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Antropologia iii
2ª EDIÇÃO
2014
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro
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Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
A antropologia social inglesa: Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
O estruturalismo de Lévi-Strauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Atividades de Aprendizagem – AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Ciências Sociais - Antropologia III
Apresentação
A disciplina Antropologia III é parte constituinte da estrutura do Curso de Ciências Sociais
Licenciatura da Universidade Aberta do Brasil – UAB –, da Universidade Estadual de Montes Cla-
ros – Unimontes.
Nesta disciplina abordaremos duas “tradições” ou “perspectivas” da Antropologia: o estrutu-
ral-funcionalismo, a partir de dois fundadores, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard; e o estrutura-
lismo francês a partir de Lévi-Strauss. Privilegiaremos os métodos, alguns conceitos e categorias
cunhados pela tradição britânica e pela tradição francesa para a investigação dos processos so-
cioculturais. Procuraremos, assim, situar as discussões e as temáticas dessas duas escolas do pen-
samento antropológico.
A disciplina tem como objetivos:
• Aprofundar o conhecimento sobre as principais vertentes da teoria antropológica;
• Propiciar a reflexão teórica e metodológica sobre conceitos fundamentais da Antropologia
clássica, especificamente da Antropologia social inglesa e do estruturalismo de Lévi-Strauss;
• Possibilitar o estudo de temas e conceitos das perspectivas estrutural-funcional e estrutura-
lista da Antropologia;
• Possibilitar ao aluno uma incursão na constituição histórico-teórica da Antropologia.
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Ciências Sociais - Antropologia III
Unidade 1
A antropologia social inglesa:
Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard
Carlos Caixeta de Queiroz
1.1 Introdução
Apresentaremos nesta unidade a tradição britânica ou a escola estrutural-funcionlista, na
Antropologia, a partir de dois autores: Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard. Será dedicada uma
centralidade no método e conceitos cunhados por esses autores para a investigação de pro- Dica
cessos socioculturais. Portanto, não se pretende abarcar a totalidade da tradição britânica na A história da Antropo-
Antropologia. logia para o antropó-
Vale ressaltar que outros autores, que não estaremos tratando aqui, fazem parte da chama- logo não é apenas um
da Antropologia inglesa, ou do estrutural-funcionalismo, e que tiveram uma importância crucial passado, mas fonte de
inspiração para solucio-
na formação do pensamento antropológico, sendo, portanto, centrais para se entender a consti- nar as novas questões
tuição histórica da Antropologia. Podemos mencionar, por exemplo, Mary Douglas, Victor Turner, que se colocam no pre-
Max Gluckman, Raymond Firth, Edmund Leach, entre outros. sente (PEIRANO,1995,
p. 48).
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UAB/Unimontes - 3º Período
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Ciências Sociais - Antropologia III
◄ Figura 1: Malinowski em
“trabalho de campo”
nas Ilhas Trobriand,
pacífico sul.
Fonte: Disponível em
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Bronis%C5%82aw_
Malinowski. Acesso em 20
mai. 2014.
Percebemos, assim, que Malinowski chamava a atenção para o fato de que seria extrema-
mente importante que os antropólogos colhessem seus próprios dados. Seria, portanto, cienti-
ficamente necessário a pesquisa de campo como requisito para se contextualizar os processos
socioculturais tomados para investigação antropológica. Trata-se, ainda, de formular um conhe-
cimento das culturas vivas, em sua realidade empírica.
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UAB/Unimontes - 3º Período
Figura 2: Malinowski em ►
“trabalho de campo”
nas Ilhas Trabriand,
Pacífico Sul.
Fonte: Disponível em
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Bronis%C5%82aw_
Malinowski. Acesso em 20
mai. 2014.
Figura 3: Malinowski em ►
“trabalho de campo”
nas Ilhas Trabriand,
Pacífico Sul.
Fonte: Disponível em
http://pt.wikipedia.org/
wiki/Bronis%C5%82aw_
Malinowski. Acesso em 20
mai. 2014.
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Ciências Sociais - Antropologia III
Na abordagem funcionalista, a cultura passa a ser concebida como um todo cujos traços es-
tão funcionalmente relacionados. Assim, a cultura não pode ser entendida mais como um aglo-
merado de partes ou traços desconectados. Cada elemento da cultura é entendido como tendo ATIVIDADE
uma função específica no esquema integral. Reflita criticamente
Procurando entender como funcionam os sistemas culturais, Malinowski elabora a teoria sobre a ideia de que a
funcionalista da cultura. Para esse autor, os indivíduos em qualquer tempo e lugar sentem de- cultura é uma respos-
terminadas necessidades. Então, coletivamente, elaboram suas respostas a essas necessidades. ta às necessidades
biológicas proposta por
Cada cultura tem como função satisfazer as necessidades biológicas individuais. Segundo Mali- Malinowski, e procure
nowski, a certas necessidades biológicas correspondem certas respostas culturais. pensar nas limitações
Assim, Malinowski desenvolve o conceito de cultura numa tentativa de desvendar o funcio- da perspectiva teórica
namento das culturas. Esse autor argumenta que cada sociedade desenvolve suas próprias res- funcionalista. Discutire-
postas culturais, e é esse fato que torna as sociedades diferenciadas. mos sobre o assunto no
fórum.
Vale lembrar que para Malinowski:
Recapitulamos algumas questões elaboradas por Malinowski, por ser esse um autor impor-
tante na história do desenvolvimento da Antropologia, constituindo um dos principais expoen-
tes da Antropologia funcionalista britânica. A seguir, passaremos a enfocar a perspectiva de
outro autor, que junto com Malinowski, tem sido considerado um dos pais fundadores do estru-
tural-funcionalismo: Radcliffe-Brown. Não tencionamos comentar a totalidade do pensamento
de Radcliffe-Brown e de sua contribuição para o pensamento antropológico e para a própria his-
tória teórica da Antropologia. Vamos apenas tecer alguns comentários sobre a concepção desse
autor a respeito do que deveria ser a Antropologia Social e suas elaborações conceituais sobre
função e estrutura social e sua preocupação sobre ordem social.
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UAB/Unimontes - 3º Período
Pode-se, então, dizer que Malinowski estabeleceu um método de trabalho de campo espe-
cífico, que ficou conhecido como “observação participante”. Radcliffe-Brown se empenhou por
estabelecer categorias e conceitos numa preocupação em transformar a Antropologia em uma
verdadeira ciência. No entanto, as divergências entre esses autores podem ser entendidas em
outro ponto crucial: Malinowski interessava-se pelos indivíduos, buscava compreender as moti-
vações humanas e a lógica da ação. Radcliffe-Brown buscou compreender e explicar princípios
estruturais abstratos e mecanismos de integração social (ERIKSEN, 2007, p. 59). A obra de Rad-
cliffe-Brown refletia a sua preocupação com a situação formal, as regras e os rituais. “Faltava-lhe
completamente a simpatia de Malinowski pelos indivíduos...” (KUPER, 1978, p. 56).
Radcliffe-Brown foi responsável pelo desenvolvimento
e aperfeiçoamento de centros antropológicos impor-
tantes na Cidade do Cabo, Sydney e Chicago. Diferente-
Figura 4: Foto de ► mente de Malinowski, foi seguidor de Durkeim, por
Radcliffe-Brown considerar o indivíduo como produto da sociedade, e,
Fonte: Disponível em principalmente, por se voltar para o estudo de mecanis-
Antropologia.forumcom- mos de integração social, de coesão social nas socieda-
munity.net/?t=12849910.
Acesso em 20 mai. 2014.
des ditas primitivas. Seu primeiro trabalho de campo,
em que procurou interpretar os dados etnográficos a
partir da teoria durkheimina, foi nas Ilhas Andaman, a
leste da Índia. Publicou sua monografia Andaman Islan-
ders em 1922.
