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Constituição cidadã, 30 anos: direitos, amarras e desafios https://www.nexojornal.com.br/explicado/2018/09/21/Constitui%C3%...

Constituição cidadã, 30 anos: direitos,


amarras e desafios

Lilian Venturini

Foto: Arquivo/Ag. Senado

Aprovação da Constituição Federal de 1988

Parlamentares comemoram a aprovação da Constituição, em 22 de setembro de 1988

Entre 1987 e 1988, o Congresso Nacional se dedicou a redigir a nova Constituição


Federal do Brasil. O resultado desse trabalho simbolizou não só a formalização de
princípios sociais e políticos que passariam a vigorar no país, mas também o fim da
ditadura militar.

Chamada de Constituição cidadã pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente da


Assembleia Nacional Constituinte, a nova Carta substituiu o texto de 1967, que havia
consolidado o golpe de 1964 ao conferir mais poderes à União e ao presidente da
República.

“A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando,


após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do
homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua
honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”

Ulysses Guimarães

presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em discurso em 5 de outubro de


1988

Com o fim do regime militar, em 1985, a aprovação da Constituição pelos


parlamentares em 22 de setembro de 1988 foi um dos marcos principais na transição
para a democracia. A promulgação da Carta ocorreu em 5 de outubro do mesmo ano.

Três décadas depois da aprovação, a Constituição mantém intactos pontos essenciais


em sua concepção, ao mesmo tempo em que soma dezenas de alterações e atrai
debates sobre as necessidades de ser ou não revista para dar conta dos desafios dos
tempos atuais.

O QUE é a Constituição#
Foto: Arquivo/Ag. Brasil

Ulysses segura um exemplar da Constituição Federal de 1988

É o conjunto de normas que regem o país. Está acima de todas as outras leis em

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vigor. Estabelece direitos e deveres dos cidadãos, disciplina o ordenamento jurídico e


organiza o papel do poder público, definindo atribuições dos entes da federação
(municípios, estados e União) e dos três Poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário). A Constituição também impõe limites para seus agentes — incluindo a
possibilidade de impeachment do presidente da República.

Por ter sido formatada após a ditadura militar, período de 21 anos em que houve uma
forte restrição de direitos civis e políticos no país, a Constituição de 88 se notabilizou
pela ampliação dos direitos e garantias individuais, buscando, a partir de um extenso
detalhamento, evitar eventuais retrocessos institucionais.

Os direitos básicos estão listados e assegurados, em especial, no artigo 5º do texto,


que afirma, entre outros pontos, o seguinte:

todos são iguais perante a lei


é livre a manifestação do pensamento, de expressão e de religião
é inviolável a vida privada
é assegurado a todos o acesso à informação
é livre a locomoção no território nacional
é livre o direito de manifestação
é garantido o direito de propriedade

Nenhuma outra lei pode contradizer ou se sobrepor à Carta Magna. Se uma lei a
confronta, é declarada inconstitucional. Esse controle cabe ao Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo do Judiciário brasileiro, cuja função maior é ser o guardião
da Constituição — atribuição estabelecida pela própria Carta.

QUEM fez a Constituição de 88#


Foto: Arquivo/Ag. Senado

Parlamentares constituintes

Reunião do Centrão, composto por constituintes de vários partidos

A Constituição de 1988 é a sétima adotada no país — a sexta, se considerado somente


o período republicano. A primeira data de 1824, imposta pelo então imperador do
Brasil Dom Pedro 1º.

A Carta foi elaborada e debatida durante 20 meses por 559 parlamentares (72
senadores e 487 deputados federais) que integraram a Assembleia Nacional
Constituinte. Houve ainda intensa participação de representantes da sociedade civil,
com organizações de classe, entidades sociais e religiosas, e lideranças indígenas.

A convocação da Constituinte foi resultado do compromisso firmado durante a


campanha presidencial de Tancredo Neves (1910-1985), primeiro presidente civil
eleito, pelo voto indireto, após a ditadura. Tancredo, porém, morreu antes de
assumir o cargo. Coube ao vice José Sarney assumir o Palácio do Planalto e instalar a
Assembleia Constituinte.

