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Contos de um
Natal sem Luz
2ª edição
2015
Copyright ©2015 by Rô Mierling e Autores
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer
meios.
EDITORA ILLUMINARE
Caixa Postal 49 – Torres – RS
95560–000
contato@editorailluminare.com.br
www.editorailluminare.com.br
Rô Mierling
Organização
Milena Moraes
Diagramação
Milena Morais
Revisão
Mierling, Rô Org.
M632c Contos de um Natal sem Luz/ Org. Rô Mierling. 2ª Edição. Torres: Editora Illuminare,
2015.
152.
978-85-68904-18-3
A vila Garden Rose, fica aos pés da montanha Old Rock, a cinco
minutos da cidade Wine Country na beira da interestadual I-70 nos
EUA. Com invernos cada vez mais rigorosos, o isolamento cresce na
pequena vila composta de vinte casas. Todas feitas de forma similar,
construídas muitos anos atrás para abrigar moradores que trabalhassem
nas vinícolas locais. Com o passar do tempo, alguns trabalhadores se fo-
ram, mas outros moradores vieram e a vila se solidificou.
As vinte casas são divididas em dois lados, sendo dez casas no lado
direito e dez casas do lado esquerdo, divididas por uma pequena rua que
começa na interestadual e termina nas montanhas, sem saída para carros.
Ambos os lados da vila são resguardados por grande parte da montanha
Old Rock. Muitos moradores da vila e da cidade cochicham mitos e se-
gredos sobre o “mal da montanha” que afeta aos moradores da pequena
vila, provocando acontecimentos inusitados, quem sabe, na realidade,
oriundos do isolamento, principalmente no inverno.
E sendo o Natal comemorado no meio do inverno todos estavam
especulando se teriam ou não um Feliz Natal na pequena vila.
Cada vila uma família, um morador, uma vida e uma história. Cada
pessoa um destino, um enredo, um drama.
Que tenhamos nossas mentes abertas para conhecer mais de cada
morador, de cada uma das casas que nos abrem suas portas nos ofere-
cendo contos maravilhosos que compõe esse livro, mas que juntos for-
mam um cenário que nos faz refletir sobre as fraquezas e as dificuldades
pelas quais passa todo ser humano não importando local ou a época do
ano.
1 A primeira edição desse livro foi lançada no Natal de 2014. E nesse ano de 2015,
alguns autores do livro se propuseram a “continuar” suas histórias contando como foi o
Natal seguinte de seus personagens formando a parte II do presente livro e incentivando
o lançamento dessa segunda edição. Contos que não tiveram continuidade serão assina-
lados, na segunda parte do livro, como “casa fechada”.
Solidão
William Wagner Westphal
Desci da minha
Torre de marfim
E não achei mundo nenhum (Jack Kerouac)
CARTA DE DESPEDIDA
Para Aldolino (meu pai)
Já faz exatamente uma hora que estou aqui sentado nesta praça. Pro-
positalmente, deixo o ônibus seguir seu caminho. Observo os rostos em
busca do seu. Na verdade, já perdi as contas de quantas vezes acreditei
ser você no meio da multidão. Mas sejamos sinceros: acabou. Minha
indiferença moldou o presente e não deve alterar o futuro. É certo que
criei uma couraça para me defender de tudo o que vinha de você e, de
certa maneira, deu certo. Ou é o que eu achava. Quando o telefone to-
cou, pensei que era você do outro lado da linha. Mas não era. Outro
telefonema seu? Não nesta vida.
Todos os dias eu penso nela. Não sei mais como tocar minha vida
adiante. Ela está presente em todos os momentos do meu dia, da minha
noite, nos meus sonhos. Mesmo depois de tanto tempo, ainda escuto a
voz dela. E nessa época é sempre pior.
Os meses de agosto, setembro, outubro, todos passam de forma cor-
riqueira e monótona.
Eu acordo às seis da manhã, tomo meu café na mesa em frente à jane-
la da frente. Saio para meu trabalho. O carro sempre falhando, sempre
me deixando na mão. Eu chego a vinícola as oito. Trabalho até às seis da
tarde e volto para casa. Nada demais. A noite, na maioria das vezes, está
frio. Sento-me em frente à lareira, leio, ouço música e vou dormir. Uma
vida sem graça, sem sentido. Mas isso só depois que ela se foi. Antes,
tudo era diferente. Com ela, tudo era vida, alegria, desafio e excitação.
