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® Universidade Presbiteriana Mackenzie

Caderno de Pesquisas:
Psicologia do Cotidiano
V.2, ano.12.n.1- Jun. 2016
ISSN 1984-6762

XXII Mostra de Psicologia do Cotidiano

Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais


do Cotidiano
CNPq/Mackenzie
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROFA. DRA. BERENICE CARPIGIANI
Diretora

PROF. DR. ERICH MONTANAR FRANCO


Coordenador do Curso de Psicologia

PROFA. DRA. PATRÍCIA FIORINO


Coordenadora de Programas, Projetos e Eventos de Extensão

PROF. DR. MARCOS VINÍCIUS DE ARAÚJO


Coordenador de Pesquisa e Extensão do CCBS

Organização

Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano


CNPqjMackenzie

Prof. Dr. Erich Montanar Franco


Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho
Profa. Dr. Robson Jesus Rusche

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sUMÁRIO

ARTE NA SAÚDE E NA COMUNIDADE


Orientador: Prof. Dr.: RobsonJesus Rusche

INSTITUTO ARTE NO DIQUE


Autores: Ana Flávia Costa, Ana Paula Fernandes, Cassiana Ruiz, Cristiane Aguiar, J aqueline
Ribeiro, Julia Mattos, Karina Braga, Katja Wirth, Mayara Matos, Mayara Miyahara, Sofia
Soares.

PSICODRAMA: O TEATRO COMO INSPIRAÇÃO PARA A SAÚDE MENTAL


Autores: Beatriz Costa, Gabriela Senhorelli, Isabela Neves, Isabela Muraro, Jessica dos
Anjos, Juliana Ribeiro, Patricia Ferreira, Samyle de Carvalho, Thatiani Serpeloni, Thiago
Trafimovas.

JAMAC: A ARTE COMO PROMOÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E COMUNITÁRIA


Autores: Erica Pascoal, Gabriela Morin, Giovanna Albuquerque, Georgia Valente, Mariane
Andrijic, Noam Kremer, Thatiana Piccoli, Verônica Manuppela, Victoria Gaudioso,
Morgana Figueiredo.

MOBILIDADE URBANA, VIOLÊNCIA E PRECONCEITO


Orientador: Prof." Dr.": José Estevam Salgueiro

PRECONCEITO RACIAL: A PERSPECTIVA DA EMPREGADA DOMÉSTICA


Autores: Beatriz Saldanha, Bianca Silva, Bruna Naswaty, Carolina Caminha, Erica Yano,
Nathalia Petreche, Marciano da Silva

MOBILIDADE URBANA
Autores: Ana Carolina Robes, Carolina Mattar, Fernanda Nerguisian, Isabela Nasrallah,
Roberta Amadei.

UNIVERSIDADE, UM LUGAR DE VIOLÊNCIAS


Autores: César Alves Gabrielly Leite João Francisco Teixeira Neto Luiz Cardoso de Sá
Patrícia Fostes Rafael Cardoso de Brito Tatiana de Gusmão Feijó

MEMÓRIA E PERTENÇA
Orientador: Prof." Dr.": José Estevam Salgueiro

REFUGIADOS - PRESERVAÇÃO DA CULTURA E MEMÓRIA


Autores: Bruno Bueno da Castro Setti Diogo Amaral Evelyn Vanielly Maria de Oliveira
Leslie Meireles Renata Monteiro

TIRA, PÕE. .. VAMOS TROCAR


Autores: Beatriz Borges Moreira Raphael da Silva Martins Gabriela de Souza Rodrigues
Maria Inácia de Andrade Laerte Conceição Bezerra Mariana Ferreira Santini Gabriella
Moreira de Alcantara

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EDUCAÇÃO
Prof. Ms. Susete Figueiredo Bacchereti.

INCLUSÃO SOB UMA PERSPECTIVA PESSOAL E FAMILIAR


Autores: Andrea Romero latterza Julia Scheuer Nilza Machado Trevisani Olga Miranda
Lopes Oliveira Thais Luana Michels Gimenez

COTAS: BENEFICIA A QUEM?


Autores: Jessica Thatiane Silva de Aquino Thais Tiemi Mirata Thais Reis Santos Jonatas
Santos Ferreira Bruno Fiuza Birnan Rafaela Cristina Curatolo

ARTE NA SAÚDE E NA COMUNIDADE

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INSTITUTO ARTE NO DIQUE numa região periférica, área de maior
precariedade e vulnerabilidade social da
Autores: Ana Flávia Costa, Ana Paula Baixada Santista, na favela de Vila Gilda ,
Fernandes, Cassiana Ruiz, Cristiane construída de palafitas à beira do mangue,
Aguiar, J aqueline Ribeiro, Julia Mattos, sobre o Rio Bugre, onde vivem cerca de
Karina Braga, Katja Wirth, Mayara 20 mil habitantes distribuídos numa área
Matos, Mayara Miyahara, Sofia Soares. de aproximadamente 4 km de extensão,
com 27% da população ativa composta
Orientador: Prof. Dr.: RobsonJesus por pessoas desempregadas e renda
Rusche média de R$ 76,00 por mês, contrastando
com o município que orgulhosamente é
Introdução
dono do maior (e mais belo) jardim da
No presente trabalho, orla do mundo. É uma das maiores
discutiremos a relação entre arte e favelas de palafitas do Brasil e da América
psicologia, utilizando a teoria de Lev Latina, quer dizer, é a grande favela
Vigotsky para analisarmos o trabalho que localizada na divisa de Santos com São
está sendo realizado no Instituto Arte no Vicente. José Virgílio escolhe exatamente
Dique, localizado em Santos. Como esta comunidade objetivando trazer a
exemplo de arte, a música proporciona dignidade que a arte e a cultura, capazes
aos seus produtores uma nova forma de de promover reflexão a respeito dos
enxergar o mundo e também de se preconceitos, podem chegar num lugar
auto enxergar, não só pelo aprendizado de desses e transformar vidas. O projeto
um novo instrumento, mas pela oferece oportunidades de transformação
oportunidade de um novo convívio social e desenvolvimento humano e social aos
(Oliveira, 2006), sendo assim, a arte no moradores da região, oferecendo
Dique pode proporcionar novas gratuitamente oficinas de dança,
trajetórias para jovens e crianças, criando percussão, violão, customização,
alternativas para a situação de informática, capoeira e teatro, além de
vulnerabilidade em que se encontram, atividades pontuais como sessões de
engendrando opções para o viver, agir e cinema e palestras. Arte no Dique é uma
compreender o mundo. escola de arte popular que tem um
formato pedagógico informal e que visa
Instituto Arte no Dique através da arte e da cultura a inclusão
social, a formação de cidadãos, o trabalho
O Instituto Arte no Dique nasceu da autoestima e também a capacitação
em novembro de 2002, no bairro de para o mercado da arte e da cultura que é
Santos, Litoral Sul de São Paulo. Fundada bastante amplo. Atualmente atende cerca
por José Virgílio, natural de Salvador, tem de 600 pessoas.
a missão de promover a transformação
social e o desenvolvimento sustentável Relato da Visita
por meio da arte, da cultura e da
profissionalização de jovens e adultos, Antes de chegarmos ao instituto
possibilitando geração de trabalho e nos engajamos em uma preparação que
renda sem agredir o meio ambiente. A durou cerca de um mês. Durante a visita,
instituição Arte no Dique está localizada os integrantes se dividiram em subgrupos
que realizaram diferentes entrevistas e proporcionando assim que sua história
abordaram distintos setores da seja transformadora e que seu psiquismo
instituição. alcance aspectos mais elevados da arte e
da cultura.
A expectativa do grupo em
relação à estrutura do instituto não era Arte e Psicologia: uma relação
grande, uma vez que está localizado em delicada
uma das regiões mais pobres do país.
Porém, ao chegar, nos surpreendemos Existe uma crítica que glra em
imensamente, aliás, o prédio conta com torno da relação entre arte e psicologia,
uma arquitetura diferente de tudo o que tanto considerando que a atividade
existe na região, é extremamente bem artística antecede a constituição do
construído e muito bonito. discurso psicológico, como também
considerando que a Arte ultrapassa a
As surpresas não pararam por aí. própria psicologia, isto é, não se limita à
Encontramos uma instituição repleta de análise psicológica, podendo e devendo
moradores e alunos da escola municipal ser objeto da filosofia, das ciências sociais
da região. Todos estavam organizados e e de outras disciplinas. Por conceitos pré-
engajados em alguma atividade, fixados e que diz respeito aos
desenvolvendo assim novas experiências sentimentos e a novas formas de
individuais e de convívio em conjunto. conceber o real.
Os professores e a pedagoga pareciam
estar bastante alinhados quanto ao O fenômeno arusnco é, em
objetivo do projeto e, os demais primeiro lugar, uma forma de fazer ou
funcionários exalavam sintonia, mesmo uma construção de objetos simbólicos
porque todos vivem e trabalham na estruturados de tal forma que se
comunidade. Por conta disto, o clima de transformam em significados. Em
trabalho e aprendizagem que segundo lugar, a Arte pode ser vista
encontramos foi de harmonia e como uma maneira de exptlffi1r
descontração. sentimentos e ideias, sobretudo emoções,
mas também concepções de mundo de
O que mais chamou a atenção do indivíduos e/ou de grupos sociais, sendo,
grupo foi o engajamento e o interesse que portanto, uma forma de conhecimento.
os alunos, de todas as idades, Uma obra de arte pode ser analisada em
apresentavam em relação ao conteúdo função do seu produtor, do seu receptor
das oficinas. Desde crianças curiosas e ou a partir das considerações de seus
ansiosas em adentrar o mundo da arte, aspectos internos.
pois é a ideia que Vigotsky nos apresenta,
a arte deixa o ser humano mais Na experiência estética, o
complexo, provocando assim as crianças receptor se defronta com um tipo de
a desenvolver as suas potencialidades e linguagem que não é convencional ou
capacidades de abstração, criatividade, utilitário; com efeito, trata-se de uma
imaginação e percepção, até adolescentes linguagem mais conotativa que
com sede de aprendizado e objetivos denotativa, o que significa um trabalho de
profissionais extremamente sólidos, leitura que Vai além das regras
estabelecidas para a linguagem para uma

7
r
comunicação habitual. Esse tipo de impactar de forma positrva os sujeitos,
linguagem constitui formas simbólicas estimulando seu crescimento pessoal.
que, como aponta Langer (2003), se
apresentam à percepção humana como Para o autor, as emoções são
modos de expressão de sentimentos que, consideradas como um fenômeno
de outra maneira, não poderiam ser psicológico, cultural, ativo e mutável,
ditos. levando em conta o desenvolvimento
histórico e cultural. Nesta perspectiva,
No instituto Arte no Dique foi entendemos que a instituição
realizada uma entrevista com a professora compreende os aspectos emocionais,
de dança, que relata que a arte é um culturais e os fenômenos psicológicos
modo de transmitir e de mostrar algo que como pertinentes ao desenvolvimento
não se consegue nomear e que é humano. Todo o trabalho desenvolvido
transformador. "A dança é um exercício visa possibilitar uma mudança na vida dos
que te traz para dentro de uma coisa sujeitos, esclarecendo que os limites
muito divertida. Os exercícios são biológicos devem ser respeitados, porém,
necessários pra gente, pra qualquer ser não são suficientes para definir o sujeito.
humano, e a dança, fora o exercício,
trabalha com a emoção, ela trabalha com A psicologia tem como objetivo,
o que você está sentindo, trabalha com a analisar a estrutura da obra de arte,
alegria. A dança transforma o seu buscando apreender as funções
momento, transforma aquilo que você psicológicas, tipicamente humanas,
está sentindo, então com certeza a dança inclusive o sentimento que a obra traz. As
transforma vidas", diz ela. percepções das obras de arte fazem parte
da humanização dos cinco sentidos e a
Vigotski, ao discutir a relação própria arte tem impacto direto sobre os
entre arte e psicologia, traz a ideia de que sujeitos na transformação da
os instrumentos culturais e a arte estão a consciência humana.
serviço dos homens e de seu
desenvolvimento, proporcionando a A psicologia da arte revela
humanização dos ClnCO sentidos algumas funções psicológicas colocadas
biológicos, ou seja, contribuindo para o na estrutura da obra, que são reveladas a
desenvolvimento humano. A partir desta partir de vivências que a obra de arte
discussão podemos entender que os expressa, gerando transformações
trabalhos realizados na instituição "Arte objetivas nos indivíduos.
no Dique" buscam alcançar o
Para Vigotski, a arte está
desenvolvimento dos sujeitos que ali
relacionada com a realidade, porém a
frequentam, tanto na perspectiva psíquica
obra de arte não é uma cópia fiel da
e/ ou social quanto potencializar o
realidade objetiva, mas sim algo que é
desenvolvimento: melhorar o
fruto da criatividade e que tem
desempenho motor, o controle
capacidade de se transformar em produto
emocional, a expressão comportamental e
cultural. A função da arte vai além de
corporal, entre outras, desta forma, a arte
expressar sentimentos e mudar estágios
é a principal via, no projeto, que visa
de humor imediato como tristeza em
felicidade, mas sim conseguir objetivar

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sentimentos e outras potencialidades do eles existe o respeito pelas características
ser humano, provocando alterações no históricas e culturais de cada integrante,
psiquismo e proporcionando uma melhor visando o desenvolvimento estético de
organização para uma condição mais forma que se torna possível uma
elevada do sujeito. transformação no psiquismo como
facilitadora da evolução de funções
Percebemos no decorrer das psicológicas superiores. Segundo
observações realizadas na instituição, que Vigotsk:i, a emoção, a percepção, a
as obras e as expressões corporais criatividade e a imaginação estão
construídas pelos sujeitos frequentadores diretamente relacionadas com a arte e sua
não são a cópia fiel da realidade objetiva, produção e estudo podem levar a esse
mas Sim fruto da criatividade e desenvolvimento.
espontaneidade dos mesmos, por isso, o
objetivo não é apenas mudar ou Nas entrevistas com os
transformar os estados de humor do professores de percussão e de teatro,
criador, mas conseguir provocar percebemos ideias que corroboram com
alterações no seu psiquismo, as afirmações de Vigotski de que a arte
proporcionando uma melhor organização potencializa o ser humano,
deste para uma condição elevada. Ou proporcionando novas experiências e
seja, as mudanças de estados de humor transformações no psiquismo.
que nos foram retratadas nas entrevistas,
são apenas os primeiros sinais de "A arte não só transforma, como
possíveis transformações psíquicas do cura. A música cura. A música é
sujeito. praticamente um milagre. Eu tenho
alunos aqui especiais, que vem aqui,
A arte tem a capacidade de tocam assim, e tu fala: 'Meu Deus, mano.
desenvolver funções psíquicas complexas Como é que ele consegue fazer isso aí?'
e promover o contato com experiências E, às vezes, os grandão aqui ficam
de outros seres humano, fazendo com olhando e eu falo: 'Gente, é uma coisa
que cada vez mais este se torne mais que vem do coração, as coisas que vêm
complexo e consiga elevar suas forças do coração, a gente não explica, a gente
humanas tais como: abstração, simplesmente sente'. Música é isso"
criatividade, percepção, imaginação e (professor de percussão).
emoção. Portanto, podemos entender
que a arte é um instrumento cultural "[...] a arte eu acho que é uma
mediado pelo indivíduo e o gênero vontade de transformação do ser. E é
humano e que tem como objetivo justamente aí, a partir do momento que
reproduzir características já realizadas ao ele se manifesta através da arte, que ele
longo da história para causar chega, que ele nasce. Tem gente que
transformações no sujeito, auxiliando na descobre o desenho, tem gente que
formação das funções superiores do descobre a música e tem gente que vai
psiquismo. Esses aspectos foram procurar a técnica ou fazer"(professor de
evidenciados na. maioria dos diálogos que teatro).
constituímos com os frequentadores do
Nas entrevistas, os professores
projeto, pois nos trabalhos realizados por
dizem que a arte e especialmente a música

9
é uma forma de tratamento para as
pessoas, que ela nos proporciona
sentimentos, sensações inexplicáveis, é
uma descoberta de si mesmo, é
transformadora. Com essa ideia,
podemos associar com a musicoterapia:

Uma definição upica de


musicoterapia geralmente parte do
ponto em que a mesma consiste
numa profissão de tratamento onde
o terapeuta usa a música como
instrumento ou meio de expressão a
fim de iniciar alguma mudança ou
processo de crescimento
direcionados ao bem-estar pessoal,
adaptação social, crescimento
adicional ou outros itens (EVEN,
1990,p.14) .

A arte terapia, a partir da música,


proporciona justamente o crescimento
pessoal, promove mudanças psíquicas.
Schopenhauer diz que: "A música
exprime a mais alta filosofia numa
linguagem que a razão não compreende".

Referências Bibliográficas

BARROCO, Sônia Maria Shima;


SUPERTI, Tatiane. Vigotski e o estudo
da psicologia e da arte: Contribuições
para o desenvolvimento humano.
Universidade Estadual de Maringá.

CARVALHO, A. Arte e Psicologia: uma


relação delicada. In: Núcleo de Estudos e
Pesquisas Psicossociais do Cotidiano
(Org.) Introdução a Psicologia do
Cotidiano. São Paulo: Expressão e Arte
Editora, 2007.

RUUD, Even. Musicoterapia - profissão


de saúde ou movimento cultural? In:
RUUD, Even. Caminhos da
musicoterapia. São Paulo: Summus,
1990. Capo 1. p. 14.

10
PSICODRAMA: MORENO E O PSICODRAMA
o TEATRO COMO INSPIRAÇÃO
PARA A SAÚDE MENTAL J acob Levy Moreno foi um
psiquiatra Romeno que concebeu a teoria
Autores: Beatriz Costa, Gabriela psicodramática a partir de seus estudos
Senhorelli, Isabela Neves, Isabela Muraro, sobre teatro e de suas observações e
Jessica dos Anjos, Juliana Ribeiro, Patricia vivências de brincadeiras infantis,
Ferreira, Samyle de Carvalho, Thatiani fundando, em 1921, o Teatro Vienense
Serpeloni, Thiago Trafimovas. da Espontaneidade, experiência que
constituiu a base de suas ideias da
Orientador: Prof. Dr.: RobsonJesus Psicoterapia de Grupo e do Psicodrama
Rusche (SALLES et. al,1988).

