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Universidade Sul de Santa Catarina

Direito das
Relações de
Consumo

UnisulVirtual
Palhoça, 2015
Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul


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Vice-Reitor
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Eliza Bianchini Dallanhol
Roberto Mattos Abrahão

Direito das
Relações de
Consumo

Livro didático

Designer instrucional
Marcelo Tavares de Souza Campos

UnisulVirtual
Palhoça, 2015
Copyright © Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por
UnisulVirtual 2015 qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista
Roberto Mattos Abrahão

Designer instrucional
Marcelo Tavares de Souza Campos

Projeto gráfico e capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramador(a)
Frederico Trilha

Revisor
Jaqueline Tartari

ISBN
978-85-7817-771-3

342.5
A13 Abrahão, Roberto Mattos
Direito das relações de consumo : livro didático / Roberto Mattos Abrahão
; design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2015.
57 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-771-3

1. Defesa do consumidor. 2. Contratos. 3. Consumo – Aspectos


jurídicos. I. Campos, Marcelo Tavares de Souza. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Introdução  | 7

Capítulo 1
Introdução ao Direito do Consumidor | 9

Capítulo 2
Qualidade de produtos e serviços | 21

Capítulo 3
Práticas abusivas e proteção contratual | 33

Capítulo 4
Tutela do consumidor | 43

Considerações Finais | 55

Sobre o professor conteudista | 57


Introdução

O Direito do Consumidor é um ramo novo do Direito que atravessa o Direito


Privado e o Direito Público. Essa área visa a tutelar, ou seja, proteger os interesses
individuais e coletivos dos consumidores em todas as suas relações jurídicas
frente ao fornecedor, que é um profissional, empresário ou contratado.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/90, é um texto aberto,


pois determina que os direitos nele previstos

[...] não excluem outros direitos ou decorrentes de tratados ou


convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como dos que
derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e
equidade. (Art. 7º, CDC).

No que se refere à legislação e ao regime jurídico da defesa do consumidor, vale


lembrar que a proteção ao consumidor é um direito fundamental do ser humano e
um dos fundamentos da organização econômica brasileira.

O consumidor é presumido pela lei como a parte mais fraca da relação de consumo.
Por isso, fala-se em vulnerabilidade do consumidor, pois, no mercado de consumo,
o fornecedor detém com exclusividade as informações sobre os bens e produtos e a
decisão sobre quando, onde e como disponibilizá-los para o consumidor.

Diante disso, o legislador visou a reequilibrar a situação de desigualdade, não só


a desigualdade econômica, como também a desigualdade no poder de decisão
que existe entre consumidor e fornecedor, do qual os convido para conhecer
nesta pequena obra que acabamos de escrever.

Com este livro, você terá a oportunidade de aprofundar seu aprendizado sobre
os direitos difusos e coletivos. Conhecerá a origem deste assunto, a legislação
pertinente e as influências internacionais e nacionais para a sua implantação no
Brasil. Acompanhará, por meio da leitura dos oito capítulos que o compõem,
as proteções dispensadas aos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, e a problemática da viabilização da defesa dos interesses
metaindividuais no Brasil por intermédio da Ação Civil Pública. O objeto deste
estudo é complexo, uma vez que a terceira geração de direitos, da qual fazem
parte os interesses metaindividuais, criou algumas dificuldades práticas,
mormente processuais, que, inicialmente, tornam impossível a defesa judicial
desses interesses. A ideia central deste livro consistiu em demonstrar como
o ordenamento jurídico pátrio tornou possível a defesa judicial dos interesses
metaindividuais. Optouse por realizar, primeiramente, uma evolução histórica do
desenvolvimento dos direitos em âmbito mundial, até a concepção da terceira
geração. Destarte, primeiramente tratou-se da evolução dos direitos fundamentais
do homem na esfera mundial até a concepção dos direitos que compõem a
terceira geração, passando pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Ainda nessa parte, fez-se referência aos reflexos desse fenômeno no Brasil,
com o reconhecimento e a viabilização da tutela dos interesses metaindividuais.
Posteriormente, foram abordados os aspectos gerais da tutela coletiva e da
ação civil pública, tais como o objeto, legitimidade ativa e passiva, provimentos
jurisdicionais, competência e coisa julgada, sendo que essa última matéria se
mostrou mais tormentosa, apresentando dificuldades até mesmo na esfera
Constitucional. Este material possibilitará a análise dos reflexos do surgimento
dos direitos chamados de metaindividuais em nosso país, com a criação da Ação
Civil Pública e a efetiva possibilidade de defesa dessa nova categoria de direitos.

Prof. Roberto Mattos Abrahão

8
Capítulo 1

Introdução ao Direito do Consumidor


Roberto Mattos Abrahão

Neste capítulo, você conhecerá as bases constitucionais dos direitos que regulam
as relações de consumo, os princípios fundamentais do Código de Defesa do
Consumidor, os direitos básicos do consumidor, o campo de aplicação do Código
e as demais fontes jurídicas com as quais ele dialoga.

As seções a seguir pretendem destacar os pontos de maior relevância neste estudo.

Seções de estudo

•• Seção 1: Noções introdutórias


•• Seção 2: Princípios fundamentais do Código de Defesa do
Consumidor
•• Seção 3: A Lei n. 8.078/90 e os direitos básicos do consumidor
•• Seção 4: Campo de aplicação do CDC
•• Seção 5: Diálogo das fontes

Seção 1
Noções introdutórias
O Direito do Consumidor, ramo novo do Direito, é uma disciplina que atravessa o
Direito Privado e o Direito Público. Este ramo visa a tutelar, ou seja, proteger os
interesses individuais e coletivos dos consumidores em todas as suas relações
jurídicas frente ao fornecedor, que é um profissional, empresário ou contratado.

9
Capítulo 1

Há três formas de introduzir o Direito do Consumidor:

•• por meio da introdução sistemática, que é por intermédio da


origem constitucional, com uso do sistema de valores imposto pela
Constituição da República de 1988;
•• por meio da introdução dogmático-filosófica, que se utiliza da
filosofia da proteção dos mais fracos ou do princípio tutelar (favor
debilis); e
•• por meio da introdução socioeconômica inserida no estudo das
sociedades de consumo de massa atuais, na visão econômica
dos mercados de produção, na distribuição e no consumo, que
destacam a importância da regulação especial do consumo.

De maneira resumida, temos que a introdução sistemática, portanto, é aquela que


tem como fatores principais a importância do mandamento constitucional e a força
normativa da Constituição, chegando-se ao conceito de Direito Privado Solidário.

Por sua vez, a introdução dogmático-filosófica é aquela que toma os fatores


favor debilis e a igualdade material como vetores axiológicos, ou seja, como
princípios inquestionáveis.

E, por fim, a introdução socioeconômica traduz a ideia da falácia do consumidor


como “rei” do mercado, bem como traz à baila a massificação da produção, que
leva à vulnerabilidade do consumidor.

Para solidificar, é importante mencionar novamente a importância do Direito do


Consumidor como disciplina autônoma e obrigatória nas faculdades.

Seção 2
Princípios fundamentais do Código de Defesa
do Consumidor
Um ponto importante ao qual você deve prestar atenção é a integração do
sistema normativo-jurídico de proteção ao consumidor. O Código de Defesa
do Consumidor (CDC), Lei n. 8.078/90, é um texto aberto, pois determina que os
direitos nele previstos

10
Direito das Relações de Consumo

[...] não excluem outros direitos ou decorrentes de tratados ou


convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como dos que
derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e
equidade. (Art. 7º, CDC).

Outro ponto a ser relevado é o princípio da transparência ou da confiança. No


âmbito jurídico, a informação apresenta dupla face: o dever de quem fornece o
produto ou serviço de informar e o direito do consumidor de ser informado, por ser
considerado pelo CDC parte vulnerável na relação de consumo. A informação deve
ser adequada e clara sobre o produto ou serviço, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem (art. 6º, inciso III, e art. 31, CDC). Deve-se, portanto, evitar a
propaganda enganosa ou abusiva (art. 6º, inciso IV, CDC), ou mesmo fantasiosa ou
exagerada do produto ou serviço, mesmo que sem a intenção de prejudicar.

Tão importante quanto o princípio da transparência é o princípio da boa-fé


objetiva. A política nacional de relações de consumo (art. 4º, CDC) tem como um
dos princípios a

[...] harmonização dos interesses dos participantes das relações


de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com
a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico,
de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica (Art. 170 da CRFB), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (Art.
4º, inciso III, CDC).

O princípio da boa-fé, portanto, propugna o justo equilíbrio nas relações negociais


consumeristas, em uma correta harmonia entre as partes, em todos os momentos
relativos à prestação de serviços e ao fornecimento de produtos.