Mas ela não está mais aqui e só deixou o vazio.
Não me deixam vê-la. Claro, eu não sou ninguém. Não sou parente,
não sou amigo, ninguém sabe que ela era minha vida, minha luz, meu
mundo. Mas mesmo assim eu vou lá uma vez por mês e fico parado den-
tro do carro, esperando que a hora do passeio no sol chegue e ela saia
para caminhar. Ela nunca me vê. Acho que ela não vê ninguém de ver-
dade, mas minha solidão se abranda ao vê-la, mesmo que seja de longe.
E quando chega a época do Natal tudo é pior. Tudo se torna ainda mais
pesado, escuro, desastrosamente sem alegria.
Foi em uma noite de Natal que a tiraram de mim. Levaram-na embo-
ra, trancando-a naquele lugar horrível. E eu não pude dizer a ela tudo
Sozinha, não!
Adriana Araujo
Viúva
Rafael Valore
No fim de tarde, a única luz que havia entrava pelas janelas da casa da
senhora Widlow. A fiação dos postes havia sido desabada pelo árduo
clima, e era bem provável que não fosse reparada até a manhã do dia de
Natal. A rua estava coberta de neve, e o trator de remoção somente pas-
saria no dia seguinte. Através da neve, ela contemplava os poucos vizi-
nhos que se aventuravam em remover parte do excesso de neve de seus
jardins, das entradas das casas. Lá fora, algumas crianças riam inexistentes
para com o frio e a solidão, brincando no pouco espaço que tinham.
A torta de maçã no forno à lenha começava a cheirar, cheirar bem.
Neve acumulava-se no peitoral das janelas, trancafiando a visão solitária
da mulher – não tão idosa – na sua sala de estar. A pouca luz mal lhe
permitia divisar os contornos das antigas fotografias em preto-e-branco,
dispostas em porta-retratos sujos e fora de moda por sobre a lareira.
Como consolo de sua tristeza, teve o instinto de ligar a velha vitrola e
lhe aplica-la um disco antigo de jazz, mas lembrou-se de que não havia
mais gerador funcional. De fato, estava com frio, muito frio.
Devagar, arrastou-se até a cozinha, onde a velha empregada de confi-
ança tricotava a meia-luz, sentada numa cadeira próxima ao calor do for-
no. A viúva forçou um sorriso.
- Espero que a prefeitura chegue a tempo de permiti-la aproveitar com
seus netos, Margareth.
- Não se preocupe senhora Widlow. Eles estão trabalhando duro, eu
imagino. Afinal, hoje é véspera de Natal – e sorriu genuinamente, er-
guendo os óculos que já pendiam sobre a ponta do narigão.
Celebração da Morte
Marcio Muniz
O Diário de Mitchell
Juh Cortez
Damascos!
Lana Gomes
Ceia Inesperada
Marli S. Arruda
A neve dera uma trégua. Era Natal do ano de 2020. Dezenove horas
indicava o relógio de parede do pequeno hospital. Aguardava a enfer-
meira da UTI chamá-lo. Tantas inovações tecnológicas, científicas, sus-
tentáveis, ecológicas e, a cidade onde nascera: Bigpine, não possuía aces-
so à internet! Péssimo sinal de celular. Talvez fosse seu charme: certo
isolamento e conservadorismo. Através da janela o cenário da noite fria
de inverno americano era digno de cartão postal: neve, pinheiros, luzes,
enfeites, canções natalinas... Como tudo continuava belo diante da sua
dor? Parecia surreal. Pensou na noite anterior, quando fazia a preparação
da ceia com sua mãe, seu tio Alfred e sua tia Norma. Seu pai viria no
almoço de Natal e também Betsy, sua amada. Alguns parentes mais dis-
tantes chegariam atrasados devido às intempéries e ao trânsito intenso e
lento. Inovações tecnológicas, tempo ainda imprevisível. Como a vida.