Foto: Arquivo/Ag. Senado

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Votação da Constituição de 1988

Indígenas acompanham das galerias do Congresso a votação da Constituição de 1988

A escolha dos parlamentares foi feita por meio de eleições gerais em 1986. Deputados
e senadores tomaram posse em fevereiro de 1987. Os eleitos tinham como função
mais importante elaborar a nova Constituição, mas tiveram de conciliá-la com as
demais atividades de um parlamentar.

Isso ocorreu porque a Constituinte não era exclusiva, ou seja, não foi instalada
somente para redigir a futura Carta e ser dissolvida ao final dela. Por essa razão, após
a votação do projeto, deputados e senadores continuaram no Congresso até a
conclusão dos mandatos.

A maioria dos constituintes era filiada ao PMDB (atual MDB) e ao PFL. Entre os
parlamentares, somente 26 eram mulheres, todas deputadas.

Os partidos em 1987

O PMDB fazia oposição à ditadura militar. PFL e PDS, por sua vez, eram compostos
por egressos da Arena, partido de sustentação do regime.

As três maiores bancadas faziam parte do “Centro Democrático”, que representava


setores mais conservadores no Congresso, incluindo ainda partidos menores como o
PDC e o PTB. Como oposição, representando grupos da centro-esquerda, havia as
siglas recém-criadas, em especial o PT e o PDT.

Ulysses Guimarães, do PMDB, foi escolhido pela maioria como presidente da


assembleia. Na função, ele foi um dos protagonistas na condução dos trabalhos.

Além de Ulysses, estavam ali parlamentares que se tornariam alguns dos principais
líderes políticos do país, como Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz
Inácio Lula da Silva e Michel Temer, além de Mário Covas, José Serra e Geraldo
Alckmin, que saíram do PMDB antes do fim da assembleia (junto com FHC) para
fundar o PSDB.

As várias forças em jogo


Foto: Arquivo/Ag. Senado

Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães

Ulysses recebe emendas populares para o texto da Constituição de 1988

A instalação da Assembleia Nacional Constituinte foi o passo inicial de um processo


marcado por intensos debates. A organização do que entraria ou não na Carta foi
feita a partir de comissões temáticas. As que tratavam de temas relacionados à
economia e ao trabalho eram as mais disputadas pelos partidos.

Em paralelo, havia lobby dos mais diversos setores e a pressão de movimentos

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sociais, todos em busca de ver seus interesses contemplados. Ao todo, 122 emendas
populares foram protocoladas no Congresso, assinadas por cerca de 15 milhões de
brasileiros.

“Os corredores do Congresso fervilhavam de pessoas. Nós tínhamos


milhares de pessoas diariamente no Congresso, nos corredores, nos
gabinetes, levando papéis, levando pareceres, levando opiniões”

Bernardo Cabral

deputado constituinte pelo PMDB-AM, em relato à TV Senado divulgado em 2013

Ao final das sessões, debates e audiências, em meados de 1987, os parlamentares


tiveram de consolidar em um só projeto tudo o que havia sido feito nas comissões. A
relatoria era do deputado amazonense Bernardo Cabral (PMDB), que recebeu a
primeira versão, com 501 artigos.

Entre a formatação final e o início da votação, ficou para trás, por exemplo, a ideia de
que o Brasil adotaria o sistema parlamentarista, em substituição ao presidencialismo.
A proposta enfrentou resistências, em especial vindas do governo federal, e foi
retirada.

Ficou definido que o sistema de governo seria debatido em um plebiscito futuro, o


que ocorreu em 1993 — quando a maioria optou pela continuidade do
presidencialismo, em vez do parlamentarismo ou da monarquia.

Foto: Arquivo/Ag. Senado

Elaboração da Constituição de 1988

Manifestantes cobram artigos sobre desapropriação de terras na Constituição

A formatação final envolveu mais embates. O projeto só começou a ser votado em


janeiro de 1988. A análise em plenário expôs as divergências entre os parlamentares,
exigindo 119 sessões até que se finalizasse a primeira votação, em 30 de junho de
1988.

Havia críticas por parte do setor empresarial, que considerava excessivos os direitos
previstos. De outro lado, partidos da oposição diziam que faltavam direitos a
trabalhadores e minorias. Sarney, presidente da República, chegou a usar a rede
nacional de rádio e TV para dizer que aquela versão tornaria o país “ingovernável”
em razão dos gastos previstos.