Mas em que momento aplica-se o princípio da boa-fé objetiva?

De acordo com o enunciado 25 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na I


Jornada de Direito Civil em 2002, o princípio da boa-fé poderá ser aplicado pelo
julgador nas fases pré-contratual e pós-contratual. O enunciado 26 reitera que
a boa-fé objetiva é exigência de um comportamento de lealdade dos sujeitos da
relação negocial, em todas as fases do negócio.

O Quadro 1.1, a seguir, ilustra a diferença entre boa-fé objetiva (princípio


consagrado no CDC) e boa-fé subjetiva.

11
Capítulo 1

Quadro 1.1 – Distinção entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva

Boa-fé subjetiva Boa-fé objetiva

Plano psicológico dos agentes da Plano concreto da atuação humana.


relação jurídica.

Restringe-se à intenção do sujeito na Concretização da vontade dos sujeitos


relação negocial. da relação no mundo exterior por meio
de suas condutas.

Fonte: Elaboração do autor (2015).

Seção 3
A Lei n. 8.078/90 e os direitos básicos do
consumidor
No que se refere à legislação e ao regime jurídico da defesa do consumidor,
vale lembrar que a proteção ao consumidor é um direito fundamental do
ser humano e um dos fundamentos da organização econômica brasileira. O
legislador procura incentivar a concorrência entre as empresas, levando em conta
que o interesse daquele que adquire produtos e serviços é essencial. Nossa
legislação toma por base a relação desigual entre fornecedores e consumidores,
procurando garantir a igualdade entre eles.

O principal diploma que trata das relações de consumo é o Código de Defesa do


Consumidor (Lei n. 8.078/90). Como já vimos na seção anterior, outros direitos
podem ser criados por:

•• tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário;


•• legislação interna ordinária;
•• regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes;
•• normas que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade (art. 7º, CDC).

12
Direito das Relações de Consumo

3.1 Direitos básicos do consumidor


O inciso I do artigo 6º do CDC, que trata da proteção à vida, à saúde e à
segurança do consumidor, confere tutela aos direitos mais básicos que têm
a pessoa humana. Por esse motivo, os produtos e serviços colocados no
mercado de consumo não poderão acarretar riscos à saúde ou à segurança dos
consumidores.

São aceitos riscos considerados normais e previsíveis em decorrência da natureza e


fruição do produto ou do serviço, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese,
a dar informações necessárias e adequadas a seu respeito (art. 8º, CDC).

Conforme prevê o inciso II do artigo 6º do CDC, o direito à liberdade de escolha


e à igualdade de contratação está consolidado tanto na fase contratual
quanto na fase pré-contratual. Tal direito diz respeito à publicidade e a práticas
comerciais abusivas, a fim de combater a discriminação de consumidores.

Considerando que, na maioria das vezes, é o fornecedor que detém todas as


informações sobre os seus produtos e serviços, o CDC estabelece o direito de
informação. O fornecedor tem, portanto, o dever de informar ao consumidor
sobre a segurança dos produtos e serviços colocados à disposição. Trata-se do
direito preventivo geral, voltado a evitar qualquer dano ao consumidor, seja ele
físico ou material. Compreende os direitos de:

•• educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e


serviços (art. 6°, II, CDC);
•• informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com todas suas especificações (art. 6º, III, CDC);
•• informação clara e ostensiva sobre a nocividade ou periculosidade
dos produtos e serviços (art. 9º, CDC).

Os princípios da transparência e da boa-fé objetiva são corolários que asseguram


ao consumidor a liberdade de escolha e igualdade nas contratações, sem que sua
situação de vulnerabilidade favoreça o fornecedor. Decorre disso que deve ser
promovida a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem como
contra métodos comerciais coercitivos e desleais, e contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas ao fornecimento de produtos e serviços.

O direito à modificação contratual (revisão por onerosidade excessiva) deve


estar assegurado ao consumidor sempre que houver cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais. Em casos assim, o consumidor pode
pleitear sua modificação ou revisão, seja diretamente ao fornecedor, seja por meio
da atuação do Poder Judiciário. As duas situações que permitem a revisão são:

13
Capítulo 1

•• contrato já continha disposição desproporcional;


•• fatos supervenientes tornaram a prestação excessivamente onerosa.

O contrato será preservado; somente será modificada a parte desproporcional.


O contrato apenas será cassado se for impossível sua manutenção. Caso o fato
imprevisível torne o contrato desproporcional, poderá ser aplicada a teoria da
imprevisão, a fim de desfazer o contrato.

O direito à prevenção e à reparação de danos morais e materiais


(desconsideração da personalidade jurídica) assegura ao consumidor a efetiva
(total) prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, permitindo,
inclusive a quebra da dogmática da separação patrimonial entre a pessoa jurídica
e seus sócios, conforme o disposto no artigo 28 do CDC.

O direito à proteção judicial garante o acesso à justiça e a inversão do ônus


da prova. Assegura-se, assim, o amplo acesso ao Poder Judiciário para pleitear
direitos do consumidor por meio da facilitação da defesa dos seus direitos em juízo
e fora dele (art. 6º, VIII, CDC), e o acesso aos órgãos judiciários e administrativos.

Outro direito básico é o direito a um serviço público, adequado e eficaz.


A proteção contra o fornecedor pelo poder público implica, portanto, o
direito do consumidor à adequada prestação dos serviços públicos (art.
6º, X, CDC). Decorre disso que os órgãos públicos, por si ou por suas
empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes,
seguros e, quanto aos essenciais, contínuos (art. 22, CDC).

Nos casos de descumprimento, total ou parcial das obrigações previstas em lei,


as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e reparar os danos causados
na forma disciplinada no CDC (art. 22, CDC).

Seção 4
Campo de aplicação do CDC
O consumidor é presumido pela lei como a parte mais fraca da relação de
consumo. Por isso, fala-se em vulnerabilidade do consumidor, pois, no
mercado de consumo, o fornecedor detém, com exclusividade, as informações
sobre os bens e produtos e a decisão sobre quando, onde e como disponibilizá-
los para o consumidor.

14
Direito das Relações de Consumo

Diante disso, o legislador visou a reequilibrar a situação de desigualdade,


não só a desigualdade econômica, como também a desigualdade no poder de
decisão que existe entre consumidor e fornecedor. A maneira escolhida para
tanto é dar preferência ao consumidor, reconhecendo uma situação jurídica mais
favorável ao consumidor para equiparar suas vantagens às do fornecedor e
garantir a paridade de armas nas negociações de consumo.

Atenção: não confunda vulnerabilidade com hipossuficiência. A


hipossuficiência está relacionada à facilitação dos meios de defesa, e a
vulnerabilidade, como visto, está ligada à fragilidade material do consumidor
frente ao fornecedor. Veja essa distinção no Quadro 1.2.

Quadro 1.2 – Distinção entre vulnerabilidade e hipossuficiência

Vulnerabilidade Hipossuficiência

Art. 4º, I, CDC: atribui ao consumidor, Art. 6º, VIII, do CDC: o princípio da
em todas as circunstâncias, a condição hipossuficiência, diferentemente da
de vulnerável na relação de consumo. vulnerabilidade, refere-se a um conceito fático
e não jurídico, baseado em uma disparidade ou
mesmo discrepância observada no caso concreto.

A presunção é absoluta por Todo consumidor é vulnerável, mas nem sempre


determinação legal (art. 2º, CDC). será hipossuficiente. A hipossuficiência, na
maioria dos casos, é de natureza técnica, pelo
desconhecimento do consumidor em relação ao
produto ou serviço adquirido. Entretanto, também
caracteriza hipossuficiência a situação jurídica
que impede o consumidor de obter a prova que
se tornaria indispensável para responsabilizar o
fornecedor pelo dano verificado.

Fonte: Elaboração do autor (2015).

Apresentaremos, na sequência, os conceitos fundamentais para que você


compreenda o campo de aplicação do CDC:

•• consumidor;
•• destinatário final;
•• fornecedor;
•• produto;
•• serviço;
•• relação de consumo.

15
Capítulo 1

Consumidor
Consumidor é a pessoa que terá proteção especial da legislação. O CDC
adota quatro definições distintas de consumidor: definição geral, definição por
equiparação, definição de consumidor como vítima e definição de consumidor
como pessoa exposta a práticas comerciais e contratuais.

Segundo a definição geral do artigo 2º da Lei n. 8.078/90, consumidor é qualquer


pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Segundo a definição por equiparação (art. 2º, parágrafo único), para fins de
proteção, o consumidor é equiparado à coletividade (mesmo que indeterminada)
que tenha participado ou possa a vir a participar de relações de consumo. Refere-
se à proteção da coletividade de consumidores.