- Hilary onde estão as cerejas? Não estou encontrando – tia Norma
procurava nos armários e balcões.
- Estão no porão. Também os vinhos e as conservas.
- Esqueço-me do precioso porão. (ri)
- Robert, você pode buscar, querido? Seu tio foi tirar um cochilo. O
trânsito acabou com ele.
- Sim tia, cerejas e vinhos?
- E pêssegos. O peru ficará divino. Capriche no vinho. Os melhores
da vinícola da adega
- Deixe comigo – pisca para as duas antes de ir.
- Fez um ótimo trabalho, Hilary. Ele é pessoa rara!
- A moça que o fisgar terá sorte. Vou conhecer Betsy...
Moto-contínuo
Eliana M. Fochi
Suspeitou de que estava por vir outro dia especial quando viu o filho
esvaziando sobre a mesa uma sacola com uma ave graúda e branquicenta
e duas garrafas de bebida indecifrável. Voltou o rosto para a folhinha de
mulher quase pelada pregada na parede e leu que era dezembro, podia
até ser Natal.
Perguntou a ele que dia era.
- Vinte e quatro. Amanhã é Natal.
Depois, mais nada. Ele guardou o frangão na geladeira, de onde tirou
uma cerveja que abriu com os dentes. Sentou-se à frente da televisão,
escolheu um canal qualquer e trancou-se em si. A mãe já estava acostu-
mada àquele silencioso viver dele e aos rituais de espera em datas especi-
ais: no dia de Ação de Graças, no dia 4 de Julho, no aniversário das cri-
anças e da esposa... sempre os preparativos.
A mulher o abandonara há cinco anos e alguns meses, levando consi-
go as duas meninas pequenas, a caçula mal balbuciava o próprio nome.
Sem aviso prévio, sem explicações, sem barulho, ela simplesmente eva-
porara. Quando chegou do trabalho no posto de gasolina, ele só encon-
trou a mãe em sua posição de sempre, em sua cama de sempre, com sua
invalidez de sempre. Quando a noite chegou e a mulher não apareceu
com as filhas, ele soube que se coroara um desfecho anunciado há tem-
pos por queixas murmuradas intermitentes, descasos constantes, mutis-
mo e indiferença.
Mas não atinava com razões de fato, coisa que se pudesse entender
como causa razoável de abandonar marido e casa. Que se soubesse, ela
não tinha manifestado interesse por ninguém (o que seria uma causa
Presente de Natal
P.H Bragança
A Boa Filha
S. M. Oliver
Esposa
Rafael Valore
Não foi com o coração leve que ela embarcou no caminhão. Certo
alívio e um sorrisinho quando o motor finalmente pegou. Margareth Wil-
tmann gastaria afinal o Natal em casa, o que não era pouco consolo. O
senhor Walter Roake também sorriu. Ele ainda sofreria com aquela igni-
ção do largo automóvel cinco vezes, conferindo casa por casa, anotando
reclamações e pedidos. Aquela cidade pequena podia dar-se ao luxo de
cuidar dos seus. Logo o caminhão parava diante de uma das casas mais
humildes da rua principal do povoado. Ela sorriu:
- Obrigada Walt.
Ele sorriu abertamente em dentes pouco cuidados, meneando a cabe-
ça humildemente:
- De nada, s’nhora.
Ele ainda desceu antes, ajudando a senhora Wiltmann a descer os de-
graus da cabine e a caminhar por sobre a neve espessa, até a soleira da
porta da casa. Ela bateu a campainha com certa excitação. Não trazia
chaves nunca. Wally, o pescador, seu pobre marido, abriu a porta de
sorriso e cachimbo na boca, folgando longas férias de inverno com apro-
veitamento do qual só os simples são capazes.
- Entre querida! Você deve estar congelando – e acenou para Walter
Roake, do qual recebeu aceno de retorno, antes que partisse, sofrendo
com a chave de ignição diante do frio. O motor morrera, imaginem,
Roake era simples, mas nunca idiota de desligar o motor nessas condi-
ções.
Casais tão antigos raramente beijam-se, mas ela fez questão de estalar
seus lábios no rosto do velho marido antes de entrar, muito satisfeita da
vida.
