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Contaminação de Processo

Industrial de Fermentação
Etanólica e Medidas
Operacionais de Controle

Tese Doutorado: Edilson José Guerra


Relato: Profª Dra Dejanira de Franceschi de Angelis
Na década de 1990, muitas destilarias
e usinas sucro-alcooleiras enfrentavam
problemas com contaminantes, não só de
bactérias mas também de leveduras
estranhas ao processo. Tais leveduras
recebem o nome de leveduras selvagens.
E foram identificadas em várias
unidades industriais.
O primeiro relato surgiu com problemas
de decaimento do rendimento da
Destilaria São Gregório, Município de
Ibaté, SP.
Primeira identificação de processo
severamente contaminado
Empregando os meios de cultura seletivos
desenvolvidos e adaptados aqui em Rio Claro,
na Unesp, com auxílio mediante convênio com
as indústrias:

ƒ Usina Ester
ƒ Companhia Agroindustrial Ometto
ƒ Usina Santa Lúcia
ƒ Destilaria Lagoa Dourada
ƒ Usina São João
Com os recursos do convênio foi possível
adquirir os reagentes e vidraria necessários
aos ensaios preliminares.
Quando os testes de laboratório ficaram
comprovados, iniciamos um treinamento
específico para as técnicas das usinas que
financiaram a pesquisa.
Nesta época iniciou-se algumas pesquisas em
Rio Claro, Oliveira, R; Bertolin, A. Q.;
Mancioni, Silva E.; Guerra, E. J.; entre
algumas prestações de serviço realizadas.
Destacaremos aqui a pesquisa de Guerra, E.
J., por não ter sido publicada, assim como as
outras.
INTRODUÇÃO

No Brasil muitas indústrias alcooleiras operam


com o caldo “in natura”, isto é sem
tratamento térmico e com contínuo recibo de
fermento.
Neste processo apesar da eficiência relativa
permite o retorno dos microrganismos não
desejáveis à fermentação.
A própria instalação da fermentação permite
que esses microrganismos contaminantes se
desenvolvam no processo por conter muitas
partes inacessíveis a higienização.
Quanto a contaminação, sabe-se que um litro
do vinho, por exemplo, contém facilmente um
bilhão (109) de microrganismos vivos, que se
diluídos em 106 litros ainda resultará em uma
concentração que pela sua capacidade de
duplicação atingirá facilmente 104 - 105
células/mL em 24h.

Estes microrganismos ao se multiplicarem


concorrem com as leveduras normais do
processo consumindo considerável quantidade de
açúcar e produzindo metabólitos tóxicos, alguns
dos quais não são eliminados facilmente.
No Brasil, como citam AMORIM e OLIVEIRA
(1981), o aspecto microbiológico da
fermentação etanólica sempre foi colocado em
segundo plano; isto correlaciona-se com os
baixos rendimentos do processo.

Não são muitos os relatos das pesquisas sobre


contaminantes disponíveis nas indústrias. Muita
pesquisa está confinada nas universidades e
Institutos de Pesquisa e as próprias unidades
industriais não compõem a história de suas
fermentações.
Portanto para que as indústrias produtoras de
etanol possam operar com bons rendimentos é
preciso na prática conhecer as características
dos microrganismos que se adaptam as novas
condições climáticas e operacionais que
frequentemente contaminam a fermentação.
AMORIM e OLIVEIRA (1982) descreveram os
rendimentos de toda a safra de destilarias
autônomas. Os autores verificaram médias de
acidez de 5 a 6 g de H2SO4/L de vinho. Isto
resulta em rendimentos de 60%. Isto quer
dizer que a cada 100 Kg de açúcar foram
produzidos 38,8 litros de etanol ao invés de
64,7 litros.
Neste sentido a aplicação de meios de cultura
microbiologicamente indicados para ressaltar
os problemas de contaminantes quando há
problemas com rendimentos, ou ainda como
controle preventivo se faz necessário para as
boas práticas operacionais.