Segundo a definição de consumidor como vítima (art. 17), para fins de


responsabilização do fornecedor, consideram-se consumidores todas as vítimas do
evento, mesmo que não tenham sido elas que compraram o produto ou serviço.

Segundo a definição de consumidor como pessoa exposta a práticas


comerciais e contratuais (art. 29), equiparam-se aos consumidores todas as
pessoas determináveis ou não que estejam expostas às práticas comerciais e
contratuais. Também refere-se à proteção da coletividade de consumidores.

Destinatário final
Subjazem à definição geral, que considera o consumidor como um destinatário
final, três teorias: a finalista, a maximalista e a mista.

A teoria finalista assume a ideia de destinatário final econômico, aquele que não
utiliza o produto ou serviço para atividade lucrativa.

A teoria maximalista baseia-se na ideia de destinatário final fático, pouco


importando o uso do produto ou serviço adquirido.

E a teoria mista pauta-se na fragilidade do consumidor a ser aferida no caso concreto.

Fornecedor
Fornecedor é toda pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados (por exemplo, sociedades
de fato) que desenvolvem alguma atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços. Podem ser fornecedores:
indústrias, prestadoras de serviços diversos e comércio em geral (art. 3º, CDC).

16
Direito das Relações de Consumo

Produto
Produto é qualquer bem, imóvel ou móvel, material ou imaterial, fornecido no mercado.

Serviço
Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante
remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, creditícia e securitária,
salvo as decorrentes de relação de trabalho.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2591/SP, considerou-se


a atividade bancária como passível de tutela pelo direito do consumidor, excluindo-se
as operações tipicamente financeiras que não se encaixam na ideia de serviço.

Por fim, uma relação de consumo envolve um fornecedor, de um lado, e, do


outro, um consumidor (ou grupo de consumidores), possuindo, como objeto,
transações remuneradas, envolvendo produtos e/ou serviços, com a finalidade de
atender a uma necessidade do consumidor na condição de destinatário final.

Sintetizando o conteúdo desta seção, sugerimos que você fixe os seguintes pontos:

• o campo de aplicação do CDC perpassa os conceitos de consumidor,


fornecedor, produto e serviço, presentes no artigo 2º, caput e parágrafo
único, no artigo 17 e no artigo 29.

• existem, basicamente, duas perspectivas teóricas quanto ao conceito de


consumidor - a finalista e a maximalista. O finalismo aprofundado perfaz
um exame in concreto da vulnerabilidade (pessoas jurídicas) e o uso das
equiparações ao consumidor conhecidas pelo CDC.

• a vulnerabilidade pode ser - técnica, jurídica, fática e/ou informacional.

• o fornecedor equiparado é um conceito derivado da ampliação do campo de


aplicação do CDC, por meio de visão alargada do seu artigo 3º.

17
Capítulo 1

Seção 5
Diálogo das fontes
Diálogo das fontes é uma expressão do jurista alemão Erik Jayme 1 que se refere
à aplicação simultânea, coerente e coordenada das diversas fontes legislativas,
com campos de aplicação convergentes, mas não iguais. É contrária ao conflito
de fontes ou leis.

O diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil pode


dar-se por meio do diálogo sistemático de coerência, pelo diálogo sistemático
de complementaridade e subsidiariedade e pelo diálogo de influências
recíprocas sistemáticas.

Por sua vez, o diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e as Leis


Especiais pode ocorrer pelo diálogo sistemático de coerência, pelo diálogo
sistemático de complementaridade e subsidiariedade, e pelo diálogo de
adaptação ou coordenação.

Observe a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça, que enfatiza o


diálogo das fontes.

CONSUMIDOR E CIVIL. ART. 7º DO CDC. APLICAÇÃO DA LEI


MAIS FAVORÁVEL. DIÁLOGO DE FONTES. RELATIVIZAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL.
TABAGISMO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
PRESCRIÇÃO. PRAZO. O mandamento constitucional de proteção
do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em
diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC.
Assim, e nos termos do art. 7º do CDC, sempre que uma lei
garantir algum direito para o consumidor, ela poder-se-á somar
ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e
tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo.
Diante disso, conclui-se pela inaplicabilidade do prazo
prescricional do art. 27 do CDC à hipótese dos autos, devendo
incidir a prescrição vintenária do art. 177 do Código Civil Antigo
(1916), por ser mais favorável ao consumidor.

Uma recente decisão da 2ª Seção 2, porém, pacificou o entendimento quanto à


incidência na espécie do prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 27 do
CDC, que deve prevalecer, com a ressalva do entendimento pessoal da Relatora.

1 A teoria do diálogo das fontes foi idealizada na Alemanha por Erik Jayme, professor da Universidade de
Helderberg, e trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
(PRADO, 2013).

2 REsp 1009591 RS 007/0278724-8. Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI. Julgamento:13/04/2010. Órgão


Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Publicação: DJe 23/08/2010.

18
Direito das Relações de Consumo

Chegamos ao fim deste capítulo. Assim, tendo em mente os pontos destacados


neste roteiro, recomendamos que você proceda o estudo atento dos pontos
destacados até aqui.

Boa leitura e bons estudos!

Referências
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 17 dez. 2015.

PRADO, Sergio Malta. Da teoria do diálogo das fontes. Migalhas, 31 jan. 2013.
Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI171735,101048-
Da+teoria+do+dialogo+das+fontes>. Acesso em: 17 dez. 2015.

19
Capítulo 2

Qualidade de produtos e serviços


Roberto Mattos Abrahão

Este capítulo traz noções introdutórias acerca da qualidade de produtos e


serviços, perpassa por questões como a responsabilização, em caso de dano ao
consumidor, os prazos prescricionais para a reclamação pelo fato do produto ou
serviço e o prazo decadencial para a reparação de danos em caso de vício do
produto ou serviço.

A partir dessa premissa, você irá compreender de que forma ocorre a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na reparação de dano em casos
de acidentes de consumo ou em razão da comercialização de produtos, sem a
devida qualidade ou quantidade.

As seções a seguir destacarão os pontos de maior relevância.

Seções de estudo:

•• Seção 1: Teoria da qualidade


•• Seção 2: Fato do produto e do serviço
•• Seção 3: Vício do produto e do serviço

Seção 1
Teoria da qualidade
Ao realizar a leitura, procure prestar atenção especial à diferença entre as órbitas de
proteção do CDC e às deficiências da proteção tradicional via Código Civil (CC).

É importante diferenciar as duas órbitas de proteção no CDC: incolumidade


físico-psíquica e incolumidade econômica. A primeira, mais relevante, afeta o
corpo do consumidor, e a segunda, o patrimônio do consumidor.

21
Capítulo 2

Com as deficiências da proteção tradicional via Código Civil (CC), a produção e a


comercialização em larga escala passaram a valer-se das garantias previstas pelo
CDC. Entre as deficiências do CC, destacam-se:

1. exigência de vínculo contratual ̶ como, por exemplo, no caso de


acidente de consumo que vitime bystander. Bystanders são aqueles que até
determinado momento eram apenas considerados espectadores e passam à
condição de consumidores equiparados quando são vítimas de um acidente
de consumo (LOURENÇO, 2014);

2. exiguidade dos prazos para reclamar ̶ prazos escassos e diminutos


para reclamar dos vícios;

3. conceito restrito de vício ̶ excluem-se do rol dos vícios garantidos os


vícios de quantidade e os vícios menores, como cor ou paladar ou detalhes;

4. exclusão de durabilidade ̶ fenômeno da obsolescência planejada,


quando o consumidor é induzido a adquirir produto ou serviço que em
pouco tempo será considerado obsoleto, pelo lançamento de outro mais
moderno ou perda da utilidade rapidamente;

5. disponibilidade da garantia ̶ diferentemente das normas que regem os


vícios redibitórios do Código Civil, que podem ser afastados pelas partes,
o CDC prevê dispositivos de ordem pública e interesse social, impedindo
renunciá-los;

6. dificuldade da prova do vício ̶ dificuldade em apontar que o vício não é


superveniente à aquisição, sanada pela inversão do ônus da prova.

A teoria da qualidade possui estrita ligação com a responsabilidade do


fornecedor, tanto civil, quanto administrativa e penal.

Os vícios de qualidade por inadequação possuem como elemento básico a


carência de aptidão ou idoneidade do produto, ou serviço para realização do fim
para qual se destina.

Por sua vez, os vícios de qualidade por insegurança relacionam-se com acidente
de consumo, pela carência de segurança do produto ou serviço, a expectativa
negativa do consumidor de insegurança.