Fazia muito frio. Caíra muita neve. Parecia improvável que alguém ba-
tesse à sua porta em pleno dia de um Natal gelado. Quando ele abriu a
porta se deparou com a menina quase congelada. Trouxe um presente
para o senhor – disse aquele amontoado de casacos e cachecóis de onde
brotavam grandes e sorridentes olhos azuis. A menina estendeu os braços
com um pacote colorido nas mãos. O vento, a neve e o inesperado da
situação congelaram-no. Um lindo anjo de voz estridente trouxera-lhe um
presente, mas a visita do anjo era a última coisa que ele desejara. Não
sabia o que fazer, não podia convidá-la a entrar, mas também não pode-
ria mandá-la de volta para casa naquele frio. Olhou para a montanha...
respirou, tentou se controlar. Suava, apesar do frio. Ninguém tem medo
de anjos e nem transpira daquela forma quando os vê, especialmente sob
o vento gelado. Para compreender é preciso conhecer esse homem. Vol-
temos ao dia anterior quando ele admirava e renovava seu pedido à
enorme montanha.
O cume branco... a neve está se acumulando... só um milagre impedi-
rá que ela varra toda a vila. Dessa vez iremos todos para o rodapé da
história e esse lugar, esquecido que é, esquecido permanecerá. Finalmen-
te desaparecer, ser enterrado, sucumbir à neve, sufocar todos os pecados.
Dessa vez não escaparemos – desejou em silêncio, Carl Whitaker, o úni-
co morador da casa 19.
Sua casa ficava na entrada da pequena vila, à esquerda. Essa única rua
morria aos pés da enorme montanha, ao mesmo tempo guardiã e ruína
de quem ali habitava. Todo inverno a Old Rock ameaçava lamber as
casas, mas nesse ano parecia impossível que isso não ocorresse. Vez ou
O Presente de Mary
Lia Dantas
Eu moro nessa vila desde que era mocinha. Minha mãe e meu pai
moravam aqui, e meu irmão mais velho também. Meu pai morreu de
câncer, minha mãe morreu em um acidente de carro. Eu tinha quinze
anos quando perdi meu pai e vinte e cinco anos quando perdi minha
mãe. Meu irmão não quis mais morar aqui na vila, saindo pelo mundo
afora para tentar ganhar uma nova vida, deixando para trás as tristezas
que a morte de meus pais provocou.
E eu fiquei aqui sozinha, na vila que me traz tantas recordações, boas
e ruins. Nunca fui de fugir de nada, sempre entendi que as alegrias e tris-
tezas é que constroem uma vida. Se fossemos somente esperar pelo que
é bom da vida não seríamos seres humanos evoluídos e completos. To-
dos devem estar preparados para os golpes que a vida, com certeza, vai
dar. Eu sempre pensei assim, até quinta feira quando tudo mudou na
minha vida.
Moro na casa número 20 de uma vila afastada de tudo. A cidade a que
pertence nossa vila fica do outro lado da estrada interestadual que nos
une ao resto do mundo. Temos montanhas, neve e isolamento quase o
ano todo. Mas quando saio e olho as outras casas da nossa vila vejo que
muitos aqui são felizes, ou pelo menos parecem felizes. Temos todos os
tipos de pessoas e vidas aqui, cada um com sua história, seus dilemas e
alegrias. Não posso dizer que o ar isolado da nossa vila nos faz infelizes.
E parece que nesse Natal específico tudo está mais agitado, algo está
no ar, algo que não estava no ar no ano passado. É como se esse ano
fosse especial, diferente, não sei bem explicar como nem por que. Quem
sabe a diferença está dentro de mim?
Semana passada, quando voltei da cidade, vi que alguns moradores es-
tavam montando uma árvore grande na entrada da vila, e alguém teve a
*******
Na noite de Natal, logo após a meia noite, uma senhora bateu a porta
da casa 20 em busca de Mary, mas ninguém atendeu. A senhora, sua
vizinha, estava com um bolo na mão, ela olhou pela janela e viu reflexos
do fim do fogo na lareira e um vulto sentado na cadeira. Ela chamou seu
marido, que forçou a porta e encontrou Mary morta na sua cadeira pre-
ferida. Em cima da mesa ainda estava um peso de papel segurando os
resultados dos exames que ela tinha feito, resultados que detectaram um
câncer cerebral em estágio avançado.