Pois bem, vamos a partir de agora procurar enten-
der a concepção de Antropologia de Radcliffe-Brown e
os conceitos de função e estrutura social, conceitos cen-
trais forjados por esse autor e que refletem sua conver-
gência à sociologia durkheimiana.
A posição teórica de Radcliffe-Brown aparece, em-
bora de forma tímida, em seu último livro A Natural
Science of Society (baseado numa série de palestras proferidas pelo autor em Chicago em 1937
e publicado postumamente em 1957) e nos ensaios intitulados sobre o conceito de função nas
Ciências Sociais (1935) e Sobre a Estrutura Social (1940). Esses dois ensaios foram publicados no
livro Structure and Function in Primitive Society de 1952. Esse livro foi traduzido no Brasil pela Edi-
tora Vozes Ltda, em 1973, sob o título Estrutura e Função na Sociedade Primitiva.
Nos ensaios de 1935 e 1952, Radcliffi-Brown expressa de forma categórica sua posição sobre
o que é ou o que deveria ser a Antropologia. A Antropologia social foi encarada por ele como
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Ciências Sociais - Antropologia III
uma “ciência natural da sociedade”. Como o próprio autor afirma: “concebo a Antropologia social
como a ciência teórico-natural da sociedade humana, isto é, a investigação dos fenômenos so-
ciais por métodos essencialmente semelhantes aos empregados nas ciências físicas e biológicas”
(RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 233).
Pode-se dizer que essa ideia de encarar a Antropologia social como uma ciência natural da
sociedade reflete a preocupação de Radcliffe-Brown em transformar a Antropologia em uma
“ciência real”. Ou seja, uma preocupação em dar um status de ciência à Antropologia através de
métodos análogos aos das ciências naturais. Para esse autor, então, a Antropologia não estuda a
cultura, mas a sociedade. O objeto de estudo que Radcliffe-Brown reivindicava para a Antropolo-
gia era o sistema social ou processo social. Eram as “relações de associação entre os organismos
individuais”. Radcliffe-Brown (1973, p. 234) afirma que, “em Antropologia interessamo-nos apenas
por seres humanos, e na Antropologia social, conforme a defini, o que temos de investigar são as
formas de associação que se encontram entre os seres humanos”.
O objeto de estudo eram as estruturas sociais, ou mais precisamente as formas de estruturas
sociais. Antes, no entanto, de entendermos mais precisamente a noção de estrutura social em
Radcliffe-Brown, vamos discutir sobre o conceito de função para esse autor.
Radcliffe-Brown elabora a noção de função recorrendo à analogia entre vida social e vida
orgânica. Segundo esse autor, a analogia entre sistemas biológicos e organismos sociais foi re-
corrente entre sociólogos como Spencer e Durkheim. Assim, esse autor diz que, para Durkheim,
a função de uma determinada instituição é a correspondência entre ela e as necessidades da or-
ganização social. Mas Radcliffe-Brown adverte que ele não usa o termo “necessidades”, mas “con-
dições necessárias de existência”. Assim, na vida orgânica, a função de um processo fisiológico é
uma correspondência entre ele e as condições necessárias de existência do organismo. “A vida
do organismo é concebida como o funcionamento de sua estrutura. É mediante a continuida-
de do funcionamento que a continuidade da estrutura se mantém” (RADCLIFFE-BROWN, 1973,
p. 221). Esse autor conclui que, na vida social, “função é a contribuição que determinada ativi-
dade proporciona à atividade total da qual é parte. A função de determinado costume social é a
contribuição que este oferece à vida social total como o funcionamento do sistema social total”
(Idem, p. 224).
Assim, Radcliffe-Brown afirma que “a função de qualquer atividade periódica, tal como a
punição de um crime, ou uma cerimônia fúnebre, é a parte que ela desempenha na vida social
como um todo, e, portanto, a contribuição que faz para a manutenção da continuidade estru-
tural” (Idem, p. 223). Tal como na vida do organismo, uma célula ou órgão tem atividade e essa
atividade tem uma função para que o organismo continue funcionando em sua totalidade.
Ao elaborar a definição de função, Radcliffe-Brown tencionava estabelecer o objeto de es-
tudo da Antropologia, que eram os sistemas sociais ou as formas de estruturas sociais. Passemos
então a comentar sobre a noção de estrutura para esse autor.
Como já notamos, Radcliffe-Brown concebe a Antropologia como uma ciência que estuda
os sistemas sociais ou processos sociais. Para esse autor, o que a Antropologia investiga “são as
formas de associações que se encontram entre os seres humanos” (RADCLIFFE-BROWN, 1973,
p. 234). Então, o objeto de estudo da Antropologia eram sistemas de relações reais de encadea-
mento entre indivíduos ou entre indivíduos que ocupam papéis sociais. Isso constitui a estrutura
social (KUPER, 1978, p. 68). Segundo Radcliffe-Brown, o termo estrutura social designa uma rede
de relações sociais. A estrutura social é uma realidade concreta, pois é uma série de relações real-
mente existente que agrupa seres humanos, que podem ser observadas diretamente.
Percebemos, portanto, que Radcliffe-Brown encara a estrutura social como uma rede de re-
lações entre os indivíduos, são relações constituintes de uma determinada estrutura real. São as
relações entre uma associação de indivíduos. Não obstante, essas relações são circunscritas ou
prescritas por força de uma estrutura de regras jurídicas e normas morais que regulam o com-
portamento. Ou seja, é possível dizer que Radcliffe-Brown concebe uma estrutura real, a relação
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UAB/Unimontes - 3º Período
entre indivíduos que ocupam papéis sociais, e uma estrutura formal, ou seja, uma “forma estru-
DICA tural, que está explícita em usos sociais, ou normas sociais, as quais se reconhecem geralmente
como obrigatórias e são largamente observadas” (KUPER, 1978, p. 68). A forma estrutural existe
Para aprofundar o independentemente dos atores individuais que a reproduzem (ERIKSEN, 2007, p. 60).
entendimento sobre os
conceitos de função e Enquanto a estrutura real muda, indivíduos morrem, outros nascem, o velho chefe morre e é
estrutura social, leiam substituído, pessoas se divorciam e voltam a se casar, as formas sociais continuam estáveis, pois
os capítulo IX (Sobre o persistem os “usos sociais”.
Conceito de Função nas É importante observar que, para Radcliffe-Brown (1973), as sociedades são vistas como sis-
Ciências Sociais) e o X temas, cujos elementos internos estão funcionalmente integrados. Assim, o papel das institui-
(Sobre a Estrutura So-
cial) do livro: RADCLIF- ções é garantir o funcionamento do sistema social. Temos assim uma preocupação com a ordem
FE-BROWN, Alfred R. dos sistemas sociais sem levar em conta os conflitos inerentes aos próprios sistemas sociais. O
Estrutura e Função na suporte básico para se compreender ou explicar os sistemas sociais está no conceito de estrutura
Sociedade Primitiva. social.
Rio de Janeiro: Editora Assim, os fundamentos estruturantes das sociedades são buscados no sistema de relações
Vozes, 1973.
sociais. Radcliffe-Brown propõe estudar a estrutura e a função das instituições sociais com o
objetivo de desvendar as normas e valores que as regem para estabelecer leis de integração
social. Para esse autor, as sociedades contam com normas que regulam as relações sociais. Es-
sas normas se expressam como sistemas de deveres e direitos entre os indivíduos, necessários
para criar certa harmonia e manter a integração social. A estrutura, em última instância, refere-
se às relações reais que se produzem dentro dos grupos sociais. A estrutura é vista como uma
regularidade.