INTRODUÇÃO o período em que Moreno


dedicou-se ao teatro foi uma fase de
A Arte como recurso terapêutico
construção teórica bastante intensa, que
é um instrumento de tratamento para o
representou uma transição de suas ideias
desenvolvimento pessoal que pode
religiosas para uma entrega à ciência.
ocorrer a partir de um contexto
Aproveitou o conceito de
terapêutico e de mediadores artísticos.
"espontaneidade como natureza
Através das criações coletivas, temos
primordial, que é imortal e reaparece em
acesso a várias informações: o que é, para
cada nova geração" (MORENO apud
que serve e que sentimentos são
SALLES, pago 13) e, neste momento de
transmitidos antes e após estas,
transiçao, rebelou-se contra o
proporcionando um valor estético e
falseamento das instituições sociais (da
informativo para o orientador,
Família e da Igreja) e contra a robotização
facilitando, assim, o acesso ao imaginário
do ser humano. Via no teatro a
dos sujeitos.
possibilidade de iniciar sua revolução a
partir da investigação da espontaneidade
Este último é fundamental tanto
no plano experimental. No entanto, foi
para a arte quanto para a psicologia, pois
apenas com o trabalho com pacientes
ele reflete pensamentos, sentimentos,
psiquiátricos que Moreno descobriu a
memórias e aspectos da personalidade e
função terapêutica da dramaturgia: o
do self, facilitando uma compreensão
mais profunda dos sentimentos e das teatro da espontaneidade passa a ter uma
função terapêutica e transforma-se no
situações vividas, para que o coordenador
Teatro Terapêutico e este no Psicodrama
do processo grupal possa desenvolver
Terapêutico (SALLES et. al).
novas formas de atuação.

Moreno descobriu que um


Um dos recursos artísticos que
processo catártico acontece no
podem ser utilizados para mediar o
psicodrama, ou seja, um processo de
acesso ao imaginário dos indivíduos é a
"libertação psíquica" que o ser humano
dramatização, modalidade explorada por
vivencia quando consegue superar algum
Jacob Levy Moreno em suas pesquisas e
trauma cujo princípio comum que rege tal
intervenções, tema de nossa investigação
fenômeno é o da espontaneidade. Por
no presente trabalho.

11
isso, no Psicodrama, os conteúdos que conforme dito no psicodrama, é o
estavam afastados da consciência vêm à caminho da saúde mental.
tona e possibilitam a estudo de
possibilidades existenciais para os Para Moreno, a expansividade
participantes da sessão, tanto individual afetiva é originada no início da vida: "a
como em grupo. Sendo assim, a catarse é família é a instituição social que mais
uma integração que possibilita a formação contribui para desenvolver a sociabilidade
da identidade, que vem à tona no do homem e para dar forma própria à sua
Psicodrama, no qual há a representação necessidade de expansividade afetiva. A
de papéis de maneira espontânea, influência do grupo familiar se exerce,
fazendo com que o indivíduo possa não somente sobre a qualidade dos
expressar aquilo que está sentindo, dando interesses afetivos, mas também sobre
sentido a isso, função do Psicodrama sua quantidade, quer dizer, sobre sua
como um 'teatro terapêutico', o qual expansividade" (MORENO, 1972, p.72).
depende intrinsecamente da
Pode-se concluir, portanto, que o
expansividade afetiva dos membros
estudo da expansividade afetiva é um
envolvidos na sessão psicodramática
caminho para a investigação da
(SALLES et. al).
consciência e da sociabilidade dos
A EXPANSIVIDADE AFETIVA NO indivíduos que contribuiu para a
construção de técnicas psicodramáticas
PSICODRAMA
que melhorassem a qualidade da
vinculação e da comunicação intragrupal,
A expansividade afetiva dos
promovendo reflexões que geram
indivíduos é, segundo Moreno "a energia
conhecimento acerca do outro e de si
afetiva que permite que um sujeito
mesmo, elevando o pensamento do plano
'retenha' o afeto de outros indivíduos
cotidiano para o plano contemplativo.
durante um período de tempo dado"
(MORENO, 1972, p.63). Percebe-se que O PSICODRAMA E A ESTRUTURA
. por trás deste conceito, está a concepção DA VIDA COTIDIANA
de vínculo, que no psicodrama é a
unidade humana e, portanto, mais que Segundo Agnes Heller, no livro °
uma relação, é uma inter-relação afetivo- Cotidiano e a História (1970), a vida
perceptual. cotidiana possui algumas características,
dentre elas, destacam-se: a
Para desenvolver seus estudos espontaneidade (as ações se dão de forma
sobre expansividade afetiva, Moreno se automática, irrefletida e até mesmo
baseou na tese de que a expressão repetitiva), o pragmatismo (o homem
quantitativa dos sentimentos de simpatia atua em termos de funcionalidade e
ou antipatia pode ser facilmente medida. probabilidade), economicismo (ação e
Seus estudos apontaram que é possível pensamento se manifestam e funcionam
chegar ao que se chama de processo apenas enquanto são indispensáveis à
vincular social dos indivíduos e de seus continuidade da vida cotidiana), e o
grupos e, a partir dele, possibilitar a imediatismo (as atividades diárias são
superação dos seus conflitos, ou seja, realizadas em função da solução de
permitir o resgate da espontaneidade, que questões urgentes, não se configurando

12
como práxis) (HELLER, 1970). Nesse experiência psicodramática. Para Moreno,
contexto, o homem interage e se constitui a criação teatral tem propriedades
a partir dessa estrutura social: a estrutura catárticas, que se manifestariam mais
da vida cotidiana constitui a subjetividade precisamente através do improviso: um
dos indivíduos que se inserem nela, os recurso expressivo pelo qual o ator cria
quais, consequentemente, se tornam seres sua dramatização no momento em que a
irreflexivos, automáticos, repetitivos, encena, tendo a possibilidade de
imediatistas, econômicos e pragmáticos. transformá-Ia a todo o momento. Tal
No entanto, não é apenas a partir da vida estratégia, segundo o autor, estimula o
cotidiana que o humano se constitui, os desenvolvimento da capacidade de agir
âmbitos das artes, da moral, da política, espontânea e criativamente. Portanto, o
da filosofia e das ciências também são objetivo central das técnicas criadas por
partes constitutivas da identidade Moreno é o resgate da autonomia dos
humana, partes que elevam o pensamento indivíduos e grupos nas suas relações
humano. cotidianas através do desenvolvimento de
dinâmicas de ação mais espontâneas e
Ao falar da elevação do criativas, estimulando a capacidade de
pensamento acima da vida cotidiana, reflexão e auto-observação dos
Heller (1970) afirma que a arte e as indivíduos e impedindo a cristalização de
ciências são as únicas formas com modelos rígidos de comportamento. Em
capacidade de produção de objetivações termos Hellerianos, podemos da elevação
duradouras. Isso porque ambas rompem do pensamento humano do âmbito
a tendência irrefletida do pensamento cotidiano, das particularidades, das
cotidiano que leva a ações repetitivas e preocupações com a satisfação de
imediatistas. A arte faz a ruptura porque é necessidades imediatas, para o âmbito da
auto consciência e memória da genericidade humana, da preocupação
humanidade, as ciências sociais porque com questões éticas e filosóficas, acerca
são desantropocentrizadoras e a ciências do que significa ser humano.
da natureza porque são
desantropomorfizadoras. Tais PSICODRAMA E COMUNIDADE
concepções Hellerianas vão de encontro
aos conceitos Morenianos relacionados à Como exposto anteriormente, o
produção teatral e a função Psicodrama como uma ação terapêutica
transformadora das relações humanas. que se utiliza da arte, da criatividade e da
espontaneidade se propõe a romper com
Segundo Gonçalves et ai (1988), o a realidade cristalizada do cotidiano
psicodrama e o sociodrama são os (MORENO, 2003). Com uma proposta
termos que designam as técnicas criadas de colocar a psique em ação, o
por Jacob Levy Moreno a partir de seus psicodrama, quando aplicado à
estudos sobre a espontaneidade, que comunidade, ou seja, o sociodrama,
diferentemente de Heller, representa a desenvolve um processo de
capacidade de flexibilizar e criar novas desconstrução e ressignificação do
respostas adaptativas de acordo com as indivíduo e do meio social. (FIRMO,
situações vivenciadas, principalmente 2009)
quando estudadas no âmbito das

13
Por meio das ações reflexivas, de alunos do primeiro e sexto semestre do
revivescimento de conflitos, possibilita-se curso de Psicologia da Universidade
ao sujeito reelaborar criativamente Presbiteriana Mackenzie. Psicodrama °
soluções e caminhos que ressignifiquem aconteceu em uma sala de aula da
suas concepções de si e do mundo. Universidade.

Segundo Moreno (2003), a força A sessão se rmciou com um


do drama não está apenas no palco, mas aquecimento inespecífico pelo qual os
especialmente na plateia, tendo em vista alunos andavam pela sala fazendo
que o espectador transforma-se ao passo alongamento ao som de uma música
que a ação perpassa por seus conflitos, o relaxante. Ao término desse início de
indivíduo se identifica e se percebe sessão se deu o aquecimento específico
compartilhando com o outro as mesmas no qual a diretora pediu para os
opressões cotidianas. "Esse participantes deitassem ou sentassem no
auto conhecimento é emancipatório, pois chão e lembrassem de um sonho.
desenvolve um sentimento de alteridade e
de corresponsabilidade social". A partir de então a escolha do
(PEREIRA, e DIOGO, 2009) protagonista foi feita de acordo com os
participantes que desejassem dramatizar o
Ainda segundo estes autores, a sonho, ao todo foram encenados três
alteridade e a corresponsabilidade sonhos, cada um de um membro
fortalecem os membros do grupo, diferente.
possibilitando novas configurações das
problemáticas sociais. A práxis reinsere o Na fase do compartilhamento
indivíduo numa relação intersubjetiva e o evidenciou-se que o último sonho
acolhe como pertencente de um grupo, encenado mobilizou muitos membros da
de uma comunidade, reafirmando e plateia fazendo com que estes
ressignificando sua identidade, seu papel manifestassem suas experiências
e sua função no meio social. rememoradas a partir da encenação do
último protagonista.
Segundo Firmo (2009) a prática
psicodramática em especial em Após o compartilhamento, a
comunidades, toma corpo como ciência diretora percebeu a necessidade de um
política que abre possibilidades para a encerramento mais catártico devido às
atuação dos sujeitos de direitos que mobilizações afetivas e intensas
podem, e devem ter suas histórias provocadas durante a sessão. Nesse
expressas e escutadas. encerramento, a diretora pediu para o
grupo fazer uma grande roda e um
Relato do Psicodrama aplicado na alongamento no qual todos estendiam as
Universidade Presbiteriana mãos até os pés voltando gradualmente à
Mackenzie postura ereta inicial culminando com um
grito final.
No dia 18 de março de 2016 o
grupo organizou uma sessão de Considerações a respeito da
Psicodrama dirigida pela psicodramatista experiência e das entrevistas
Stella Gorette e da qual participaram

14
Como exposto anteriormente, o Grosso
Psicodrama é uma prática terapêutica de <http://www.ie.ufmt.br/semiedu2009 /g
ressignificação de conflitos intra e ts/ gt15 / ComunicacaoOraljYANDRA %
intersubjetivos que promove a 20DE%200LIVEIRA %20FIRMO.pdf>.
transformação das realidades psíquicas e acesso em 15 de maio 2016.
sociais, fortalecendo a ação coletiva ao
mesmo tempo em que enfatiza as GONÇALVES C. S., WOLFF, J. R.,
diferenças individuais pela integração ALMEIDA, W. C. de. Lições de
dessas particularidades para a superação psicodrama: introdução ao pensamento
das dificuldades dos indivíduos e do de J. L. Moreno. São Paulo: Ágora, 1988
grupo.
HELLER, Agnes. ESTRUTURA DA
No Psicodrama Aplicado na VIDA COTIDIANA. In: O Cotidiano e
Universidade Presbiteriana Mackenzie a História. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
pôde-se perceber tais princípios na fase
PEREIRA, Eleonora; DIOGO, Nara
do compartilhamento, em que os
Maria Forte. Interfaces entre psicologia
membros tocados pelos conflitos vividos
social comunitária e psicodrama. Psicol.
pelo protagonista na dramatização
teor. prat., São Paulo , v. 11, n. 2, p.
chegaram a uma elaboração, ou catarse de
145-160, dez. 2009 Disponível em
integração, de seus conflitos pessoais ao
<http://pepsic.bvsalud.org/ scielo.php?sc
mesmo em que se proporcionou ao
ript= sci_atttext&pid = S1516-
protagonista novas reflexões e
36872009000200011&lng=pt&nrm=iso>
compreensões de seus dilemas.
. acessos em 15 maio 2016.
Tal evidência confirma a tese de
SCHAPUIZ, Júlia; HADLER, Oriana H ..
Heller (1970), que afirma que o
Florescer: psicodrama em comunidades
pensamento cotidiano, repetitivo,
rurais.Rev. bras. psicodrama, São Paulo
imediatista e cristalizado, pode ser
, v.21,n. 2,p. 107-115, 2013.
superado pela arte: No caso do
psicodrama vivenciado no dia 18 de
março de 2016, conflitos co-
inconscientes foram trazidos à luz pela
técnica e puderam ser refletidos e
contemplados, o que certamente mudou
a atitude de cada membro em relação a
seus pensamentos automáticos acerca de
seus problemas cotidianamente
enraizados.

Referências Bibliográficas

FIRMO, Yandra de Oliveira. O


DRAMA, A NARRATIVA E A AÇÃO
NO COTIDIANO ESCOLAR, UM
OLHAR SOBRE O PRECONCEITO
RACIAL. Universidade Federal de Mato

lS
JAMAC: A ARTE COMO PROMOÇÃO similar realizado em Fortaleza, chamado
DA SAÚDE PÚBLICA E Amigos da Arte, que se torna relevante a
COMUNITÁRIA ser mencionado devido ao seu trabalho
com arte terapia, uma vez que este - assim
Autores: Erica Pascoal, Gabriela Morin,
como explicaremos adiante sobre o
Giovanna Albuquerque, Georgia Valente,
JAMAC - se propõe a reunir indivíduos
Mariane Andrijic, Noam Kremer,
em um espaço específico para realizar
Thatiana Piccoli, Verônica Manuppela,
uma troca de saberes e proporcionar
Victoria Gaudioso, Morgana Figueiredo. vivências artísticas.

Orientador: Prof. Dr.: Robson Jesus Contato com o campo da experiência


Rusche

No JAMAC, o que se encontra é


INTRODUÇÃO cultura viva, em cultivo permanente, em
Esse trabalho tem como objetivo processo dinâmico, que envolve o
apresentar o projeto JAMAC, fundado reconhecimento e a interação com o
por Monica Nador, e fazer uma análise entorno, valorizando conhecimentos,
com base nos referenciais teóricos saberes e tradições. Vai além da cultura
apresentados pela disciplina de Psicologia como formação, aprendizado e domínio
do Cotidiano II. de formas de expressões e técnicas.
O tema em questão é a Determina-se como informação e
Arteterapia e sua relação com a saúde difusão, ampliando repertórios e o
mental, em especial entre jovens de domínio da análise simbólica. Designa-se
comunidades periféricas. por cultura toda criação e produção,
De acordo com a Associação Brasileira instigando a inventividade e a habilidade
de Arteterapia, esta se define como um na arte através da articulação das pessoas
modo de trabalhar terapeuticamente, com seu meio e delas entre si, também
utilizando a linguagem artística como como desafio realizado com arte,
base da comunicação cliente-profissional. coragem e afeto, como expressão
Sua essência seria a criação estética e a simbólica em plenitude, como potência e
elaboração artística em prol da saúde encantamento que se manifestam no
mental. Projeto 'Paredes Pinturas', expressando
Com base no projeto que iremos tudo aquilo que existe de importante para
abordar, encontramos outro projeto com a formação de uma comunidade, sua
objetivos similares em Fortaleza, mais ancestralidade e seus símbolos, seus
precisamente no Centro de Atenção desejos e suas aspirações, ou seja, um
Psicossocial (CAPS) da Secretaria processo cultural que, ao se realizar na
Executiva Regional III órgão da Arte, respeita e valoriza as pessoas e suas
Prefeitura Municipal de Fortaleza -, que formas de viver, pois a cidadania só se
funciona em parceria com a Universidade realiza em ambientes de acolhimento,
Federal do Ceará (UFC). cuidado e respeito.
"Ensinar não é transferir
Esse processo de sujeito ativo e,
conhecimento, mas criar as possibilidades
portanto, transformador é evidente no
para a sua própria produção ou sua
projeto JAMAC e também nesse projeto
construção" (FRElRE, 1996, p. 21). No

16
] amac, acredita-se que ensinar é mais do promover uma transformação nas
que a transferência de conhecimento subjetividades.
descolada do diálogo. Educação se faz no Ao analisar todo discurso da
contato com o outro, na abertura ao entrevistada, é notável seus esforços para
diálogo das partes envolvidas. Abre evidenciar os processos de resistência dos
portas para a construção de novas ideias, jovens, já que é através da educação e da
pontos de vista, conhecimentos e arte para todos que o ]AMAC se propõe
também para a produção dos mesmos. a atuar. A partir da educação, os jovens
Ensinar cabe em iniciar e compartilhar envolvidos deixam o lugar de meros
formas de conhecimento, estimular o receptores, e passam a ter participação
raciocínio, a percepção, ajudar o ativa nos processos grupais, como
individuo a se desenvolver como participantes e/ou instrutores e, através
p articipante ativo do seu papel na da arte - no que diz respeito à verdadeira
sociedade, que é compartilhado. violência angustiante que eles se
O trabalho da Mônica Nador e do encontram, nesse contexto, acredita-se
JAMAC inverte o próprio sentido da que se possa ampliar as oportunidades
economia, que deixa de ser uma para criar uma nova forma de existência
forma de administraçãode recursos a
que efetue embates com os modos de
partir dos modos de produção e do
vida dominantes. Essa violência pode ser
fazer para se transformar numa
representada através da música "Cartão
administração de recursos a partir
de Visita", do cantor Criolo: "O opressor
dos sonhos e da beleza, em que o
centro vital está na vida, na Cultura e é omisso e o sistema é cupim, e se eu não
a Arte que se realizam em todas as existo, porque cobras de mim?" Visto
suas dimensões, sendo na estética, que as forças opressoras (muitas vezes
ética e na economia e não nas coisas figuradas pelo Estado) são disfarçadas, e
(NADOR, Monica- LivroJAMAC). aproveitam-se da carência em diversos
fatores, desde condutas policiais
Entretanto, foi preciso conhecer a opressoras, até valores impostos.
vida do povo, como ele morava, suas Tendo em vista recentes
necessidades e desejos para construir experiências com a utilização de recursos
soluções coletivas com essas pessoas que, artísticos como dispositivos terapêuticos
desde o início dos contatos com o na saúde mental, percebe-se
Projeto, apresentavam características empiricamente que a arteterapia, em
estéticas de funcionalidade e beleza. Toda qualquer das linguagens artísticas
uma divisão foi se organizando a partir aplicadas, tem se configurado como
das experiências artísticas que tinham importante instrumento para ajudar os
como finalidade proporcionar que as grupos de pessoas com transtornos
subjetividades se aflorassem, mentais, trazendo consigo visíveis
promovendo a releitura e reinterpretação resultados em espaço de tempo
do mundo e permitindo que os relativamente curto.
integrantes se colocassem com todo Para compreender a importância
encanto e consciência. Mônica afirma que dos projetos citados, sendo eles, o Centro
procurava no contexto das vidas, a de Atenção Psicossocial (CAPS), Amigos
inserção da produção artística no fluxo da Arte e o ]AMAC, é necessário ter
destas, sendo que seu objetivo era claro o conceito de arteterapia, que