- Bom dia, meu amor. Vejo que acordou bem animada - ouvi a voz
de meu marido ao pé do meu ouvido, enquanto me abraçava por trás.
Kim e eu estamos casados há cinco anos. Eu não diria que sou a mu-
lher mais bonita do mundo, mas perto dele eu sinto como se eu fosse a
única. Dois anos atrás, recebemos os melhores presentes da nossa vida,
William e Melanie, nossos filhos. Lembro, como se fosse hoje, do brilho
nos olhos de Kim ao pegá-los no colo pela primeira vez. Meio desajeita-
do, mas com todo o amor que um pai pode ter por seus filhos.
Virei-me para ele e não pude deixar de notar as rugas de cansaço
abaixo de seus olhos. Talvez fosse o excesso de trabalho, ou a velhice
chegando mesmo. Dei-lhe um beijo leve nos lábios, sentindo o gosto do
café vindo do único gole que ele havia tomado da xícara em sua mão.
Ficamos abraçados durante alguns segundos e, em seguida, começa-
mos a rir. Pela primeira vez, percebi que ele se arrumou como se estives-
se saindo para trabalhar.
- Vai sair, darling? – perguntei
- Tenho que trabalhar amor.
- Mas, Kim, é véspera de Natal – pude sentir minha expressão mudar.
- Anne, - ele disse meio arrastado - não faça essa carinha. Você sabe
que a loja precisa abrir hoje. Sempre existem os atrasados - ele beijou-
me os lábios.
- Tudo bem, mas prometa que chegará a tempo para a ceia. Seus pais
já confirmaram presença.
Em Busca Dela
Rô Mierling
Eu não aguento mais. Nunca pensei que alguém pudesse fazer tanta
falta na vida de outra pessoa. Não consigo mais respirar. De noite quan-
do me deito, sinto o ar faltar no meu peito e uma pressão sem fim me
sobe para a cabeça. Como se alguém estivesse me apertando. Um espíri-
to oriundo das trevas sentado sobre mim, enquanto em vão, tento dor-
mir.
Dormir! Utopia! Não durmo mais de 3 horas seguidas faz muito tem-
po. Nem sei na verdade quanto tempo faz que não durmo direito. Mas
sei exatamente desde quando não o faço.
Ela se foi. E desse dia em diante, tudo a minha volta se foi também.
Meu apetite, meu sono, minha paz. Eu acordava sabendo que ela estava
do outro lado das paredes, vivendo a vida dela, feliz. E eu era feliz com
isso. Quando passava na sua porta, sentia o cheiro dela, e eu gozava. Mas
agora não vivo mais.
E mais um ano se passou. É incrível como o tempo não se importa
conosco. Ele é alheio a qualquer sofrimento ou alegria que possamos ter.
Ele simplesmente passa. Vai-se, impiedoso, pouco importando para ele
se você quer que ele passe rápido ou lento, se você quer que os dias se
acabem ou perdurem.
E o tempo passou. E eu sem ela não passei. Sobrevivi. Como um
animal preso, sem comida, sem água, abandonado. Sendo, dia a dia, tor-
turado. Coração em brasas, pele ferida, garganta ressacada de tanto gritar
o nome dela. O som da minha voz ecoou por muitos dias, semanas e
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O Último Natal
Adriana Ribeiro
Esperas
Marcelino Taveira da Silva
Hospital
Rafael Velore
Luzes de Natal
Raquel Cavasini
O último ano custou a passar para a família Johnson, além da perda da filha
Anna, as circunstâncias que desencadearam essa terrível situação também fo-
ram um choque para todos.