Após mais ajustes, três meses depois houve uma segunda votação. Em 22 de
setembro, por 474 votos a 15, e 6 abstenções, a terceira versão foi aprovada. A
bancada do PT votou contra o projeto, mas assinou a nova Constituição.

QUANDO a Constituição foi aprovada#


Foto: Arquivo/Agência Brasil - 1984

Diretas Já em Brasília

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Manifestantes defendem direito a voto na frente do Congresso, em Brasília

Os primeiros passos em direção a uma nova Constituição começaram ainda na


década de 1970, dentro do grupo político que viria a formar o PMDB. Com apoio de
outros setores, a legenda discutia a volta da democracia no país, ainda sob o
comando dos generais desde 1964.

Até 1985, vigorou no país um regime durante o qual se registrou o chamado milagre
econômico ao mesmo tempo em que as desigualdades sociais foram aprofundadas.
No campo político, generais adotaram práticas arbitrárias, como o fechamento do
Congresso, cassação de mandatos políticos e a imposição do bipartidarismo (com
Arena, de apoio ao governo, e o MDB, oposição autorizada).

Foto: Celio Azevedo/Ag. Senado - 01.10.1985

Tancredo Neves, em 1985

Tancredo Neves discursa na sessão do Colégio Eleitoral, em que foi eleito presidente
da República

Houve censura aos veículos de comunicação, a artistas e repressão violenta a


manifestações populares, com registros de prisão e tortura de pessoas contrárias ao
regime. Em 2014, a Comissão da Verdade atribuiu à ditadura a responsabilidade pela
morte e desaparecimento de 434 pessoas.

Em 1980, o movimento pela Constituinte cresceu, em consonância com outras ações


que apontavam para o fim da ditadura, como a Lei da Anistia e o fim do
bipartidarismo, ambos em 1979. Em 1984, a campanha das diretas reforçava o clima
de abertura política.

Políticos, artistas e movimentos civis apostavam na força das manifestações para


eleger, pelo voto popular, o presidente que substituiria o general João Batista
Figueiredo, último presidente da ditadura. A despeito da intensa mobilização, a
Câmara rejeitou a emenda que propunha o voto direto.

Coube então ao Colégio Eleitoral, com a participação apenas de parlamentares, eleger


em 1985 Tancredo, o primeiro presidente civil após o regime.

“A primeira tarefa de meu governo é a de promover a organização


institucional do Estado. (...) É nessa discussão ampla que ireis identificar
os vossos delegados ao poder constituinte e lhes atribuir o mandato de
redigir a lei fundamental do País”

Tancredo Neves

em seu primeiro pronunciamento após a eleição, em 15 de janeiro de 1985

Após a eleição e a morte de Tancredo, Sarney deu sequência ao projeto político. Em


paralelo, ele lançou o Plano Cruzado, em 1986, na tentativa de conter a inflação e a
alta desenfreada dos preços.

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Foto: Reprodução/Cazuza

Capa do disco

Capa do disco “O tempo não pára”, de Cazuza, lançado em 1988

Enquanto boa parte da sociedade tinha de lidar com os efeitos da instabilidade


econômica no dia a dia, brasileiros também viam a cultura pop florescer na década
de 1980. O rock nacional ganhava mais espaço e surgia um dos mais conhecidos
festivais de música do mundo, o Rock in Rio. A televisão aberta assumia cada vez
mais relevância na cultura, na comunicação e nos hábitos de consumo.

Fora do Brasil, a política internacional estava às voltas com as ações econômicas de


viés liberal de líderes como a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher
(1925-2013) e o presidente americano Ronald Reagan (1911-2004). Nesse momento,
caminhava-se para o fim da Guerra Fria, disputa pós-Segunda Guerra entre Estados
Unidos e então União Soviética, bloco comunista desfeito em 1991.

EM QUE pontos a Constituição foi alterada ou


ignorada#
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados - 25.10.2016

Deputados da oposição protestam contra PEC do Teto na Câmara

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Mesmo sendo a lei máxima do país, a Constituição pode ser alterada. Mas dentro de
regras estabelecidas pela própria Carta, que determina um rito específico a fim de se
evitarem alterações excessivas e sem o devido debate público.

Para isso serve a emenda constitucional, nome dado à norma editada para substituir,
acrescentar ou eliminar algum trecho da Constituição. Uma PEC (Proposta de
Emenda à Constituição) só entra em vigor após ser debatida em comissão especial e
aprovada em duas votações tanto na Câmara quanto no Senado. São necessários três
quintos dos votos (308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores).