17
consiste em um dispositivo terapêutico oportunidade de aprender e reproduzir
que absorve saberes das diversas áreas do todo o processo do desenho inicial como
conhecimento, constituindo-se como a transposição deste para diversos
uma pratica transdisciplinar, visando suportes. Há também, O ]AMAC Cinema
resgatar o homem em sua integralidade Digital, que oferece desde 2009, oficinas
através de processos de gratuitas de cinema, animação,
auto conhecimento e transformação. É workshops com técnicos e teóricos da
um trabalho predominantemente não área. O Café ]AMAC, o qual é um dos
verbal que acolhe o ser humano com toda alicerces do Ponto de Cultura Arte Clube,
sua complexidade e dinamicidade, que é uma referência importante em
atuando com os diversos aspectos dos formação popular, porque aborda de
integrantes: afetivos, culturais, cognitivos, maneira diferenciada, em termos de
motores, sociais entre outros, tão espaço e interlocução, os problemas e
importantes na saúde mental. posições discutidos na universidade. A
Observa-se que a arteterapia tem Rádio Poste, que faz parte de uma noção
possibilitado aos usuários a vivência de cultura que constrói relações diretas
de suas dificuldades, conflitos, entre objetos, pessoas e o espaço que
medos e angústias de um modo estas ocupam. O Parque para Brincar e
menos sofrido. Configura-se como
Pensar, que é um projeto de pesquisa e
um eficaz meio para canalizar, de
intervenção urbana que atua na forma de
\maneira positiva, as variáveis do
habitar e pensar os espaços comuns na
adoecimento mental em si, assim
como os conflitos pessoais e com sociedade, trazendo à luz a necessidade
familiares. Nota-se que há uma das relações entre diferentes gerações e
minimizaçãodos fatores negativos de classes sociais. Por fim, a Estamparia que
ordem afetiva e emocional que atualmente está sendo implementada no
naturalmente surgem com a doença, ]AMAC, como uma tentativa de criar
tais como: angústia, estresse, medo, uma fonte de subsídios para a
agressividade, isolamento social, comunidade do ] ardim Miriam - tanto
apatia, entre outros. [...] A pessoa vai como uma forma de adquirir autonomia
se apropriando dos seus próprios
para que o Clube continue suas atividades
conteúdos, conhecendo a si mesma e
na região quanto para gerar renda para
se tornando assim sujeito ativo do
seus frequentadores. A Estamparia está
processo terapêutica. (Coqueiro,
Neusa; VIElRA, Francisco; diretamente ligada às oficinas de estêncil,
FREITAS, Marta. (2010) na qual os desenhos criados ali são
Arteterapia como dispositivo transportados para os tecidos que serão
terapêutica em saúde mental) comercializados para confecções de moda
e outros possíveis clientes, difundindo os
Aspectos Metodológicos desenhos realizados na comunidade.
Há décadas, grandes figuras da
o Projeto ]AMAC fundado em Psicologia e de outras áreas já traziam a
2003, atualmente conta com oficinas importância da Arte como forma de
periódicas de estêncil em sua sede, além expressão inconsciente, como Freud, que
da realização destas em outros locais - define que o artista pode simbolizar
periferias e cidades do interior em sua concretamente o inconsciente em sua
maioria. Os alunos das oficinas têm a produção, retratando conteúdos do

18
psiquismo. Já Jung, foi além, constatando arteterapia na pratica cotidiana. Esse
que as imagens representam a grupo também se utiliza dos processos de
simbolização do inconsciente coletivo da criação artística e de ações culturais como
humanidade. Paulo Freire propôs que o meios de promover a saúde mental.
papel do trabalhador social em um
processo de mudança tem uma atuação Considerações finais sobre a
destacada na desmitificação da realidade experiência
destorcida, sendo que, através deste fato é A arteterapia vem ganhando
possível descobrir a verdadeira dimensão espaço cada vez maior na área da saúde e,
na qual está imerso o trabalhador, que sobretudo, no campo da saúde mental,
pode ser obtida através da percepção visto que vem colaborando para amenizar
crítica da realidade. Por esse motivo, os efeitos negativos da doença mental. É
entende-se que o trabalhador social central a promoção do bem-estar da
cumprirá um papel de agente de pessoa com sofrimento psíquico, uma vez
mudança. Segundo Freire, a estrutura que a arteterapia propicia mudanças nos
social em que esse trabalhador está campos afetivo, interpessoal e relacional,
inserido apresenta um jogo dialético de melhorando o equilíbrio emocional ao
mudança-estabilidade, na qual ambas término de cada sessão.
resultam da ação que o homem exerce Observa-se que ela tem
sobre o mundo e, falar do papel do possibilitado aos usuários a vivência de
trabalhador social implica na análise dessa suas dificuldades, conflitos, medos e
mudanca e da estabilidade/instabilidade angústias. Configura-se como um eficaz
das expressões da forma de ser nas meio para canalizar, de maneira positiva,
estruturas sociais. as variáveis do adoecimento mental em si,
Sendo assim, o papel do assim como os conflitos pessoais e com
trabalhador social que optou pela familiares. Nota-se que há uma
mudança é de atuar e refletir com os minimização dos fatores negativos de
indivíduos com quem trabalha para ordem afetiva e emocional que
conscientizar-se junto com eles das reais naturalmente surgem com a doença, tais
dificuldades de sua comunidade. Este como: angústia, estresse, medo,
trabalhador deve ampliar seus agressividade, isolamento social, apatia,
conhecimentos. e o ímpeto de mudar para entre outros.
ser mais, Consideramos que, mediante a
Um dos fatores que saltou à nossa interpretação e a reflexão das vivências na
a atenção no J amac, foi o fato de ser um relação terapêutica, a pessoa vai se
grupo que tem caráter semiaberto, pois os apropriando dos seus próprios
membros tendem a se afastar em algum conteúdos, conhecendo a si mesma e se
momento, devido ao retorno de doenças tornando assim sujeito ativo do processo
mentais ou problemas pessoais no geral, terapêutico. Percebemos em nossas
contudo, depois retomam ao projeto. entrevistas, que há grandes benefícios que
Acredita-se que esse dado possa indicar podem ser acrescentados à vida dos
um vínculo afetivo com o grupo, que é sujeitos, tais como: benefícios
crucial para o sucesso de um trabalho emocionais, pois a arteterapia auxilia
coletivo. No Caps, trata-se de grupos ativamente os envolvidos na expressão de
terapêuticas que visam a aplicação da suas emoções; socialilzação, pois ajuda a

19
eliminar a sensação de isolamento;
benefícios cognitivos, pois oferece meio
de comunicação entre os dois hemisférios
do cérebro; e benefícios físicos, pois
auxilia na redução do estresse e no
aumento geral dos sentidos das
atividades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

COQUEIRO, Neusa; VIEIRA,


Francisco; FREITAS, Marta. (2010)
Arteterapia como dispositivo
terapêutico em saúde mental.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s
ci arttext&pid=S0103-
21002010000600022, Acesso em 11 de
maio de 2016.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a
liberdade, capo "O papel do trabalhador
social no processo de mudança". Acesso
em 9 de maio de 2016.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da


autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996 - Coleção Leitura
LACAZ, Alessandra; LIMA, Silvana;
HECKER, Ana Lúcia (2015) Juventudes
periféricas: Arte e Resistências no
Contemporâneo.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s
ci arttext&pid=S0102-
71822015000100058&lng=pt&nrm=iso&
tlng=en, Acesso em 11 de maio de 2016.

NADOR, Monica (2013); Livro Jamac-


Jardim Miriam Arte Clube.
https:/lissuu.com/jamac-arte-
clube/docs/livro-jamac, Acesso em 7 de
março de 2016.

20
MOBILIDADE URBANA , brancos, como fora a sociedade
escravocrata.
VIOLÊNCIA E PRECONCEITO
Por conta deste fato, hoje em dia,
PRECONCEITO RACIAL: A esta classe tende a ser mais desfavorecida
PERSPECTIVA DE UMA tanto em relação aos menores salários
EMPREGADA DOMÉSTICA quanto na dificuldade em conseguir
emprego formal, como diz o Ministério
Autores: Beatriz Saldanha, Bianca J atobá,
do Trabalho (1998), sendo alvo de muita
Bruna Naswaty, Carolina Caminha, Erica
discriminação e preconceito. De acordo
Yano e Nathalia Petreche.
com Camino e colaboradores (2001), a
Orientadora: Prof. Dr.: José Estevam representação das relações raciais no
Salgueiro trabalho é formada pela crença de que os
negros se engajam em atividades
INTRODUÇÃO
desqualificadas ou ligadas ao esporte,
A força de trabalho escolhido no enquanto os brancos se engajam mais em
âmbito do trabalho doméstico são as atividades qualificadas e vinculadas ao
mulheres, na qual, geralmente provêm poder. Assim, Telles (1994) acrescenta
das camadas mais pobres e com índices que a discriminação, expressa na
menores de escolaridade. Entre as representação do tipo de emprego que o
trabalhadoras domésticas brasileiras , 62% negro deve ter e na sua admissão de um
são negras e recebem salários 15,6% emprego, é a partir da sua cor da pele.
inferiores aos das brancas, conforme
o trabalho irá levantar as
Pinheiro, Fontoura e Pedrosa (2011).
perspectivas, o olhar histórico a respeito
É importante ressaltar que em um do preconceito e suas consequências na
passado histórico não tão distante , os sociedade a partir de dois teóricos, Agnes
negros eram escravizados e obrigados a Heller e Gordan Allport, tomando como
servir aos brancos, vivendo de maneiras base os respectivos textos "O Cotidiano e
deploráveis e prejudiciais a qualquer ser a História" (2008) e "A natureza do
humano, segundo o artigo "A mobilidade preconceito" (1977).
social dos negros Brasileiros" de Rafael
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Osório (2004, p. 13):
Em seu texto "O Cotidiano e a
o Brasil era uma sociedade de
História" (2008), Agnes Heller diz que o
classes em rápida formação e
expansão, na qual tinha inserção preconceito é uma categoria do
desfavorável em decorrência da sua pensamento e do comportamento
condição de escravo no passado cotidiano, assim, para se aproximar da
colonial, mas também do racismo
compreensão dos preconceitos, deve-se
elemento arcaico que é preservado ~
remodelado, interferindo nos partir da esfera da cotidianidade. Para a
processos de modernização, autora, existem duas formas de atingir a
instalação das classes. Essa ultrageneralização vistas nos
interferência verificar-se-ia na
comportamentos e pensamentos
lentidão com que negros e mulatos
foram integrados à sociedade de cotidianos dos seres humanos: no
classes, organizada para os primeiro, as pessoas assumem
seguimentos privilegiados dos estereótipos, analogias e esquemas já

21
elaborados no segundo, eles são a atitude mais permanente. Ele separa o
inseridos nos indivíduos pelo meio em processo de categorização para a
que crescem, podendo demorar um certo construção das categorias para a base do
tempo para que se analise com atitude pré-conceito normal em 5 fases:
crítica estes esquemas recebidos. Ao se
1- Constrói classes e agrupamentos amplos
falar desta ultrageneralização nas relações
para guiar nossos ajustes diários, isso
sociais, as pessoas costumam se orientar quer dizer que nossa experiência na
em um complexo social dado através de vida tende a conformar-se em
normas e estereótipos. agrupamentos, e se bem podemos
equivocamos de categoria ou de
Segundo Heller (2008), os ocasião a recorrer a eles, é inegável,
não obstante, que esse processo
sistemas de preconceitos são provocados
domina toda nossa vida mentaL Não
pelas integrações sociais nas quais os podemos levar toda experiêncianova
homens Vivem e, dentro dessas como sendo absoluta, uma nova
integrações, sobretudo pelas classes experiência deve se encaixar em
categorias antigas, porque se não, de
sociais. A maioria dos preconceitos são
que serviriam nossas experiências
produtos das classes dominantes, mesmo passadas?
que para-si contenham uma imagem 2- A categorização se assimila o máximo
isenta de preconceitos. A autora possível no agrupamento. Gostamos de
resolver os problemas com
acrescenta que todo sujeito, em certa facilidade, portanto é muito mais
medida e sob alguns aspectos, tem fácil encaixar as pessoas em grandes
preconceitos e estes impedem a grupos do que e atentar a
autonomia deste sujeito. individualidadede cada uma.
3- A categoria nos permite identificar
rapidamente um oijeto por suas lágrimas
A partir do texto "A natureza do
comuns. Cada acontecimento tem
preconceito", Gordon Allport (1977) certas lagrimas que servem para
argumenta que o preconceito se ongma colocar em ação as categoriasdo pré-
na generalização errônea e hostilitária, julgamento. É assim que as
categorias tem uma vinculo estreito e
apresentando duas dimensões essenciais
imediato com o que vemos, com o
que devem estar presentes em qualquer modo como julgamos o que vemos e
definição de preconceito: atitude e o que fazemos.
crença. A adequada definição do 4- A categoria satura tudo o que contém
com iguais conotações ideacionais e
preconceito contém dois ingredientes
emocionais. Algumas categorias são
essenciais, uma atitude favorável e outra puramente intelectuais. Essas
desfavorável e deve estar vinculada a uma nomeamos conceitos. Porém, muitos
crença excessivamente generalizada (e de nossos conceitos são carregados
de um sentimento característico. Por
portanto errônea). As declarações
exemplo, sabemos o que é uma
preconceituosas expressam às vezes o arvore, porém sabemos também que
fator atitude, às vezes o fator crença e gostamos de arvores.
para o autor, quando encontramos um 5- As categoriaspodem ser mais ou menos
racionais. Para estabelecer um pré-
desses aspectos, no geral, encontramos
julgamento racional acerca de
também o outro. membros de um determinado grupo,
é preciso que tenha-se um
De acordo com Allport (1977), o conhecimento razoável acerca deste
sistema de crenças tem a propriedade de grupo. Uma categoria irracional é
modificar-se plasticamente para justificar aquela que se forma sem uma

22
evidenciaadequada. Agarrar-se a um agressões diárias que podem prejudicá-Ia
pré- julgamento quando sabemos de uma certa forma pois são maneiras
que é errado é umas das formas mais
estranhas em que se apresenta o diversas de preconceito. Isso prova que
preconceito. sua esfera cotidiana ilustra seus
preconceitos, tanto pessoais quanto
praticados por terceiros em relação a ela.
o texto original do espanhol foi
Essas atitudes, vivenciadas por ela, se
traduzido pelo grupo.
encaixam em alguns apontamentos que
METODOLOGIA DA Allport (1977) discorreu sobre o
EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO preconceito, como por exemplo, o
conceito de que a categorização se
Para coletar as informações assimila o máximo possível no
necessanas para a pesquisa, foi realizada agrupamento. Assim, no relato sobre a
uma entrevista, na qual, o grupo elaborou recusa de uma mulher moradora branca
um roteiro de perguntas para direcionar a em entrar no mesmo elevador que ela, só
entrevistada para o foco da pesquisa. A pelo simples fato de ela ser negra e
colaboradora foi a doméstica Ana Maria, doméstica, de certa forma, a exclui,
de 58 anos, a qual trabalha neste ramo há delimitando o espaço "dos proprietários"
20 anos. e dos "empregados", além disso é
apresentada a questão do preconceito
A ideia principal é tentar saber como
racial.
esta funcionária se vê em meio à
sociedade e quais pensamentos a cercam Pode-se ver na fala "eu nunca
sobre o preconceito racial no âmbito de sofri preconceito, a não ser essas
seu trabalho. Segue abaixo as perguntas bobeirinhas" que este tipo de
abordadas: discriminação é vivido pela colaboradora
de forma muito naturalizada e
1. Como você define sua cor?
2. O que é racismo para você? ultrageneralizada, uma vez que, apesar de
3. Você já sofreu algum tipo de ela dizer que não havia passado por
preconceito racial?Comente. nenhum tipo de situação assim, relata o
4. Como você se sentiu? episódio sem consciência alguma de que
5. Você acredita que existe alguma
aquilo que estava vivendo era uma atitude
diferença no tratamento entre
brancos e negros? E na questão do racista. Logo, percebe-se uma
trabalho? contrariedade em seu discurso, pois ao
mesmo tempo em que ela acredita que
Além da entrevista, foram utilizados
não tenha sofrido nenhum tipo de
recursos audiovisuais para gravar a
violência relacionada ao racismo, ela
entrevista, na qual a sujeita concordou
consegue contar casos que já vivenciou e
com a gravação, procurando preservar a
que não foram agradáveis, mostrando
imagem da sujeita.
nitidamente formas de agressão de viés
ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES racial. Sendo assim, pode-se dizer que
SOBRE A EXPERIÊNCIA como ela viveu todas essas experiências
em seu cotidiano, estas situações
Através dos relatos, pode-se encontram-se tão enraizadas nela que ela
perceber que a entrevistada passa por não consegue enxerga-Ias como situações

23
extremamente preconceituosas. Mas isto deve às normas SOCla1S que foram
não significa que elas não existam ou que ensinadas e vividas por ela e que
ela nunca tenha passado por esse tipo de carregam um peso cultural muito intenso.
agressão Ela tem consciência de seus direitos e
argumenta que o respeito tem que partir
É interessante pensar no discurso
das duas partes, do patrão e da doméstica,
discorrido por Allport (1977) sobre a
mas ao mesmo tempo, se coloca numa
origem do preconceito estar ligada a
posição contrária ao que argumenta,
conceitos de hostilidade e generalização
como por exemplo, o episódio do
errônea, apresentados claramente na
elevador.
entrevista da doméstica que ela também
se agrupa para fora dos negros, que como É importante aprofundar um
ela diz têm "nariz esborrachado, bem pouco este tema no âmbito do trabalho
preto e de cabelo duro". A atitude de doméstico, pois há várias questões de
dizer "eu sou negra", se contrapõe na desigualdade legitimadas e naturalizadas
crença de que ela não é uma "negra pelo tempo e pela cultura, sendo aspectos
comum". importantes para o reconhecimento social
destes trabalhadores e trabalhadoras.
Para Heller (2008), os
Além disso, é importante para se
pensamentos e comportamentos
construir diálogos de forma menos
cotidianos levam ao preconceito. A
desigual e mais digna.
doméstica sabe que o preconceito existe,
mas para ela isso se naturalizou, podendo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
se perceber na fala: "preto não pode
nada, preto não pode ter cabelo bom. ALLPORT, G. La naturaleza del
Mas normal, né? Eu encaro de boa. prejuicio. Buenos Aires: Editorial
Universitaria de Buenos Aires, 1977.
Desde que a pessoa não ofenda a minha
pessoa em palavras, pra mim normal, eu CAMINO, L; SILVA, P.; MACHADO,
respeito ela", ou seja, isso se dá pelo fato A. & PEREIRA, C. A face oculta do
da esfera da . cotidianidade ter racismo no Brasil: U ma análise
naturalizado esse conceito como normal e psicossociológica. Revista de Psicologia
Política, 2001, p. 13-36.
que apesar dos elementos históricos que
isso traz, ainda assim, episódios como HELLER, A. O Cotidiano e a História.
esse são vistos por ela naturalmente. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

Ou seja, o preconceito racial é OSORIO, R. A mobilidade social dos


visto pela doméstica de forma muito negros brasileiros. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), Brasil, 2004.
naturalizada, não fazendo a própria
enxergar que ela mesma carrega em si a PEREIRA, C.; TORRES, A. &
origem deste preconceito. Ela acredita ALMEIDA, S. Um estudo do
que o preconceito é algo normal, pois preconceito na perspectiva das
este conceito de alguma forma se representações sociais: análise da
influência de um discurso justificador
naturaliza em seu discurso e em sua vida
da discriminação no preconceito
e acredita que as coisas funcionam assim
racial. Psicol. Reflex.
porque "desde que o mundo é mundo Crit. vol.16 no.1 Porto Alegre, 2003.
funciona assim né?", como ela diz. Isto se

24
PINHEIRO, L; FONTOURA, N;
PEDROSA, C. Situação atual das
trabalhadoras domésticas no país. In:
MOR!, Natalia et. al, (Org.). Tensões e
experiências: um retrato das
trabalhadoras domésticas de Brasília e
Salvador. Brasília: Centro de Estudos
Feministas e Assessoria, 2011. p. 33-69.