O universo dos sujeitos protegidos contra os vícios de qualidade por insegurança


é mais amplo do que aquele tutelado contra os vícios de quantidade e os de
qualidade por inadequação.

22
Direito das Relações de Consumo

Seção 2
Fato do produto e do serviço
Ao realizar a leitura, procure prestar atenção especial à noção de
responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, tratada no Capítulo IV do
CDC, em que são abordados, também, os responsáveis pelo dever de indenizar
e a responsabilidade civil objetiva, as causas de exclusão da responsabilidade,
a responsabilidade subsidiária do comerciante e a solidariedade da
responsabilidade do comerciante.

Um fato do produto ou do serviço diz respeito a acidentes de consumo: é


ocorrência de evento danoso, decorrente do uso normal de um produto ou
serviço. O produto ou serviço são defeituosos quando não há a segurança que
deles se espera, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, entre
as quais: sua apresentação, o modo e a época de seu fornecimento, o uso, os
resultados e os riscos que razoavelmente dele se esperam, e a época em que foi
colocado em circulação.

O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter
sido colocado no mercado (art. 12, § 2º, CDC).

O fornecedor tem responsabilidade objetiva 1. Essa responsabilidade vigora nos


seguintes termos.

Fato do produto (art. 12, CDC)

•• Corresponsáveis: fabricante, produtor nacional ou estrangeiro e o


importador.
•• Ocorre: por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,
construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Fato do produto (art. 13, CDC)

•• Corresponsável: comerciante, de forma subsidiária, como regra.


•• Ocorre quando:
a. o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não
puderem ser identificados;

1 A chamada responsabilidade objetiva foi consignada no parágrafo único do artigo 927 do atual Código Civil:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

23
Capítulo 2

b. o produto for fornecido sem identificação clara do seu


fabricante, produtor, construtor ou importador;
c. não se conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Fato do serviço:

•• Corresponsáveis: prestador do serviço.


•• Ocorre:
a. pela reparação dos danos causados aos consumidores, por
defeitos relativos à prestação dos serviços;
b. por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos.

Existem causas excludentes da responsabilidade do fornecedor pelo fato do


produto. O fornecedor só não será responsabilizado quando provar que não
colocou o produto no mercado, ou que, embora haja colocado o produto no
mercado, ou prestado o serviço, o defeito inexiste, caso em que a culpa será
exclusiva do consumidor ou de um terceiro (art. 12, §3º).

O artigo 13 do CDC, em seu parágrafo único, prevê o direito de regresso entre


os corresponsáveis. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado pode
exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, conforme sua
participação no evento danoso, isto é, exigir que os demais responsáveis também
arquem com a indenização.

Conforme o art. 14, § 4°, do CDC, os profissionais liberais também possuem


responsabilidade no fornecimento de produtos ou na prestação de serviços.
No entanto, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante verificação de culpa. Portanto, nesse caso, não se aplica a
responsabilidade objetiva.

Quanto à prescrição (art. 27, CDC), a pretensão à reparação pelos danos causados
por fato do produto, serviço ou acidente de consumo, prescreve em cinco anos.
Inicia-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e da autoria.

Seção 3
Vício do produto e do serviço
Vício do produto ou do serviço trata-se da constatação de um defeito que
diminui a utilidade do produto ou do serviço. A responsabilidade é objetiva e
solidária entre os fornecedores.

24
Direito das Relações de Consumo

A seguir, você poderá entender melhor algumas alternativas do consumidor frente


aos vícios do produto ou do serviço dispostas no Quadro 2.1.

Quadro 2.1 – Alternativas do consumidor diante de vícios do produto ou do serviço

VÍCIO ALTERNATIVAS DO CONSUMIDOR

Vício do produto: a) Exigir a substituição das partes viciadas.

•• qualidade ou quantidade que b) Exigir conserto, a ser realizado em 30 dias. Se


tornem os produtos impróprios ou não realizado o conserto no prazo legal, poderá o
inadequados ao consumo a que se consumidor requerer, à sua escolha (art. 18, § 1°, CDC):
destinam ou diminuam o seu valor;
•• a substituição do produto por outro da mesma
•• disparidade, em relação às indicações espécie, em perfeitas condições de uso;
constantes do recipiente, da
•• a restituição imediata da quantia paga,
embalagem, rotulagem ou mensagem
monetariamente atualizada, sem prejuízo de
publicitária, respeitadas as variações
eventuais perdas e danos;
decorrentes de sua natureza.
•• o abatimento proporcional do preço.

Vício de quantidade do produto. Sempre que – respeitadas as variações


decorrentes de sua natureza – seu conteúdo
líquido for inferior às indicações constantes no
recipiente, na embalagem, na rotulagem ou na
mensagem publicitária, é cabível:

•• o abatimento proporcional do preço;

•• a complementação do peso ou medida;

•• a substituição do produto por outro da mesma


espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;

•• a restituição imediata da quantia paga,


monetariamente atualizada, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos.

Vício do serviço (art. 20, CDC). a) exigir a reexecução dos serviços, sem custo
adicional e quando cabível;
Vícios de qualidade que tornem os
serviços impróprios ao consumo ou b) exigir a restituição imediata da quantia paga,
diminuam o seu valor, assim como monetariamente atualizada, sem prejuízo de
aqueles decorrentes da disparidade, eventuais perdas e danos;
com as indicações constantes na
c) exigir o abatimento proporcional do preço.
oferta ou mensagem publicitária.
Fonte: Elaboração do autor (2015).

Conforme o artigo 18, § 6º, do CDC, são considerados produtos impróprios ao


uso e ao consumo:

25
Capítulo 2

a. os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;


b. os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados,
falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde,
perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas
regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
c. os produtos que, por qualquer motivo, revelem-se inadequados ao
fim a que se destinam.

Conforme o artigo 20, § 2°, do CDC, são considerados serviços impróprios


ao uso e ao consumo os serviços que se mostrem inadequados para os
fins que deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas
regulamentares de prestabilidade.

A ignorância do fornecedor sobre os vícios dos produtos e serviços não o exime


de responsabilidade.

O artigo 24 do CDC prevê a garantia legal de adequação do produto ou


serviço. O período de tal garantia é aquele em que o fornecedor fica responsável
pelos defeitos da coisa, independentemente de termo expresso. O prazo é de
trinta dias para bens não duráveis e de noventa dias para bens duráveis. Pode o
fornecedor estender o prazo da garantia (garantia contratual), mas é proibida a
exoneração contratual desta.

O CDC institui prazo decadencial para reclamar dos vícios dos produtos e
serviços (art. 26) e prazo prescricional para pretensão indenizatória decorrente de
acidentes de consumo (art. 27).

Observe que o prazo decadencial relativo aos vícios dos produtos e serviços é
exatamente o mesmo para o consumidor reclamar extrajudicialmente perante o
fornecedor, visando à solução do problema: 30 dias para produtos e serviços não
duráveis e 90 dias para duráveis, prazo esse que começa a correr da entrega do
produto ou do aparecimento do vício (oculto).

Em razão dessa unicidade, o CDC prevê, no § 2º do art. 26, a possibilidade de


obstar-se o prazo, ou seja, congelar a contagem do prazo, em face de reclamação
apresentada diretamente pelo consumidor ou instauração de Inquérito Civil, este
pelo Ministério Público, até o seu encerramento.

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil


constatação caduca em:

26
Direito das Relações de Consumo

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de


produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de
produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da
entrega efetiva do produto ou do término da execução dos
serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor
perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa
correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no


momento em que ficar evidenciado o defeito.

Chegamos ao fim deste capítulo. Assim, tendo em mente os pontos destacados


neste roteiro, recomendamos a você que proceda o estudo atento dos pontos
destacados até aqui.

Referências
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 17 dez. 2015.

LOURENÇO, Jéssica. Conceito jurídico de consumidor e os “bystanders”.


Jusbrasil, 2014. <http://jesicalourenco.jusbrasil.com.br/artigos/121944096/
conceito-juridico-de-consumidor-e-os-bystanders>. Acesso em: 17 dez. 2015.

27
Capítulo 3

Práticas abusivas e proteção contratual


Roberto Mattos Abrahão

Serão abordadas, neste capítulo, as práticas abusivas lato sensu, que


compreendem a oferta e a publicidade, e as práticas abusivas propriamente ditas,
que compreendem a importância dos bancos de dados e cadastros na proteção
da concessão de crédito e na proteção do mercado. Por fim, se estudará a
proteção contratual e a relevância do reconhecimento das cláusulas abusivas na
proteção das relações de consumo.