Podemos dizer que Radcliffe-Brown, ao situar a noção de estrutura, ressalta a importância
da coesão social para a estabilidade dos sistemas sociais desconsiderando o conflito inerente às
relações sociais. Subjacente às explicações ou ao conhecimento sobre os sistemas sociais, encon-
tra-se uma preocupação com o problema da ordem. Os sistemas sociais estão em equilíbrio e
tendem ao equilíbrio na medida em que as instituições cumprem suas funções. Pode-se dizer
que o problema fundamental reside na tentativa de se explicar as sociedades como se fossem
uma totalidade articulada e integrada, o que acabou levando a uma negligência das mudanças
dos sistemas sociais.
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Ciências Sociais - Antropologia III
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UAB/Unimontes - 3º Período
outras seções: secundária e terciária. A seção terciária consiste de uma série de aldeias, as quais
constituem as menores unidades políticas da terra Nuer (Idem, 1993, p. 10).
Evans-Pritchard mostrou, então, como um sistema político pode existir sem governantes,
sendo as relações entre os grupos territoriais conceitualizadas num idioma de relações lineares e
regidas por processos de fissão e fusão (KUPER, 1978, p. 107).
Dois objetivos centrais marcam o livro Os Nuer. Por um lado, nos primeiros capítulos, Evans
-Pritchard descreve o meio ambiente e o valor supremo que os Nuer atribuem ao gado e os limi-
tes que o meio ambiente impõe à organização social Nuer. Por outro lado, o autor apresenta, nos
últimos capítulos do livro, uma organização Nuer calcada no sistema político e que não depende
simplesmente da ecologia.
Os Nuer suprem suas necessidades a partir da criação de gado e da agricultura, principal-
mente de milho e sorgo. Assim, têm que ajustar suas vidas às necessidades de seus rebanhos e às
estações do ano, divididas em chuvosa e estiagem. Na estação chuvosa, os Nuer se concentram
nas aldeias e, na época da estiagem, em acampamentos construídos próximos a ribeirões devido
à escassez de água. Assim, Evans-Pritchard atribuiu uma importância fundamental às limitações
que o meio ambiente cria para a organização social Nuer.
Mas, por outro lado, como o autor observou, essas limitações ecológicas não podem expli-
car as relações estruturais entre grupos Nuer. Assim, o autor oscila entre a importância da ecolo-
gia e das relações humanas para explicar a organização Nuer.
De fato, Evans-Pritchard atribui uma importância fundamental do meio ambiente físico para
entender a vida Nuer. Mas, se Evans-Pritchard dá ênfase ao meio ambiente físico e ao gado, ele
o faz em respeito à importância que o gado tem para os Nuer. Nesse sentido, observa-se que o
autor não fala de uma determinação ecológica sobre a sociedade. O meio ambiente apenas dá
condições para a vida social, pois as relações estruturais entre os grupos Nuer não podem ser en-
tendidas simplesmente a partir das limitações que o meio ambiente impõe aos Nuer.
Dessa forma, as explicações estruturais entre grupos nuer são formuladas em função de
“princípios estruturais”. O argumento de Evans-Pritchard se desloca da importância das “condi-
ções materiais de existência” para o plano dos “valores sociais”. A partir daí, o autor observa que a
ordem social Nuer é mantida por valores comunitários e pelo sistema de linhagem e segmenta-
ção tribal. O ordenamento político é garantido através das relações de fusão e oposição entre os
sistemas de linhagens e por relações de parentesco.
No capítulo três, Evans-Pritchard explorou as noções de tempo e espaço argumentando
que, entre os Nuer, essas noções não são abstratas. O autor introduz aí a ideia de “relatividade
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Ciências Sociais - Antropologia III
social”. As categorias tempo e espaço são construções sociais. Evans-Pritchard mostra que as no-
ções de tempo e espaço Nuer são construídas de acordo com a ecologia, mas principalmente de
acordo com a estrutura social. Os tempos mais longos são estruturais e os tempos mais breves
são ecológicos.
Assim, Evans-Pritchard mostra que o ano Nuer é dividido em duas estações – tot e mai –
sendo que a primeira corresponde ao período das chuvas e a segunda ao período da estiagem.
Mas, a noção de tempo não deriva simplesmente das mudanças climáticas, mas das atividades a
elas relacionadas. Para o Nuer, o tempo se divide em períodos de residência na aldeia e outros no
acampamento. Portanto, o tempo é percebido pelos Nuer em termos de mudanças físicas e das
relações sociais.
Evans-Pritchard (1993) cunhou a noção de tempo estrutural devido ao fato de que é mais
fácil pensar o modelo Nuer em função das atividades da estrutura social, pois entre os Nuer não
existe um termo ou um vocábulo equivalente a tempo.
Evans-Pritchard (1993, p.123) procura mostrar também, que entre os Nuer, a noção de espa-
ço não está apenas relacionada à ecologia, mas também à estrutura social. O autor fala, então, de
distância estrutural, que seria o espaço estabelecido entre grupos de pessoas dentro de um siste-
ma social, expressos em termos de valores. Assim:
Uma tribo Nuer que está separada de outra tribo Nuer por quarenta quilôme-
tros está, estruturalmente, mais próxima desta do que de uma tribo dinka da
qual está separada por apenas vinte quilômetros. Quando abandonamos os
valores territoriais e falamos de linhagens e conjuntos etários, o espaço é me-
nos determinado pelas condições do meio ambiente (Idem, p. 123).
A discussão que Evans-Pritchard fez sobre o tempo e espaço Nuer serviu como uma liga-
ção entre os capítulos iniciais do livro e os finais. Nas últimas partes do livro, capítulos 4 (O sis-
tema político), 5 (O sistema de linhagens) e 6 (O sistema de conjuntos etários), Evans-Pritchard
demonstra o modo como as relações de grupo eram conceituadas em termos territoriais e em
termos de relações de linhagens, construídas na genealogia que se estendia pelo menos a três
gerações passadas.
Evans-Pritchard observa, ainda, que as relações políticas na terra Nuer são relações territo-
riais. A estrutura política dos Nuer consiste em um ordenamento e reordenamento dos sistemas
de linhagens, articulados num processo de fusão e oposição. Ou seja, as tribos Nuers se segmen-
tam em seções que se estruturam a partir do parentesco e das oposições ocupadas no território.
Os vários segmentos da tribo Nuer ora se fundem ora se opõem de acordo com relacionamentos
para estabelecerem a guerra ou disputas. As tribos Nuer dividem-se em segmentos primário, se-
cundário e terciário. As seções tribais primárias constituem os maiores segmentos da tribo Nuer
que, por sua vez, dividem-se em seções secundárias e terciárias (Evans-Pritchard,1993, p. 152). A
menor seção tribal, denominada terciária, “compreende várias comunidades de aldeias, que são
compostas por grupos domésticos e de parentesco” (Idem, p. 152). Evans-Pritchard mostra que
os segmentos operam a partir da fusão e da oposição a outros segmentos.
Dessa forma, o sistema político Nuer é explicado a partir das relações territoriais e políticas
que se expressam em termos de linhagens. Assim, uma tribo Nuer tinha um clã dominante que
se segmentava em unidades menores: linhagens máximas, linhagens menores e linhagens míni-
mas. Essas linhagens mantinham relações de fusão e oposição umas com as outras.
Evans-Pritchard (1993, p. 224) mostra, então, que a estrutura tribal era dividida em várias se-
ções, e os sistemas de linhagens, com suas tendências para a fusão e oposição, mantêm o equilí-
brio estrutural da sociedade Nuer, garantindo assim uma ordem em que não existe nenhum tipo
de poder centralizado. Especificamente, com relação ao sistema de linhagens, ele seria “o princí-
pio organizador da estrutura”.