TELLES, E. E. Industrialização e
desigualdade racial no emprego: O
exemplo brasileiro. ' Estudos Afro-
Asiáticos, 1994, p. 26, 21-52.

25
MOBILIDADE URBANA - METRÔ individuais ou coletivos, como o ônibus e
DE SÃO PAULO o metrô. O trânsito de pedestres também
está dentro desse sistema. Um dos
Autores: Isabela Nasrallah, Ana Carolina
problemas enfrentados na mobilidade
Robles, Fernanda Nerguisian, Roberta
urbana é que a maior parte das grandes
Amadei e Carolina Mattar.
cidades do país encontram dificuldades
Orientador: Prof. Dr. José Estevam em desenvolver meios para diminuir a
Salgueiro. quantidade de congestionamentos e o
excesso de pedestres em áreas centrais
INTRODUÇÃO dos espaços urbanos. No Brasil, a
principal causa dos problemas está
o transporte público cada vez mais
relacionada ao uso de transportes
aparece em nosso cenário cotidiano como
individuais em detrimento da utilização
uma problemática na vida de seus
de transportes coletivos, ainda que esses
usuanos, Sua estrutura deficitária em
também tenham dificuldades com a
conjunto com o desgaste e a fadiga
superlotação.
causados pelo tempo de utilização dos
O metrô é um sistema de
vagões prejudicam a qualidade de vida
transporte subterrâneo de passageiros em
dos que o utilizam. Grande parte dos
área urbana, localizado em túneis ou
trabalhadores necessitam do metrô para
viadutos e segmentado em linhas
sua locomoção, enfrentando diversas
designadas entre estações. O primeiro
dificuldades, principalmente a
metrô foi construído em Londres, em
superlotação dos vagões, causando
1863. O trecho inaugural tinha 6
prejuízos em seu desempenho diário. O
quilômetros de extensão, que foram
desgaste físico e psicológico causado pelo
abertos seguindo o traçado das ruas do
trajeto de muitos brasileiros no transporte
centro da capital inglesa. Em 1900, já
público influencia suas atividades ao
eram sete linhas e 84 estações. Em 24 de
longo do dia, podendo comprometê-ias
abril de 1968 foi formada oficialmente a
de forma expressiva.
Companhia do Metropolitano de São
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Paulo.
Testes foram realizados e a
A mobilidade urbana é um sistema primeira vez que um trem trafegou pelo
que consiste em satisfazer necessidades subterrâneo paulistano foi em 6 de
dos indivíduos, referindo-se às condições setembro de 1972, sendo uma das obras
de deslocamento da população no espaço viabilizadas na gestão do prefeito Faria
geográfico das cidades. Esse Lima - essa primeira viagem de trem foi
deslocamento de pessoas tem como realizada entre as estações J abaquara e
finalidade a busca de bens e serviços de Saúde. Em 1974, o trecho Jabaquara -
qualidade, oportunidades de qualificação Vila Mariana começou a operar
e empregos, o que compreende as regiões comercialmente, nesse mesmo ano a
metropolitanas e capitais como grandes companhia registrou média diária de
localidades de concentração populacional. apenas 2.858 passageiros. A operação era
O termo engloba meios de manual. Os profissionais usavam uma
locomoção como veículos, carros e lousa de metal com o sistema dos trens e
motos sendo estes transportes imãs, representando veículos para

26
,...... •.

controlar todo o movimento da linha. de tarefas, devido à falta de motivação e


Em novembro 1982, o Metrô contratou energia pelo estresse excessivo que eles
as primeiras mulheres condutoras de passam durante o trajeto. Esses
trens. O Metrô paulistano é o maior e comportamentos na maioria deles são
mais movimentado sistema de transporte inconscientes que atuam de forma
metroviário do Brasil, com uma extensão negativa para o estilo de vida do
de 78,4 quilômetros de linhas ferroviárias indivíduo. Em decorrência disto, fatores
distribuídas em seis linhas, que possuem como insatisfação e frustração são
um total de 67 estações. Transporta cerca constantes na vida do usuário.
de 4,7 milhões de passageiros O desempenho do sujeito visa o
diariamente. Em 2014 o Metrô de São seu comprometimento e a realização de
Paulo ultrapassou a marca de 24,5 bilhões seus objetivos expressos através da sua
de passageiros transportados desde a sua responsabilidade assumida a partir de seu
inauguração em 1974. A estação mais trabalho ao realizar tarefas. Conectada
movimentada é a Sé, no centro, com o desempenho, a motivação é um
recebendo diariamente 603 mil pessoas comportamento próprio do indivíduo,
em dias úteis. Tem a capacidade de que determina sua conduta servindo de
100.000 passageiros. Sete milhões de motivos internos que constroem as
passageiros dependem do transporte situações e os ambientes externos. Isto é,
sobre trilhos na região metropolitana da as consequências das alterações no seu
Capital. A superlotação é um fator desempenho profissional são
agravante no trajeto do passageiro. influenciadas por fatores motivacionais.
Grande parte dos trabalhadores Fadiga, cansaço, desconforto, insegurança
necessita de um meio de locomoção para e estresse são fatores notórios dos
realizar o percurso de suas tarefas diárias, resultados principais da alteração do
porém durante esse deslocamento muitas comportamento do trabalhador.
dificuldades são encontradas, causando
prejuízos e mudanças no comportamento METODOLOGIA DA
e no desempenho destes sujeitos. Essa EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
rotina diária nos meios de transporte
Para a realização da experiência
público não é uma tarefa fácil, muito pelo
de estágio, utilizou-se como instrumento
contrário; a pessoa que frequenta o metrô
metodológico a entrevista
enfrenta diversos transtornos em seu dia-
semiestruturada, além de recursos
a-dia, como por exemplo a sua
audiovisuais na gravação das entrevistas
infraestrutura precária, principalmente
com usuários do metrô e sociólogos.
pelo fato de ter um número muito grande
de usuários para pouco crescimento da ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES
frota, não atendendo a demanda. As SOBRE A EXPERIÊNCIA
dificuldades enfrentadas por esses
passageiros acarretam em um grande Pensar em qualidade de vida sem
desgaste físico e psicológico contribuindo pensar em mobilidade e acessibilidade é
para o prejuízo do desempenho no impossível, pois são elas que garantem a
trabalho devido aos seus autonomia ao cidadão. São também elas

comportamentos desagradáveis, que se tornam presentes no momento de


inesperados e insatisfatórios na realização ir e vir, seja ao deslocar-se para o

27
emprego ou na busca de uma forma prioridade do governo, já que a
alternativa de entretenimento fora de seu mobilidade interfere de várias maneiras
bairro. É indispensável promovê-ias com no dia-a-dia das pessoas.
autonomia e segurança. Melhorando,
A acessibilidade a destinos é uma
consequentemente, a qualidade de vida de
forma de superar um obstáculo espacial
todos os usuários do espaço urbano e
(que pode ser medida pelo tempo e/ ou
garantindo o exercício de uma real
distância) e que é uma característica
cidadania (MINISTÉRIOS DAS
inerente a um determinado local. A
CIDADES, 2014).
facilidade dos usuários alcançarem os
Com Base nos dados coletados destinos pretendidos -traduzida pela
pelas entrevistas dos usuários, pode-se consciência dos itinerários dos meios de
perceber que o tempo em que os usuários transporte publico coletivo com os
passam no metrô causa-lhes desgaste desejos dos usuários- pode ser expressa
físico e emocional, principalmente por através da redução do tempo necessário
conta do número de pessoas nos vagões. para se efetuarem os deslocamentos
através da rede de linhas (CARDOSO,
A infraestrutura foi apontada
2008).
pelos entrevistados como boa em alguns
aspectos, porém um dos problemas A superlotação do metrô foi o
relatados nas entrevistas é que em certos principal problema apontado pelos
casos o próprio usuário danifica a usuários e pelos sociólogos, sendo fator
infraestrutura do metrô, como por determinante para a fadiga e estresse
exemplo, quando grudam chiclete nos apresentados pelos usuários em seu dia-a-
assentos. Entre as principais sugestões dia. O aumento da frota melhoraria seu
de melhoria apresentadas pelos trajeto e lhes proporcionaria melhores
entrevistados, estão presentes a condições de locomoção, assim como
necessidade de um número maior de saúde física e mental.
metrôs em circulação, a retirada de
A acessibilidade pode ser
metrôs antigos, já que esses problemas
interpretada, portanto, como uma relação
apontados são considerados pelos
entre pessoas e espaço, e que,
usuários como comprometedores no
independentemente da realização de
trajeto das pessoas.
viagens, mede o potencial ou
Os sociólogos apontaram como oportunidade para deslocamentos a
principal problema a superlotação do atividades selecionadas. Sendo assim, a
metrô o que prejudica o trajeto das acessibilidade estaria diretamente
pessoas, causando desgaste e estresse. relacionada à qualidade de vida dos
Para eles é necessário melhorar toda a cidadãos e traduziria a possibilidade de as
rede de transporte público, expandir o pessoas participarem de atividades de seu
metrô de SP, melhorar os benefícios aos interesse (CARDOSO, 2008).
idosos e deficientes que frequentam o
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
metrô e a tarifa deve ser cobrada de
acordo com a infraestrutura que é PEREIRA, Orlindo Gouveia.
oferecida aos usuários. Eles consideram Fundamentos de comportamento
que o transporte público deve ser organizacional. 2a ed.

28
Iisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
REDE GLOBO TELEVISÃO.
2004.
http://educacao.globo.com/ geografia/ as
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ROBBINS, Stephen P. Comportamento urbana.html
organizacional. 9a ed. Tradução de
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Cavalheiro Marcondes. São Paulo:
Prentice Hall, 2002.

RUDIO, Franz Victor. Introdução ao


projeto de pesquisa científica. 22a
ed.rev. e ampl.
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SEGET J. A influência do transporte


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dos trabalhadores,2008

ARAUJO M. et alo Transporte público


coletivo: discutindo acessibilidade,
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REDE GLOBO TELEVISÃO.


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http://www.metro.sp.gov.br/metro / insti
tucional/ quemsomos/ index.aspx

REVISTA MUNDO ESTRANHO.


http://mundoestranho.abril.com. br/ mate
ria/ comofoiconstruidooprimeirometro_
domundo

INFO ESCOLA.
http://www.infoescola.com/transporte/
metro/

BRASIL ESCOLA.
http://brasilescola. uol.com. br/ geografia/
mobilidadeurbananobrasil.htm

29
UNIVERSIDADE, UM ESPAÇO DE privilégios de uma pequena parcela da
VIOLÊNCIAS: O NÃO-LUGAR E O população, a cidade e seus mecarusmos
SENTIMENTO DE NÃO passaram a se constituir como uma
PERTENCIMENTO violência simbólica para quem não
consegue acessá-la, violência esta que diz
Autores: respeito à manutenção das estruturas
César Lacerda, Gabrielly Leite, João sociais e de dominação.
Neto, Luiz Cardoso, Patrícia Tostes, No campo educacional, podemos
Rafael Brito e Tatiana Gusmão. perceber a reprodução deste modelo de
sociedade desigual. Vivemos um grande
Orientador: Prof. Dr. José Estevam sucateamento das escolas públicas, que
Salgueiro. são destinadas às classes populares,
enquanto a classe média e alta paga e
INTRODUÇÃO recebe desta instância educacional um
A história do nosso país é serviço diferenciado, de qualidade,
marcada por profundas desigualdades que solapando das camadas SOCiaiS mais
ocasionaram na marginalização de grande baixas o direito a uma formação integral.
parte da população em detrimento do Já no ensino superior há uma inversão
acúmulo de benefícios de outros. Essa nas modalidades, mas não na lógica:
parcela marginalizada foi e ainda é estudantes advindos do ensino privado
impedida de efetivar a sua cidadania acessam as universidades públicas
acessando direitos básicos como, por (consideradas de melhor qualidade) ou
exemplo, educação de qualidade, moradia universidades privadas de primeira linha
digna, alimentação adequada e direito à com mensalidades exorbitantes, enquanto
cidade. Esta camada segregada, em sua as (os) estudantes de ensino público não
grande maioria, ocupa as periferias de têm .perspec~va de. acessar o I.ensino
regiões precarizadas que muito supenor, pOlS preClsam garantilr seu
frequentemente são utilizadas apenas sustento e de sua farrúlia. -rbdavia,
como bairros dormitórios, uma vez que quando o acessam o fazem através de
existem poucos recursos culturais e de instituições privadas consideradas de
lazer e esta população passa a maior parte baixa qualidade. Dessa maneira, percebe-
do tempo no centro e/ou em bairros se que no mundo contemporâneo, o
elitizados da cidade, trabalhando em pobre ainda não tem direito à educação.
serviços precários para garantir a sua Historicamente, o espaço universitário é
sobrevivência. um sistema que promove a reprodução e
Ocupando esses espaços, que perpetuação das desigualdades sociais.
foram historicamente destinados à elite, Este espaço nasceu para ser usufruído
essa classe marginalizada encontra-se pelas classes dominantes. A presença de
sempre em uma posição de submissão, estudantes de classes populares em
como prestadores de serviços. Quando universidades reconhecidas como "de
essa lógica se inverte e estar ali se primeira linha" ainda é pouco expressiva,
constitui como um direito, estas minorias porém esse cenário vem aos poucos se
políticas não se sentem pertencentes a modificando graças às políticas
estes lugares. Na medida em que direitos afirmativas como o Programa
desse tipo foram transformados em Universidade para Todos (proUni) , o

30
Fundo de Financiamento Estudantil estudantes oriundas de classes populares
(Fies) e as leis de cotas sociais e raciais. que estudam na Pontífica Universidade
Estas políticas públicas foram pensadas Católica de São Paulo (puc-SP) e na
para possibilitar a permanência de alunas Universidade de São Paulo (USP) para
(os) de baixa renda e/ou negras (os) que pudessem falar sobre a sua história,
nesses espaços que foram, por toda a resistência e sentimentos envolvidos no
história, destinados à burguesia. Sendo espaço universitário. A partir dessas
assim, essas políticas são de entrevistas foi confeccionado um vídeo
democratização e correção histórica do de 12 minutos em que as entrevistadas
acesso ao ensino supenor e são expõem, de forma autônoma, seus
extremamente necessárias, pOlS são conteúdos a respeito do estar, do
mecamsmos fundamentais para a conviver e do resistir na universidade.
diminuição das desigualdades SOClalS.
Agora, esta mudança no acesso à FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
educação superior gera como um de seus Para tratarmos do sentimento de
reflexos a confrontação de classes sociais, pertença na universidade, e, além disso,
na qual as pessoas pobres não se sentem sob uma perspectiva de classes, é notório
reconhecidas e representadas nesses que um dos temas circundantes de mbior
espaços, pois estão muito longe de sua relevância para a análise dos dados lé o
realidade como evidência Bell Hooks: preconceito. No seu livro "O CotidiaÁo e
[...] a evocação constante das a História", Agnes Heller conceitua o
experiências das classes preconceito como uma categoria do
materialmente privilegiadas
pensamento e do comportamento
(geralmenteas da classe média) como
norma universal que não só afastava cotidiano, ou seja, apesar de ter a
as pessoas da classe trabalhadora capacidade de influenciar pensamentos
como também excluía os mais complexos como o científico oii o
desprivilegiadosdas discussões e das
artístico, sua essência se encontra na
atividades sociais (Hooks, 1994, p.
240). esfera da cotidianidade.
[...] devemos nos aproXlIllat da
Esses conflitos gerados pelas compreensão dos preconce tos
partindo da esfera da cotidianid·de.
diferentes origens de classe reverberam
São traços característicos da fida
como um ato de violência, desdobrando- cotidiana: o caráter momentâneo os 8,

se em diversos conflitos para a (o) efeitos, a natureza efêmera das


oprimida (o) que se vê pressionada (o) a motivações, a fixação repetitiva do
ritmo, a rigidez do modo de da.
abandonar as suas origens, valores, forma
(Heller, 1985,p.43).
de se expressar e o modo de
compreender a realidade. A autora argumenta, ainda quí. o
"A exigência de que os indivíduos preconceito nasça de juízos provisórios
cujas origens de classe são da realidade, ou como ela gosta de
consideradas indesejáveisabram mão
chamar, ultrageneralizaçães, e que o
de todos os vestígios de seu passado
cria turbulências psíquicas" (Hooks, indivíduo as assimila através da assunção
1994,p. 241). própria de estereótipos e analogias já
elaboradas ou da reprodução destas por
Com o intuito de ilustrar as uma "implantação" do meio cultural em
questões supracitadas, entrevistamos duas que convive. Agora, ultrageneralizações