A partir dessa leitura, você irá compreender de que forma ocorre a aplicação do
CDC na coibição de práticas abusivas, na manutenção e equilíbrio dos contratos
de consumo, e verificará os critérios objetivos na cobrança de dívidas e inserção do
nome dos consumidores nos famosos bancos de dados e cadastros de consumo.

As seções a seguir pretendem guiar a sua leitura, destacando os pontos de


maior relevância.

Seções de estudo

•• Seção 1: Oferta e publicidade


•• Seção 2: Práticas abusivas
•• Seção 3: Bancos de dados e cadastros de consumo
•• Seção 4: Proteção contratual

29
Capítulo 3

Seção 1
Oferta e publicidade

Oferta é a proposta feita por um dos contratantes, de maneira clara, para que se
realize um contrato no futuro. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços
devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua
portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos
que apresentam à saúde e à segurança dos consumidores (art. 31, CDC).

Nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, essas informações


deverão ser gravadas de forma indelével (art. 31, parágrafo único, CDC).

Na oferta ou venda por telefone ou reembolso postal (art. 33, CDC), também
deve constar o nome do fabricante e o seu endereço na embalagem, na
publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial.

Artigo 30 do CDC trata da integração da oferta ao contrato. Toda informação


ou publicidade suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio
de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados,
vincula o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que
vier a ser celebrado.

O Artigo 34 do CDC trata da oferta por preposto do fornecedor. Caso a oferta


seja realizada por empregado ou por representantes autônomos do fornecedor,
esse responde por ela, não sendo lícito alegar que o profissional exorbitou sua
orientação para deixar de honrar com o prometido.

Em caso de recusa no cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade


(art. 35, CDC), o consumidor poderá optar por uma das seguintes formas de
ressarcimento:

•• exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta,


apresentação ou publicidade;
•• aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
•• rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente
antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Publicidade é o meio utilizado pelo fornecedor para alcançar um número


indeterminado de pessoas, para as quais se divulga os produtos e serviços oferecidos.

30
Direito das Relações de Consumo

Por seu caráter amplo, a publicidade teve especial atenção do legislador, sendo
impostas limitações pelo Código de Defesa do Consumidor quanto à:

a. identificação da publicidade (art. 36, CDC) ̶ a publicidade deve ser


veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente,
identifique-a como tal;
b. veracidade da publicidade (art. 38, CDC) ̶ é ônus do fornecedor
demonstrar a veracidade das informações constantes na publicidade.

O fornecedor manterá em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos que


dão sustentação à mensagem, para informação dos legítimos interessados. Ou
seja, se um consumidor quiser ter acesso a esses dados, deverá o fornecedor
conceder a informação. Ciente disso, preste atenção à questão da inversão
do ônus da prova na publicidade e verifique a diferença que existe neste
quesito ao que está disposto no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, esta depende da
determinação judicial.

O artigo. 37, § 1º, do CDC aborda a publicidade enganosa.

Trata-se de qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter


publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo
por omissão, capaz de induzir o consumidor ao erro, a respeito da natureza,
das características, da qualidade, da quantidade, das propriedades, da origem,
do preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. A publicidade
é enganosa tanto por comissão, quando informar algo que não condiz com a
realidade, quanto por omissão, quando deixar de informar sobre dado essencial
do produto ou serviço.

O § 2º do artigo 37 aborda, por sua vez, a publicidade abusiva. Assim


é considerada toda publicidade que visa a impressionar indevidamente
o consumidor, valendo-se de sua fraqueza. Por exemplo, publicidades
discriminatórias de qualquer natureza, publicidades que incitem à violência,
explorem o medo ou a superstição, aproveitem-se da deficiência de julgamento e
experiência da criança, desrespeitem valores ambientais, ou que sejam capazes
de induzir o consumidor a comportar-se de forma prejudicial ou perigosa à sua
saúde ou segurança.

Nesses casos, o Código reconhece a responsabilidade do fornecedor. O


fornecedor é responsável pelo mau uso da publicidade e poderá ser processado,
podendo arcar com as indenizações às vítimas, sem prejuízo de pagamento de
multas e de apuração criminal.

31
Capítulo 3

Pode-se afirmar que o Código não se limitou ao regramento das relações


contratuais de consumo, pois a proteção tem início em momento anterior aos da
realização de contrato. A relação surge, também, das técnicas de estimulação de
consumo, como no caso da oferta e publicidade.

Seção 2
Práticas abusivas

Prática abusiva seria a atuação desconforme do fornecedor, tendo como parâmetro


os padrões mercadológicos de boa-fé objetiva, em relação ao consumidor.

São proibidas as práticas comerciais que ponham o consumidor em desvantagem


em relação aos fornecedores. São exemplos os previstos no artigo. 39, CDC.

Elencamos, neste momento, as práticas abusivas presentes no artigo 39, do


inciso I ao XII do CDC.

I. Condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro


produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. Trata-
se de prática denominada venda casada.

II. Recusar o atendimento às demandas dos consumidores na exata medida de suas


disponibilidades de estoque e, ainda, de conformidade com usos e costumes.

III. Enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto,


ou fornecer qualquer serviço (os serviços prestados e os produtos remetidos
ou entregues ao consumidor, nessa hipótese, equiparam-se a amostras grátis,
inexistindo obrigação de pagamento, conforme parágrafo único do art. 39).

IV. Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista


sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus
produtos ou serviços.

V. Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.

VI. Executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e expressa


autorização do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores
entre as partes.

32
Direito das Relações de Consumo

VII. Repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor


no exercício de seus direitos.

VIII. Colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo


com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas
específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas
ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e qualidade industrial (CONMETRO).

IX. Recusar a venda de bens ou prestação de serviços, diretamente a quem se


disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de
intermediação regulados em leis especiais.

X. Elevar, sem justa causa, o preço de produtos ou serviços.

XI. Deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a


fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

XII. Aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente


estabelecido.

2.1 Cobrança de dívidas


É direito do fornecedor exigir o cumprimento do contrato por parte do
consumidor, especialmente no que toca ao pontual pagamento dos valores
devidos. Porém, esse direito deve observar as seguintes determinações:

a. o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será


submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça (art. 42,
CDC);
b. o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à devolução do
valor cobrado (repetição do indébito), correspondente ao dobro do que
pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais.
Esse artigo 42 do CDC deve ser lido em conjunto com o artigo 71 (a face penal
da cobrança abusiva). Ao valer-se de ameaça, coação, constrangimento físico ou
moral, assim como de afirmações desconformes com a realidade, o fornecedor
estará violando os dois dispositivos mencionados.

Outro tema relevante é a comunicação ao consumidor (artigo 43, parágrafos


3° e 4°, CDC). Sempre que o consumidor for cadastrado como devedor, deverá
ser comunicado por escrito e terá direito a acessar esses dados. O consumidor,

33
Capítulo 3

sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua
imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar
a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.

O parágrafo único do artigo 42 traz uma sanção civil àquele que cobrar a dívida
em valor maior do que o real e que foi efetivamente pago pelo consumidor. O
fornecedor apenas não arcará com essa indenização se demonstrar ter ocorrido
engano justificável (art. 42, parágrafo único, CDC).

Além disso, nos termos do artigo 42-A, em todos os documentos de cobrança de


débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o
número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional
de Pessoa Jurídica (CNPJ) do fornecedor do produto ou serviço correspondente.

Seção 3
Bancos de dados e cadastros de consumo
O enfoque desta seção dirige-se aos bancos de dados e aos cadastros de proteção
ao crédito. Os mais famosos no Brasil são o Sistema de Proteção ao Crédito
(SPC) e Serasa – espécies de banco de dados de consumo, que têm despertado
maior interesse jurídico, em razão do poder que exercem diretamente na vida dos
consumidores, pois incluem ou excluem os consumidores do mercado.

Os bancos de dados e cadastros de consumidores estão disciplinados em um


único artigo do CDC (art. 43), que carrega consigo as informações essenciais para
garantir objetivamente os deveres e direitos dos consumidores inadimplentes: por
exemplo, o direito ao consumidor de ter acesso às informações existentes em
cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele,
bem como sobre as suas respectivas fontes. Sendo assim, são proibidos cadastros
secretos de maus pagadores. Os cadastros de devedores e os dados referentes
devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão.

Portanto, conclui-se que é direito do consumidor a qualidade da informação,


o acesso, a retificação de dados e a devida comunicação, sob pena de
responsabilidade do fornecedor ou do responsável pelo banco de dados a
eventual indenização por dano moral ou material.