Pode-se dizer que em Os Nuer, Evans-Pritchard está preocupado com o problema da ordem
social, um problema recorrente na Antropologia social britânica. Porém, não está interessado
simplesmente em mostrar como as sociedades atingem a integração social. Um ponto central
que o autor procura desvendar é como se mantém um equilíbrio estrutural. Assim, observa que,
entre os Nuer, a ordem é resultado do princípio estrutural, das relações entre grupos que man-
têm relações de fissão e fusão, cunhados a partir da ideia que Evans-Pritchard denominou de “re-
latividade social”. Assim, pode-se dizer que o conflito, expressos nas relações de oposição entre
grupos nuer, torna-se importante para o equilíbrio estrutural dessa sociedade. O conflito assume
um ponto estratégico na análise que Evans-Pritchard fez sobre os nuer, pois ele promove a or-
dem social, e consequentemente, a estrutura social.
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UAB/Unimontes - 3º Período
É nesse sentido que se pode entender a importância que as “vendetas” têm para os Nuer. As
DICA “vendetas”, uma instituição tribal, que ocorre quanto houver uma infração à lei, e como um modo
Para uma melhor com- aprovado e regulado de comportamento entre comunidades dentro de uma tribo, mantêm a
preensão da etnografia oposição equilibrada entre segmentos tribais e suas tendências complementares de fundir-se e
de Evans-Pritchard, e dividir-se, princípio básico da estrutura política nuer.
para um entendimen-
to mais aprofundado O livro de Evans-Pritchard, embora tenha sido considerado um produto da estrutura colo-
de como é possível nial, o que provocou reações contra o conhecimento antropológico por ser conveniente com o
a manutenção dos colonialismo, contribuiu para o conhecimento dos povos situados na África. Evans-Pritchard, a
sistemas políticos em partir de intenso trabalho de campo, pode mostrar como um grande grupo se estrutura sem um
sociedades sem Estado, poder centralizado, sem uma autoridade política. O trabalho de campo começa assim a ter um
leia os capítulos 3
(“Tempo e Espaço”) e novo status ou um novo reconhecimento. Assim, a Antropologia passa a se preocupar não com
4 (“O Sistema Político”) a busca do exótico em outras sociedades. O trabalho de campo possibilitou também novas mu-
do livro Os Nuer de danças teóricas na Antropologia. Em Os Nuer, pode-se apreender que a estrutura social não se
Evans-Pritchard. confunde com a estrutura concreta. O autor desloca-se da estrutura social como uma realidade
empírica para entendê-la como relações conceitualizadas pelo antropólogo. Assim, o autor con-
cebe a estrutura social como um modelo que não se confunde com a realidade, aproximando-se
da noção de estrutura que Lévi-Strausss desenvolveria posteriormente.
Vimos, então, nesta Unidade, que a perspectiva estrutural-funcionalista na Antropologia
pode ser entendida como uma reação ao evolucionismo. Como ressalta Da Matta (1990, p. 101),
os funcionalistas reagiram, sobretudo, ao conceito de “sobrevivência” dos evolucionistas. Pu-
demos ver que Malinowski foi o fundador do “programa funcionalista”. Da perspectiva fundada
ATIVIDADE por Malinowski, as sociedades eram consideradas como sistemas integralmente funcionais. Para
entender como as sociedades funcionam, Malinowski desenvolveu o conceito de cultura como
Faça uma reflexão uma resposta às necessidades biológicas. Para esse autor, as instituições existem para os indiví-
sobre a relação entre
ordem e conflito, to- duos. Por outro lado, vimos como Radcliffe-Brown, outro importante antropólogo da Antropo-
mando como referên- logia britânica, assimilou a perspectiva teórica durkheimiana ao incorporar em sua análise o en-
cia Radcliffe-Brown e tendimento dos princípios abstratos e mecanismos de integração social. Esse autor, ao elaborar
Evans-Pritchard. a ideia de função e estrutura social, interessou-se em compreender como as sociedades se man-
têm coesas. Finalmente, analisamos a etnografia de Evans-Pritchard, buscando entender como
relaciona ordem e conflito como um momento empírico, mas, sobretudo, como um problema da
teoria antropológica.
Referências
DA MATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à Antropologia social. Rio de Janeiro:
Rocco, 1990.
MALINOWSKI, Bronislaw. Uma Teoria Científica da Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
22
Ciências Sociais - Antropologia III
Unidade 2
O estruturalismo de Lévi-Strauss
Leonardo Turchi Pacheco
Carlos Caixeta de Queiroz
2.1 Introdução
O pensamento de Claude Lévi-Strauss é complexo. Não é possível abarcá-lo em poucas pá-
ginas. Nesse sentido, esta Unidade tem como proposta introduzir as ideias básicas da teoria des- DICA
se grande pensador. As subseções seguintes podem ser entendidas a partir de uma imagem: as Para se familiarizar com
ideias expostas são gotículas na imensidão oceânica do pensamento lévi-straussiano. o homem Lévi-Strauss,
Tendo essa imagem em mente, escolhemos, no primeiro momento, apresentar a trajetória leia uma entrevista
do homem Lévi-Strauss, suas influências intelectuais. Em seguida, apresentaremos de maneira realizada com ele pela
professora Beatriz
esquemática e sintética o método estruturalista, os estudos sobre parentesco, as trocas simbóli- Perrone Moises, da
cas, o totemismo e a lógica do concreto. universidade de São
Será uma grande vitória se vocês, acadêmicos, ao conhecerem as ideias de Lévi-Strauss, sen- Paulo. Essa entrevista
tirem-se estimulados a submergirem nos meandros mais complexos de sua lógica e de sua teo- se encontra na revista
ria. E se vocês, por acaso, tomarem essa decisão, será imprescindível a leitura dos livros desse de antropologia da USP
no sítio: http://www.
autor. scielo.br/scielo.php?pi-
d=s0034-77011999000
100002&script=sci_
ideias DICA
Leiam “Tristes Trópicos”,
e preste atenção aos
Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, na Bélgica, em 1908. Pouco depois, sua família se capítulos 6, 28 e 38 que
mudou para a França, onde ele foi criado. É bem possível que o pequeno Lévi-Strauss, através da são intitulados “Como
presença de seu pai, que era pintor, e da lembrança de seu bisavô, que era violinista e maestro, se faz um etnógrafo”,
tenha tido seu primeiro contato com as artes. Como morava no distrito XVI região boêmia da “Lição de escrita” e
“Um copinho de rum”,
cidade das luzes, Paris, é também bem provável que tenha tido contato desde muito cedo com a respectivamente. Se
poesia e os artifícios da linguagem. preferirem, leiam esses
Pois bem, pintura, música, poesia e linguagem, além de um galinheiro no fundo da casa, três capítulos e depois
faziam parte da vivência da infância de Lévi-Strauss. Como veremos, exceto pelo galinheiro, o se aventurem pelo
contato com as artes foram pri- resto do livro.
mordiais para a construção de
suas ideias e da Antropologia es-
truturalista. ◄ Figura 8: foto de Lévi-
Quando eclodiu a I Guerra Strauss no Brasil em
Mundial, seu pai foi recrutado e 1934.
então o pequeno Lévi-Strauss, de Fonte: Disponível em
http://i.telegraph.co.uk/
sete anos, foi morar com sua mãe multimedia/archive/01515/
e suas irmãs na casa de seu avô levi_strauss1_1515787c.
materno, que era um rabino em jpg. Acesso em 02 jun.
2014.
Versailles. Essa associação com o
judaísmo faria Lévi-Strauss fugir
para Martinica e refugiar-se em
Nova York, devido à invasão a Paris
na II Guerra Mundial.
23
UAB/Unimontes - 3º Período
Mas antes da II Guerra Mundial e antes de reinventar a Antropologia moderna e ter seu
nome associado ao movimento estruturalista, Lévi-Strauss estudou Direito, Filosofia em Sorbon-
ne e veio duas vezes ao Brasil.