31
são necessárias para a manutenção da numa lógica classista e meritocrática,
nossa vida cotidiana, afinal, não podemos obrigando as (os) pertencentes das classes
desprender um raciocínio filosófico, mais baixas a abrir mão de seus valores,
científico ou artístico a cada pensamento suas referências e seus modos de ser em
que tivermos. O preconceito então, se detrimento da aceitação dos valores da
instaura, quando este juízo provisório é classe média que são tidos como
falso, ou seja, é refutado pela experiência, referência universal na sala de aula.
pelo conhecimento ou pela decisão moral
Bell Hooks evidencia que a classe
individual. Nas palavras da autora: "Os
é mais do que a condição econômica e
juízos provisórios refutados pela ciência e
nos alerta para as suas dimensões
por uma experiência cuidadosamente
simbólica e determinante de interesses e
analisada, mas que se conservam
valores. O que predomina na sala de aula
inabalados contra todos os argumentos
são os valores e modos de vida das
da razão, são preconceitos." (Heller,
classes privilegiadas, desde a escolha dos
1985, p.47).
assuntos, passando por suas perspectivas
Para Heller, a maiona dos até às formas como o conhecimento é
preconceitos é produto das classes partilhado. A estrutura da sala de aula
dominantes, pois desejam manter a segue uma lógica racista, sexista e elitista,
coesão de uma estrutura social que lhes criando uma realidade de silenciamento
beneficia. Em outras palavras, o das classes marginalizadas (Hooks, 1994).
preconceito é uma artimanha utilizada E isso gera um problema para a casa do
pela classe hegemônica em favor da saber, pois a limitação da expressão do
manutenção de seus privilégios. seu modo de ser também é limitadora do
pensamento.
Deve-se observar ainda, nesse
contexto, que a classe burguesa Esse silenciamento se constitui
produz preconceitos em muito como uma negação do conhecimento
maior medida que todas as classes (que muito frequentemente advém da
sociais conhecidas até hoje. Isso experiência cotidiana) e
não é apenas consequência de consequentemente, do lugar de fala
suas maiores possibilidades destes estudantes "não-pertencentes" ao
técnicas, mas também de seus espaço universitário da elite. Nesta
esforços ideológicos perspectiva:
hegemônicos: a classe burguesa
Como ele a comunicará? Se tentar
aspira universalizar sua ideologia.
expô-ia, não será ouvido; pois os
(Heller, 1985, p.54). outros não conhecendo essa verdade,
não a reconhecerão como tal; não
Dentro desse contexto, fica fácil saberão que o que ele está dizendo é
notar como a universidade foi pensada verdade; não lhe prestaram atenção o
para a manutenção do status quo social: suficientepara se aperceberem disso;
pois não terão nenhum motivo para
primeiro, limita-se o acesso ao ensino de realizar esse esforço de atenção.
qualidade apenas àqueles pertencentes a (Weil,2001.p 187).
determinada classe e segundo, estrutura-
Simone Weil (2001) defende que a
se ideologicamente, materialmente e
necessidade mais importante da alma é a
arquitetonicamente o espaço universitário

32
necessidade de enraizamento, sendo sentimento de pertença aos espaços, no
assim todos os seres humanos precisam sentido de que os locais de construção de
criar raízes para que eles possam manter conhecimento como, por exemplo, as
as memórias do seu passado, olhar para o universidades, não pertencem somente a
futuro e conseguir manter sua um grupo específico. Ela é supostamente
coletividade, não reproduzindo assim destinada a todos os cidadãos e abrange a
pensamentos que não estejam atrelados a diversidade de público independente das
sua própria história e desta forma, condições socioeconômicas. O
preservando o importante papel da rompimento com a dominação histórica
coletividade para vida humana. A gera novas práticas e só acontece quando
participação natural, automaticamente, há uma visão crítica através de uma
surge do lugar, do nascimento, da perspectiva histórica dos mecanismos de
profissão, do ambiente. O ser humano opressão, sobretudo quando advinda
precisa sempre ter múltiplas raízes, para daqueles sujeitos que pelos fatores já
que dessa forma ele saiba da sua enumerados, não se sentem pertencentes
totalidade da sua vida moral, intelectual, do espaço.
espiritual. Assim, como uma universitária
A conquista de um direito ou de
(o) advinda (o) de classes marginalizadas
um território reforça a ideia de que a luta
pode enraizar-se em um ambiente que
em grupo pode ter maiores proporções e
não é o dela (e), que não é ocupado pelos
maiores chances de sucesso (Weil, 2001).
dela (e) e nem pensado, historicamente,
Nesse sentido os indivíduos que por
para ela (e)? As violências vividas no
vários fatores não se sentem pertencentes
meto universitário promovem um
ou representados em determinado
desenraizamento do indivíduo, anulando
espaço, como nos contextos
suas singularidades e promovendo uma
universitários, se juntam em organizações
homogeneização do espaço da sala de
como os Coletivos, que são grupos
aula, onde todas as pessoas residentes do
abertos que privilegiam o pensamento
espaço são entendidas como iguais.
crítico a ideias que se perpetuam como
Destaca-se o desenraizamento verdade dentro do contexto acadêmico.
geográfico como um conceito que denota Nos casos em que há formação de grupos
a falta de pertencimento a um que - se articulam em prol de causas
determinado território, o não usufruir da históricas de dominação em um
coletividade em um determinado espaço determinado espaço, há o rompimento
(Weil, 2001). A autora evidencia a missão com o pensamento padrão dominante
da nação em unir os indivíduos e que vem de ideologias, por parte dos
conseguir assegurar uma ponte entre o integrantes do grupo, nota-se aí um
passado e o futuro, direcionando-os e sentimento de pertencimento àquele
integrando-os aos espaços comuns a ambiente, um estreitamento dos laços que
todos. A dificuldade reside no fato de que reforça a luta e a ocupação do espaço.
na atualidade, há uma falta de
Os Coletivos buscam visibilidade
contextualização histórica. A
dentro desses espaços em prol de suas
historicidade, se não considerada, pode
causas, e por sua vez podem causar
ser um fator agravante para o
mudanças nas práticas habituais de
reconhecimento da coletividade e do

33
determinadas instituições, o que reforça o O segundo passo foi, a partir dos
pensamento de quebra de ideias padrões conceitos teóricos levantados, elaborar
do passado e proporciona a aproximação um questionário semiestruturado que
entre indivíduos que partilham de basearia nossas entrevistas com alunas
sofrimentos parecidos, criando (os) dessas universidades. Ainda dentro
identificação. desse ponto, realizamos também a
procura de um perfil de "entrevistada-
METODOLOGIA DA alvo" para nosso estudo: Aluna (o) de
EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO uma das quatro melhores universidades
de São Paulo (USP, Unifesp, PUC e
Para a realização deste projeto (e
Mackenzie), pobre, periférica (o),
entenda projeto como a confecção tanto
beneficiária (o) de algum programa de
do vídeo quanto deste artigo) utilizou-se
acesso ou de permanência na educação
como pressuposto de que existe, entre as
superior. A princípio, a ideia era realizar
(os) alunas (os) de classes marginalizadas
três entrevistas, porém, pelo tempo limite
presentes nas universidades consideradas
do vídeo, o projeto final ficou com
da elite paulistana, um forte sentimento
apenas duas: Rebeca e Carina.
de não-pertencimento ao espaço. Esse
O terceiro passo: a totalidade do processo
pressuposto nos foi primordial, pois,
de confecção do vídeo, desde a efetuação
todas (os) as (os) integrantes do grupo se
e gravação das entrevistas; com a escolha
identificam com esse sentimento em
dos enquadramentos, ângulos e cenários;
algum termo.
até o processo de edição final, com a
O primeiro passo foi realizado
escolha dos cortes, a formulação da
um trabalho de revisão bibliográfica,
montagem e a construção da narração
visando o entendimento do que está por
"fílmica". Por fim, o último passo foi a
trás desse sentimento em nível estrutural.
elaboração deste artigo que demonstra
Dessa maneira, a leitura de Agnes Heller,
todo o movimento de pensamento por
Bell Hooks e Simone Weil foi
trás desse projeto e traz análises dos
imprescindível para a total compreensão
dados colhidos à luz da teoria contida na
do panorama opressor em que o
bibliografia levantada e as conclusões
sentimento de não-pertencimento conota
obtidas nesse processo.
intrinsecamente. Preconceito, opressão
de classes e enraizamento são três ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES
conceitos-chave para este estudo, tendo SOBRE A EXPERIÊNCIA
em vista que sem eles a análise de dados
sena definitivamente comprometida. As questões de classe no
ambiente educacional quase
Importante destacar que nesta etapa
priorizamos a utilização apenas de nunca são levadas em consideração ou
autoras, entendendo que as mulheres discutidas, pois parte-se do
compartilham de modo geral esse pressuposto de que todos compartilham
da mesma origem de classe, da mesma
sentimento de não pertencimento ao
realidade, e os assuntos relacionados à
ambiente acadêmico, de produção
pobreza são sempre extraclasse, sobre
teórica, que é resultado de um processo
histórico secular que as exclui deste realidades externas julgando-se estar

espaço.

34
distante da vida dos integrantes do se manter -e muitas vezes ter de abrir
espaço da sala de aula. mão dela por questões materiais-
Quando o conflito de classes demonstra que a dedicação aos estudos
é exposto, acredita-se na ilusão de que a constitui um privilégio de poucos.
sala de aula dilui qualquer diferença, Dentro desse aspecto, a
ignorando as disparidades existentes na universidade oprime, violenta e silencia
distribuição do saber e na absorção do classes marginalizadas através de uma
conteúdo. Esse é o discurso estrutura que as obriga a abrir mão de
meritocrático. A universidade constitui-se seus valores, suas referências, suas
como um espaço de grande violência, expenencias e seus modos de ser em
sobretudo simbólica, para aquelas (es) detrimento da aceitação dos valores em
que não partilham dos valores curso. Segundo Simone Weil, todos os
e privilégios da classe dominante. sujeitos têm necessidade de criar raizes
para que possam manter as memórias do
Pouco se discute - se é que se discute
passado, olhar para o futuro e manter sua
- o modo com que as atitudes e os
valores das classes materialmente coletividade. Podemos entender então o
privilegiadas são impostas a todos desenraizamento das classes populares
por meio de estratégias pedagógicas como uma violência, que interfere na
tendenciosas. Essas parcialidades,
relação que estas (es) estudantes
refletidas na escolha dos assuntos e
na maneira como as ideias são estabelecem com o espaço, o aprendizado
partilhadas, não precisam ser e as relações sociais, que sempre vem
declaradas abertamente. Em seu acompanhado de uma corrente oculta de
ensaio, Karl Anderson afirma que a
tensão.
imposição do silêncioé 'o aspecto
mais opressivo da vida da classe No vídeo podemos perceber dois
média'. (Hooks, 1994,p.238). movimentos nas falas, tanto da Carina
quanto da Rebeca, que comprovam essas
A arquitetura, o conhecimento
formulações teóricas. O primeiro deles é
partilhado, a forma como esse
como elas lidam com questões de
conhecimento é transmitido, a
permanência estudantil, evidenciando a
maneira como as pessoas se
complexidade de responsabilidades no
portam, falam, e diversos outros aspectos
modo de vida da classe trabalhadora, que
constituem nesses espaços um cenário
dificultam a dedicação aos estudos e a
onde as pessoas pobres não
uma formação integral. E a necessidade
se reconhecem. Não há figuras de
de políticas afirmativas que busquem
referência, e todo conhecimento, seu
suportar aspectos dessa complexidade e
modo de ser e sua história, é negado e
garantir que elas possam, tanto quanto as
ridicularizado. Piadas sobre a sua origem
(os) demais estudantes, permanecer na
são constantes, e são raros, quando não
universidade e dedicar-se aos estudos.
inexistentes, espaços no qual a sua voz
Desde já, fica evidente que estar na
pode ser ouvida. A carência nas medidas
universidade e conseguir excelência
de permanência estudantil é um dos
acadêmica implica em levar um
principais aspectos que constitui e
determinado estilo de vida que é
legitima o sentimento
antagônico ao da classe trabalhadora,
de não pertencimento, afinal,
sendo essa uma das formas de afirmação
chegar à universidade, mas não conseguir

35
simbólica que subsidiam o sentimento de transformação dessa realidade. Nesta
não pertencimento. medida, o movimento que as (os)
Eu estou me formando em uma estudantes pobres fazem dentro das
universidade, mas eu não estou me universidades que sempre foram
formando a historiadora que eu
destinadas às classes privilegiadas é um
queria ser porque eu não tive tempo
de me formar essa historiadora ... ato contra-hegenômico, de subversão à
Porque eu trabalho 10 horas por dia ordem existente. A recusa em ser
e eu vou fazer o trabalho quando eu conivente com atos de silenciamento e
chegar da faculdade entre 1 e 4 horas
da manhã. [...] hoje é o balanço do apagamento das suas origens, história e
que eu não tive: do tempo que eu iguais, tem a potencialidade de
não tive, do dinheiro que eu não tive, transformar a sala de aula e outros
da condição financeira que eu não ambientes educacionais em espaços de
tive. (Carina).
questionamento e de desenvolvimento de
o segundo movimento é um pensamento crítico.
exatamente o sentimento de pertença ao
Mas aqueles entre nós que vêm da
espaço universitário, muito bem
classe trabalhadora não podem
resumido por Rebeca durante a entrevista deixar que o antagonismo de classe
quando ela afirma que "a gente é o não- nos impeça de adquirir
lugar da universidade". As violências conhecimento, progredir na
hierarquia acadêmica e gozar os
simbólicas e diretas, sejam elas
aspectos satisfatórios do ensino
expressadas pelos olhares, relações superior. (Hooks, 1994, p. 243)
afetivas, estrutura da instituição, valores
A resistência não se dá apenas de
pregados e até mesmo verbalizadas, são
modo individual, mas na organização
uma constante afirmação de que a
coletiva das pessoas que partilham da
universidade não foi e não é construida e
mesma realidade, sendo esses espaços
gestada para receber e manter estudantes
formas de fortalecimento e de escuta,
das classes populares, de modo que elas
para que esses sujeitos possam dar vazão
(es) não conseguem criar raizes nesses
a esses sentimentos oriundos das
espaços, e estabelecer relações de
contradições da nossa sociedade,
identidade e representação.
canalizando-os em uma forma de luta
A universidade não está preparada política e forjando modos e alternativas
para lidar com o pobre e com o de enfrentar as dificuldades e o
nosso pensamento. Não me sinto
sofrimento ético-político que emergem
representada com a Universidade de
São Paulo porque ela é uma dessas violências.
faculdade elitizada, ela não foi
construída pra mim, não foi feita pra Mas tem uma coisa na PUC que é
mim. (Rebeca). muito legal, que é uma aproximação
entre prounistas, a gente se ajuda
Para essa parcela da população, muito, porque é quem eu reconheço
estar na universidade é por si só um ato e quem eu consigo olhar e falar:
Cara, eu posso respirar perto de
de resistência. Configura uma tripla
você.
jornada, baseada em: estar nesse espaço;
forjar formas de luta e resistência para Em contrapartida, não é só
permanecer e se afirmar nele; e ainda, responsabilidade das (os) estudantes
buscar efetivar formas para a operar a mudança, as (os) professoras (es)

36
ainda apresentam muita resistência ao REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
questionamento e à transformação desse HELLER, Agnes. Sobre os
espaço de monólogo (no qual só as (os) Preconceitos. ln: HELLER, Agnes. O
professoras (es) falam) para um diálogo. Cotidiano e a História. Paz e Terra, p. 43-
É preciso que as (os) professoras (es) se 63, 1985.
reconheçam dentro deste processo.
Reconheçam que também partilham de HOOKS, Bell. Confrontação da Classe
origens sociais e realidade diferentes, mas Social na Sala de Aula. In: HOOKS,
sempre comprometida (o) em construir Bell. Ensinando a Transgredir: A
uma sala de aula democrática, criar Educação Como Prática da
espaços em que essas vozes sejam Liberdade. São Paulo: WMF Martins
ouvidas e estabelecer um diálogo entre as Fontes, 2013.
diferentes realidades, não para
simplesmente aceitá-ias, mas para que WElL, Simone. O Enraizamento. São
haja um comprometimento em mudá-ias, Paulo: EDUSC, 2001.
superando esse panorama de supressão
de direitos. É importante que a
professora (o) se atente em romper com
as naturalizações. Esse é um passo
fundamental para que se cne a
possibilidade de pertencimento das
pessoas pobres na universidade. Nesse
sentido, Hooks afirma:

Mas não pode haver intervenção que


desafie o status quo se não
estivermos dispostos a questionar o
modo como não só nosso processo
pedagógico, mas
também nossa autoapresentação cos
tumam ser moldadas pelas normas da
classe média. (Hooks, 1994, p.245).

Por fim, precisam-se avançar


também políticas de afirmação que
possibilitem a modificação dessa
realidade, não só por meio de garantia do
ingresso, mas uma real inclusão visando a
permanência, o que implica em uma luta
pela efetivação de políticas públicas,
sejam elas novas ou aprimoramento das
políticas Ja existentes. O ambiente
universitário de forma geral precisa se
reinventar. E reinventa-se no processo
dialético que se dá na dinâmica cotidiana
de todos esses fatores.

37
MEMÓRIA E PERTENÇA eficientes, garantindo respeito e
cumprimento de seus direitos básicos.
REFUGIADOS: PRESERVAÇÃO DA Sendo assim, os Estados possuem a
CULTURA E MEMÓRIA responsabilidade primordial desta
proteção.
Autores: Bruno Setti, Diogo Amaral, Evetyl1
Oliveira, Leslie Meireles e Renata Monteiro. Sabendo que a globalização e
industrialização se dão em praticamente
Orientador: Prof. Dr. José Estevam
em todos os lugares, os refugiados ao
Salgueiro.
entrarem no país se deparam com uma
INTRODUÇÃO acentuada condição ocidental do mercado
de trabalho, no sentido de que os
Observa-se em relação aos horários de labuta são mais longos, assim
tempos hodiernos que o número de como a mistura corriqueira de grandes
imigrantes no Brasil tem aumentado de metrópoles. A autora Ecléa Bosi em O
forma exponencial. Variadas são as tempo vivo da memória (2003, p.24) irá
razões apontadas pelo fluxo migratório, afirmar que há um "embotamento
embora bastantes diversas do século cognitivo" provocado pela sociedade
anterior em seu período de pós-guerras. industrial que multiplica horas mortas
Alguns iniciam no país para estudar, como tempos vagos de filas, bancos,
melhorar de vida ao adquirir um ofício burocracias. Afastando de exercer a
remunerado, criar um negócio próprio, simples observação do mundo e do
entre outras. Famílias são deixadas para conhecimento do outro.
trás , assim como suas histórias e culturas.
E por aqui, em grande parte das vezes, E para preservarem a memória de
permanecem para sempre. Saem de seus seus antigos lares, muitos refugiados
países movidos pela transferência guardam objetos como uma forma de
temporária de um empregador com lembrar seu pertencimento inicial. Tais
experimento de uma vida melhor no objetos são mais do que uma simples
exterior, evitando áreas de desordens ou sensação estética, são formadores de
de desgraças ambientais. identidade, carregam sentimentos de suas
almas, sobretudo, os objetos que sempre
O presente trabalho visa abordar estiveram ao longo de suas vidas. São
como população um grupo específico, objetos biográficos que envelhecem com
que embora também se desloque de seu o ser humano. Na medida em que quanto
natural país, tem como objetivo escapar mais voltado para o cotidiano, mais
de conflitos armados ou perseguições: o expressivos serão: O relógio de família, o
refugiado. Que, pela definição da álbum de fotografias, entre outros.
Organização das nações Unidas, é aquele Possibilitam uma pacífica sensação de
que foge de sua pátria por medo, por real continuidade (BOSI, 2003). Em
ameaça ou por consequência de uma contrapartida, os refugiados vão
situação de violência, física ou contraindo objetos que existem apenas
psicológica. Sabe-se que o direito com função de status, que não
internacional concebe e protege os envelhecem com o dono, apenas se
refugiados, dando acesso aos desgastam. Nesse sentido, a autora vai
procedimentos de abrigo justos e

38
dizer que o sistema econômico é heranças podem ser transferidas por meio
condição da condenação e deterioração de ensinamentos, normas e práticas de
dos objetos significativos e biográficos. mais velhos. Os bens materiais dizem
respeito aos objetos biográficos, à
Dessa forma, o sentimento de
paisagem de uma cidade, à terra de um
pertença à sua pátria anterior não
ancestral.
necessita da presença atual de seus
componentes, de modo que os objetos Cabe ressaltar que é por meio do
carregam marcas assim como a relação surgir diante do outro que os homens
com seus pares, antigos companheiros constroem sua identidade pessoal. A
que reconstroem o passado através da pluralidade é condição para a ação e para
memória coletiva. o discurso, o que permite dizer que o
enraizamento não está fechado a um
Ainda em se tratando da memória
isolamento geográfico (WEIL, 1943).
coletiva e tendo em vista o fato de que os
refugiados quase sempre procuram Em contrapartida, Simone Weil
relacionamento com seus iguais, pode-se (1943), fará considerações acerca do
supor que seu apoio social se dá através conceito de desenraizamento. Sendo este
de situações em que o passado de um o ato de assassinar o passado, ignorar a
homem pode ser vivido mais cultura, a herança, as lembranças. Pode
intensamente como o passado do grupo ser ferramenta da ideologia dominante. O
par. Carece de uma participação enraizada individuo despersonifica-se, não mais
dos homens no coletivo. reconhecendo suas origens. Perde-se a
base:
Simone Weil (1943) tecerá algumas
considerações importantes sobre esse Quando o conquistador permanece
enraizamento: estrangeiro ao território de que se
tornou possuidor, o desenraizamento
o enraizamento é talvez a é uma doença quase mortal para as
necessidade mais importante e mais populações submetidas. Atinge o
desconhecida da alma humana. É grau mais agudo quando há
uma das mais difíceis de definir. O deportações maciças, como na
ser humano tem uma raiz por sua Europa ocupada pela Alemanha ou
participação real, ativa e natural na nos meandros do Niger, ou quando
existência de uma coletividade que há supressão brutal de todas as
conserva vivos certos tesouros do tradições locais, como nas
passado e certos pressentimentos do possessões francesas da Oceania...
futuro (Weil,1943,p. 411). (WEIL, 1943,p.44).