Cabe ressaltar que somente o consumidor poderá ter acesso a seus dados e, se
preciso, poderá ingressar com o habeas data, em caso de recusa pelo fornecedor ou
arquivista, isso em razão do reconhecimento do caráter público (art. 43, § 4º, CDC).

34
Direito das Relações de Consumo

O CDC prevê, ainda, um limite estabelecido por lei de cinco anos para a
abrangência do cadastro (art. 43, § 1º, CDC), proibindo, assim, uma pena
perpétua ao consumidor inadimplente.

O Código de Defesa do Consumidor prevê, também, o Cadastro de Reclamação


contra Fornecedores. Órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros
atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e
serviços, devendo divulgá-los pública e anualmente. A divulgação indicará se a
reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.

Qualquer interessado pode ter acesso às informações ali contidas, inclusive o fornecedor,
que poderá requerer as correções das informações equivocadas e imprecisas.

Seção 4
Proteção contratual
Contratos de consumo são os instrumentos jurídicos hábeis a criar as
relações de consumo. Os contratos podem ser tanto individualizados (feitos
especificamente para aquele consumidor), quanto por adesão.

Contratos por adesão (art. 54, CDC) são aqueles em que uma das partes
estipula as cláusulas, e a outra parte contratante apenas adere a elas, sem haver
a possibilidade de discussão de seus termos ou de modificação substancial de
seu conteúdo. Os contratos por adesão podem ter seus termos aprovados pela
autoridade competente.

São disposições aplicáveis a qualquer tipo de contrato de consumo:

a. os contratos que regulam as relações de consumo somente


obrigarão os consumidores se lhes for dada a oportunidade de
tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos
instrumentos forem redigidos de modo a facilitar a compreensão de
seu sentido e alcance (art. 46, CDC);
b. as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor (art. 47, CDC);
c. as declarações de vontade constantes de escritos particulares,
recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam
o fornecedor, sendo possível ao consumidor exigir em juízo seu
cumprimento (art. 48, CDC).

35
Capítulo 3

São disposições especiais aos contratos de adesão (art. 54, CDC):

a. pequenas alterações, como a inserção de cláusula no formulário, não o


desfigura, desde que não seja o documento substancialmente alterado;
b. nos contratos de adesão, admite-se cláusula resolutória, ou seja,
aquela que estabelece o desfazimento do contrato, em caso de não
pagamento ou não cumprimento das prestações, desde que seja
uma alternativa, cabendo a escolha ao consumidor;
c. nesse caso, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas
terá descontado, além da vantagem econômica auferida com a fruição,
os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao fornecedor;
d. os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros
e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não
seja inferior à fonte doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo
consumidor;
e. as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor (como,
por exemplo, perda de parte das parcelas pagas) deverão ser redigidas
com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

O artigo 51 do CDC trata das cláusulas abusivas, vedadas em contratos


de consumo. Cláusulas abusivas são aquelas que preveem vantagens
desproporcionais em favor do fornecedor. Exemplos desse tipo de cláusula estão
arrolados no próprio artigo 51 do CDC.

O caput desse artigo destaca a nulidade de pleno direito das cláusulas


abusivas: caso o contrato preveja cláusulas abusivas, essas são consideradas
como não escritas, ou seja, poderão ser desconsideradas pelo consumidor
ou pelo juiz, caso exista ação judicial. O restante da avença continua válido, a
não ser que o contrato se mostre oneroso, seja para o consumidor, seja para o
fornecedor, por força da desconsideração da cláusula (art. 51, § 2º, CDC).

O artigo 52 do CDC trata da outorga de crédito ou concessão de


financiamento ao consumidor no contrato em que há a participação de uma
instituição financeira. Cabe ao fornecedor informar ao consumidor, previamente
e com a máxima clareza, sobre todos os aspectos da operação, como o preço
do serviço em moeda nacional, o montante dos juros de mora e da taxa efetiva
anual de juros, acréscimos legalmente previstos, número e periodicidade das
prestações, a soma total a pagar, com e sem financiamento.

Nesses casos, as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações


no seu termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da
prestação. Além disso, é assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do
débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais
acréscimos (art. 52, § 1º e 2º, CDC).

36
Direito das Relações de Consumo

O CDC também prevê a desistência do contrato de consumo. Qualquer tipo de


contrato pode ser denunciado, ou seja, qualquer dos participantes pode desistir de
seus termos. Isso porque ninguém é obrigado a manter-se vinculado a um contrato
que não mais atende aos seus interesses. Existem casos diferentes de desistência:

a. no caso de contrato celebrado no estabelecimento do fornecedor;


b. no caso de realização por internet, telefone, correio, fax ou outra
forma de comunicação a distância ou ainda em domicílio (venda
porta a porta);
c. por não cumprimento do contrato.

Em caso de desistência do contrato celebrado no estabelecimento do


fornecedor, poderá o fornecedor reter, a título de indenização, parte dos valores
pagos, a fim de restituir valores já empregados com pagamentos de sinal e
adiantamento de despesas. O CDC não oferece um parâmetro para esses casos,
mas estabelece ser vedado o perdimento total das parcelas.

Na desistência de contratação a distância (por telefone, internet, catálogo ou


outro meio similar ̶ art. 49 CDC), pode o consumidor desistir do contrato, no prazo
de 7 (sete) dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto
ou serviço. Nesse caso, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, serão
integralmente devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Se houver descumprimento do contrato, este poderá ser desfeito. Isto ocorrerá


em caso de descumprimento de seus termos, por qualquer uma das partes.

Chegamos ao fim deste capítulo. Assim, tendo em mente os pontos destacados


neste material, recomendamos a você que proceda o estudo atento dos pontos
destacados até aqui.

Referências
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 17 dez. 2015.

37
Capítulo 4

Tutela do consumidor
Roberto Mattos Abrahão

Agora que você já aprendeu a reconhecer as relações de consumo, identificou as


práticas abusivas e as características da relação contratual de consumo, terá a
oportunidade de identificar, dentro do sistema nacional de defesa do consumidor, a
melhor forma de combater as irregularidades identificadas nas relações de consumo.

As seções a seguir pretendem guiar a sua leitura, destacando os pontos de


maior relevância.

Seções de estudo

•• Seção 1: Sistema Nacional de Defesa do Consumidor


•• Seção 2: Direito Penal do consumidor
•• Seção 3: Ação coletiva

Seção 1
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
A presente seção traça um panorama nacional de entidades, públicas e privadas,
que realizam a defesa dos interesses dos consumidores, destacando as suas
principais atribuições.

Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC): órgãos federais,


estaduais, do Distrito Federal, municipais e entidades privadas de defesa do
consumidor (art. 105, CDC).

39
Capítulo 4

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) é, hoje, o organismo de


coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e tem as
seguintes atribuições (art. 106, CDC):

• planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de


proteção ao consumidor;

• receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões


apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito
público ou privado;

• prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e


garantias;

• informar, conscientizar e motivar o consumidor pelos diferentes meios de


comunicação;

• solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial para a


apreciação de delito contra os consumidores;

• nos termos da legislação vigente, representar o Ministério Público competente


para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições;

• levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem


administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais
dos consumidores;

• solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do


Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços,
abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços;

• incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais,


a formação de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos
órgãos públicos estaduais e municipais;

• desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Para melhor compreender os órgãos públicos e entidades que integram ou


colaboram com o SNDC, não basta avaliar os artigos 105 e 106 do CDC, pois os
dispositivos que estabelecem as atribuições dessas unidades estão dispostos por
todo o Código de Defesa do Consumidor, como, por exemplo, nos artigos 4º, 5º,
6º, 44, 55 a 60, 82, 97, 102 e 107, dos quais se recomenda uma leitura atenta.

Mas, afinal, quem seriam esses órgãos e essas entidades que diretamente ou
indiretamente defendem o consumidor e integram o Sistema Nacional de Defesa
do Consumidor?

40
Direito das Relações de Consumo

Podemos citar os principais, que, por sua relevância ou atuação, revelam-se de


extrema eficácia na construção das relações harmônicas de consumo.