Em “Tristes Trópicos” (1996), seu livro mais acessível, mas ainda assim um tratado etnológi-
co disfarçado de biografia, Lévi-Strauss conta como, desiludido com o Direito e a Filosofia, tor-
nou-se um etnógrafo. No capítulo intitulado “Como se faz um Etnógrafo”, o autor compartilha
suas percepções sobre o Direito e a Filosofia com os leitores e, de maneira mágica, descreve sua
vocação antropológica.
Lévi-Strauss conta:
Figura 9: Foto de ►
Claude Lévi-Strauss.
Fonte: Disponível
em http://www.ugr.
es/~pwlac/G26_01Pedro_
Gomez_Garcia.html.
Acesso em 02 jun. 2014.
Se o Direito se distanciava do autor, a Filosofia, por sua parte, também não contribuía para
torná-lo empolgado pelas experiências científicas. O modo como era ensinado o ofício filosófico
na Sorbonne de então fazia Lévi-Strauss um constante indignado. E, para piorar a situação, quan-
do deu aula no Liceu, uma espécie de ensino médio para os franceses, descobriu que sua vida
seria uma eterna repetição dos conteúdos apreendidos na escola de Sorbonne.
Lévi-Strauss lembra que:
Ali comecei a aprender que todo problema, grave ou fútil, pode ser liquidado
pela aplicação de um método, sempre idêntico, que consiste em contrapor
duas visões tradicionais da questão; em introduzir a primeira pelas justifica-
24
Ciências Sociais - Antropologia III
ções do sentido comum, depois em destruí-las por meio da segunda; por úl-
timo, opô-las mutuamente graças a uma terceira que revela o caráter também
parcial das outras duas, reduzidas pelos artifícios do vocabulário aos aspectos
complementares de uma mesma realidade: forma e fundo, continente e con-
teúdo, ser e parecer, contínuo e descontínuo, essência e existência etc. Tais DICA
exercícios logo se tornam verbais baseados numa arte de trocadilho que ocupa
o lugar da reflexão; as assonâncias entre os termos, as homofonias e as ambi- Para entenderem e ou-
guidades fornecem progressivamente a matéria dessas piruetas especulativas virem uma aula sobre
por cuja engenhosidade se reconhecem os bons trabalhos filosóficos. [...] A Fi- Lévi-Strauss, consulte
losofia não era ancilla scientiarum, a serva e a auxiliar da exploração científica, o site do estado de São
mas uma espécie de contemplação estética da consciência em si mesma. Viam- Paulo e ouça os comen-
na, através dos séculos, elaborando construções cada vez mais leves e audacio- tários de Luiz Zanir.
sas, resolvendo problemas de equilíbrio ou de alcance, inventando requintes Fonte: http://www.
lógicos, e tudo isso era tanto mais meritório quanto maior fosse a perfeição estadao.com.br/espe-
técnica e a coerência interna; o ensino filosófico tornava-se comparável ao de ciais/100-anos-de-levi
uma história da arte que proclamaria o gótico como necessariamente superior -strauss,38179.htm
ao românico, e no âmbito do primeiro, o flamboyante mais perfeito que o pri-
mitivo, mas em que ninguém indagaria o que é belo e o que não o é. O signifi-
cante não se reportava a nenhum significado, já não havia referente. O savoir-
faire substituía o gosto pela verdade (LEVI-STRAUSS, 1996, p. 49-50).
Essas inquietações apontam para o desapontamento com as ferramentas para atingir o co-
nhecimento proporcionado pela Filosofia. Se Levi-Strauss percebeu o Direito como algo estéril, a
Filosofia foi entendida como uma repetição esquemática para os problemas científicos. Ao que
parece, segundo o relato do autor, o caminho para o encontro com a etnografia era uma questão
de tempo, uma atração inevitável e uma vocação sempre presente no inconsciente.
E, assim, mais do que de repente um grito: Eureka! Como exclamariam os filósofos gregos ao ATIVIDADE
descobrirem e se encantarem com uma nova ideia. A Antropologia foi o grito vocacional Levi-s- Façam uma pesquisa na
traussiano, a descoberta de seu lugar no mundo das ideias, a descoberta de seu lugar no mundo internet sobre a vida de
Lévi-Strauss. Identi-
concreto.
fiquem a correlação
É assim que, de maneira poética, com uma sensibilidade ímpar, daquelas que o leitor menos entre matemática,
atento derrama lágrimas de emoção e o mais compenetrado decide mudar de vida, ele descreve linguística, música
sua descoberta. E como se não bastasse mostrar ao leitor a sua descoberta, ele ainda descreve os e pintura para o seu
meandros de sua vocação no espírito do pesquisador, do etnógrafo, aquela “profissão-vocação pensamento.
-refúgio-missão” que ele inconscientemente se viu atraído:
25
UAB/Unimontes - 3º Período
26
Ciências Sociais - Antropologia III
27
UAB/Unimontes - 3º Período
28
Ciências Sociais - Antropologia III
ATIVIDADE
Pesquisem objetos na
sua localidade; objetos
que, apesar de não
possuírem valor eco-
nômico, são valiosos
simbolicamente.
Essa circulação possuía regras definidas de modo que determinados grupos recebiam co-
lares e determinadas famílias recebiam colares mais elaborados, dependendo da aliança que o DICA
grupo visitante almejasse estabelecer. Ao receber o presente, o sujeito deveria retribuir com uma Para entender a lógica
concha ou um colar de forma que um grupo nunca permanecesse definitivamente com o objeto das trocas e alianças e
recebido. O interessante é que esses objetos – conchas e colares – não possuíam valor econômi- a teoria da reciprocida-
co, de mercado. No entanto, possuíam valores simbólicos, pois permitiam que os grupos pudes- de, leiam os capítulos
sem se aliar e prestar favores. Além disso, essas trocas estabeleciam uma memória coletiva. Era iniciais dos Argonautas
do Pacífico ocidental e,
possível, através das trocas, contar a história dos grupos e de seus antepassados envolvidos na em sequência, o ensaio
cerimônia. sobre a dádiva. Depois,
Marcel Mauss, impressionado com os relatos de Malinowski, elaborou uma teoria para en- leiam os primeiros
tender o papel das trocas de presentes nas sociedades humanas. Essa teoria foi explicada em capítulos das Estruturas
seu estudo clássico intitulado “O ensaio sobre a Dádiva”. Nesse ensaio, Mauss dialoga com a eco- elementares do paren-
tesco.
nomia, assim como havia feito Malinowski, para mostrar que existem objetos que têm um valor
29
UAB/Unimontes - 3º Período
simbólico maior que o valor econômico do que ele pressupõe. Ainda, existem objetos/dádivas/
presentes que se obrigam a estabelecer relações de trocas e movimentam vários elementos da
sociedade.
A teoria da reciprocidade se relacionada com a dádiva em uma obrigação tripla: dar, receber
e retribuir. Assim como o Kula, diversas outras cerimônias implicam que os indivíduos engaja-
dos devem dar e esperam receber mais do que deram, para depois retribuir ainda mais. É assim
que se constituem as alianças, se demonstram os afetos, e fazem das pessoas amigas umas das
outras, de maneira a estabelecer uma rede social. O nascimento da cultura pode ser pensado a
partir desse modelo social total.
E preste atenção, esse modelo regula as relações humanas de maneira universal. Na cerimô-
▲ nia ocidental conhecida como Natal, ou mesmo em outra cerimônia conhecida como Páscoa, são
Figura 18: Foto de celebradas nossas crenças religiosas e reforçados nossos mitos através de troca de dádivas. No
Marcel Mauss, o Natal são presentes que se trocam e na Páscoa são os ovos de Páscoa. É uma obrigação dar esses
homem da dádiva. presentes e se espera receber, para que numa próxima data se dê outro presente.