De acordo com a autora, o Os tempos atuais que fazem tecer


enraizamento é difundir e preservar a formulações acerca do conceito de
cultura por meios materiais ou imateriais, desenraizamento não são acidentais e
valorizar a memória coletiva e assim, ser aleatórios. Na medida em que em os
um individuo completo, com passado e contextos que ameaçam as raízes da
real em várias esferas. Ele implica a participação de refugiados, enquanto
colaboração de um homem entre outros, homens, na vida comunitária são
em situações e contextos bastante condições que danificam a memória
social.
determinados, participando de grupos
que cultivam legados do passado. Tais

39
Diante deste contexto, este desenraizado não transmite e não se sente
projeto teve por objetivo relacionar, como transmissor:
tendo em vista a importância dada à
O sentimento de pertença à sua
psicologia como uma área do
pátria anterior não necessita da presença
conhecimento que abrange o
atual de seus componentes, de modo que
desenvolvimento, comportamento,
os objetos carregam marcas assim como a
crenças e sentimentos do ser humano , as
relação com seus pares, antigos
vivências dos refugiados no território
companheiros que reconstroem o
brasileiro a partir dos relatos de memória
passado através da memória coletiva.
verbal com o conceito de memória de
Simone Weil e Ecléa Bosi, a fim de A questão de roupa já é muita coisa...
compreender os processos psíquicos porque os haitianos se vestem mais
envolvidos. ou menos como americanos. (S.A.)

A roupa eles me veem como


DESENVOLVIMENTO
capitalista, tem uma visão tipo
americana sabe... Então quando eu
Observa-se que nos últimos anos
cheguei aqui foi quase a mesma
o número de pessoas que precisaram sair coisa. (S.B.)
de seus países de origem aumentou
A utilização de roupas ditas como
signiflcativamente. Seja para fugir da
comum ao americano, pode signiflcar o
guerra, da fome da pobreza, das
quanto uma ideologia dominante está
divergências políticas ou para buscar
infiltrada no discurso, nos modos de agir
melhores condições de vida. No entanto,
e se vestir. No entanto, como nos relatos
ao chegar ao novo país, ao invés de
abaixo, há uma preservação da cultura
receberem ajuda, passam por uma série
pela lembrança e a linguagem oral
de preconceitos relacionados tanto à
permite o acesso às sensibilidades que na
questão da etnia quanto à financeira:
história formal não se mostrariam. O
Eu sofri vanos preconceitos: relato é carregado de paixões e emoções.
preconceito por eu ser preto, depois Os documentos oficiais, orientados por
por eu ser estrangeiro e também por
ideologia não poderiam transmitir a
ser africano. Então... É uma coisa
que prevalece muito, que prevaleceu dinâmica que é a realidade.
muito quando eu cheguei. Porque
quando você chega, as pessoas não Comida, eu senti falta das ervas,
querem saber quem você é ou que porque a gente come muita erva,
você é. A primeira aparência que as folha de mandioca, folha de batata
pessoas têm já uma definição do que doce. Muita coisa assim que aqui não
você é. E ainda quando eu cheguei é presente. (S.B).
aqui, de roupa rasgada e tal, as
pessoas ainda achavam que eu era Em questão da comida, tem muito
mendigo... E dormi fora... Fiquei isso lá no Glicério, que todo
dormindo num abrigo, num quarto domingo de manhã eles fazem uma
cheio de gente... Então ... Foi pesado. sopa. É uma lembrança isso, de
quando os haitianos quebraram a
(S.B.)
época de escravidão.Todo mundo se
Enraizamento para Simone Weil é juntava e fazia uma sopa e cada um
pegava uma sopa pra comer. (S.A.)
o indivíduo que se reconhece inserido em
sua cultura e portanto também é atuante Eu escuto músicas de lá. Escuto Rap,
dentro da mesma. Já o individuo Guetto Zouk, que é o Zouk de lá;

40
Afrohouse que é de lá; o Kuduro que Pudemos nos colocar de certo
é de lá. As músicas daqui eu sempre modo no lugar deles, conhecendo parte
fui Ia, desde muito pequeno eu fui fã
de suas histórias e empatizando com eles,
de Zezé Di camargo e Luciano e
também o Leonardo. (S. B.) vendo a importância da memória para a
subjetividade do sujeito e como um
Eu voltei lá na missão da paz, de
refugiado pode passar por situações
novo. Eu vi um monte de haitiano lá,
difíceis onde ele fica sujeito ao outro, e
que tem piano. Tem zuma banda
haitiana. Eu falei "Mas é uma banda
abrindo mão de suas convicções, por
haitiana daqui?" Porque eu toco estar em uma situação vulnerável.
bateria. Teve uma pessoa que falou
Portanto, há de se ir atrás de
''Você é músico" Eu falei "não"
conhecimento, sempre preparado para o
"Mas eu não gostei dessa banda, eles
não tocam muito bem". (S. A.) que está por vir, estando disposto a
mudar a partir da experiência que se tem,
A subjetividade existe para sendo empático com o outro. Tiramos
permitir que todos relatem suas vivências, desse trabalho uma lição de ter outra
dentro de um tempo e espaço definidos, visão para com os refugiados, e com isso
mesmo partilhando algumas variáveis talvez tentar passar esse conhecimento
entre si. Ouvir fragmentos ajuda a recriar aos outros em nossa volta. Vimos o
continuamente a história formal, de quanto eles gostam daqui e isso nos fez
forma mais livre e fluida. O tecnicismo sentir bem, com um sentimento de
atual não permite que sejamos pertencimento a isso que eles agradecem
nostálgicos, mas este é um sentimento existir. Mesmo tendo inúmeros'
humano e, portanto, um direito. A problemas também, os entrevistados
globalização não consegue explicar tudo apenas nos mostraram as partes mais
o que aconteceu em todos territórios importantes de suas histórias. Não
culturas e épocas. sabendo como foi a experiência em si
para eles, nós propomos aqui um lugar de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
empatia para com os refugiados, visto
Nós, do grupo, chegamos a um que para eles nossa pátria agora é, de
conhecimento privilegiado através deste certo modo, deles também.
trabalho. Juntando-se ao conhecimento
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
de Simone Weil e Ecléa Bosi, vimos o
quanto um refugiado pode deixar pra BOSI, Ecléa. A Pesquisa Em Memória
trás, e o quanto espera saindo de seu país. Social. São Paulo, Universidade de São
Os entrevistados nos mostraram dois Paulo, 1993.
lados antagônicos: um que tem cultura,
BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da
que a valorizam e transmitem, e outro
Memória. São Paulo, Ateliê, 2003.
que não dá muita importância à cultura, e
já tinha conhecimento prévio do Brasil. A WEIL, Simone. O Enraizamento.
partir disso pode-se ver claramente os EDUSC, 2001, 1 edição. 0

conceitos de desenraizamento e
enraizamento, criados por Simone Weil,
sendo estes ligados ou não à cultura.

41
r-
I

FEIRA DE TROCAS! TIRA, PÕE, configuração fez com que o homem


DEIXA FICAR trabalhasse para manter a comunidade e a
vida de seus membros comuns
Autores: Beatriz Borges, Gabriela
produzindo aquilo que consumiam.
Rodrigues, Gabriella Moreira, Laerte
Bezerra, Maria lnácia, Mariana Santini e N essa nova organização de homens
Raphael Martins. estabelecidos, o trabalho foi dividido de
acordo com aptidões e formas físicas,
Orientador: Prof" Dr. José Estevam
aumentando a produtividade e gerando
Salgueiro
excedentes, propiciando o surgimento do
INTRODUÇÃO comércio.

Os violentos impactos ambientais, Segundo Smith (1996) o homem


econômicos, psicológicos, políticos e buscou aumentar os excedentes de suas
SOCla1S, causados pelo selvagem propriedades privadas com o objetivo de
capitalismo são campos de estudos a lucrar, ainda que não monetariamente, o
serem problematizados e discutidos maior rendimento possível e assim, as
academicamente a fIm de encontrar primeiras trocas surgiram como um

respostas e propor reflexões sobre os sistema de comércio de produtos por


temas. produtos, ou seja, excedentes por
excedentes e com ISSO surgiram as
A crescente degradação ambiental primeiras problemáticas que se estendem
coloca a humanidade diante de um até os dias atuais. como a falta de
conjunto de problemáticas que impactam, coincidência ou equiparação dando
direta e indiretamente, nas condições de origem ao valor da troca, divisibilidade,
reprodução planetária. No campo das confiabilidade e a excessiva valoração do
ciências sociais e da psicologia, que é o valor de uso pelo valor de troca e suas
nosso objeto de atuação, são estudados representações
os comportamentos e impactos destes
Como valores-de-uso, as
fenômenos na vida humana e na psique
mercadorias são, antes de mais nada,
dos sujeitos. de qualidade diferente; como
valores-de-troca, só podem diferir na
Para tanto, é necessário quantidade, não contendo, portanto,
compreender historicamente como se deu nenhum átomo de valor-de-uso
esse processo, pOlS nem sempre os QVU\RJ{, 2002, p. 59)
homens viveram em sociedade, passando Com isso, tornou-se necessário
por fases primitivas, agrícolas e de mediar as negociações e facilitar o
aperfeiçoamento de ferramentas processo, surgindo as primeiras moedas
mediadoras que facilitaram a vida em de troca e mercadorias. Esse breve
sociedade, gerando um sistema no qual resgate histórico torna-se importante para
trabalhavam para a manutenção dela. compreender algumas práticas ainda
Além disso, essas novas configurações presentes na contemporaneidade.
fizeram com que os homens deixassem o
nomadismo - fixando-se e tornando-se O escambo não voltou, o
sedentários, capazes de transformar a escambo sempre existiu, mas ao longo
natureza para a sobrevivência. Essa nova dos anos ganhou características

42
diferentes, organizou-se em novas por ongs, iniciativas dos próprios
plataformas como as comunidades online participantes ou agências
na internet ou as feiras presenciais de regulamentadoras para comercialização
trocas fixas, originou estudos e novas dos produtos produzidos. Essas
formas de consumo - e hoje é peça configurações propiciam que as pessoas
participante do amplo conceito de se relacionem e desenvolvam capacidades
economia solidária, que será trabalhado a de pensar coletivamente, seja através da
seguir. produção e autonomia de si, ou através
do produto final, as trocas de serviços,
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
produtos ou experiências essenciais para
A sociedade vive dentro da lógica o crescimento pessoal de cada sujeito.
capitalista, valorizando produções em
É um termo recente que se
larga escala para atingir o maior número
mostra como uma alternativa não apenas
de consumidores, visando sempre o lucro
para os excluídos do sistema capitalista,
sem se preocupar com os danos que são
mas também para aqueles que optam por
causados ao meio ambiente, a falta de
uma mudança de modelo.
condições trabalhistas, as crueldades
cometidas durante os processos de o conceito se refere a organizações
produção que afetam tanto animais como de produtores, consumidores,
poupadores, etc., que se distinguem
seres humanos. Em contrapartida, a
por duas especificidades: (1)
economia solidaria vem com a proposta estimulam a solidariedade entre os
de ser uma alternativa a esta lógica, sendo membros mediante a prática da
assim mais humanizada. Focada na autogestão e (2) praticam a
solidariedade para com a população
socialização de pose e uso e na produção trabalhadora em geral, com ênfase na
e distribuição desses meios, a economia ajuda aos mais desfavorecidos
solidária é segundo a definição do fórum (SINGER,2002).
brasileiro de economia social, em seu
Com caráter sustentável,
sentido econômico, um jeito de fazer a
beneficiando os envolvidos e propondo
atividade econômica de produção, oferta
repensar a utilidade de determinados
de serviços, comercialização, finanças ou
produtos, ela vai contra a obsolescência
consumo baseado na democracia e na
programada de bens supostamente
cooperação: a autogestão.
duráveis e preza uma real durabilidade.
Em casos de cooperativas e
Ela também pode ser pensada no
associações comunitárias de produção,
âmbito social, pois é uma forma de
essa autogestão promove autonomia
economia que pode gerar
sobre as vidas dos sujeitos e como
empregabilidade para comunidades,
administram seu capital. Por não existir
mudando a forma dos sujeitos se
hierarquia fixa as pessoas podem
relacionarem com o dinheiro e com o
participar de vários tipos de atividades,
trabalho.
aprendendo diversas profissões, além
disso o fato de não existir empregador As atividades da econorrua
nem empregado não cria um regime solidária incluem a produção, consumo e
opressor e aproxima a comunidade o crédito, representadas sob a forma de
através das feiras de trocas organizadas cooperativas, associações, clubes de troca,

43
feiras solidárias e demais cozinhar, capinar, movimento que exige
empreendimentos auto gestionários que esforço, concentração e repetição física
realizam atividades de produção de bens, completando a obra (work) de nossas
prestação de serviços, finanças solidárias, mãos. Na linguagem Aristotélica:
trocas, comércio justo e consumo "Trabalhadores são aqueles que com seus
solidário. O SENAES- Secretaria corpos atendem a necessidade da vida".
Nacional de Economia Solidária- foi A atividade do trabalho nunca chega a
criado no governo do ex-presidente Luis um fim enquanto durar a vida, é
lnácio "Lula" da Silva em 2003 no Brasil infinitamente repetitivo. É atingido
ajudando a criar mais destaques dessa quando o objeto está terminado. Pronto
prática. para entrar no mundo comum das coisas
e dos objetos. A potência de trabalho do
O escambo ou feira de trocas, é
homem em produzir bens de consumo a
uma das atividades da economia solidária
mais do que necessita para sua
que têm como característica a
sobrevivência e de sua família. Esta
solidariedade, uma vez que não é
abundância de consumo permite ao
necessário que algum dos participantes
homem escravizar ou explorar seus
busque tirar vantagem ou sair ganhando
semelhantes, mas à medida que somos
nas trocas envolvidas, já que o ganhar é o
criaturas vivas, é através do trabalho que
fim de ambas as partes. Porém, podem
podemos permanecer no círculo prescrito
existir barreiras para que isso aconteça:
pela natureza, afadigando-se e
o capitalismo se tomou dominante descansando, trabalhando e consumindo
há tanto tempo que tendemos a regularmente feliz onde cada um
tomá-Ia como normal ou natural. O contribui de sua maneira para o propósito
que significa que a economia de
de que dia e noite, na vida ou na morte
mercado deve ser competitiva em
todos os sentidos (SINGER, 2002). venham suceder um ao outro.