Para as bactérias contaminantes sugerimos os


meios específicos de caldo de cana, com
suplemento de carbonato e ainda o meio de
Mayeux & Colmer sugerido por Tilbury.
Para leveduras estranhas ao processo
recomenda-se os meios seletivos para os
microrganismos:

¾ WLN - meio para contagem total de


leveduras

¾ WLN com verde de bromocresol - evidencia


alguns biotipos

¾ WLN com verde de bromocresol e actidiona


- seleciona leveduras não Saccharomyces
Muitas leveduras selvagens são relatadas
como contaminantes de cervejaria:

•Brettanomyces •Pichia
•Candida •Torula
•Hansemula •Rhodotorula
•Kluyveromyces •Torulopsis
Na cerveja leveduras selvagens produzem
turvação, às vezes acompanhada por vigorosa
pós-fermentação. Podem formar película
superficial quando Candida e Pichia estão
presentes, além da alteração do aroma e
sabor por excesso de produção de ácidos
especialmente por Brettanomyces.

As condições de crescimento das leveduras


selvagens são iguais a de levedura de processo,
geralmente a Saccharomyces.
ANTONINI (1998) sugere em seu trabalho
que quando se detecta prejuízo considerável ao
processo ocasionado por levedura selvagem a
melhor opção é a substituição do fermento. A
seguir uma completa assepsia do sistema.
Entretanto é importante lembrar que nem
sempre a levedura que inicia o processo é
mantida até o fim da safra, sendo substituída
por outra linhagem que se adaptar melhor ao
sistema operacional.
Esta afirmação foi comprovada por SILVA
(1994) que verificou uma severa contaminação
de levedura selvagem que foi identificada por
Dekkera bruxellensis e que evoluiu de uma
população de 62% para 96% em 8 dias de
operação.

A evolução da levedura selvagem na indústria


mostrou a evolução de 2% na 7ª semana após
troca de fermento para 46% na 15ª semana,
estabilizando-se.
Nestas condições havia necessidade da troca
de fermento. Houve a reincidência da
infecção. Esta não estava no novo fermento
nem no mosto. As circunstâncias sugerem que a
contaminação da levedura selvagem havia
persistido nos equipamentos.

Outros estudos visando o controle da Dekkera


realizados por VICTOR (1996) mostram que
esta apresenta elevado potencial de
multiplicação a baixas temperaturas. O
controle do crescimento da levedura foi
possível a 35ºC, com 7,5% (V/V) de etanol.
Nestas condições houve uma redução de 520%
para 27% da população inicial de Dekkera + S.
cerevisiae IZ – 1888.
Quanto aos ácidos, 3,0 g/L de ácido sulfúrico
ou ácido acético não afetaram a viabilidade da
levedura. Este fato só ocorreu com o uso de
6,0 g/L para S. cerevisiae enquanto que
Dekkera bruxellensis mostrou-se insensível.

Este fato vem comprovar que tratamentos


drásticos com ácido sulfúrico podem promover
aumento da levedura Dekkera bruxellensis.

Esta levedura atualmente é reconhecida como


Brettanomyces bruxellensis, sendo considerada
altamente acidogênica pois produz grande
quantidade de ácido acético.
Muitas pesquisas têm sido realizadas
objetivando o controle de leveduras selvagens
nos processos de fermentação de cervejarias e
vinícolas.

Dentre as opções relatam-se choques térmicos,


condições de aerobiose/anaerobiose, alterações
no pH, alterações na concentração de nutrientes
do meio (com especial ênfase ao ergosterol).
Algum sucesso tem sido alcançado com dióxido
de enxofre, que inibe o crescimento de
leveduras selvagens. A aplicação no início da
fermentação de 4% de etanol impede o
crescimento da maior parte dos microrganismos
indesejáveis.
Outras substâncias testadas em condições
específicas podem ser destacadas:

9 acetaldeído
9 2-feniletanol
9 etanol + metanol
9 cádmio
9 peróxido de hidrogênio
9 ácido decanóico
A aplicação de fungicidas por MILIKOTA et
al. (1996) mostram que após quatro aplicações
diminuíram a viabilidade das leveduras.

Diante destas informações elegeu-se para


estudo uma unidade industrial que sofria
constantemente quedas no rendimento
fermentativo. Durante uma safra houve 7
substituições integrais do fermento.
1. PROCEDIMENTO: Verificação da situação
da destilaria

Verificou-se a situação da fermentação quanto


à qualidade microbiológica do fermento
mediante:
¾ verificação das bactérias em meio CSN +
actidiona;
¾ verificação das leveduras da fermentação em
meio WLN, WLM com verde de bromocresol;
¾ isolou-se a levedura do processo inicial
Saccharomyces cerevisiae IA 1238;

¾ isolou-se a levedura contaminante que foi


submetida a estudos para constatar suas
propriedades.