Fonte: Disponível em: Quem nunca ficou constrangido em receber um presente e não poder retribuir a gentileza?
http://editora.cosacnaify.
com.br/Autor/283/Marcel-
Quem nunca ficou encabulado ao receber um presente de grande valor que impossibilita a sua
-Mauss.aspx Acesso em 02 retribuição?
jun. 2014. E é importante ressaltar que a troca de presentes movimenta a esfera econômica, mas tam-
bém movimenta a esfera simbólica, de parentesco, religiosa e política da nossa cultura.
Pois bem, Lévi-Strauss ao ler o ensaio sobre a dádiva encontrou a solução para pensar o sis-
tema de parentesco. As alianças matrimonias, assim como os presentes, se estabeleciam a partir
de regras de troca. Mas, no sistema de parentesco, os grupos não trocam braceletes e nem cola-
res, muito menos presentes de Natal e ovos de Páscoa. Aqui, o que é trocado para estabelecer as
GLOSSÁRIO alianças são as mulheres. É a troca de mulheres que assegura a continuidade das relações entre
Proibição do incesto: os grupos. Trocam-se mulheres porque é assim que se estabelece a continuidade biológica do
regra que determina grupo social. E, ademais, se trocam as mulheres de um grupo pelas de um outro grupo pelo sim-
que em todas as socie- ples fato de que homens e mulheres do mesmo grupo são proibidos de se relacionarem sexual-
dades é proibido o ca- mente sem que se estabeleça uma relação incestuosa.
samento, e as relações
O tabu do incesto força um grupo a estabelecer relações com um grupo estranho e, con-
sexuais de parentes
consanguíneos mais ou sequentemente, estabelecer laços sociais. A proibição do incesto é um fenômeno que permite
menos próximos. Então, entender como o homem é um ser ao mesmo tempo biológico e social. É um fenômeno que faz
pai e filha, irmão e irmã, a oposição binária cultura e natureza se misturar. Isso porque o ser humano, como ser biológico,
mãe e filho, primos apresenta a universalidade dos instintos: todos os seres humanos se alimentam, dormem, eva-
de primeiro grau não
cuam, sorriem, choram. Mas, ao mesmo tempo, esses seres humanos não satisfazem seus instin-
podem se envolver em
relações íntimas e de tos de forma indiscriminada. Existem normas coercitivas que regulam essas funções fisiológicas,
cunho sexual. E, segun- regras que são criadas pelas culturas, regras particulares a cada uma delas. Em um lugar não se
do Lévi-Strauss, essa pode misturar alimentos e nem comer animais domésticos, em outros lugares essas normas po-
proibição não visa so- dem ser subvertidas e outras existem.
mente à continuidade
Na sociedade brasileira, o cachorro é um animal não comestível, é um animal considerado
biológica, manutenção
de filhos saudáveis, mas da família. Não existe uma regra escrita que não se pode comer o cachorro, no entanto é um
também a continuida- tabu na cultura brasileira a ingestão desse animal. Os brasileiros preferem comer vaca, em luga-
de da comunicação de res e ocasiões específicas. Assim, vão à churrascaria para se alimentar desse animal ou agrupam
alianças entre famílias seus amigos para fazer um churrasco. Na Índia, as vacas são consideradas animais sagrados e
distintas.
existe uma proibição de comê-las. Lá, a sopa de cobra é que faz sucesso. Os cachorros são igua-
rias na China e na Indonésia, mas nós, brasileiros, ficaríamos chocados se o churrasco do domin-
go fosse feito a base de carne de cachorro, da mesma forma que os judeus ficam horrorizados
GLOSSÁRIO com o nosso hábito de comer carne de porco. Na Tailândia, são as baratas fritas que nos causa-
Exogamia: casamen- riam asco. Veja bem, não falei batata frita e sim BARATA!
to entre pessoas de O ser humano é um ser universal marcado por regras coercitivas particulares. Mas, a proibi-
fora do seu círculo de ção do incesto possui ao mesmo tempo essas duas qualidades. É uma proibição universal que se
parentesco. estabelece através de regras particulares entre as culturas. Nesse sentido, a proibição do incesto
Endogamia: casa- faz parte da natureza e instaura a própria cultura.
mento entre pessoas
do mesmo círculo de Dessa forma, o autor explica a relação entre universal/particular e natureza/cultura estabele-
parentesco. cida na proibição do incesto:
30
Ciências Sociais - Antropologia III
E complementa:
DICA
Na relação matrimonial
patrilinear, a filiação
está alocada no lado
paterno. O filho/a
quando nasce per-
tence ao grupo a que
Na figura 20 temos que o homem A que pertence ao grupo A teve um filho com uma mu- pertence seu pai. Na
relação matrilinear, a
lher do grupo B. Como as relações matrimoniais são do tipo patrilinear, o filho de Pai A e Mãe B filiação está alocada no
pertencerá ao grupo A. O irmão do Pai A também pertence ao grupo A. Sua filha com uma mãe lado materno. O filho/a
de um grupo qualquer também vai pertencer ao grupo A. Isso porque as relações matrimoniais quando nasce pertence
são patrilineares e o/a filho/a vai sempre pertencer ao grupo de origem do pai. Nesse sentido, o ao grupo que pertence
modelo, chamado de primos paralelos, vai se constituir em um problema. Afinal, tanto o filho de a sua mãe.
Pai A quanto a filha de irmão de Pai A pertencem ao mesmo grupo social, ficando assim proibi-
dos de contraírem matrimônio. A relação nesse exemplo seria incestuosa, o casamento endogâ-
mico e não desejado pela sociedade.
31
UAB/Unimontes - 3º Período
Na figura 21 temos que o Pai que pertence ao grupo A teve um filho com mulher do grupo
B. Como as relações matrimoniais são do tipo patrilinear, o filho de Pai A e Mãe B pertencerá ao
grupo A. Mas, temos também que a irmã A de pai A casou com um homem do grupo B. A filha
DICA dessa união pertence ao grupo do homem B. Portanto, temos primos cruzados, em que o filho
de Pai A é pertencente ao grupo A e a filha de irmã A de pai A é pertencente ao grupo B. O casa-
Para uma crítica dos mento entre A e B é permitido e desejável. Portanto, nesse caso não há problema, pois a relação
antropólogos ingleses
ao pensamento de Lé- não é incestuosa e o casamento é exogâmico, reforçando as alianças e as trocas entre dois gru-
vi-Strauss, leiam o livro pos diferentes.
de Edmund Leach: As Nesse modelo de casamento patrilinear é possível perceber um modelo de troca restrita en-
ideias de Lévi-Strauss. tre um grupo e outro. E também é possível perceber que a célula elementar das relações de pa-
rentesco não são famílias isoladas, mas sim as relações entre as diversas alianças matrimoniais.
Lévi-Strauss, ao pensar o parentesco, aplicou um dos pontos fundamentais da Linguística de
Ferdinand de Saussure: a relação entre os sons que comunicam e dotam as frases de sentido. É
possível fazer uma analogia entre parentesco e linguagem: o parentesco é uma linguagem.
Lévi-Strauss aponta que[...]
Assim como a língua falada e a economia, o parentesco comunica algo. Essa forma de co-
municação é que faz a cultura emergir da natureza, pois, ao comunicar algo através de trocas de
bens, da linguagem e de mulheres, a ordem transforma a natureza em cultura. A cultura é feita
de sons e símbolos.
DICA
Querem saber um
pouco mais e se apro-
fundarem no pensa-
mento durkheimiano?