E esta dificuldade aumenta: A Obra constitui o artifício


humano, o lugar onde vivemos, objetos
A troca em espécie pressupunha, de uso, e se usado adequadamente não
além disso, que o valor das duas
mercadorias fosse o mesmo, ou que desaparece, mas dá ao mundo
uma delas, pelo menos, fosse estabilidade - sem a qual não poderíamos
facilmente divisível (SCHMIDT JR., abrigar a criatura humana, que é tão
1935).
instável. As coisas que consumimos não
Assim, precisando de uma duram para sempre, não são absolutas,
coincidência de valor para o produto, o elas se degradam, desaparecem e
chamado valor-de-uso que se dá pela retornam ao processo natural.
utilidade desse produto para aquela
Nos dias de hoje, o ser humano
pessoa e não o preço que ele tem nas
vem buscando alternativas para
lojas.
compensar este excesso de objetos
Relacionando com Hanna Arendt acumulados que tomaram espaços e
e seu texto sobre trabalho, obra e ação perderam suas funções. Uma alternativa
como condição humana, pensamos que o para o descarte com a finalidade de poder
trabalho vem do nosso corpo, ao plantar, ser utilizado por outras pessoas é o

44
escambo, que prop1Cia o descarte questão central na qual o grupo se propõe
adequado e aqulSlçao de novas a elaborar. Essa elaboração não ocorre
mercadorias sem o uso de moeda. Esta necessariamente de uma forma racional,
oportunidade está satisfazendo e mas sempre envolve sujeitos
colaborando para um equilíbrio nos integralmente, elaborando suas maneiras
hábitos de consumo e conscientizando o de pensar, agir e sentir. Isso é observado
indivíduo da superficialidade de suas na feira quando muitas vezes, os sujeitos
práticas consumistas. Por fim, a ação ali presentes estão contribuindo com
contempla a pluralidade do ser humano, algumas questões sociais envolvendo
característica que tem o poder de fazer problemáticas que são enfrentadas
com que o ele se integre à esfera pública, atualmente, como o consumo
de fazer com que ele revele quem ele é e irresponsável, questões ambientais, etc.,
inicie novos processos de identificação. mesmo que de maneira irracional. Essas
problemáticas relacionadas ao consumo e
As relações no escambo, ou feira
que são colocadas em prática na feira, são
de trocas, colocam o ser humano em
discutidas e colocadas em pauta na
contato com o outro e consigo mesmo,
entrevista que foi realizada com as
estreitando relações, possibilitando
organizadoras da feira de trocas do
entender que ação, trabalho e obra se
Espaço Crisantempo, Gorda Azevedo e
completam quando caminham juntos.
Danila Bustamante. Nesse caso, a oficina
Sem a ação, e sem a capacidade de iniciar
acaba envolvendo uma ação comunitária.
algo novo, a vida do homem se resumiria
Vale ressaltar que a feira de trocas é uma
entre nascer e morrer. A ação com suas
atividade prática do espaço que é um
incertezas, é sempre um lembrete para o
espaço de educação e promove o
homem iniciar algo novo. Apenas um
esclarecimento sobre a sustentabilidade
modo de dizer que com a criação do exibindo filmes, palestras e mostras
homem o princípio de liberdade surgiu
culturais desde 2008.
sobre a terra.
Durante o evento do escambo,
A ação é o campo libertador do
pôde ser observado a figura de uma
ser, pois é através dela que a alteridade se
pessoa que realizava o papel de
manifesta e com isso além do valor-de-
coordenador da oficina, no caso Gorda
uso podemos ter também o valor de
Azevedo, uma das idealizadoras do
relação, a possibilidade de se relacionar e
evento. Sua função durante a feira era a
de reconhecer o outro ao fazer uma
de facilitar para o grupo a realização de
troca, não só do produto, mas de
sua tarefa (no caso, as trocas), sem
experiências através de objetos e serviços.
assumir o lugar de alguém que detém a
verdade ou decidir pelo grupo. Ela
Pensando na feira de trocas como
possuía um papel ativo sem ser intrusiva,
um grupo, pode-se pensar que ela
funciona como uma oficina em dinâmica sempre conduzia as atividades, mas nunca
fazia nenhuma imposição. Era visível o
de grupo. Segundo AFONSO (2006),
oficina é um termo designado a um caráter de acolhimento e incentivo que a
trabalho estruturado com grupos, coordenadora possuía no evento, sempre
incentivando as pessoas a participarem
independentemente do número de
encontros e possuindo como foco uma das atividades e convidando

45
principalmente aqueles que eram novos Para a realização da experiência
ali, pessoas que estavam lá pela primeira de estágio, utilizou-se como instrumento
vez, acolhendo a todos, inclusive ao metodológico a entrevista
grupo que foi realizar a pesquisa no dia semiestruturada, recursos de audiovisual
do evento. para gravar as entrevistas e observação
participante, sendo que o grupo levou
o conhecimento resultante
produtos para troca e alimentos para
daquele momento de trocas (como já
contribuir com o lanche colaborativo.
citado anteriormente, mesmo que
produzido de maneira "irracional"), ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA
relacionado as praticas de consumo
sustentável, era uma construção grupal. A O trabalho atende as necessidades
da vida e através dele vem a remuneração
pessoa que realizava o papel de
que oferece a oportunidade de realizar
coordenadora fazia com que a palavra
circulasse por todos, utilizando um desejos. O corpo do homem é um
instrumento de trabalho, sendo utilizado
microfone como instrumento e não
para satisfazer a necessidades até então
deixando que o mesmo se tornasse um
não conhecidas.
tipo de "detentor de poder". Assim,
sempre que alguém queria dizer algo para Utilizando a natureza e sua
todos durante a realização das trocas, ia matéria prima para realizar a obra, que
até o local onde se encontrava a ligada ao trabalho mostra e expõe ao
coordenadora com o microfone e pedia indivíduo o objeto fabricado.
para que seu recado fosse anunciado. O
papel que a Gorda realizava ali no grupo Porém o intenso consumo desse
era de coordenadora e não de diretora, objeto torna o homem escravo dessa
procurando sempre facilitar a realização obra, podendo ele se ordenar um
das trocas entre os participantes da feira. acumulador e detentor da destruição da
As trocas realizadas no encontro, se própria natureza, que cedeu a matéria
forem analisadas de maneira mais pnma.
profunda, não eram apenas dos objetos
A potência do trabalho em
propriamente ditos, mas também de
produzir bens de consumo tende a buscar
experiências e conhecimentos (muitas
alternativas para se livrar desse acúmulo,
pessoas trocavam serviços como palestras
sendo através do escambo a maneira mais
sobre determinados assuntos, atividades
apropriada e a partir disso compreende-se
manuais, etc., por outro tipo de serviços
sua superficialidade, abrindo espaço para
ou produtos materiais) entre as pessoas
se relacionar novamente com o outro.
que ali se encontravam. A partir dos
relatos coletados durante as entrevistas, Dentro deste conceito de
foi possível constatar a presença de laços econOillla solidária e escambo,
afetivos que foram formados durante os percebemos que as relações estabelecidas
encontros nas feiras, as quais acontecem pelos indivíduos ultrapassam os
todo primeiro domingo do mês. princípios econômicos, sendo estes a
ideia de um consumo consciente, voltado
METODOLOGIA DA
contra as práticas capitalistas,
EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
aprofundando as relações humanas por

46
I
meio das trocas, em que passamos a ter ARENDT, Hannah. A Condição
mais consciência do que precisamos. Humana. Tradução de Roberto Raposo;
revisão técnica: Adriano Correia. 8' ed.
A visita ao Espaço Crisantempo Rio de Janeiro: Forense Universitária,
proporcionou uma nova forma de olhar 2010.
para como estabelecemos as relações
sociais com o dinheiro e com as pessoas,
na feira são realizadas trocas de todos os
tipos de objetos, serviços e por meio do
contato informal trocam-se experiências e
histórias, compartilhando sentimentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GALBRAITH, J. K. Moeda: de onde


veio, para onde foi. 2' Ed. São Paulo:

Pioneira, 1997.

MARX, K. Formações Econômicas Pré-


Capitalistas. 6' Ed. São Paulo: Paz e
Terra,

1991.

___ O Capital: crítica da economia


o

política. Livro 1. 20' Ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2002.

SCHMIDT JÚNIOR, A. Moedas e


Systemas Monetários. Primeira Parte. São

Paulo: Revista dos Tribunaes, 1935.

Ministério do Trabalho. O que é


Economia Solidária? Disponível em:
http://www.mtps.gov.br/trabalhador-
economia-solidaria/o-que-e

SINGER, Paul (2002). Introdução à


economia solidária. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo.

SCHMIDT JÚNIOR, A. Moedas e


Systemas Monetários. Primeira Parte. São
Paulo: Revista dos Tribunaes, 1935.

AFONSO, Maria Lúcia (Org.) Oficinas


em dinâmica de grupo na área da saúde:
Um método de intervenção psicossocial.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

47
EDUCAÇÃO junto às famílias das pessoas com
deficiência.
INCLUSÃO SOB UMA
PERSPECTIVA PESSOAL E REFERENCIAL TEÓRICO
FAMILIAR
A construção da família é
Autores: Andréa Latterza, Julia Scheuer, estabelecida por relações de parentesco,
Nilza Trevisani, Olga Oliveira, Thais aliança ou afinidade que podem acontecer
Gimenez. através do casamento, ou ainda de uniões
consensuais sem o vínculo legal, e assim
Oritentadora: Prof" Ms. Susete os ascendentes e dependentes irão
Figueiredo Bacchereti. estabelecer as relações de dependência.
(ABADE, 2014, p. 17).
INTRODUÇÃO
É importante ressaltar que não
A dinâmica familiar sofre
importa a configuração familiar, mas ela
mudanças diversas, em virtude das
se constitui indispensável à criança em
adversidades que a deficiência impõe e
desenvolvimento, local de proteção,
que a sociedade desconhece ou não quer
agente da primeira socialização, e
reconhecer. Considerando-se que a
aprendizado das relações do
principal função da família é assegurar as
comportamento em sociedade.
necessidades dos seus membros, os
(OLIVEIRA, 2009, p. 83).
conceitos de integração e inclusão desde
cedo começam a fazer sentido no Ao longo da história a criança não
contexto de uma família que enfrenta a tinha esse espaço afetivo e prioritário
deficiência de uma criança. Perante as dentro das relações familiares. Sua
novas exigências que surgem, as famílias importância foi construída no percurso
têm de se adaptar aos problemas suceSSIVO das gerações, conforme
decorrentes de cada etapa de pesquisa do historiador francês Philippe
desenvolvimento e reformular as suas Ariês (1981), que realizou estudos da
funções no seio familiar. No entanto, é iconografia da era medieval à
quando a criança com deficiência entra modernidade, observando Imagens e
no sistema de ensino, que os mesmos concepções da infância através dos
conceitos ganham mais relevância, pelo tempos. Ele aponta que a infância é o
maior contato com a sociedade. Para resultado das modificações da estrutura
além da deficiência há um sujeito com social, sendo assim a ela é o produto da
desejos, vitórias, medos, limitações, com vida moderna. (ANDRADE, 2010 p. 48).
concepções, fazeres, gostos, vontades que
não devem ser negligenciados em Comenius (1592-1670) é um dos
generalizações. primeiros educadores que propõem uma
educação adequada a cada etapa do
Acredita-se que como desenvolvimento humano, e vai mais
consequência do interesse e da busca pelo longe quando admite que até os "debéis
conhecimento mais aprofundado desta mentais" podem ser educados. Sua
problemática, e com o apoio da proposta era o ensino de tudo a todos;
legislação, poderão conceber-se novas crianças, adultos, deficientes, normais,
estratégias de apoio e intervenção positiva qualquer categoria social, todos podiam e

48
=

deviam ser educados. (CAUVILLA, 1999, o desenvolvimento da criança deficiente.


p.74-76) (fOLEDO, 2009, P 4131)

o desenvolvimento da educação A Defectologia Vygotskiana


especial no Brasil sofreu mudanças e caracteriza-se pela busca de um
progressos desde os tempos coloniais, entendimento qualitativo da deficiência,
quando, num contexto social isento de compreendendo o "funcionamento" das
instrução, os deficientes e suas pessoas com deficiência, isto é, como se
necessidades passavam despercebidos constitui o seu pensamento, como
pela sociedade, e a educação do deficiente interagem com o meio, de que modo
se concentrava basicamente no ensino de enfrentam as dificuldades, que
trabalhos manuais aos mesmos. A alternativas buscam. (VIGOTSKI, 1989)
aceitação e a valorização da diversidade, a
Garcia (1999, p. 42) afirma que para
cooperação entre diferentes e a
Vigotski o desenvolvimento se apresenta
aprendizagem da multiplicidade são
em dois níveis, o real e o potencial; o
valores que norteiam a inclusão social,
primeiro representa aquilo que a criança
entendida como o processo pelo qual a
pode realizar sozinha, e o segundo o que
sociedade se adapta de forma a poder
ela só conseguirá com a ajuda de outra
incluir, em todos os seus sistemas,
pessoa mais capacitada ou realizará
pessoas com necessidades especiais e, em
através da imitação.
simultâneo, estas se preparam para
assunur o seu papel na sociedade. A Zona de Desenvolvimento
(SILVA, 2009, p. 144). Proximal se caracteriza, assim, como a
ponte existente entre esses dois níveis de
o tema da inclusão social pode
desenvolvimento, o percurso que fará o
ser definido tendo como ponto de partida
indivíduo para alcançar a maturação dos
seu oposto, a exclusão social. Ao falar da
inclusão, falamos de um conflito histórico processos de aprendizado. (MEDEIROS,
2013, P.119)
e pertencente a certo funcionamento
social, determinado pela exclusão social; Um dos valores inestimáveis da
o sistema em que vivemos é excludente obra de Vigotski é que, além da
em sua raiz. Dessa forma, falar em preocupação em buscar novos
inclusão é perceber as práticas exclusivas paradigmas para a compreensão da
constitutivas de nossa sociedade, uma psique humana, propõe novas propostas
sociedade de desiguais. (MACHADO, de intervenção a partir deles. Assim é
ALMEIDA, SARAIVA, 2009 p. 21). que, ao mesmo tempo em que nos
propõe um novo olhar sobre a
Vigotski nos deixou um
deficiência, nos dá pistas de como agir
importante legado referente às formas
para superá-ia. (COSTA, 2006, p. 237-
como as aprendizagens ocorrem, as quais
238)
devem contribuir para o desenvolvimento
do sujeito, através das relações sociais. Considerando-se que a principal
Entre tantos estudos voltados ao função da família é assegurar as
conhecimento do desenvolvimento necessidades dos seus membros, quer a
humano, ele dedicou também a investigar nível individual, quer a nível coletivo, os
papéis da família acabam por ter como

49
principal finalidade sustentar essas organizações internacionais, em 1994
mesmas necessidades, que podem ser (UNESCO, 1994: 6).
agrupadas em necessidades econômicas,
Este documento contribuiu
cuidados diários, recreativas, de
decisivamente para perspectivar a
socialização, de auto-identidade, de afeto,
educação de todos os alunos em termos
e necessidades de atendimento educativo.
das suas potencialidades e capacidades,
(DUARTE, 2010, p. 47 -50).
para o que, currículos, estratégias
Nesse percurso, quando chega o pedagógicas e recursos a utilizar
momento de proporcionar educação à adequados, organização escolar
criança com necessidades educativas facilitadora destas medidas e da
especiais e há necessidade de encarar as cooperação entre docentes e comunidade,
possibilidades escolares, há um pico de são condições fundamentais a ter em
tensão na família (DUARTE, 2010, p. 35) conta. (SILVA, 2009, p. 146)

Esse período também apresenta No Brasil, em 2015 foi


peculiaridades para o próprio aluno. Até sancionada a LEI 13.146/2015
então acostumado com o contexto 06/07/2015 - Lei Brasileira de Inclusão
familiar, com número restrito de pessoas da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
e nível de atenção peculiar, quando Pessoa com Deficiência).
inserido na escola este é exposto a
inúmeras situações novas, como: relações
METODOLOGIA
entre pares, amizade, competição, o trabalho foi realizado a partir
aprendizagem, ausência da proteção de entrevistas semi-estruturadas gravadas
constante de familiares, entre tantas por mero de recursos audiovisuais,
outras. (MATURANA, 2015, p.351) contando no final com quatro
colaboradores, sendo conduzidas no
Considerando então a família e a
sentido de se obter as perspectivas
escola ambientes de desenvolvimento e
pessoais e familiares relacionadas com a
aprendizagem humana, estudar as
inclusão escolar. Os colaboradores foram:
relações entre farrúlia-escola constitui
uma professora de design de
fonte importante de informação, pois
Universidade particular de São Paulo,
permite identificar aspectos ou condições
uma pedagoga e assessora da Secretaria
que influenciam na comunicação, padrões
Municipal da Pessoa com Deficiência e
de colaboração e conflitos entre essas
Mobilidade Reduzida do Município de
duas instituições. De fato, o sucesso na
São Paulo, um professor da ciência da
relação entre farrúlia-escola tem sido
computação e proprietário de uma
apontado na literatura como um dos
empresa de tecnologia da informação e
principais fatores facilitadores da inclusão
uma comunicóloga. Sendo duas mães de
escolar. (MATURANA, 2015, p.351)
crianças com deficiência e dois adultos
o movimento a favor da inclusão deficientes. Todos os entrevistados são
foi fortemente impulsionado pela maiores de 18 anos, assinaram o TCLE -
Declaração de Salamanca, aprovada pelos Termo de Consentimento Livre e
representantes de vários países e crianças Esclarecido e cederam seus direitos de
independentemente das suas condições imagem para uso no presente trabalho.

50
DISCUSSÃO Observa-se pelos depoimentos
dos entrevistados que eles tiveram que
No depoimento de M.A.M.,
lutar para estarem hoje, graduados.
percebe-se que a discriminação ocorria
G.L.e., ressalta que estar na educação
até mesmo entre os educadores e os
convencional era muito difícil, "não tinha
profissionais da saúde, que viam somente
nada voltado para esta área de inclusão,
as limitações pelas quais passavam os
era tudo no peito e na raça. Quer estudar
deficientes e não as suas potencialidades.
numa escola convencional? Então adapte-
A coragem de M.A.M. de lutar pelo seu
se". Não havia ambiente preparado para
espaço na sociedade numa época em que
os deficientes. Hoje existem carros
nem legislação adequada se tinha,
adaptados, uma legislação vigente, mas as
ultrapassa os limites da deficiência e
barreiras têm que ser ultrapassadas
mostra sua capacidade de resiliência e
sempre. G.L.e. fala sobre a acessibilidade
superação. "(...) durante o magistério
ser precária: "a gente vai rompendo essas
tinha dificuldades também na escrita e as
barreiras, passando por cima delas, pra
professoras falavam pra mim ir mais
poder conseguir algo bacana nessa vida".
depressa, que eu era muito lenta; eu tive
uma professora que falou que jamais eu Transpor os limites da escola
poderia ser professora porque minha letra atual, onde por conta da legislação, a
não era pedagógica e me obrigava a fazer inclusão tem se tornado cada vez mais
caderno de caligrafia (...)" M.A.Mpassou presente, é uma tarefa que envolve
em um concurso público na rede seriamente todos os envolvidos. Os
municipal de ensino de São Paulo, e o professores necessitam estar mais do que
departamento médico questionou-a sobre nunca com um olhar acurado para as
como ela poderia ser professora em uma necessidades individuais de cada aluno.
cadeira de rodas. Então ela recorreu aos A.P .M. mostra o despreparo dos
meios de comunicação. "Saí em jornal e docentes com o depoimento: "levei uma
saí em televisão, dizendo que eu era uma maçã inteira e tinha uma dentada; no dia
professora que estava sendo seguinte, perguntei: tinha uma dentada na
discriminada( ...) o prefeito deu uma maçã da M., ela não quis comer? Não, ela
autorização para que eu fosse não me pediu (respondeu a professora).
enquadrada" . M. não falava! M. não fala, ainda".