“A constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao


admitir a reforma”

Ulysses Guimarães

presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em discurso em 5 de outubro de


1988

Ainda assim, a Constituição impõe alguns limites às mudanças, considerando


irrevogáveis as chamadas cláusulas pétreas, descritas no artigo 60. São elas:

a forma federativa de Estado (com a divisão entre União, Distrito Federal,


estados e municípios)
o voto direto, secreto, universal e periódico
a separação dos Poderes
os direitos e garantias individuais (descritos no artigo 5º)

Entre 1988 e setembro de 2018, foram feitas 99 emendas, que trataram de temas
como:

reeleição para presidentes, governadores e prefeitos (1997)


reforma do Judiciário (2004)
fim do voto secreto para análise de perda de mandato de deputados e
senadores (2013)
direitos aos empregados domésticos (2013)
aumento de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória para
ministros de tribunais (2015)
imposição de limite por 20 anos ao crescimento dos gastos públicos à
inflação do ano anterior (2016)

Alterações mais profundas quase sempre são alvo de intenso debate e disputa
partidária. A votação da PEC da reeleição, em 1997, foi entrecortada por denúncias
de compra de votos na Câmara em troca de apoio ao texto. A despeito do escândalo, o
episódio não impediu a aprovação da medida, que permitiu a Fernando Henrique
disputar a reeleição naquele ano, saindo vitorioso.

Depois, os governo Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) propuseram


convocar constituintes a fim de se debater mudanças no sistema político. Recebidas
com críticas pela oposição, as ideias não avançaram.

A questão da regulamentação
Mesmo após tantas mudanças, há outras centenas de dispositivos da Constituição à
espera de regulamentação. Quando passou a vigorar, o texto tinha 382 dispositivos

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(termo genérico usado para se referir a artigos e parágrafos que compõem a Carta)
que careciam de leis específicas. Estas leis definiriam a maneira como diretrizes
previstas na Constituição seriam colocadas em prática.

Desde então, 263 foram regulamentados, a exemplo do que fizeram o Estatuto da


Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor. Mas, até setembro de
2018, havia outros 119 pontos sem regulamentação. Em parte isso deixa temas
relevantes sem regras claras, como o direito de greve de servidores públicos.

De outra parte, indica que alguns temas mostraram-se irrelevantes ou de difícil


aplicação. Um exemplo era a norma que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano,
que acabou revogada por uma emenda constitucional em 2003.

Os artigos não votados


O longo processo de discussão e redação da Constituição revelou suas falhas anos
depois. Em 2003, o então ministro do Supremo, Nelson Jobim, contou ao jornal O
Globo que dois dos artigos da Carta foram incluídos sem serem votados em plenário.

Jobim foi um dos deputados constituintes do PMDB. Segundo ele, a inclusão


daqueles trechos ocorreu após uma deliberação somente entre líderes partidários que
integravam a Comissão de Redação, responsável pelos ajustes finais do texto.

Um dos artigos era essencial, já que estabelecia o princípio da independência entre


Executivo, Legislativo e Judiciário. O outro artigo segue sob sigilo, parte do “pacto de
silêncio” que Jobim disse ter assumido com Ulysses. A revelação provocou reações
entre parlamentares e representantes do meio jurídico, que pediram o impeachment
de Jobim do Supremo, o que não ocorreu.

COMO a Constituição influenciou os rumos do


país#
Foto: Pilar Olivares/Reuters - 27.06.2013

Hospital Miguel Couto, no Rio

Hospital municipal Miguel Couto, no Rio, conveniado ao SUS

Os artigos dispostos na Constituição de 1988 forjaram os princípios do que se


entende por um Estado de bem-estar social — organização em que o Estado tem
participação ativa na organização social e econômica de um país.

Inspirados em textos constitucionais de democracias já consolidadas, idealizadores


da Carta brasileira vislumbravam nele um meio para combater problemas crônicos
do país, como a desigualdade social. Não à toa, estão entre os primeiros artigos
aqueles que tratam dos “direitos sociais”. Eles asseguram a todos os brasileiros:

educação
saúde
alimentação

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trabalho
moradia
transporte
lazer
segurança
previdência social
proteção à maternidade e à infância
assistência aos desamparados

Esses princípios nortearam em parte a formatação de políticas públicas nacionais,


como o SUS (Sistema Único de Saúde); a Previdência Social e a educação pública,
com a definição de responsabilidades de cada ente federativo (União, estados e
municípios) para essa área.