2.5 Totemismo e a lógica do
Querem saber sobre
a relação entre totem
e religião? Então se
concreto
debrucem sobre o livro
“As formas elementares
da vida religiosa”. Leiam
O totemismo é uma prática que consiste em associar um clã ou uma linhagem a uma forma
primeiro a introdução e simbólica, geralmente, um animal ou uma planta.
a conclusão, depois de Os antropólogos sempre foram fascinados e ficaram intrigados por essas formas associa-
lidas essas partes deem tivas. No totemismo era como se os indivíduos e seus respectivos grupos ficassem conectados
sequência ao livro com os animais e plantas totêmicas. Os animais e as plantas se assemelhavam a um membro da
como um todo.
família desse grupo. Eram ancestrais irmãos para os clãs que os escolhiam como representativos,
pensavam os antropólogos. Os animais e plantas relacionados com o clã não podiam ser comi-
dos. Havia uma série de interdições sobre o seu uso, só algumas pessoas podiam tocá-los em
momentos pré-determinados.
O antropólogo Émile Durkheim, ao escrever as “Formas elementares da vida religiosa”, pen-
sou o totemismo como uma forma primitiva de religião. Os totens eram adorados porque a so-
ciedade se representava a partir deles. Os totens eram animais sagrados com poderes divinos.
A teoria sobre o totemismo é antiga. Além de Durkheim, outros pensadores se debruça-
ram sobre seus mistérios. Desde o século XIX em diante, pensadores como Sir. James Frazer, Sig-
mund Freud e Arnold Van Gennep, só para ficar com os mais conhecidos, elaboraram teorias
sobre o totemismo. O desafio de todos eles era o mesmo: definir o que era e no que consistia o
totemismo.
32
Ciências Sociais - Antropologia III
DICA
Querem saber um
pouco mais sobre a
relação entre totemis-
mo e histeria? Leiam,
então, “Totem e tabu”
de Sigmund Freud.
DICA
Pensem como nossa
cultura também se
utiliza de totens para
pensar as semelhanças
Lévi-Strauss, ao abordar o totemismo, retoma as primeiras teorias sobre o que era o fenô- e diferenças. Um exem-
plo na nossa sociedade
meno para mostrar como elas eram percepções arbitrárias de seus formuladores. Os autores que pode ser dado pelos
estudaram o totemismo antes de Lévi-Strauss conectavam arbitrariamente diferentes elementos mascotes dos times de
que não tinham relação um com o outro. Essa arbitrariedade distorcia o papel do totem para o futebol. Os mascotes
homem dito “primitivo” e tornava sua lógica de pensamento como inferior ao do homem dito podem ser pensados
moderno. como totens. Em Minas
Gerais, nós temos
Para Lévi-Strauss, o totemismo era uma fantasia criada pelos antropólogos para explicar as Atlético=galo, Cruzei-
diferenças entre o pensamento primitivo e o civilizado. ro=raposa, América=-
Lévi-Strauss determina: o totemismo não existe. O que existe são ilusões totêmicas. Os sig- coelho, Vila Nova=leão,
nos totêmicos associados aos “primitivos” fazem deles diferentes dos homens civilizados. Ao se Funorte=formiga. No
atribuir ao “pensamento selvagem” um sistema de classificação e identificação da realidade vi- nível nacional, nós
temos: Flamengo=uru-
vida a partir de plantas e animais, tenta-se operar diferenciações hierárquicas entre eles e nós. bu, Palmeiras=porco,
Eles são selvagens e, portanto, pensam através da natureza; e nós somos civilizados e, portanto, Goiás=periquito,
pensamos através da cultura. Santa Cruz=cobra, São
Lévi-Strauss contesta essa percepção da lógica “primitiva”, “selvagem”. Para esse autor tanto Paulo=veado, e assim
os ditos homens “selvagens” como os homens ditos “modernos” classificam e entendem a realida- por diante. E todos eles
podem ser represen-
de que os cerca de maneira semelhante. tados simbolicamente
Na concepção Lévi-straussiana, o totemismo é um instrumento de classificação. É um códi- como tendo caracte-
go, uma linguagem simbólica. É um sistema metafórico em que as sociedades descrevem e pen- rísticas que os definem
sam em si mesmas, suas estruturas e instituições. É um sistema que permite que as sociedades enquanto tal.
se pensem através de associações. Portanto, a lógica do totemismo se faz por associações. Essa Por exemplo: Atlético=-
galo=guerra=masculi-
lógica opera tomando os objetos a partir de suas semelhanças e diferenças. Dessa forma, certos no, Cruzeiro=raposa=-
elementos concretos retirados e observados da natureza se apresentam como parâmetro para se dissimulado=feminino,
classificar um grupo, um clã, uma linhagem. Fluminense=pó de
arroz=delicado=femi-
Por exemplo: nino, Flamengo=uru-
bu=rapina=masculino,
Clã A = jaguar = caçador / Clã B =urso = caçador (relação de aliança e não rivalidade). América=coelho=es-
Clã C = urubu = ave de rapina/ Clã D = falcão =ave de rapina (relação de aliança e não rivali- perto=masculino.
dade).
Clã A + Clã C = relação de conflito, rivalidade.
33
UAB/Unimontes - 3º Período
Outro exemplo:
Dois pássaros podem se diferir pelas cores,
pela forma de cantar e de atrair as fêmeas. Dois pre-
Figura 23: Os totens ►
dadores se assemelham porque caçam a noite, ou
modernos são os
mascotes de times de se diferenciam porque um caça de noite e outro de
futebol? dia.
Fonte: Disponível em O totemismo, apesar de parecer exótico, é um
http://umavezsemprefla. sistema complexo que oculta uma lógica refinada. É
blogspot.com. Acesso em
02 jun. 2014. isso que afirma Lévi-Strauss. O totemismo esconde
um sistema simbólico perfeitamente coerente. Um
sistema que é universal. Todas as formas estruturais
de pensamento são universais, independentemente
de quem pense. No pensamento do homem primi-
tivo e no pensamento do homem moderno, o que
modificou não foi a maneira de pensar, mas sim as
classes de coisas utilizadas para aplicar esse pensa-
mento. Não existe um pensamento pré-lógico e ou-
tro lógico. Um que por ser pré-lógico seria irracio-
nal e outro que por ser lógico seria racional. Um que
seria momentâneo e interessado, e outro que seria
duradouro e desinteressado.
O homem primitivo, assim como o homem mo-
Figura 24: Os totens ► derno, pensa além do momento. O homem primiti-
modernos são os vo não pensa somente nas satisfações básicas ime-
mascotes de times de diatas. Não é porque precisa caçar sem que sua vida
futebol? seja ameaçada que divide os animais entre comestí-
Fonte: Disponível em veis e não comestíveis e as plantas entre venenosas
galodoidomoc.zip.net.
Acesso em 02 jun. 2014. e não venenosas.
O homem primitivo vai além. Seu pensamen-
to também é desinteressado. O pensamento sel-
vagem, como definiu Lévi-Strauss, é impulsionado
por uma “vontade de conhecimento”. Assim, como
o pensamento dito civilizado, o pensamento selva-
gem opera a partir de ações associativas e classifi-
catórias. É um pensamento que tem como lógica as
coisas concretas. E a partir das coisas observáveis,
vividas e, portanto, concretas, ordena a realidade
social. A organização, a ordem é a base do pensa-
mento primitivo.
A lógica do concreto funciona da seguinte ma-
neira: o homem primitivo utiliza os objetos de sua
experiência vivida, utiliza da sua percepção senso-
rial, odores, sabores, sons, para construir as percep-
ções sobre a natureza e construir sistemas simbóli-
cos de classificação da realidade que o cerca. Todo o
universo pode ser equacionado através da associa-
ção entre tempo, espaço e seus símbolos. O pensa-
mento concreto opera pela lógica das relações asso-
▲ ciativas.