É importante observar que a Os familiares necessitam muitas


inclusão escolar ultrapassa o âmbito da vezes buscar apoio fora da escola, pois a
instituição, e relaciona-se com algo muito mesma não oferece todo o suporte
mais amplo. É o acesso à educação que necessário. "(...) a gente tem o apoio de
permite ao indivíduo descobrir seus psicopedagogo fora da escola, eu não
direitos como cidadão, ter acesso à escapei de ter um apoio fora, até pra levar
cultura e vivências sociais. O ambiente estas informações que eu senti que a
escolar representa o exercício da escola não tinha" (D.e.e.].).
cidadania plena. Podemos dizer então que
Vigostsk:i, 2011, já reforçava que
"a inclusão escolar traz com ela a inclusão
toda a nossa cultura é calculada para a
social". (KIBRIT, 2013).
pessoa dotada de certos órgãos - mão,
olho, ouvido - e de certas funções

51
cerebrais. Todos os nossos instrumentos, J.integra a perspectiva da família e dos
toda a técnica, todos os signos e símbolos professores em relação a inclusão: "( ...)
são calculados para um tipo normal de para nós (professores da Universidade), é
pessoa. E daqui surge aquela ilusão de uma grande oportunidade; ninguém passa
convergência, de passagem natural das por nenhum deles sem se tornar melhor,
formas naturais às culturais, que, de fato, (...) tem situações que a gente não
não é possível pela própria natureza das consegue dar conta nem com aluno
coisas e a qual tentamos revelar em seu regular; ou você se torna tecnicista ou
verdadeiro conteúdo. você não é nada, este não é o professor
que muda uma vida, que faz a pessoa
o estudo do conceito de Zona de
entender o lugar dele no mundo. "
Desenvolvimento Proximal reforça o fato
de que o professor precisa conhecer seus A.P.M. fala sobre a realidade
alunos individualmente para ser capaz de brasileira acerca dos abortos de pessoas
mudar e melhor direcionar sua prática, a com deficiência, que apesar de ilegal, é
fim de garantir êxito no processo não só praticado rotineiramente. "O que eu vou
por parte de quem ensina, mas fazer? Eu perguntei assim pra médica, ela
principalmente por parte de quem me respondeu que 90% das pessoas
aprende (MEDEIROS, 2013, P.119). abortam. Aonde? Ela respondeu: No
Brasil. Eu fiquei pasma".
Os pais enfrentam uma série de
contextos de stress, nomeadamente Em relação à descoberta da
quando se deparam com as diferenças deficiência das crianças, as mães
entre o seu filho com deficiência e os entrevistadas relataram sobre o impacto
restantes colegas sem deficiência, quando da notícia, como elaboraram-na e como
partilham o estigma da deficiência do seu foi construída a rotina a partir da notícia.
filho com o receio de não serem A. P. M. conta que primeiramente se
compreendidos, respeitados e aceites sentiu aprisionada, e posteriormente
pelos outros pais, quando se confrontam experimentou uma liberdade com
com a dificuldade de adaptação social do maturidade. D.CC.]. relata: "O R. foi
filho com deficiência, quando receiam diagnosticado com 1 ano e meio, ele tem
que a integração no ensino regular síndrome de Down mas é mosaico, então
implique a perda dos serviços e apoios mescla cromos somos comprometidos
prestados em outros programas escolares. com cromossomos saudáveis (...), a gente
Na realidade, esta integração poderá ser levou um susto de um dia; a gente sempre
uma das medidas mais certas, mas buscou lidar com iSSO com muita
também uma das mais impulsionadoras naturalidade" .
do stress dos pais (GÓNGORA, 1996,
No momento do diagnóstico, o
citado por COSTA, 2004, p. 94).
papel do psicólogo também seria de
No entanto da perspectiva dos enorme importância, e não foi relatado
próprios pais: "inclusão é a escola poder pelas famílias entrevistadas. O psicólogo
receber qualquer tipo de deficiência e poderia trabalhar no acolhimento e
atender aquele ser, aquele indivíduo suporte emocional da família, verificando
dentro das necessidades dele" (A.P.M.). potencialidades para resolver problemas,
Em contraponto, a entrevista de D. C C apontando e desenvolvendo capacidades.

52
1

Também oferecendo um espaço de e o respeito a diversidade; obter uma


escuta para a emergência de conflitos compreensão hist~rico-social do
internos, sentimentos reprimidos ou mal significado da deficiencia, do preconceito
elaborados para que possam vivenciá-los e das praticas excludentes. Buscando
de modo mais integrado e positivo, assim focalizar a forca que o ser humano possui
como torná-los propulsores de mudança
para o enfrentamento de sua deficiência e
para a melhor adaptação de todos
expansao dos seus limites, objetivando
(pADUA; RODRlGUES, 2013, p. 2324).
uma posicao social mais valorizada no
No entanto, ambas as famílias mundo ao seu redor.
reconhecem o papel do psicólogo no
o processo de inclusão é por
cotidiano com seus filhos, Como
excelência multifacetado, e o presente
ressaltado no depoimento de D.C.C].:
trabalho explorou apenas uma parte desse
"Às vezes este profissional não tem
processo, sob a ótica dos seus principais
noção de como ele é tão fundamental
atores: a família e o próprio deficiente.
assim nessas relações, tem situações que
Pesquisas mais amplas poderão contribuir
o pai, a mãe, a família e a escola não
para o desenvolvimento deste importante
sabem lidar, até quando eu quero colocar
campo do conhecimento.
um limite nele, mas ele não consegue
entender o limite que eu quero impor, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
então a palavra de um especialista que
ABADE, Flavia. Famílias patrifocais:
entende, o auxilio, são fundamentais".
paternagem e socialização dos filhos. 2014.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) -
E o que os estudantes de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
psicologia e futuro profissionais devem Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,
fazer com relação às pessoas com Ribeirão Preto, 2014.
deficiência? Nada de diferente, aquilo que
ANDRADE, Lucirnary Bernabé Pedrosa de.
o psicólogo sempre soube fazer de Educação infantil: discurso, legislação e
melhor, olhar o ser humano em todos os práticas institucionais [online]. São
seus aspectos singulares, olhar o ser Paulo:Editora UNESP; São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2010. 193 p. ISBN 978-85-7983-
humano único que se apresenta à nossa
085-3.
frente, porque como ressalta A.P.M.:
"Independente da deficiência, cada ARTES, P. História social da criança e da
família. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
indivíduo é um indivíduo, isso pra tudo e
Guanabara, 1981.
para todos, então vocês podem ter várias
pesquisas, dados, que mostram uma CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA. Referências técnicas para atuação
amostra X, dá um norte, mas nunca
de Psicólogas (os) na Educação Básica / Conselho
devem deixar de olhar o indivíduo como Federal de Psicologia - Brasília: CFP, 2013.
indivíduo" . 79p.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre


Princípios, Políticas e Práticas na Área das
o Conselho Federal de Psicologia Necessidades Educativas Especiais, 1994,
Salamanca- Espanha.
(2013) enfatiza que a atuação crítica do
psicólogo na educação inclusiva é de BRASIL. Estatuto da criança e do
promover uma discussao sobre a inclusão adolescente. 5' ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
210p.

53
BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. proxirnal frente à Síndrome de Down: a
Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa caminho da inclusão e da aprendizagem.
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Revista científica das escolas de comunicação
Deficiência). Diário Oficial da República e artes e educação, Univesidade Potiguar.
Federativa do Brasil, Brasilia, DF, 7 de Ano II, nO2, jun/nov 2013; p 111-121.
jul.2015.
OLIVEIRA, Nayara Hakime Dutra.
CAUVILLA, Waldir. (1999). Sobre um Recomeçar: família, filhos e desafios [online].
momento da constituição da idéia de infância: São Paulo: Editora UNESP; São Paulo:
ponto de vista de um historiador. Estilos da Cultura Acadêmica, 2009.
Clinica, 4(6), 72-79.
PADUA, Elisângela Souza Pimenta;
COSTA, Dóris Anita Freire. (2006). RODRIGUES, Luzia. Família e deficiência:
Superando limites: a contribuição de reflexões sobre o papel do psicólogo no apoio aos
Vygotsky para a educação especial. Revista familiares de pessoas com deficiência. In: VII
Psicopedagogia, 23(72), 232-240 .. CONGRESSO BRASILEIRO
MULTIDISCIPLINAR DE EDUCAÇÃO
COSTA, M. 1. B. C. (2004). A Família com INCLUSIVA, 11., 2013, Londrina, PR: 2013.
Filhos com Necessidades Educativas
Especiais. Viseu: Escola Superior de SILVA, Maria Odete Emygdio da. (2009). Da
Enfermagem de Vis eu. Exclusão à Inclusão: Concepções e Práticas.
Revista Lusófona de Educação, (13), 135-
DUARTE, Mónica Rodrigues. Percepções, 153.
Sentimentos e Receios de Famílias de
Crianças com Deficiência - Um Estudo de TOLEDO, Elizabete Humai de; MARTINS,
Casos Múltiplos. Dissertação de Mestrado em João Batista. A atuação do professor diante
Ciências da Educação, na Área de do processo de inclusão e as contribuições de
Especialização em Educação Especial. Vygotsky. IX Congresso Nacional de
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - EDUCERE; III Encontro Sul
Educação, Universidade de Coimbra, 2010. Brasileiro de Psicopedagogia, 26 a 29 de
outrubro de 2009, PUCPR
GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. A
Educação de Sujeitos considerados UNESCO (1994). Declaração de Salamanca e
Portadores de Deficiência: Contribuições Enquadramento da Ação: Necessidades
Vygotskianas. Revista Ponto de Vista. v.1, Educativas Especiais. Salamanca: Unesco.
n.1, jul/dez/1999, p.42-46.
VIGOTSKl, Lev Semionovitch. Obras
KIBRIT, Bruna. Possibilidades e desafios na completas. Tomo cinco: Fundamentos de
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vol.16, nA, pp. 683-695.
______ . A defectologia e o estudo do
MACHADO, A. M.; ALMEIDA, 1. & desenvolvimento e da educação da criança
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para uma prática Inclusiva. In Educação Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento
Inclusiva: experiências profissionais em Marques. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.
psicologia (pp. 21-36). Brasilia: Conselho 37,n.4,p. 861-870, dez. 2011.
Federal de Psicologia, 2009.

MATURANA, Ana Paula Pacheco Moraes,


& Cia, Fabiana. (2015). Educação Especial e
a Relação Família - Escola: Análise da
produção científica de teses e
dissertações.Psicologia Escolar e
Educacional, 19(2), 349-358.

MEDEIROS, Ilana Souto; SILVA, Nancy


Capretz Batista da,.Zona de desenvolvimento

54
,

COTAS: BENEFICIA A QUEM? baseava na agricultura, a qual era


sustentada pelos escravos negros que
Autores: Bruno Fiuza Birman, J éssica
"trabalhavam" nas lavouras. Frente a este
Thatiane Silva De Aquino, Jonatas Santos
novo momento, imposto pela libertação
Ferreira, Rafaella Cristina Curatolo, Thais
dos escravos, houve um acordo no qual
Reis Santos e Thais Tiemi Hirata.
os imigrantes europeus substituiriam os
Orientador: Prof. Ms. Susete Figueiredo escravos. No entanto, um homem
Bacchereti. considerado um ex escravo, não seria
inserido no contexto social da época, pois
INTRODUÇÃO não se enquadrava no ideal do homem
nacional.
o Brasil foi
submetido ao regime
de escravidão por cerca de 350 anos Em 1996, cria-se o programa
levando a consequências sociais que nacional dos direitos humanos que
perduram até os dias atuais. Como uma propõe, entre outras coisas, "desenvolver
medida, o sistema de cotas foi criado na ações afirmativas para o acesso dos
tentativa de amenizar as desigualdades negros aos cursos profissionalizantes, à
sociais existentes. universidade e às áreas de tecnologia de
ponta; formular políticas compensatórias
Segundo Sobrinho (2010), a
que promovam social e economicamente
formação social de sujeitos históricos se
a comunidade negra e apoiar as ações da
concretiza por meio de uma diversidade
iniciativa privada que realizem
de instituições sociais e práticas culturais,
discriminação positiva" (Brasil, 1996, p.30
onde a educação constrói um indivíduo
apud Moehlecke, 2002). No âmbito do
capaz de pensar, refletir e mudar o
ensino superior, em 2002/2003 foi
mundo à sua volta - interligando as ideias
aprovada a primeira lei estadual no estado
de Paulo Freire sobre educação e a
do Rio de Janeiro, onde foi estabelecido
construção de homem político de
que:
Hannah Arendt.
"50% das vagas dos cursos de
REFERENCIAL TEÓRICO graduação das universidades
estaduais devem ser destinadas a
Segundo Galvanin,(2005), a segunda alunos oriundos de escolas públicas
metade do século XIX foi marcada por selecionadospor meio do Sistema de
um cenário de extrema importância e de Acompanhamento do Desempenho
dos Estudantes do Ensino Médio
mudança social que resultou em uma Sade. Esta medida deverá ser
transformação política no Brasil, em aplicada em conjunto com outra,
busca da abolição da escravatura que só decorrente de LEI N° 10.558
aconteceu em 1888. Após este ato de aprovada em 2002, a qual estabelece
que as mesmas universidades
libertação, pessoas afrodescendentes destinem 40% de suas vagas a
teriam os mesmos direitos da população candidatos negros e pardos.
branca, incluindo trabalhos assalariados. Moehlecke,(2002).

A propagação dos mesmos A Universidade de Brasília


direitos de pessoas brancas e negras (UNB) foi a primeira instituição de
remeteu a questões econômicas, pois ensino superior federal a adotar um

neste período a economia brasileira se sistema de cotas raciais para ingresso na

55
-----------------------------------------------------
•.....•. --------------

universidade através do vestibular, a Segundo Arendt (2007), inúmeros


partir do segundo semestre de 2004. acontecimentos atuais confirmam essas
questões. ] avens adolescentes prestes a
A repercussão gerada pelo tema
iniciar a vida adulta questionam e
se tornou uma problemática, já que desde
protestam contra o sistema de cotas por
sua primeira implantação em 2002, na
se sentirem desvalorizados e injustiçados.
Universidade Estadual Carioca do Rio De
] avens que tentam ingressar na faculdade
Janeiro (UER]), vem separando opiniões
ou no primeiro emprego questionam a
em dois grandes grupos, aqueles que
validade desses programas. Apesar de ser
concordam e aqueles que discordam
um acontecimento recente, é necessário
desta medida.
rever todo o processo de implantação das
De acordo com Sobrinho (2010) a cotas. Para compreender a história, deve-
formação social de sujeitos se concretiza se encarar a realidade sem preconceitos e
por meio de uma diversidade de com atenção, especialmente diante do
instituições sociais e práticas culturais que "racismo que hierarquiza, desumaniza e

junto da produção das condições justifica a discriminação existente". ]á


materiais de existência, moldam os Bezerra e Gurgel (2012, apud Campos et
sujeitos em seus hábitos, em seus laços de al.,2015) afirmam:
parentesco, ao mero ambiente, às "As leis de cotas, por exemplo, que
instituições sociais, às normas, regras e regulamentaram as políticas públicas
leis e a um conjunto de práticas culturais de cotas universitárias para alunos
singulares. A educação é o principal meio, oriundos de escolas públicas, para
negros, dentre outras categorias,
que a instituição contemporânea tem de representam mecanismos sociais de
auxiliar o ser humano a construir sua políticas públicas que procuram
personalidade. Desde a infância até a vida promover condições de igualdade de
oportunidades em relação ao ensino
adulta, a educação tem um caráter
superior brasileiro".
essencial de construção do indivíduo
como pessoa, possibilitando a formação Leite e Oliveira (2011), apontam
de pensadores que vão além do seu que a pedagogia de Paulo Freire visa à
próprio eu e olham a necessidade a seu libertação no sentido de transformar
redor. aquele jovem estudante em um indivíduo
politizado e capaz de problematizar
Atualmente, observamos uma
questões para que a transformação ocorra
supervalorização das profissões que na sociedade em que ele está inserido. A
eXigem ensino supenor e uma educação deve ser vista, portanto, como
desvalorização das atividades que não um ato público e político, que valorize a
possuem formação supenor. Em diversidade cultural e o sujeito sócio-
contrapartida, é comum verificar que histórico, sendo a escola um lugar de
apenas uma pequena parcela da construção do conhecimento que deve
população consegue efetivamente ser coletivo e democrático e deve estar
mgressar em universidades, se ligado à problematização das questões
restringindo principalmente àqueles que para que haja uma tomada de consciência
tiveram maior privilégio como: Ensino da própria condição existencial. Costa,
Privado, Cursos preparatórios para o (2011) diz que essa pedagogia de inclusão,
vestibular, entre outros.

56
,

trata-se, de uma pedagogia baseada na pública e dezoito de uma universidade


ética, no respeito e na criação autônoma particular.
do sujeito e tem como objetivo a quebra
da homogeneização nas escolas e
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
promover a inclusão de todos na A partir das entrevistas realizadas
educação sem nenhum tipo de nas universidades, nota-se um
preconceito ou discriminação. conhecimento popular sobre a política de
cotas, em que dos vinte entrevistados ,
Dois grandes autores que ilustram a
importância da educacão e a relacionam dezoito afirmaram conhecer o sistema e
dois desconhecem. Um tema recorrente
com a sociedade são Paulo Freire e
na fala dos entrevistados é o contexto
Hannah Arendt. As cotas entram como
histórico envolvendo a escravidão.
uma tentativa de seguir os ideais desses
Afirmam que foi um período de grande
autores para incluir o máximo de pessoas
impacto social e cultural, e que o sistema
na educação para atingir a sua ação e
de cotas veio como uma tentativa de
conseguir a sua libertação se tornando
reparar os danos históricos: "(...)
um homem politizado.
programa paliativos de remediação de um
Arendt (2007), afirma que existe histórico e segregação racial no Brasil".
um desencontro entre a escola e a
Outro ponto recorrente é a
sociedade que gera e fortalece os
desigualdade na educação entre escolas
processos de exclusão, sobretudo,
públicas e privadas. Apresentam que as
considerando uma sociedade cujo
conhecimento é distribuido de forma cotas são necessárias até que a educação
se torne igualitária entre público e
desigual. Esse aspecto social se apresenta
privado "Temporariamente a cota é
como um expressivo desafio da educação
muito justa, até que a gente tenha uma
nos dias atuais, na medida em que
sociedade mais igualitária". Assim como
algumas pessoas são privilegiadas e outras
Paulo Freire afirma em suas teorias
não conseguem ter acesso ao
segundo Leite e Oliveira (2011).
conhecimento.
De acordo com a Lei n°
Um dos maiores desafios
12.711/2012 as cotas são direcionadas
enfrentados pela educação é inserir esses
para estudantes que tenham cursado
jovens que muitas vezes são excluidos
integralmente o ensino médio em escolas
pela sua etnia, de ingressarem em uma
públicas ou estudantes oriundos de
universidade com os mesmos direitos que
famílias com renda igualou inferior a
os outros.
meio salário rrurumo e que
MÉTODO autodeclarados pretos, pardos e indígenas
que cursaram integralmente o ensino
Para o presente trabalho, foram
médio em escola pública. Ao analisar os
realizadas entrevista semi-dirigidas com
discursos dos entrevistados observa-se
alunos universitários de universidades
um desconhecimento sobre o
particulares e públicas.
funcionamento do sistema de cotas
Foram entrevistados cerca de raciais, pois para muitos é necessano
trinta alunos: doze de uma universidade apenas se declarar negro para ter acesso

57
às cotas sem levar em conta a necessidade ..!2012/Iei/I12711.htm>. Acesso em: 25
de ter estudado em escola pública. de maio de 2016.

CONSIDERAÇÕES FINAIS CAMPOS, L.et aI. Cotas Sociais, Ações


Afirmativas e Evasão no Ensino
Ao analisarmos o material Superior: Análise Empírica em
pesquisado sobre o sistema de cotas, do uma Universidade Pública Brasileira.
Contabilidade e Controlado ria no século
ponto de vista de autores sobre a
XXI, São Paulo, 2015
importância da educação, e as entrevistas
foi considerado que existe ainda um CÉSAR, M; DUARTE, A. Hannah
grande misticismo e desconhecimento Arendt: pensar a crise da educação no
sobre o sistema de cotas e isso causa um mundo contemporâneo . Educação e
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