A educação cristã não se opõe necessariamente à educação de hoje,


mas deve complementá-la, dar-lhe sentido, transcendê-la. Deve desafiar as
crianças e os jovens a abrirem-se à vida com o fim de integrá-la, de percebê-la e
de potencializá-la como Cristo quer que o façamos.

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