Figura 25: Os totens Por exemplo:
modernos são os
mascotes de times de
futebol?
Fonte: Disponível em
www.atletico.com.br.
Acesso em 02 jun.2014.
34
Ciências Sociais - Antropologia III
Como se percebe, a lógica do concreto se faz por analogias. Por outro lado, a lógica mo-
derna se faz por abstrações. Na lógica concreta, o gorjear de um pássaro pode ser associado ao
crepitar de uma brasa no fogo. Assim, quando uma ave gorjeia pode ser um sinal do momento
ideal para realizar queimadas e iniciar o cultivo. O grito de um pássaro por recordar o gemido de
um animal agonizante, abatido em caçadas, pode indicar um presságio para o início das caçadas.
Lévi-Strauss associa a lógica do concreto com a atividade do bricoleur e a diferencia da ló-
gica moderna que é associada com o trabalho do engenheiro. O bricoleur trabalha com signos
e o engenheiro com conceitos. Outra diferença é que o engenheiro cria materiais novos e utiliza
instrumentos especiais para produzir objetos, enquanto o bricoleur utiliza materiais, que têm um
passado e que serviam a outra utilidade.
Lévi-Strauss diferencia, assim, a atividade do Bricoleur e do Engenheiro no livro “O Pensa-
mento Selvagem”:
O bricoleur está apto a executar grande número de tarefas diferentes; mas, di-
ferentemente do engenheiro, ele não subordina cada uma delas a obtenção
de matérias primas e de ferramentas, concebidas e procuradas na medida do
seu projeto: seu universo instrumental é fechado e a regra de seu jogo é a de
arranjar-se sempre com meio-limites, isto é, um conjunto, continuamente res-
trito de utensílios e materiais, heteróclitos, além do mais, porque a composição
do conjunto não está em relação com o projeto do momento, nem, aliás, com
qualquer projeto particular, mas ao resultado contingente de todas as ocasiões
que se apresentaram para renovar e enriquecer o estoque, ou para conservá
-lo, com resíduos de construções e de destruições anteriores. O conjunto dos
meios do bricoleur não se pode definir por um projeto (o que suporia, aliás,
como o engenheiro, a existência de tantos conjuntos materiais quantos os gê-
neros do projeto, pelo menos em teoria); defini-se somente por sua instrumen-
talidade, para dizer de maneira diferente e para empregar a própria linguagem
do bricoleur, porque os elementos são recolhidos ou conservados, em virtude
do princípio de que “isso sempre pode servir” (LÉVI-STRAUSS, 1970, p. 38-39).
Para criar um instrumento musical, como uma bateria, o engenheiro cortaria as árvores para
manufaturar e dar formas aos tambores. Depois utilizaria o ferro, carbono, acrílico, alumínio para
as ferragens e outros elementos, como o bronze, o cobre, a prata, o ouro e diversos tipos de me-
tais para os pratos. E tudo isso seria construído com um maquinário adequado, especialmente
pensado com o intuito de manufaturar a matéria-prima bruta e transformá-la em instrumento
musical.
O bricoleur, para fazer o mesmo produto, utilizaria latas de lixo, tábua de passar roupa, pa-
nelas, baldes para construir os tambores que são amarrados num varal, cabo de vassouras para
construir as estantes de pratos e assim por diante. Na figura que segue é possível perceber que
todos os objetos utilizados já haviam sido manufaturados e pensados para serem utilizados em
35
UAB/Unimontes - 3º Período
outra função que não a de instrumento musical. No entanto, nas mãos de um bricoleur , esses ob-
jetos foram reordenados e consequentemente ressignificados.
GLOSSÁRIO
Bricolagem: trabalhos
ou conjunto de traba-
lhos manuais feitos em
casa, para distração ou
economia.
A conclusão a que se chega é que a lógica do concreto e o pensamento simbólico dos povos
DICA primitivos não são melhores nem piores do que o pensamento abstrato científico utilizado pelos
povos modernos. Eles são apenas diferentes, pois utilizam estratégias diferentes para classificar e
Se você tem mais de 20
anos, deve se lembrar
ordenar a realidade. A lógica dita primitiva pode ser tão sofisticada quanto a mais sofistica lógi-
de um seriado norte ca da mais sofisticada sociedade que já existiu. A grande descoberta de Lévi-Strauss reside aí. E
-americano chamado mais, para conhecer a profundidade da lógica primitiva é necessário se ater a sua arte. É a partir
MacGyver. Nele um dos elementos artísticos, como a pinturas corporais, ou em objetos como as máscaras, a cerâmi-
agente secreto, Angus ca, a música, os mitos, que se torna possível desvendar a estrutura do pensamento e as estrutu-
MacGyver, resolvia
todos os problemas
ras organizacionais das culturas, ditas primitivas.
com seu inseparável ca-
nivete suíço. MacGyver
Referências
pode ser considerado
o símbolo máximo do
bricoleur.
_________. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1970.
_________. Claude Lévi-Strauss, Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
_________. O Cru e o Cozido (mitológicas 1). São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
WISERMAN, Boris. Lévi-Strauss Para Principiantes. Buenos Aires, Arg: Era Naciente SRL, 2002.
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Ciências Sociais - Antropologia III
Resumo
UNIDADE I
Na unidade sobre a Antropologia britânica foram abordadas, de forma introdutória, as
questões:
UNIDADE II
Na unidade sobre o pensamento de Lévi-Strauss, foram introduzidas as seguintes questões:
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Ciências Sociais - Antropologia III
Referências
Básicas
Complementares
FREUD, S. Totem e Tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1974. (Cap. 1 – “O horror ao incesto”).
LÉVI-STRAUSS, C. A Oleira Ciumenta. São Paulo: Brasiliense, 1986. (Cap. 14 – «Totem e Tabu, ver-
são jivaro»)
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. (Capítulos
II - “Jean-Jacques Rousseau, fundador das Ciências do Homem”; Cap. IX – “A Gesta de Asdiwal”;
Cap. X – “Quatro Mitos Winnebago”; Cap. XIII – Relações de Simetria entre Ritos e Mitos de Povos
Vizinhos”; Cap. XVIII – “Raça e História”).
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970. (Cap. 9 – "O
feitiçeiro e sua magia"; Cap. 10 – "A eficácia simbólica").
LÉVI-STRAUSS, C. Totemismo hoje. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, 1976.
MERLEAU-PONTY, M. “De Mauss a Claude Lévi-Strauss”. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os
Pensadores, 1980.
Suplementares
CAIXETA DE QUEIROZ, Rubem. & NOBRE, Renarde F. (orgs.). Lévi-Strauss: leituras brasileiras.
Belo Horizonte: UFMG, 2008.
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UAB/Unimontes - 3º Período
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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Ciências Sociais - Antropologia III
Atividades de
Aprendizagem – AA
1) Discorra sobre as linhas gerais da abordagem estrutural-funcionalista na Antropologia.
3) Analise as questões e assinale (V) para as alternativas verdadeiras ou (F) para as falsas.
a) ( ) Com o funcionalismo há um deslocamento da preocupação em reconstruir uma história li-
near universal da evolução das sociedades para focalizar a estrutura e o funcionamento da cultura.
b) ( ) Na abordagem funcionalista, a ênfase é colocada no funcionamento da cultura, numa pers-
pectiva sincrônica de estudo e pesquisa.
c) ( ) Para os funcionalistas, as sociedades humanas e suas respectivas culturas não podem ser
analisadas como um todo orgânico, constituídos de partes interdependentes.
d) ( ) Os funcionalista formularam a seguinte proposição: a cultura não pode ser entendida
como um aglomerado de partes ou traços desconectados. Cada elemento da cultura é entendi-
do como tendo uma função específica no esquema integral.
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UAB/Unimontes - 3º Período
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