Os ensaios foram realizados primeiramente em


laboratório e posteriormente confirmados no
processo.
ENSAIOS DE LABORATÓRIO
Tabela 1. Situação do vinho na dorna em final de
fermentação.
Leveduras UFC/mL
Período/ S. cerevisiae Selvagem Etanol ARRT Rendimento
dias (%) (%) alcoólico (%)

0 3,2 x 108 3,7 x 5,25 0,09 63,49


108

11 5,3 x 107 7,6 x 5,30 0,1 62,58


108

Média 2,2 x 108 5,2 x 5,35 0,11 61,18


108
Valores de referência

ƒ Álcool - 7,05
ƒ ARRT - 0,07
ƒ Rendimento alcoólico - 89,43
ƒ Diferença no rendimento - 28,25 (perda diária)
ƒ Levedura selvagem = 2,36 vezes superior à de
processo
ƒ Acidez - 3,43 g / H2SO4/ 1000 mL de vinho
ƒ Referência de normalidade - 1,22 g/L
2. PROCEDIMENTO: Avaliação das condições
operacionais após substituição do fermento
Tabela 2 – Verificação da situação do fermento após
substituição total.

UFC/mL
Período/ S. cerevisiae Selvagem Etanol ARRT Rendimento
dias (%) (%) alcoólico (%)
após
13 2,3 x 108 4,7 x 108 5,33 0,19 73,13
Dada a situação após isolamento da levedura
selvagem, iniciaram-se os estudos de laboratório.
3. TESTES DE LABORATÓRIO

3.1. Variação do pH

Procedimento de laboratório para verificar a


variação de acidificação mediante variação do pH
e adição de 202 g de glicose/L após 10 minutos.
Tabela 3 – Verificação da variação do pH em meio
CSN e adição de glicose

pH

culturas
Tempo/minutos S. cerevisiae Selvagem S. cerevisiae IA-
1238
+ Selvagem
10 4,2 3,8 3,9

11-25 1,1 0,4 0,8


3.2. Crescimento das culturas em diferentes
temperaturas
Tabela 4 – As culturas foram submetidas ao crescimento
em meio CSN – 10ºBrix em diferentes temperaturas.

Crescimento
Temperatura S. cerevisiae Levedura selvagem
ºC IA -1888
36 +++ +++
40 +++ +++
45 +++ +++
50 --- ++-
+++ = crescimento normal
++ = crescimento reduzido
- = ausência de crescimento

3.3. Choque térmico

As culturas das duas leveduras foram


submetidas à choque térmico de 3 minutos nas
temperaturas de 40, 50, 60, 70, 80, 90 e 100ºC,
e deixadas incubando 60 horas a 28ºC.
Tabela 5 – Verificação do crescimento das culturas após
choque térmico.
Temperatura S. cerevisiae Selvagem
ºC IA-1238

40 +++ +++
50 +++ +++
60 --- +++
70 --- +--
80 --- ---

+++ = crescimento normal


+ = crescimento mínimo
- = crescimento ausente
3.4. Crescimento em diferentes pH

As culturas foram submetidas à condição de


crescimento em meio CSN – 10ºBrix e
incubadas 16 horas a 36ºC.
Tabela 6 – Verificação do crescimento das culturas
de levedura a diferentes pH
pH S. cerevisiae Levedura
IA-1238 selvagem

2,0 --- +++


3,0 ++- +++
4,0 +++ +++

7,0 +++ +++

+++ = crescimento normal


++ = crescimento reduzido
- = ausência de crescimento
3.5. Verificação do crescimento em diferentes
concentrações de etanol

De um modo geral, as leveduras resistem mais


quando o aumento da concentração de etanol é
progressivo. Porém, a adição da cultura em
uma solução alcoólica torna-as mais sensíveis.
Tabela 7 – Verificação do crescimento das culturas
em diferentes concentrações de etanol.