Para tanto, a Constituição previu como os governos federal, estaduais e municipais


deveriam organizar receitas e despesas para garantir aqueles direitos, obrigando, por
exemplo, que um percentual mínimo da receita de impostos fosse investido em saúde
e em educação.

Na área trabalhista, a Carta também estabeleceu direitos essenciais, incluindo a


unificação do salário mínimo em todo o país. Houve ainda a definição da jornada de
trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais (antes, eram 48 horas), 13º salário
e o aviso prévio, implantando e ampliando temas previstos na CLT (Consolidação das
Leis do Trabalho), de 1943.

POR QUE a Constituição está em debate


permanente#
Foto: Arquivo/Ag. Brasil

Agência do INSS

Atendimento em agência da Previdência Social

Os 250 artigos da Constituição brasileira fazem dela uma das maiores do mundo,
atrás apenas da lei máxima da Índia. O tamanho da Carta reflete a diversidade de
temas incluídos nela e o processo de sua elaboração, marcado pela participação dos
mais variados atores sociais e econômicos.

Alguns de seus autores atribuem ao contexto do país a necessidade de se fazer uma


lei tão longa, que fosse capaz de dar conta dos diversos problemas políticos (ainda
consequência da proximidade com o regime militar), sociais e econômicos,
conferindo ao Estado um papel de bastante protagonismo.

Ao longo de 30 anos, têm sido recorrentes os debates em torno do texto


constitucional e sobre a necessidade ou não de se rever pontos da Carta.

Mais recentemente, a discussão voltou quando o governo Michel Temer propôs uma
reforma da Previdência, o que demandaria alterações na Constituição. Voltou
também durante a tramitação da reforma trabalhista, aprovada em 2017, que não
mexeu na Carta, mas alterou leis que, para parlamentares da oposição e para alguns

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professores de direito, ameaçam direitos previstos em 1988.

A Constituição em debate
Custo

As diversas obrigações do Estado definidas pela Carta tornam alto o custo público
para implementação dos direitos sociais, na avaliação, por exemplo, do economista
Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
(2003-2005). A vinculação orçamentária, que determina um percentual mínimo de
investimento em certas áreas, acaba sobrecarregando o poder público.

“Os princípios da Constituição de 1988 são consensuais. Outra coisa é


como implementa esses princípios. (...) A prioridade não é desvincular
gastos em saúde e educação. A prioridade é melhorar a eficácia desses
gastos. (...) Universalizar o acesso ao ensino básico foi uma imensa
conquista. Mas não conseguimos uma educação de qualidade”

Marcos Lisboa

economista e presidente do Insper, em entrevista ao Nexo, publicada em 28 de abril


de 2016

Amplitude

A extensão dos direitos e a previsão de como eles deveriam ser alcançados aparece
como tema complementar acerca do debate sobre custos e implementação da Carta.
Diretor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena Vieira entende a necessidade de rever
pontos (como o regime da Previdência), mas sem mexer em direitos básicos.

“Há coisas que não podem ser desvinculadas (...) e friso que essas duas
coisas são saúde e educação. E há outras coisas que devemos, sim, pensar
em mecanismos de maior flexibilização. (...) Isso não significa que não
devemos repensar mecanismos da eficiência a esses investimentos”

Oscar Vilhena Vieira

diretor e professor da FGV Direito SP, em entrevista ao Nexo, publicada em 28 de


abril de 2016

Detalhismo

Além dos artigos que tratam da organização política e jurídica do país e dos direitos
fundamentais, a Constituição traz ainda questões ambientais, culturais, tributárias,
sobre transporte e tantas outras. Entre pesquisadores e constituintes, há quem veja
no excesso de temas a explicação para as inúmeras alterações feitas desde 1988,
como avalia o cientista político Rogério Arantes, professor da USP.