•• Ministério Público: por meio de suas promotorias de justiça


ou procuradorias da república especializadas na defesa dos
consumidores, atua precipuamente no interesse coletivo dos
consumidores e na tutela penal.
•• Defensoria Pública: por meio de seus defensores estaduais ou
federais, encarregados da defesa dos interesses dos consumidores,
pode atuar nos interesses individuais ou coletivos.
•• Delegacias de polícia civil ou federal: especializadas nas
investigações de infrações penais contra as relações de consumo.
•• Procon: é a designação simplificada dos órgãos estaduais e
municipais de defesa do consumidor. Sua principal atribuição é
aplicar, diretamente, as sanções administrativas aos fornecedores
que violam as normas de proteção do consumidor, tudo em
conformidade com o disposto nos artigos 55 a 60 do CDC.
•• Associações civis de defesa do consumidor: são entidades
privadas sem fins lucrativos, instituídas para a defesa individual ou
coletiva dos direitos e interesses dos consumidores, para educar o
consumidor, enfim, contribuir com os órgãos públicos nas políticas
de defesa dos consumidores. Atualmente, as duas entidades que
mais destacam-se no cenário nacional são o Brasilcon e o IDEC.
•• Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon):
vinculada ao Ministério da Justiça, as atribuições da Secretaria estão
arroladas no artigo 106 do CDC. Entre elas, há a responsabilidade
de organizar e manter o Sistema Nacional de Informações de
Defesa do Consumidor (Sindec). Este sistema permite o registro
dos atendimentos individuais dos consumidores, a instrução dos
procedimentos de atendimento dos consumidores, além da gestão
das políticas de atendimentos e fluxos internos dos Procons, que
estão integrados a ele, e a elaboração de cadastros estaduais e do
cadastro nacional de reclamações fundamentadas.
•• Outros órgãos que defendem o consumidor: merecem destaque,
ainda, as agências reguladoras, o Inmetro e a Susesp.

Assim, podemos ter uma visão ampla do Sistema de Defesa do Consumidor, que
funciona com bastante propriedade na tutela administrativa, civil e até mesmo
criminal. Agora, você já está apto a conhecer a tutela penal do consumidor
propriamente dita, isto é, o Direito Penal aplicado às relações de consumo.

41
Capítulo 4

Seção 2
Direito Penal do consumidor
Incumbe ao Direito Penal a definição de condutas humanas que, em tese, afetem
os valores maiores de determinada sociedade ou comunidade, com o intuito de
impor as sanções mais severas aos seus autores (sujeito ativo), prevendo penas
que podem chegar à restrição da liberdade (prisão).

A finalidade precípua do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos relevantes,


que, na sua maioria, garantem a própria sobrevivência da sociedade. O bem
jurídico do Direito Penal do consumidor é a relação de consumo, como
expressamente indicado no artigo 61 do CDC, que retrata com maior propriedade
a tutela metaindividual dos consumidores.

A lei brasileira de proteção do consumidor (CDC) destaca-se no cenário internacional


por buscar proteger, em uma única norma, o consumidor sob os mais diversos
aspectos: civil, administrativo, processual e penal. O Direito Penal do consumidor
possui importância histórica como tutela dos direitos do consumidor, e o seu
surgimento vincula-se diretamente ao Direito Penal econômico.

O sujeito ativo nos crimes contra consumidor é a pessoa física, vinculada, em


regra, a um fornecedor.

Já o sujeito passivo pode ser tanto o consumidor (art. 2°, art. 17 e art. 29) quanto a
coletividade, pois, como observado, o bem jurídico protegido é a relação de consumo.

As infrações penais contra as relações de consumo estão previstas no CDC e na


Lei 8.137/90. Os tipos penais do CDC são tratados no art. 63 ao art. 74. Eles são
basicamente os seguintes:

•• omissão de informação ao consumidor sobre a nocividade e


periculosidade de produtos e serviços;
•• omissão de comunicação da nocividade e periculosidade à
autoridade competente e aos consumidores, cujo conhecimento seja
posterior à sua colocação no mercado;
•• execução de serviço de alto grau de periculosidade, contrariando
determinação de autoridade competente;
•• oferta enganosa;
•• publicidade enganosa ou abusiva;

42
Direito das Relações de Consumo

•• promover publicidade sabendo ou devendo saber que ela é capaz


de induzir o consumidor a comportar-se de forma prejudicial ou
perigosa à sua saúde ou segurança;
•• deixar de organizar dados técnicos fáticos e científicos que dão
base à publicidade;
•• trocar peças ou componentes usados sem autorização do
consumidor;
•• cobrar abusivamente as dívidas;
•• impedir o acesso dos consumidores a banco de dados e cadastros;
•• omitir a entrega do termo garantia contratual.

A individualização e a fixação judicial da pena estão previstas no CDC, sem seus


artigos 76, 77 e 78, e o valor da fiança, no artigo 79.

43
Capítulo 4

A assistência ao Ministério Público (MP), que é titular da ação penal


incondicionada e da ação penal subsidiária, pode ser prestada pelos legitimados,
para ajuizamento de ação coletiva (art. 80) ̶ instituto que será objeto da próxima
seção. Cabe destacar que a ação penal subsidiária só terá cabimento na hipótese
de inércia do MP e não haverá no caso de promoção de arquivamento do
inquérito policial ou do termo circunstanciado.

Seção 3
Ação coletiva
O Direito Processual, como instrumento de realização do Direito material e de
eficácia social do CDC, não poderia ser esquecido pelo legislador. Nessa linha,
o CDC, nos artigos 81 a 104, em título denominado “Da defesa do consumidor
em juízo”, apresenta a disciplina relativa ao processo civil coletivo, de aspectos
relacionados à ação coletiva (ação civil pública). Tais artigos dispõem sobre a
definição de direito difuso e direito coletivo, introduzindo no ordenamento jurídico
o individual homogêneo, a legitimidade para ajuizamento das ações coletivas, as
competências, os limites subjetivos e o objetivo da coisa julgada, entre outros
relevantes aspectos que você passará a estudar.

O Código de Defesa do Consumidor promoveu modificações na Lei 7.347/85,


conhecida como Lei da Ação Civil Pública (LACP), fazendo com que essa se
unisse aos seus termos. Assim, as ações civis públicas, para a proteção de
quaisquer direitos, são regidas por ambas (art. 90, CDC; e art. 17, LACP).

O CDC previu os meios de facilitação de defesa do consumidor (art. 6°, VIII, CDC),
que são os seguintes:

•• inversão de ônus da prova ̶ trata-se de imputar ao fornecedor o


encargo de provar a não ocorrência dos danos ou vícios narrados
pelo autor. Ocorrerá nas hipóteses de hipossuficiência do consumidor
e verossimilhança de suas alegações (art. 6°, VIII, in fine, CDC).
•• competência ̶ as ações individuais de consumo são ajuizadas no
foro de seu domicílio (art. 101, I, CDC).
•• nulidade absoluta das cláusulas de foro de eleição ̶ se for
prejudicial ao consumidor (art. 112, parágrafo único, CPC).
•• institutos de defesa do consumidor ̶ assistência judiciária,
promotorias de justiça e defesa do consumidor, delegacias
especializadas, juizados especiais cíveis, associações do
consumidor, entre outros (art. 5°, CDC).

44
Direito das Relações de Consumo

O CDC previu, ainda, a tutela individual e coletiva dos consumidores. A defesa


individual é tratada no artigo 83. Para a defesa dos direitos e interesses do
consumidor, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar
sua adequada e efetiva tutela.

O que é cabível, ação coletiva ou ação civil pública? O CDC refere-se, em


diversas passagens, à ação coletiva para a proteção dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos, enquanto que a Lei 7.347/85 alude à ação
civil pública, o que faz com que parte da doutrina defenda a existência de duas
ações ou procedimentos diferentes.

A ação civil pública ou a ação coletiva deve, necessariamente, ter por objeto a
tutela de direito difuso, de direito coletivo ou de direito individual homogêneo, que
estão definidos no artigo 81, parágrafo único, CDC:

•• interesses ou direitos difusos ̶ são os direitos transindividuais, de


natureza indivisível, dos quais são titulares pessoas indeterminadas
e ligadas por circunstâncias de fato.
•• interesses ou direitos coletivos ̶ são os transindividuais, de
natureza indivisível de que seja titular um grupo, uma categoria ou
uma classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica basilar.
•• interesses ou direitos individuais homogêneos ̶ são direitos
individuais típicos, divisíveis e individualizáveis, que têm origem comum.

Sob a ótica processual, a espécie de interesse defendido na ação (difuso, coletivo


ou individual homogêneo) dependerá diretamente do conteúdo, da extensão dos
pedidos e da causa de pedir formulada pelo autor. É importante ressaltar que uma
única ação pode tutelar as três diferentes espécies de direitos metaindividuais.

Outra questão que merece destaque é a legitimação para a ação civil pública.
Têm legitimidade ativa concorrente:

•• o Ministério Público;
•• a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal;
•• as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta,
ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinadas à
defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;
•• as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano, que
incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos pelo CDC, dispensada a autorização de assembleia.