Crescimento
Concentração S. cerevisiae Levedura selvagem
etanol g/100 mL IA-1238

0 +++ +++
7,0 +++ +++
8,0 +++ ---
9,0 +++ ---

+++ = crescimento normal


- = ausência de crescimento
3.6. Verificação do crescimento em diferentes
condições de oxigenação
Tabela 8 – Verificação do crescimento em placas de petri
das culturas colocadas em aerobiose e semi-aerobiose (A)
e em fermentador com aeração e sem oxigenação (B).

UFC/mL
Condições S. cerevisiae Levedura
IA-1238 selvagem
A aerobiose 4,8 x 108 6,2 x 108
semi 5,3 x 107 < 1,0 x 103
aerobiose
B aerobiose 3,2 x 108 3,8 x 106
semi 4,3 x 108 2,1 x 104
aerobiose
Posterior a estes ensaios foram elaborados
outros para certificação do desempenho da
levedura de processo, da levedura selvagem e
do “pool” (levedura de processo + selvagem)
nas condições de:

‰ temperatura;
‰ pH = 5,0 e pH = 2,0
‰ adição de etanol;
‰ decaimento dos ºBrix – ARRT (açúcar
redutor residual total);
‰ teor alcoólico produzido
Após estes estudos verificou-se em início de
setembro a seguinte situação na dorna final de
fermentação.
Tabela 9 – Verificação do rendimento após tomada de
providências.

UFC/mL
Período S. cerevisiae Selvagem Etanol ARRT Rendimento
IA-1238 (%) alcoólico (%)
5/09 3,2 x 108 1,0 x 108 5,9 0,06 79,36
5/10 1,6 x 109 < 1,0 x 103 6,91 0,06 92,45
Média 1,5 x 1010 < 1,0 x 104 6,36 0,07 84,30
Ações efetivadas:

¾ suspensão da aeração das dornas;


¾ aumento do volume das dornas;
¾ choque de etanol 9% no pé de cuba.

Após estes estudos pode-se elaborar de


maneira simplificada o seguinte histórico:
Tabela 10 – Parâmetros da fermentação da indústria no
período de agosto/dezembro 1995 usando caldo sem
tratamento.

UFC/mL

Mês S. cerevisiae Selvagem Etanol ARRT Rendimento


IA-1238 (%) (%) alcoólico
(%)
Agosto 2,2 x 108 5,2 x 108 5,35 0,11 65,18
Agosto/setembro 2,3 x 108 4,7 x 108 5,33 0,19 73,13

Set./outubro 1,5 x 1010 6,0 x 106 6,36 0,07 84,30


Outubro 4,4 x 1010 2,3 x 107 6,46 0,12 84,74
Out./novembro 3,8 x 1010 < 1,0 x 7,05 0,08 92,43
103
Dezembro 2,6 x 109 < 10 x 103 7,05 0,13 93,57
A levedura foi identificada na Fundação André
Tosello, em Campinas, como sendo
Brettanomyces bruxellensis sinonímia de
Dekkera bruxellensis.
Conclusão:
9 É possível proceder ao controle industrial
do crescimento de Brettanomyces bruxellensis
mediante procedimentos onde o oxigênio deve
ser minimizado e o etanol maximizado, dentro
dos limites de tolerância da levedura de
processo.
Outras contaminações
LEITURAS RECOMENDADAS
GUERRA, E. S. – Mecanismos de infecção da
fermentação alcoólica industrial por
Brettanomyces bruxellensis, impacto no
processo e medidas operacionais do agente
infeccioso. Rio Claro, UNESP, 1998,99. Tese
(Doutorado em C.B. Microbiologia Aplicada)
VICTOR, S. R. – Tolerância térmica, etanólica
e à tratamentos por ácido acético e sulfúrico
em Saccharomyces uvarum IZ 1904,
Saccharomyces cerevisiae IZ 888 e leveduras
contaminantes da fermentação etanólica. Rio
Claro, UNESP, 1996, 190 pg. Dissertação
mestrado C.B. Microbiologia Aplicada)
ANTONINI, S. R. C. Monitoramento
microbiológico em destilarias: uma necessidade.
Stab. Maio-junho. V. 16, nº5 p 18-19, 1998.

SILVA, R. B. O. Leveduras contaminantes na


produção de etanol industrial por processo
contínuo. Quantificação e identificação. UNESP,
1994, 145 pg. Dissertação de mestrado, C.B.
Microbiologia Aplicada.

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