“Minha preocupação era evitar que ela [a Constituição] fosse muito


detalhada porque isso introduziria muita rigidez no processo político e
administrativo brasileiro. Mudar a Constituição é sempre algo complexo.
Na verdade, o que era objeto de leis em outros países acabou entrando na
nossa Constituição”

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José Serra

senador e deputado constituinte, em relato à TV Senado divulgado em 2013

PELO MUNDO: as origens das constituições#


A expressão Carta Magna, comumente usada para se referir à Constituição, é
referência à “Magna Charta”, do latim, que significa Grande Carta. Trata-se de um
documento inglês de 1215 que impôs limites ao rei João da Inglaterra (conhecido
como João sem Terra) e determinou que, a partir dali, ele deveria obedecer a
procedimentos legais.

A importância da Grande Carta, cujo reconhecimento ocorreu somente séculos


depois, foi sinalizar ao monarca que mesmo ele estava abaixo da lei. É sobre essa
reconfiguração de poderes que tratam as primeiras constituições (algumas delas
inspiradas na Grande Carta), dentro de um contexto de limitação do poder dos
monarcas europeus, segundo definição do professor de direito Giuseppe de
Vergottini, da Universidade de Bolonha, na Itália.

Por essa razão, explica Vergottini, o conceito de Constituição é associado, em


essência, à ideia da separação de poderes e de garantias de direitos a todos os
cidadãos.

Constituições na história
Mais antiga

Vem dos Estados Unidos, em 1787, aquela que é considerada a primeira e mais antiga
Constituição do mundo moderno. Ela ainda está em vigor e teve 27 ajustes feitos
desde então. E é pequena, comparativamente à brasileira, abordando mais princípios
gerais da organização do país.

Textos europeus

Em sequência, veio a da França, em 1791, que tinha como direitos fundamentais a


liberdade e a igualdade de todos perante a lei. A Constituição francesa passou por
dezenas de alterações, estando em vigor a versão de 1958. Na Alemanha, a primeira
Constituição data de 1849, também passando por alterações. Está em vigor a de
1949. Com textos menores do que a versão brasileira, as cartas europeias
influenciaram alguns dos princípios presentes na Carta de 1988.

Na América Latina

Entre os países próximos do Brasil, México e Costa Rica têm a Constituição mais
antiga, de 1917 e 1949, respectivamente. A mais recente, de 2010, é da República
Dominicana. Neste momento, Venezuela e Cuba discutem mudar as leis máximas
vigentes. Segundo pesquisadores, muitas das Cartas sofreram influência dos modelos
europeus, mas a partir da década de 1980 há quem observe, nas constituições mais
recentes, textos em que se sobressaem características mais próprias desses países.

EM ASPAS: considerações sobre a Constituição#

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“A garantia da dignidade da pessoa humana é o princípio mais


importante na Constituição de 1988. (...) A Constituição criou sistemas,
como o de educação, que é libertadora. Não há democracia sem os
direitos fundamentais devidamente cumpridos”

Cármen Lúcia

ministra e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, em declaração em 9 de


agosto de 2018

“O texto final, em face dessas negociações das diversas correntes políticas,


tornou-se adiposo, com um elenco considerável de dispositivos sem
nenhuma densidade constitucional, como aquele (...) que impunha a
manutenção do Colégio Pedro 2º, no Rio de Janeiro, na órbita federal.
Teve, todavia, méritos como: exigir a harmonia e independência dos
Poderes (artigo 2º) e multiplicar o elenco dos direitos e garantias
individuais”

Ives Gandra da Silva Martins

advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, em artigo à Folha de


S.Paulo, de 18 de setembro de 2018

“Os 30 anos da Constituição nos encontram na necessidade de defendê-la


mais do que nunca de tentativas autoritárias. Sua vigência, mesmo que
com deficiências, nos garante um ambiente de liberdade, pluralidade e
tolerância. Este é o momento mais importante, desde 1988, para lembrar
que esses valores precisam ser preservados”

Juana Kweitel

diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos, em declaração ao Nexo

“No mercado de balas de prata em que se transformou a política


brasileira, não falta quem argumente pelo fim da Constituição de 1988,
afirmando sua ruína fatal, nem quem sustente, no polo oposto, que todos
os compromissos constitucionais se encontram hoje em perfeita
harmonia institucional. Além de irreais, nenhuma dessas leituras faz
justiça à Constituição de 1988. É dela que deve partir, afinal, a resposta
madura à sua crise de identidade”

Conrado Hübner Mendes

professor de Direito Constitucional da USP, em artigo à revista Cult, de setembro de


2018

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