Enterrar um filho nunca é fácil, ainda mais quando esse tem tanto ainda pa-
ra viver, mas esse sofrimento foi ainda mais desolador, pois no incidente três
filhos foram perdidos. Willian foi apontado como o principal responsável pela
morte da irmã, pois foi quem puxou o gatilho, e Thiago foi dado como cumpli-
ce, além da acusação de assalto e formação de quadrilha. Como ambos ainda
eram menores de idade foram mandados para um centro de recuperação de
jovens, Willian com seu temperamento mais agressivo logo se adaptou, for-
mando um grupo com outros jovens encrenqueiros, pouco se incomodava com
o ocorrido e quase nunca pensava em Anna, aliviava sua culpa na frase “hora
errada no lugar errado, poderia ser qualquer um!”, mas para Thiago aquilo era
um martírio sem fim, entrou de gaiato na história toda e agora via seu futuro
arruinado e sua família consumida pela dor, assim, dois meses após trancafia-
do, ele sucumbiu ao desespero, começou a ter ataques psicóticos e foi manda-
do para uma clínica psiquiátrica.
Marcados pela morte, prisão e loucura dos filhos, tudo de uma só vez, as
coisas ficaram ainda mais complicadas para o senhor e senhora Johnson, a au-
sência dos filhos deixava um enorme vazio, tanto no interior da pequena casa,
quanto em seus corações. No início foi tudo muito complicado, cuidar da pa-
pelada do enterro, às audiências judiciais, a exposição de suas vidas nos telejor-
nais e nas páginas das revistas, encarar toda a situação e continuar seguindo em
frente com a farmácia, a qual perdera muitos clientes, mesmo a concorrência
sendo tão pequena na pacata vila onde viviam, muitos dos vizinhos não queri-
Um Novo Natal
Marcio Muniz
O natal de 2020 fora o pior da vida de Jeff. Afinal, um ciclo de sua vi-
da se findava, era como se uma parte sua se desgarrasse do corpo e o
deixasse inválido. Além disso, foi difícil demais contornar junto as crian-
ças a ausência da mãe. A elas, não cabiam explicações racionais para o
fato, elas exigiam sua presença, seus cuidados. Jeff precisava ser forte, ele
só podia verter suas lágrimas na solidão do quarto, à noite e após pôr as
crianças para dormir, quando todas as luzes já estivessem apagadas. En-
tão sim, era ele e sua saudade.
Manteve a loja fechada por todo aquele inverno, seus filhos eram a
sua prioridade. Os vizinhos ajudavam quando e como podiam, uma vez
que o natal passado tinha sido difícil para toda a vila, cada um parecia
ocupado demais com seus próprios dramas, continuando a vida sob a
sombra da montanha e o inverno rigoroso que os castigava.
Apesar de toda dor e saudades que Jeff sentia, ele nunca fraquejou.
Dois pilares o mantinham de pé. A fé que eles professavam dava confor-
to e lhe dizia que Mary estava livre das mazelas da vida e em um lugar e
estágio melhores e; O amor, que mesmo após a morte da companheira,
permanecia intacto em seu coração. A presença constante do pai ajudou
em parte as crianças a passarem pelo impacto inicial da falta da mãe. Jeff
tentou lhes dar todo carinho, amor e atenção que pudesse lhes proporci-
onar, ele literalmente os envolveu em uma bolha de cuidados.
Todavia, como dito pela esposa, o sonho deles precisava continuar e
a vida precisava seguir adiante. Já quase no fim do inverno Jeff pôs no
jornal da cidade um anúncio para contratar um governanta/babá. O
anúncio custou a surtir efeito e mesmo assim, apenas uma pessoa res-
Eloisa Helena Barroso - Atuou como atriz pela primeira vez aos on-
ze anos e desde pequena gostava de escrever. Formou-se em Biblio-
teconomia e trabalhou como bibliotecária do MPRJ, se aposentando
em julho de 2014. Atualmente se dedica a Literatura.
Organização/Coautora
Amor e Morte
Sombras e Desejos
Contos de um Natal sem Luz- 1ª Edição
Clímax! Contos Eróticos
Eu me ofereço! Um tributo a Stephen King – edição bilíngue
Vida & Verso
Letras do Brasil
Vícios, Taras e Medos
Ano 2500: um novo mundo.
Mulheres & Meninas
Modus Operandis
Contos Insólitos
Pequenos escritos, sinistras histórias
Mulheres & Meninas
Os Desconhecidos
Contos e Reencontros – edição bilíngue.
Natal – Prosa e Verso