45
Capítulo 4

O requisito da pré-constituição das associações pode ser dispensado pelo juiz,


nas ações previstas nos artigos 91 e seguintes do CDC, quando haja manifesto
interesse social evidenciado pela dimensão ou pela característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

No caso da ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer


ou não fazer (art. 84, CDC), o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.

A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por


elas optar o autor, ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado
prático correspondente. A indenização por perdas e danos ocorrerá sem prejuízo
da multa (art. 287, Código de Processo Civil (CPC), isto é, deverão ser pagos
tanto a indenização quanto a multa.

Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de


ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou após justificação prévia, uma vez que o réu for citado. O juiz poderá, nesta
hipótese, ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente
de pedido do autor, desde que a multa seja suficiente ou compatível com a
obrigação, e fixará um prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente,


deverá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão,
remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade,
além de requisição de força policial.

Há gratuidade das ações coletivas em defesa do consumidor e não haverá


adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras
despesas, nem condenação da associação autora, salvo se comprovada má-fé,
em honorários de advogados, custas e despesas processuais.

A litigância de má-fé ocorre quando uma das partes de um processo litiga


intencionalmente com deslealdade. Nesse caso, tanto a associação autora quanto os
diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em
honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por
perdas e danos.

Nas ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos, os


legitimados para a ação civil pública poderão, em nome próprio e em nome do interesse
das vítimas ou de seus sucessores, propor ação civil coletiva de responsabilidade pelos
danos individualmente sofridos, observadas as seguintes regras:

46
Direito das Relações de Consumo

•• o Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como


fiscal da lei (art. 92, CDC);
•• ressalvada a competência da Justiça Federal, a justiça local é
competente para a causa no foro do lugar onde ocorreu ou deva
ocorrer o dano, quando de âmbito local, ou no foro da capital do
Estado, ou no foro do Distrito Federal, para os danos de âmbito
nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo
Civil aos casos de competência concorrente (art. 93, CDC);
•• proposta a ação, será publicado um edital no órgão oficial, a fim de
que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes,
sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social
por parte dos órgãos de defesa do consumidor (art. 94, CDC);
•• em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica,
fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95, CDC).

A coisa julgada nas ações coletivas é tratada no artigo 103, CDC. Nas ações
coletivas de que trata o CDC, a sentença fará coisa julgada diferentemente para
cada tipo de direito, como especifica o quadro a seguir.

COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

Direitos difusos: a coisa julgada tem efeito erga omnes, se procedente. Se o


pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, qualquer legitimado
poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Não prejudicam interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do
grupo, categoria ou classe.

Direitos coletivos: a coisa julgada tem efeito ultra partes, limitadamente ao grupo,
categoria ou classe, salvo em caso de improcedência por insuficiência de provas.
Não prejudicam interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do
grupo, categoria ou classe.

Direitos individuais homogêneos: a coisa julgada tem efeito erga omnes,


apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores. Em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem
intervido no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a
título individual.

47
Capítulo 4

O artigo 104 do CDC trata de litispendência 1 e coisa julgada entre ações


coletivas. A limitação territorial dos efeitos das ações coletivas (art. 16, Lei 7.347 de
1985) é um dos temas mais contestados em matéria de tutela processual coletiva.

Os efeitos da coisa julgada, dos quais trata o artigo 16 (combinado com o art. 13, da
Lei 7.347/85), não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente
sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista no CDC. Entretanto, se
procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão
proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99 do CDC.

LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

Direitos difusos: não induzem litispendência para as ações individuais.

Direitos coletivos: não induzem litispendência para as ações individuais, mas


apenas beneficiarão os autores que suspenderem as ações individuais em trinta
dias, contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Direitos individuais homogêneos: não beneficiarão os autores das ações


individuais, se não for requerida a sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar
da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e


pelos seus sucessores (liquidação e execução individual), assim como pelos
legitimados para a ação coletiva.

O artigo 98 do CDC trata da execução coletiva da sentença coletiva. A


execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados para ações
coletivas, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em
sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. A
execução coletiva será feita com base na certidão das sentenças de liquidação,
da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

O juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução


individual, e o juízo da ação condenatória, quando coletiva a execução, são
competentes para a execução.

Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número


compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados para ação
coletiva promover a liquidação e execução da indenização devida. O produto da
indenização devida será revertido para o fundo criado pela Lei n. 7.347/85.

1 A litispendência caracteriza-se pelo ajuizamento de duas ações que possuam as mesmas partes, a mesma
causa de pedir e o mesmo pedido, como determinam os parágrafos 1º e 2º do art. 301, do CPC.

48
Direito das Relações de Consumo

O artigo 99 do CDC trata de concurso de créditos. Em caso de concurso de


créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n. 7.347/85 e de indenizações
pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas últimas
terão preferência no pagamento.

De acordo com o artigo 101 do CDC

Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos


e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste
título, serão observadas as seguintes normas:
I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade
poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração
do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta
hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará
o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se
o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a
informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-
se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização
diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao
Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio
obrigatório com este.

Na ação coletiva para proibição de produtos (art. 102, CDC), os legitimados a


agir na forma prevista pelo CDC poderão propor uma ação visando a compelir o
poder público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, a
divulgação, a distribuição ou a venda, ou a determinar a alteração na composição,
na estrutura, na fórmula ou no acondicionamento do produto, cujo uso ou consumo
regular revele-se nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal.

Finalizando, é importante você ficar ciente de que a proteção aos direitos


metaindividuais ocorre não apenas por meio de ação coletiva, havendo como
instrumento tão ou mais importante que os instrumentos processuais para a tutela
desses direitos a solução extrajudicial, obtida, principalmente, por intermédio de
termo de ajustamento de conduta (TAC).

O fundamento legal do TAC encontra-se no § 6º do artigo 5º da Lei 7.347/85,


que tem como principal objetivo obter, imediatamente, via um termo de ajuste de
conduta, o que se pretenderia em juízo.

Entre os diversos legitimados para o ajuizamento das ações coletivas, a lei é clara
no sentido de que apenas os órgãos públicos poderão realizar o TAC.

Chegamos ao fim deste capítulo. Assim, tendo em mente os pontos destacados


neste roteiro, recomendamos que você proceda o estudo atento dos pontos
destacados até aqui.

49
Capítulo 4

Referências
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 17 dez. 2015.

BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de


responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens
e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e
dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L7347orig.htm>. Acesso em: 17 dez. 2015.

50
Considerações Finais

O Direito é uma ciência social, por isso seu desenvolvimento está intimamente
ligado à história da evolução do homem. Conforme se estudou, o fenômeno
consumerista da sociedade moderna contemporânea foram enunciados e postos
em prática pós movimentos revolucionários que eclodiram no século XVIII.

Nos primeiros capítulos você estudou o ponto de partida para a criação de


uma legislação que amparasse a parte mais fraca da relação de consumo, com
princípios sólidos que viabilizassem a harmonia nessa relação, pautadas em
normas de conduta regidas pela Constituição Federal.

Nesse contexto, você passou a estudar o movimento consumerista com base


legal no CDC, microssistema jurídico, que aborda com prioridades desde
as relações jurídicas entre consumidor e fornecedor, perpassando pelas
responsabilidades advindas dessa relação, práticas abusivas, contratos e
finalizando na tutela penal.

No Brasil, direito do consumidor faz parte da nova categoria de direito que passou
a ser estudada pela doutrina, essa, por sua vez, passou a sedimentar conceitos
e a buscar alternativas para a implantação dessa nova categoria de direitos no
ordenamento jurídico pátrio. Surgiu então, mais especificamente, a necessidade
de se reconhecer a existência de direitos metaindividuais pertencentes a grupos
de pessoas e compartilhados por estas em situações das mais diversas.

Passou-se, então, a estudar este tema, dando ênfase aos interesses difusos
coletivos e individuais homogêneos, tutela coletiva, ação civil pública e a
potencialidade dos direitos difusos.

Credita-se a esse estudo, sinceramente, uma bela viagem de conhecimentos


atuais das relações jurídicas de interesse coletivo. Você também permitiu, de
alguma forma, que estivéssemos juntos em todos os capítulos, pelo que seremos
eternamente gratos.

Muito obrigado!

Prof. Roberto Mattos Abrahão

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Sobre o professor conteudista

Roberto Mattos Abrahão é graduado em Direito pela Universidade do Vale do


Itajaí (1998), especialista em Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional
pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (2002) e especialista em
Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina pela Escola Superior da
Magistratura do Estado de Santa Catarina (1999). Atualmente é Professor da
Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e Assessor Jurídico do Ministério
Público de Santa Catarina.

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9 788578 177713

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